Giorgos Marinos*
22/01/2022
As grandes greves e as
massivas manifestações operárias e populares que sacudiram o Cazaquistão no início
do ano mostraram que, inclusive em condições de contrarrevolução, duras
perseguições, legislação política e sindical draconiana, proibição de 600
sindicatos, de partidos e organizações comunistas, as contradições sociais
transcendem os acontecimentos e podem explodir quando se formam as condições
necessárias, podem intensificar-se e transformar-se em conflito social entre a
classe trabalhadora e a burguesia, confirmando que "o que não acontece em
um ano acontece em pouco tempo". A luta de classes, como motor do
desenvolvimento social, tem uma base objetiva e expressa o conflito intratável
entre exploradores e explorados. Isso foi vivenciado no Cazaquistão, localizado
em uma área de grande importância estratégica, confirmando que “o que não
acontece em um ano, pode acontecer em uma hora”. A luta de clases, como motor
do desenvolvimento social tem base objetiva e expressa o conflito inconciliável
entre os exploradores e os explorados. Isto foi experimentado no Cazaquistão,
situado em uma zona de grande importância estratégica, com papel importante na
economia global, acesso ao mar Cáspio, dotado de enormes reservas de hidrocarbonetos,
produtor de 70% do PIB dos Estados da Ásia Central, possuidor de fontes de
riqueza importantes, como gás natural, petróleo, urânio, ouro e outros minerais.
Os monopólios do Cazaquistão
exploram a classe trabalhadora junto com os monopólios estadunidenses da
"Chevron" e "ExxonMobil", os europeus da "Eni",
"Shell", "Total", a China National Oil Company (CNPC) e
outras grandes empresas chinesas, russas, holandesas, belgas, francesas que
investiram bilhões de dólares no país.
A burguesia do Cazaquistão
segue a chamada "política multidimensional". Dá prioridade às
relações com a Rússia e mantém relações fortes com a China, EUA e outros países
capitalistas fortes, para garantir da forma mais eficaz seus próprios
interesses e fortalecer sua posição na região. Participa da Organização de
Cooperação de Xangai, na Organização do Tratado de Segurança Coletiva e faz
parte da “Nova Rota da Seda” promovida pela China. Ao mesmo tempo, participa da
chamada "Cooperativa para a Paz" da OTAN, em exercícios da OTAN, tem
reforçado a colaboração e a relação com os Estados Unidos, que, além disso,
mantém na região laboratórios de guerra biológica , assim como com a UE, para a
qual exporta a maior parte de sua riqueza energética, faz parte da
"Organização dos Estados Turcos", promovida pela Turquia que, por sua
vez, integra a OTAN.
Os interesses dos EUA,
Rússia, China, União Europeia e da Turquia são intensos, os antagonismos inter-imperialistas
e as contradições inter-burguesas estão colocadas, porém isso não oculta o peso
das mobilizações populares, da luta de classes, não se pode subestimar sua importância.
Ao contrário, esse fato destaca ainda mais a importância das lutas
desenvolvidas sob estas duras condições.
As
mobilizações populares se desenvolveram em um determinado terreno
No Cazaquistão, assim como
em todos os estados da antiga União Soviética, as marcas da derrubada do
socialismo e da restauração do capitalismo são indeléveis, com duras
consequências contra a classe trabalhadora e as camadas populares. O poder do
capital e a propriedade capitalista nos meios de produção, o desenvolvimento
apenas com critérios de lucro e a política antipopular implementada pelos
governos de Nazarbayev, após a contrarrevolução, pioraram o padrão de vida ano
após ano. Grandes massas populares se viram em condições de pobreza e desemprego,
os serviços sociais foram degradados, o grau de exploração atingiu níveis
elevados, os capitalistas locais e estrangeiros que entraram dinamicamente em
ramos de importância estratégica aumentaram sua riqueza.
