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quarta-feira, 25 de maio de 2022

Guerra na Ucrânia

Preparação de Conflitos  Interimperialistas Ainda Maiores!

2ª Nota política conjunta do Cem Flores e do Bandeira Vermelha

O proletariado é a maior vítima da guerra imperialista


25 de maio de 2022.

Os coletivos Bandeira Vermelha e Cem Flores publicamos, em 18 de fevereiro de 2022, alguns dias antes da invasão russa à Ucrânia, uma nota conjunta afirmando que:

  1. A Ucrânia havia se tornado “o principal palco da disputa entre União Europeia (UE), EUA e Rússia na disputa por ampliação (EUA e UE) ou manutenção (Rússia) de zonas de influência para seus interesses imperialistas.”
  2. Que as tensões na região demonstram “agravamento das contradições em função da persistente e crescente crise do capitalismo a nível mundial, o que torna cada vez mais urgente a procura de novos espaços onde as economias imperialistas em crise se possam expandir e tentar ultrapassar a crise iniciada em 2007/08 com a conquista de novos mercados e novas fontes de energia. O que também implica o estabelecimento de novas alianças políticas, econômicas e militares.
  3. Que aos Estados Unidos interessava estimular o confronto na Ucrânia, contrapondo a Rússia à União Europeia pois enfraquecia “dois poderosos concorrentes, deixando-o sozinho frente à China”, além de que “veria exponencialmente aumentado o grau de dependência dos países europeus face ao imperialismo norte-americano.”
  4. Que “a ameaça de guerra na Ucrânia, de forma indireta, também põe em cena o conflito crescente entre as duas principais potências imperialistas de hoje: os EUA e a China. Esta última tem dado sinais mais fortes de apoio à Rússia, em clara mensagem aos EUA. (…) Os EUA têm reforçado suas alianças que buscam frear a expansão chinesa, ao mesmo tempo que impulsionam a escalada de uma guerra no leste europeu.”
  5. E a nota conjunta finalizava destacando que não havia resistência proletária a esse avanço da guerra imperialista “porque o campo comunista e anti-imperialista está muito enfraquecido e desorientado, não tem um núcleo coerente e firme e está eivado de todo o tipo de posições reformistas, conciliatórias e interclassistas que o paralisam quase que por completo. Contra este desastroso estado de coisas, tornam-se cada vez mais urgentes as tarefas de reconstruir partidos comunistas em todos os países e reerguer uma nova corrente internacional que deite fora todo esse lixo centrista e avance na posição revolucionária, a partir de sólidas ligações com as massas proletárias e trabalhadoras e suas vidas e lutas.”

Concluído o terceiro mês dessa nova fase da guerra na Ucrânia, novo desdobramento do conflito iniciado em 2014, podemos afirmar que os pontos e as tendências principais destacados nessa nota conjunta estavam e continuam corretos. Esses desdobramentos confirmam nosso entendimento de que o conflito reforça as tendências para uma nova ordem mundial, hegemonizada pela contradição interimperialista entre EUA, potência em declínio relativo, e China, potência ascendente. Nessa nova ordem imperialista, União Europeia e Rússia deverão ser remetidas (não sem contradições e disputas) à condição de potências regionais subordinadas aos interesses e esferas de influência das duas grandes potências imperialistas. Além disso, as duas principais potências imperialistas travam uma acirrada disputa para consolidar suas alianças regionais (EUA com Quad, Aukus e a nova Estrutura Econômica Indo-Pacífica; China principalmente com a nova Rota da Seda e inúmeras outras iniciativas regionais) e incorporar países em disputa.

Mesmo com todo o controle dos órgãos de informação, tentando apresentar um lado ou outro dessa contenda como “defensores da democracia e da liberdade” (sic!) ou como “resistentes nacionalistas ou combatentes antinazistas” (sic!), mostrando claramente a quem servem esses monopólios da mídia, o que ficou claro aos que querem ver é que se trata, fundamentalmente, de uma guerra por razões econômicas e geopolíticas, de interesses imperialistas, por espaços de expansão ou manutenção da reprodução dos monopólios, uma guerra como extensão da luta política e da concorrência entre blocos e países imperialistas.

Nesses três meses de conflito aberto, gastos militares astronômicos e devastação, vimos os EUA e a OTAN aprofundarem sua influência e seu controle sobre o bloco europeu, utilizando-o para prolongar ao máximo a guerra na Ucrânia, com gigantesco apoio militar ao governo fantoche de Zelensky, em seu interesse de isolar politicamente e enfraquecer econômica e militarmente a Rússia. Mesmo às custas da destruição completa da vida de milhões de ucranianos além da infraestrutura do país.

O conjunto das violentas sanções econômicas anunciadas pelos EUA e seus aliados contra a Rússia indica claramente os interesses em jogo. No entanto, a implementação efetiva bem mais limitada dessas sanções demonstra as intrincadas relações econômico-financeiras entre Rússia e Europa (principalmente), além de também expressar o menor peso dos EUA na economia mundial. Vários países no mundo adotam diversos subterfúgios para evadir as sanções ou propõem calendários extremamente largos para sua implementação, dados os elevados prejuízos que o corte das relações comerciais com a Rússia acarretaria, principalmente em virtude da dependência energética do gás e petróleo russos. Outros, nomeadamente a esmagadora maioria dos países africanos, asiáticos e latino-americanos, resistem a tomar partido nesse confronto.

Do outro lado, a Rússia avança militarmente no controle do leste industrial da Ucrânia e de todo o sul do país, no litoral do Mar Negro. A afirmar-se esse quadro militar atual, a Rússia terá dominado a região industrial do país e toda a saída para o mar, inviabilizando uma posterior recuperação econômica da Ucrânia, o que porá em grave risco a segurança alimentar de muitos países que dependem da importação do trigo ucraniano. Mas se há algo que nem os EUA/OTAN/UE, a Rússia ou a China e o próprio governo de Zelensky estão preocupados é com a Ucrânia e menos ainda com seu povo trabalhador e todos os outros países que sofrem e sofrerão ainda mais no futuro as consequências da guerra. Suas únicas preocupações são com os lucros e os negócios dos capitais que representam.

Como desdobramento desse quadro, Rússia e China aprofundam seus elos políticos, econômicos e militares e reforçam-se como aliança imperialista a fazer frente aos EUA e a UE. Arrastam consigo um significativo número de países, principalmente por conta das relações econômicas chinesas espalhadas pelo mundo todo e pela força de atração que exerce essa gigantesca economia imperialista junto aos capitais em todo os países.

Todos os fatos apontam no sentido do agravamento de todas as contradições na conjuntura mundial e a tendência à expansão dos conflitos militares imperialistas.

Como também afirmamos em nossa nota anterior, reforçado pelos fatos atuais, “mais uma vez, as palavras de Lênin permanecem verdadeiras: o imperialismo, a fase monopolista do capitalismo, tem como tendências irrefreáveis a violência e a guerra. A violenta concorrência entre os capitais, acirrada na fase monopolista, tem como um de seus desdobramentos necessários a disputa entre estados capitalistas, entre as potências imperialistas e seu poderio bélico cada vez maior, por suas zonas de influência ao redor do mundo.”

Essa guerra, resultado do avanço das contradições interimperialistas, ampliadas desde a crise de 2007/2008, aprofunda ainda mais o estado depressivo da economia mundial (ao mesmo tempo que o reforça a curto e médio prazo), que nem sequer havia conseguido superar os efeitos da pandemia da Covid em 2020/2021. Essa crise prolongada vem reconfigurando a divisão internacional do trabalho, com a China apresentando-se cada dia mais como a potência imperialista em ascensão, disputando com os EUA, que vê sua hegemonia enfraquecer.

Como efeitos da crise da Covid, das quebras nas cadeias internacionais de produção e distribuição e da guerra da Ucrânia, a inflação dispara em todos os países do mundo, atingindo principalmente alimentos, combustíveis e energia, aprofundando ainda mais os efeitos da crise sobre os/as trabalhadores/as de todo o mundo. Para garantir os bilhões de dólares para a máquina de guerra, os Estados capitalistas cortam ainda mais os já combalidos programas sociais, reduzem salários e retiram conquistas trabalhistas, aprofundando a exploração dos/as trabalhadores/as nos seus países, preparando-se para os embates econômicos/militares na nova situação internacional. Em resumo, a crise e a guerra imperialista impulsionam os monopólios capitalistas dos países a tentarem retomar suas taxas de lucro e trazem a morte, a fome, a miséria e o aumento da exploração na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Além disso, o imperialismo em crise, as disputas interimperialistas e o avanço da exploração capitalista resgatam a ideologia fascista no mundo todo. Assim como na véspera da 2ª Guerra Mundial, organizações nazistas e fascistas ressurgem em vários países buscando apresentar-se como alternativa política de gestão do estado a favor dos capitais por serem eficazes na luta contra seus concorrentes capitalistas e, principalmente, no controle, dominação e repressão aos milhões de trabalhadores/as empurrados/as para a barbárie e que, objetivamente, resistem e resistirão.