A classe trabalhadora reagiu
e, em 2011, no oeste do Cazaquistão, na cidade de Zanaozen, foram organizadas
greves na indústria de mineração que duraram meses inteiros, enfrentaram uma
repressão brutal, tiveram mortos, feridos e um grande número de presos. O Estado
burguês baniu o Partido Comunista e centenas de sindicatos.
Essa luta foi um legado para
a classe trabalhadora e impactou o período seguinte. Com a entrega do controle
por Nazarbayev a seu sucessor na presidência Tokaev e a mudança no governo
burguês em 2019, a política antipopular continuou, a polarização entre riqueza
e pobreza se multiplicou, a contradição entre capital e trabalho tornou-se
ainda mais aguda.
Nos dois anos anteriores
aconteceram novas greves promovidas por sindicatos ou comitês de greve não
reconhecidos oficialmente pelas autoridades, enquanto o aumento do preço do gás
natural, anunciado no início o ano, que objetivamente levaria a uma carestia
geral de alimentos e bens amplamente consumidos, foi a faísca que acendeu o
fogo das grandes lutas operárias-populares, da insurreição que ocorreu no
começo de janeiro.
As manifestações começaram
no oeste do Cazaquistão, na região de Magistau, em Aktau e Zanaozen por
iniciativa dos trabalhadores da indústria do petróleo que protagonizaram a
luta. Surgiram formas de auto-organização, formaram-se conselhos de trabalhadores.
Esse exemplo dirigiu e deu início à generalização das mobilizações que se
expandiram para regiões críticas e atravessaram o país.
Essas
lutas têm traços qualitativos importantes
O proletariado industrial
teve o papel principal, paralisou a indústria mineira, a metalurgica, grande
parte das minas de carvão, o coração da economia. Os trabalhadores da indústria
petrolífera da empresa "Tengiz chevr oil" no Mar Cáspio, controlada pelo
capital estadunidense, entraram na luta. Se mobilizaram desempregados, camadas
populares muito pobres que entraram em confronto com a polícia. Protestos em
massa foram organizados nas grandes cidades, nos centros periféricos do norte e
no leste do Cazaquistão, houve ocupações de prédios.
A
tática do regime burguês
Os apelos à "paz
social" foram inicialmente combinados com uma tentativa de aliviar a
situação, com promessas de redução do preço do gás natural. O presidente
Tokayev demitiu o primeiro-ministro e o governo, tirou Nazarbayev do cargo de
presidente do Conselho de Segurança, mas os trabalhadores rebeldes insistiram,
continuaram as mobilizações com maior intensidade, tendo a greve como arma
básica. A tentativa de incriminar as formas de luta não teve êxito. A classe
trabalhadora não vai se ajoelhar diante da legalidade burguesa; ela está
seguindo a forma que faz a luta mais eficaz.
Este fato tem grande
importância porque, apesar das dificuldades no desenvolvimento da luta
operário-popular, os trabalhadores tiveram os reflexos para defender a independência
da luta, rechaçaram o envolvimento nas contradições interburguesas, entre a
camarilha presidencial atual e a anterior, que se intensificaram no processo. As
mobilizações muito menos foram atreladas aos objetivos do banqueiro Ablyazov,
que tramava intervenções do exterior, como representante de setores da
burguesia ligados aos EUA.
O Estado burguês se viu numa
uma situação bastante difícil, declarou o país em estado de emergência, usou
uma repressão feroz, cometeu dezenas de assassinatos e, inclusive usou grupos
de provocadores em seus planos. Sob o pretexto de um ataque de “terroristas”, convocou
a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), liderada pela Rússia,
para enviar unidades militares especiais para o lado do governo burguês que
estava matando a classe trabalhadora, o povo em luta.
Uma vez mais, ficou
demonstrado que as burguesias em coalizão e as alianças imperialistas formadas
pelos Estados capitalistas não hesitam em ajudar a salvaguardar o poder burguês
e consolidar sua posição contra seus concorrentes.