Nesse quadro, como fazem muitos grupos da mal denominada “esquerda”, acreditar que o governo de Zelensky, abrigo de nazistas e títere dos EUA/OTAN/UE, possa representar uma resistência popular ucraniana contra a invasão russa é um completo descolamento da realidade. Alguns grupos chegam a apoiar as milícias ucranianas ligadas ao governo como representando essa “resistência popular ucraniana”, chegando ao ponto de defender o envio de armas, ao invés da necessidade de uma organização independente da classe trabalhadora ucraniana para autodefesa contra a Rússia, mas também contra a OTAN, contra os nazistas e fascistas, contra o exército ucraniano que tortura no meio da rua civis ucranianos acusados de ser pró-Rússia, e para organização de forças-tarefa que ajudem os trabalhadores a resistirem.

Igualmente delira aquela parte da “esquerda” que defende estar em curso na Ucrânia uma guerra de libertação/resistência nacional, posto que o atual regime ucraniano não expressa a vontade de uma hipotética burguesia nacional em se autodeterminar contra potências imperiais – pelo contrário, a posição ucraniana é de se colocar sob o domínio imperialista de EUA/UE/OTAN. Para esse objetivo final são sacrificados cotidianamente os interesses do povo ucraniano com sucessivas recusas de negociações.

Igualmente descolados da realidade estão aquelas posições que avaliam que as forças de ocupação dos capitalistas russos na Ucrânia representam um movimento antinazista ou uma alternativa anti-imperialista e popular de resistência ao avanço do imperialismo americano e europeu. Estes iludidos defendem o apoio ao mais débil imperialismo russo contra o mais poderoso, o americano, argumentando que seria vantajoso para os povos e as classes trabalhadoras a vitória do imperialismo mais fraco sobre o mais forte – abandonando inteiramente o princípio da independência do proletariado.

Essas posições só expressam o reboquismo, a passividade e a falência da perspectiva revolucionária em grande parte das organizações de “esquerda”, que abandonaram a perspectiva de organizar a resistência proletária e passam a acreditar em um ou outro lado imperialista em disputa como “solução” para a crise em nosso campo. Mais, significa igualmente a sua “domesticação” e adesão à ordem burguesa e imperialista, desistindo de trabalhar para dar corpo a um campo anti-imperialista e anticapitalista em conflito aberto com as suas próprias burguesias. Assim, essa “esquerda” contribui para a hegemonia do reformismo e cumpre seu papel de prejudicar as forças revolucionárias que procuram agrupar-se numa luta anti-imperialista contra os dois campos.

Os comunistas devem sempre fazer “a análise concreta da realidade concreta” e defender em todas as circunstâncias os interesses do proletariado. Nenhum dos lados nessa guerra, conflito de conteúdo econômico e geopolítico, a partir de interesses imperialistas em disputa, representa a posição dos/as trabalhadores/as, serve à nossa causa, contribui para nossos objetivos. Nosso caminho passa por afastar do horizonte essas falsas soluções e resgatar a necessidade de organizar e construir a luta do proletariado a partir de seus verdadeiros interesses. Esses interesses hoje passam, necessariamente, por organizar nossa força para acabar com o capitalismo, fonte de todas as mazelas que vivemos e afastar do horizonte essas posições reformistas, pequeno-burguesas, vacilantes que tentam nos impedir de ver claramente nossos inimigos de classe.

O avanço das contradições interimperialistas e o possível crescimento da resistência proletária no mundo podem abrir uma oportunidade aos/às comunistas para, se souberem inserir-se na luta e na vida das massas operárias e trabalhadoras, e afastarem as ilusões pequeno-burguesas, institucionais e eleitoreiras, a ilusão com as falsas opções que o inimigo nos dá, apresentarem novamente a única solução ao imperialismo em crise: a sua destruição completa e a construção do socialismo rumo ao comunismo. A Revolução Russa após a 1ª Guerra Mundial, a vitória sobre o nazismo e a Revolução Chinesa após a 2ª Guerra Mundial são exemplos da oportunidade que a conjuntura do imperialismo em crise pode abrir ao proletariado de todo mundo. Já vencemos antes e podemos, aprendendo com nossos erros e superando os limites concretos na construção do socialismo, vencer novamente e definitivamente a barbárie capitalista e suas guerras.

Contra a guerra! Fim da agressão russa à Ucrânia!

Não ao envio de armas para o regime ucraniano!

Abaixo os EUA, a UE e a OTAN!

Sem ilusões com nossos inimigos de classe! 

Retomar a perspectiva revolucionária e colocá-la no posto de comando de nossas ações!

 

Cem Flores

Bandeira Vermelha


Edição: Página 1917

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sexta-feira, 20 de maio de 2022

Sobre o Papel e as Tarefas dos Sindicatos nas Condições da Nova Política Econômica

Lenin

Janeiro de 1922

 

     [...]Diferença essencial entre a luta de classe do proletariado em um Estado que reconhece a propriedade privada sobre a terra, as fábricas, etc., e cujo poder político se encontra nas mãos da classe capitalista, e a luta econômica do proletariado em um Estado que não reconhece a propriedade privada sobre a terra e sobre a maioria das grandes empresas, em um Estado cujo poder político se encontra em mãos do proletariado.




     Enquanto existem as classes, a luta destas é inevitável. Durante o período de transição do capitalismo ao socialismo é inevitável a existência das classes; e o programa do PC da Rússia diz, de maneira absolutamente precisa, que estamos dando apenas os primeiros passos na transição do capitalismo ao socialismo. Por isso, tanto o Partido Comunista como o poder soviético, da mesma forma que os sindicatos, devem reconhecer abertamente a existência da luta econômica e sua inevitabilidade, enquanto não termine, embora seja só no fundamental, a eletrificação da indústria e da agricultura, enquanto que com isso não se cortem todas as raízes da pequena economia e do domínio do mercado.

     De outro lado, é evidente que a meta final da luta grevista dentro do capitalismo é a destruição do aparelho do Estado, a derrubada do poder do Estado de determinadas classes. E em um Estado proletário de tipo transitório, como é o nosso, o objetivo final de toda atuação da classe operária pode servir somente para fortalecer o Estado proletário e o poder do Estado proletário de classe, mediante a luta contra as deformações burocráticas neste Estado, contra seus defeitos e erros, contra os apetites de classe dos capitalistas que se esforçam por desembaraçar-se do controle deste Estado, etc. Portanto, nem o Partido Comunista, nem o poder soviético, nem os sindicatos devem de forma alguma esquecer — e não devem ocultá-lo dos operários e das massas trabalhadoras — que o emprego da luta grevista em um Estado com um poder estatal proletário pode ser explicado e justificado exclusivamente pela deformação burocrática do Estado proletário e por toda sorte de reminiscência do passado capitalista em suas instituições, de um lado, e pela falta de desenvolvimento político e o atraso cultural das massas trabalhadoras, de outro.

     Por isso, em virtude das resistências e conflitos entre grupos isolados da classe operária e empresas e organismos isolados do Estado operário, a tarefa dos sindicatos consiste em contribuir para a solução mais rápida e menos penosa dos conflitos, com o máximo de vantagens para os grupos operários que estes sindicatos representam, na medida em que as referidas vantagens podem ser aproveitadas sem prejuízo de outros grupos e sem danos para o desenvolvimento do Estado operário e sua economia, desde que somente este desenvolvimento pode criar as bases para o bem-estar material e espiritual da classe operária. O único método certo, são e conveniente de liquidar as resistências e conflitos entre os grupos isolados da classe operária e os organismos do Estado operário é a participação dos sindicatos como intermediários, os quais, representados por seus organismos correspondentes, entram em negociações com os respectivos organismos econômicos interessados na questão, à base de reivindicações e propostas formuladas com exatidão por ambas as partes, ou então apelam para as instâncias superiores do Estado.