Esses fatos são conclusivos
e expõem todos aqueles que, com sua posição, inclusive alguns partidos
comunistas, que se dirigiram contra a luta popular, a incriminaram, aceitaram
as alegações do governo burguês e apoiaram a intervenção imperialista da
Rússia, deram pretextos para intervenções Euro-Atlânticas a serviço das
burguesias.
Existe a experiência das
chamadas "revoluções coloridas", com a intervenção dos EUA e da UE,
como no caso da Ucrânia, com a participação de grupos provocadores, que
intervêm ativamente nesses casos, mas esses fatos não implicam a condenação das
lutas populares, pelo contrário, tornam necessário o seu apoio, como expressão
mais decisiva da solidariedade internacionalista.
A luta de classes não se
leva a cabo de uma forma "clara", ela está envolvida na complexa teia
de contradições interburguesas e antagonismos imperialistas. Os comunistas
devem distinguir os novos elementos que existem em cada momento e se posicionar
com critérios de classe; manifestar seu apoio à luta operária-popular; estudar
a orientação desta luta; rejeitar posições que levem ao aprisionamento ao lado
de um ou outro setor da burguesia, de um ou outro centro imperialista. Isso é
de particular importância no caso dos eventos no Cazaquistão.
Os membros, as forças que
estão agrupadas no Movimento Socialista do Cazaquistão, em condições de
clandestinidade, em um ambiente de correlação de forças muito negativa, se
envolveram na luta, tentaram intervir nos acontecimentos, mais especialmente na
região de Zhanaozen. A indignação e a raiva se converteram em ação organizada.
As demandas pelo aumento de salários e pensões, a contenção de preços, a
oposição ao aumento da idade de aposentadoria e às privatizações, a demanda
pela demissão do governo, a reivindicação por direitos e liberdades políticas,
entre outros, jogaram um papel decisivo no agrupamento e mobilização dos
trabalhadores.
Eventos
no Cazaquistão levantam questões muito importantes
O apelo do regime burguês ao
seu aliado, a Rússia capitalista, por apoio militar, centrou-se na ação do
"inimigo interno", o povo combatente, e expressou o medo diante da
escalada da luta de classes e da formação das condições de situação
revolucionária. A burguesia defendeu sua dominação e tomou suas medidas para
manter o controle, para evitar a "formação de brechas, nas quais o
descontentamento e a perturbação das classes oprimidas pudessem infiltrar".
Os problemas destacados,
como em outros casos nos últimos anos, quando forças populares apareceram em
primeiro plano de forma massiva, são: o nível do fator subjetivo, a situação do
movimento revolucionário, do movimento operário, já que não tinham força e a
orientação de adequar os objetivos da luta e a escalada da luta, para
orientá-la na direção da ruptura total com o poder burguês.
Consequentemente, a
conclusão chave tem a ver com a necessidade da existência de um Partido
Comunista potente, com uma estratégia revolucionária e fortes laços com a
classe trabalhadora para intervir no confronto de classes; formar e usar a
posição militante contra o poder burguês; utilizar as brechas criadas pelas
contradições interburguesas; proteger a luta da intervenção das forças
burguesas e reformistas, dos mecanismos de provocação locais ou estrangeiros;
preparar diariamente a classe operária para a derrubada do sistema de
exploração, em condições de situação revolucionária. Este é o tormento dos
capitalistas e seus representantes políticos.
Os recentes acontecimentos
no Cazaquistão são uma fonte para retirar experiência e ensinamentos, aportam
novos elementos na luta de classes, no conflito da classe trabalhadora contra a
burguesia, assim como na confrontação que se desenvolve no movimento comunista.
Surgiu a necessidade do reagrupamento revolucionário do movimento comunista. O
KKE continuará a contribuir com todas as suas forças neste intento.
*Giorgos Marinos, membro do Birô Político do CC do KKE
(Partido Comunista da Grécia).
Edição: Página 1917 ( https://pagina1917.blogspot.com/
)
Fonte: https://inter.kke.gr/es/firstpage/
Publicado na revista Rizospastis em 22/01/2022.
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