     No caso em que as ações desacertadas dos organismos econômicos, o atraso de certos grupos operários, a obra provocadora de elementos contrarrevolucionários, ou, por último, a falta de previsão das próprias organizações sindicais conduzirem a conflitos declarados em forma de greves nas empresas do Estado, etc., a tarefa dos sindicatos é contribuir para que os conflitos sejam terminados do modo mais rápido, tomando medidas inerentes ao caráter do trabalho sindical, isto é, medidas capazes de liquidar as verdadeiras injustiças e anormalidades e de satisfazer as necessidades justas e realizáveis das massas, capazes de influenciá-las politicamente, etc.

     Um dos critérios mais importantes e infalíveis da justeza e do êxito do trabalho dos sindicatos é levar em conta o grau de sua eficiência para evitar os conflitos das massas nas empresas do Estado mediante uma política previdente, encaminhada no sentido da verdadeira e completa salvaguarda dos interesses da massa operária e da eliminação oportuna das causas dos conflitos. [...]


Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio de Janeiro, 1961.

Edição: Página 1917

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quarta-feira, 18 de maio de 2022

Triste Sina de uma Sociedade Traumatizada

André Lavinas. 

A pior maneira de superar um trauma é tentar escondê-lo, deixando de falar sobre ele e proibindo a simples menção de fatos que nos relembrem dos difíceis momentos que nos feriram a alma.




Isso é verdade tanto para os traumas pessoais e familiares como para os traumas sociais brutais que afligem a humanidade e permanecem como feridas abertas que preferimos, como sociedade, não tocá-las. 

Os traumas não devidamente "tratados" voltam, com força, a cada momento de crise para nos atormentar. Mas há uma razão para que os traumas não sejam conversados e possam ser totalmente revelados e superados, eles incomodam. 

As pessoas não conversam sobre as suas questões traumáticas em família para evitar as brigas nas reuniões familiares. 

Pais não conversam com filhos e vice-versa, sobre os temas traumáticos, para manterem um clima menos tenso na sua convivência. Enfim, os traumas são tratados como tabus. 

Mas para quem tem o privilégio de ter um acompanhamento psicológico há sempre uma chance de resolver os traumas ou, pelo menos, evitar que eles retornem com força suficiente para destruir lhe a vida. 

Com os traumas da nossa sociedade, não há outra forma de tratamento senão o esclarecimento constante acerca de todos os fatos que envolvem as origens, o desenvolvimento o desfecho do evento traumático, bem como as suas consequências. 

Hoje, o nazismo, um dos maiores traumas da nossa História, está retomando força, e já é reúne milhões de seguidores mundo afora. Segundo este incontroverso diagnóstico, está claro que não "tratamos" adequadamente deste traumatizante evento. 

Por que, após quase um século do surgimento do nazismo ele continua um tabu? 

Por que, mesmo dentro de partidos de esquerda e universidades, onde se espera que haja um debate mais aprofundado sobre o nazismo e suas raízes, esta discussão é negligenciada? 

A resposta não é óbvia, mas não é difícil.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Liberalismo e Escravidão*

Jacob Gorender

19 de Setembro de 2002

"O Brasil foi o país de mais prolongada escravidão nos tempos modernos. Tivemos 350 anos de escravidão aproximadamente e também fomos os maiores absorvedores de escravos da África."


Família brasileira servida por escravos, Jean-Baptiste Debret, 1830.


ESTUDOS AVANÇADOS - Por que a política econômica que regeu o Brasil a partir da abertura dos portos (1808) pode ser considerada estruturalmente liberal? O que levou D. João e seu conselheiro José da Silva Lisboa a abrir a economia ao mercado internacional?

Jacob Gorender - Quero de início precisar que a economia anterior e posterior à abertura dos portos, até o fim do século XIX, é definida por mim como economia escravista colonial. Ou seja, por seu caráter objetivo, deve ser definida como modo de produção escravista colonial.

Naquele momento, porém, já havia chegado ao Brasil a influência da teoria econômica liberal que dominou a Inglaterra no século XVIII e que teve seu expoente em Adam Smith. Essa influência também vinha da Revolução Francesa, a qual deu fundamento ao lema Laissez faire, laissez passer, à liberdade de transação, de produção e circulação. A teoria liberal surgiu e se fortaleceu na Europa em contraposição aos cânones feudais da monarquia absolutista e isso se fez sentir também no Brasil.

Os plantadores brasileiros e os comerciantes radicados no Brasil se mostraram receptivos a essa pregação de política econômica liberal. E, no caso, José da Silva Lisboa foi coerente com essas idéias, conhecedor que era de Adam Smith. Quando esteve com o príncipe regente João de Bragança, no momento em que este aportou em Salvador, recomendou a abertura dos portos brasileiros.

Devo observar que a abertura dos portos já vinha sendo uma reivindicação bem anterior. Havia uma pressão dos plantadores e comerciantes residentes no Brasil pelo rompimento com o monopólio português.

Portugal cumpria um papel meramente de intermediário, era um consumidor de importância secundária dos produtos brasileiros. O que os comerciantes portugueses e a Coroa faziam consistia em intermediar, receber os produtos brasileiros e depois redistribuí-los no mercado europeu. Portugal, nessa altura, era uma metrópole ineficiente, fraca, cujo monopólio deixara de convir aos interesses dos plantadores e comerciantes. Já havia antes da abertura dos portos um grande contrabando de mercadorias inglesas, que entravam no Brasil, à margem do monopólio lusitano. Navios ingleses não tinham dificuldade de chegar ao Brasil e vender suas manufaturas, que encontravam compradores aqui. A reivindicação era que cessassem as limitações legais e o comércio se fizesse livremente, o que interessava à Inglaterra, que fazia pressão para a abertura dos portos. Quando veio o ato do príncipe regente, correspondeu a uma pressão que ocorria anteriormente e se concretizou a partir daí.

A influência das ideias liberais europeias chegou ao Brasil e se adequou a interesses aqui radicados, expressos naquela circunstância pelo futuro visconde de Cayru.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

A Mais Heroica de Todas as Batalhas.

André Lavinas

 

     Neste nove de maio, comemora-se mais um aniversário da derrota da Alemanha na 2ª Guerra Mundial. Esta derrota significou para a humanidade uma vitória sobre um dos mais bárbaros regimes que o mundo já viu, o regime nazista de Adolf Hitler.




                  Falar desta vitória magnífica sobre uma das mais poderosas máquinas de guerra jamais vistas na história, é falar da heroica resistência do povo soviético em Stalingrado. Durante quase 7 meses o exército vermelho, sozinho, travou uma batalha terrível contra nada menos que 2/3 de todo o exército nazista representado por mais de 3/4 das tropas mais bem treinadas, melhor equipadas e experientes das forças alemães. Lembro que com menos de 1/3 de suas tropas, este mesmo exército alemão ocupava a França, o Norte da África, quase toda a Europa e, até 6 junho de 1944, a única força que os enfrentava numa luta desigual era a URSS. Depois de travar a mais feroz batalha da história, o exército vermelho derrotou as tropas do Marechal Von Paulus em fevereiro de 1943.

          Foi o começo do fim para o odioso regime nazista.

     Ao contrário do que a mídia tenta fazer crer, a libertação da Europa foi fundamentalmente obra do exército vermelho, pois já no início de 1944 havia destruído o grosso das tropas alemães e estava às portas da Alemanha. A tão esperada 2ª frente só foi aberta em 05 de junho de 1944, com o desembarque de tropas aliadas na Normandia.

     Para quem ainda duvida de que a fúria nazista era dirigida principalmente contra a União Soviética, basta lembrar que mais de 20 milhões de soviéticos pereceram na luta contra a Alemanha Nazista. Este foi o maior holocausto perpetrado pelos Nazistas na 2ª GM.

     Ao final da batalha de Stalingrado mais de 2 milhões de pessoas haviam morrido. Na cidade, antes conhecida por ser próspera e moderna, já não havia mais nenhuma construção de pé. Mas de pé estavam os seus heroicos defensores.

     Aliás, jamais se curvaram, jamais se renderam, jamais deixaram de encarar de frente o pior inimigo que se poderia ter e a pior das barbáries que pode se abater sobre um povo.

     Tinham por trás de si a maior obra que o proletariado consegui construir em toda a sua história de lutas até hoje: A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

     Nestes tempos obscuros, onde a derrota do proletariado parece um fato consumado, onde a realidade perversa da superexploração do trabalhador, do desespero, da insegurança, da falta de saúde, de educação, se impõe às massas trabalhadoras como algo eterno e imutável, voltar algumas páginas na história e ver que diante da nuvem de escuridão nazista que cobriu a Europa com destruição, miséria e desesperança, o povo soviético, e em particular os seus heróis de Stalingrado, se levantou e mostrou que a vitória do proletariado sobre a barbárie é possível, nos enche de esperança.

     A vitória soviética sobre o nazismo nos ensina que uma nova história para a humanidade pode começar a ser escrita, basta que o protelariado se levante novamente, assim como se levantou em Stalingrado e escreveu uma das mais gloriosas páginas da história humana.

Viva a heroica resistência do povo soviético!

Viva o Socialismo!

O capitalismo é a desgraça dos povos!


Edição: Página 1917


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quinta-feira, 5 de maio de 2022

Sobre a Guerra Imperialista na Ucrânia e a Posição do PCFR

 Artigo da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE

"A luta pelos mercados e a pilhagem de outras nações, a aspiração de reprimir o movimento revolucionário do proletariado e a democracia no seu próprio país, o desejo de enganar, desunir e esmagar os proletários de todos os países, incitando os escravos assalariados de uma nação contra os de outra em proveito da burguesia, constituem o único conteúdo e sentido real da guerra.”

V.I.Lenin, Obras Completas, t.26, p. 1 .

 

Ucrânia devastada pela guerra imperialista

Tudo isso, apontado pelo líder da Revolução de Outubro há mais de cem anos, ainda é absolutamente válido para a guerra que está ocorrendo na Ucrânia. Em muitos artigos que publicamos até agora, foram apontados aspectos da luta por mercados, matérias-primas, rotas de transporte de mercadorias.

O KKE também expressou posições claras no âmbito do Movimento Comunista Internacional. Infelizmente, alguns partidos comunistas como o Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) expressam posições às quais nos opomos fortemente.

Algumas informações sobre o PCFR

O PCFR, fundado em 1993, é uma força importante na vida política da Rússia capitalista. Nas últimas eleições parlamentares, em 2021, obteve 18,9% dos votos e tornou-se a segunda força política, com 57 deputados (de 450). Nesses 30 anos após a dissolução da URSS, o PCFR assumiu cargos governamentais, no período 1998-1999, sob a administração de G. Primakov, que administrou a crise capitalista que então eclodiu no país. O próprio programa do partido, que está na “linha” de transformar gradualmente o capitalismo em socialismo, através de várias etapas, favorece as várias soluções governamentais de “centro-esquerda”. O PCFR, apesar de sua importante força parlamentar, não tem nenhuma participação significativa no reagrupamento do movimento operário-sindical da Rússia, cujas forças principais estão sob controle do Estado e da patronal.

A postura que este partido assumiu antes mesmo do início da invasão russa estava alinhada com a do partido governante Rússia Unida e do presidente V.Putin. O reconhecimento da "independência" das chamadas "Repúblicas Populares" de Donbass (Donetsk e Lugansk), o gatilho para a invasão russa na Ucrânia, foi uma proposta sua e foi aprovada pela Duma de Estado. O PCFR aceita todos os argumentos do governo russo sobre a necessidade de o exército russo derrotar o fascismo na Ucrânia, para o qual está realizando uma "operação militar especial" na Ucrânia, um termo imposto pela Rússia para que não se utilize a palavra guerra. De fato, o PCFR considera que essa política externa "antifascista" deve ser acompanhada de uma "virada à esquerda" dentro do país, e pede repetidamente uma recomposição do governo e sua participação nele.

1.“O choque de civilizações”: O “bilhão de ouro” versus o “mundo russo”.

Mas, o pior de todos os serviços oferecidos pelo PCFR é o total ocultamento das verdadeiras causas das guerras imperialistas que, como a guerra que eclodiu na Ucrânia, são travadas para servir os interesses dos monopólios e das classes burguesas e não dos povos. São guerras por matérias-primas, recursos naturais, rotas de transporte de mercadorias, pilares geopolíticos, quotas de mercado. Não é possível que o PCFR não reconheça o quão importante para o capital russo, bem como para o capital ocidental, são os recursos naturais da Ucrânia, seus recursos minerais, por exemplo o titânio ucraniano, essencial para a indústria de construção de aeronaves e outras, ou os portos de Mariupol e Odessa, ou as férteis terras aráveis ​​da Ucrânia, ou a base industrial da Ucrânia que encolheu em comparação com o período do socialismo, mas ainda é importante, assim como, a enorme rede de tubos de energia que atravessa este país. Além disso, não é possível que o PCFR não esteja ciente do feroz antagonismo que se desenvolve entre os estados burgueses em muitas regiões do mundo, sobre recursos, rotas de transporte e dutos de energia, sobre as participações dos monopólios no mercado de energia na Europa, armas quotas de mercado, etc. É uma competição imperialista que envolve os monopólios e os estados da UE, os EUA, a Rússia, a China e outros "atores" regionais como a Turquia, Israel, as monarquias do Golfo, etc. não é possível que o PCFR não esteja ciente do feroz antagonismo que se desenvolve entre os estados burgueses em muitas regiões do mundo, sobre recursos, rotas de transporte e oleodutos, sobre as participações dos monopólios no mercado de energia na Europa, as participações do mercado de armas, etc. É uma disputa imperialista que envolve os monopólios e os estados da UE, os EUA, a Rússia, a China e outros "atores" regionais como a Turquia, Israel, as monarquias do Golfo, etc.

O PCFR, com sua posição, fica ao lado dos monopólios russo e chinês em seu antagonismo com os monopólios ocidentais e outros, que juntos transformaram o povo da Ucrânia em um “saco de pancadas”. Por muitos anos, esse partido cortejou abordagens e forças nacionalistas que se apresentam como "patrióticas". O presidente da PCFR em seu livro "Globalização e destino da humanidade" (2002) acolhe o ponto de vista do americano Samuel Phillips Huntington sobre o "choque de civilizações", segundo o qual os embates não são mais entre Estados, mas entre potências com diferentes tradições culturais. Portanto, nos movimentos para cercar a Rússia pela OTAN, a UE e os EUA, destaca-se uma "guerra total" contra a Rússia, desencadeada pelos países do chamado "bilhão de ouro", como se caracterizam os primeiros 30 países integrados à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre eles a Grécia, com uma população total próxima a um bilhão. De acordo com essa percepção, há uma mitigação das contradições sócio-classistas na sociedade do “bilhão de ouro” e a contradição básica se expressa em nível internacional “a partir do eixo ‘Norte rico-Sul pobre’, não menos nitidamente separaram o proletário de seu explorador dentro da estrutura de um país”[1]. O documento programático do PCFR não reconhece o caráter imperialista da Rússia atual, ao mesmo tempo em que considera que "a Federação Russa se torna objeto de uma nova redistribuição do mundo, um apêndice de matéria-prima para os estados imperialistas" e destaca ainda que : “Na segunda metade do século XX, devido à exploração predatória dos recursos do planeta, através da especulação financeira, das guerras e do uso de novos métodos sofisticados de colonização, um grupo de países capitalistas desenvolvidos, os chamados “bilhão de ouro ” passou para a fase da “sociedade de consumo”, em que o consumo da função física do corpo humano torna-se uma "obrigação sagrada" do indivíduo, cujo cumprimento entusiástico determina completamente seu status social..."[2]. De acordo com essa abordagem não classista e enganosa, o chamado "mundo russo" se opõe ao "bilhão de ouro", que é uma das principais linhas da atual política externa do estado burguês russo. Sob este conceito está o uso pela Rússia de milhões de russos e falantes de russo para as decisões do capitalismo russo. “Todos somos obrigados a defender o mundo russo (...) O mundo russo se reúne há mil anos. E foi reunido não apenas por russos, mas também por ucranianos e bielorrussos. Partilhamos uma fé comum, vitórias comuns, uma língua, uma cultura.", disse o Presidente da PCFR em seu discurso no parlamento russo durante a discussão para o reconhecimento das chamadas “Repúblicas Populares”[3]. Com base nisso, o PCFR dá total apoio à política externa da classe dominante russa, à formação de alianças capitalistas interestatais, que forma no território da ex-URSS, como a União Econômica Eurasiática e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC). É característico que em janeiro passado o PCFR tenha apoiado a missão militar dos membros do OTSC no Cazaquistão para reprimir o levante operário-popular.

Em suma, o PCFR declara que seu objetivo é o socialismo, ao mesmo tempo em que seu programa, que pretende implementar por meio de processos eleitorais-parlamentares, é um programa de reformas para a gestão do sistema capitalista, plenamente de acordo com os objetivos da burguesia russa, os planos do Estado burguês, o que também se reflete em questões de política externa.

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