Índice de Seções

quarta-feira, 29 de abril de 2020

O Essencial e o Descartável

 Ney Nunes

   A pandemia do coronavírus e o consequente agravamento da crise capitalista que se arrasta desde 2008 vêm descortinando a dura realidade que a mídia e as instituições burguesas fazem de tudo para ocultar. A situação de extrema dificuldade em que já vivia a maioria da população, vai se tornando desesperadora. Face a redução da atividade econômica, as empresas não hesitam em demitir e cortar salários dos trabalhadores para preservar seus lucros às custas do aumento da exploração. Os milhões que estão fora do mercado de trabalho formal estão praticamente sem meios de subsistência, restritos a um abono de emergência insuficiente, de apenas seiscentos reais.


Trabalhadores do comércio protestam contra demissões em Porto Alegre.

   As principais armas conhecidas até agora para deter a velocidade do crescimento da pandemia e reduzir o impacto sobre o sistema de saúde, são o isolamento social e os cuidados com a higiene. É o que repetem a exaustão os infectologistas e profissionais da área médica. Somente trabalhadores essenciais deveriam se manter em atividade, até que a curva de infectados diminua, possibilitando assim, a que todos os necessitados de atendimento hospitalar possam receber a devida assistência.

    Mas no capitalismo, o essencial, em primeiríssimo lugar, é sempre manter e aumentar os lucros dos grandes monopólios empresariais. Para isso, mesmo com o risco de causar mais dezenas de milhares de mortes, a classe burguesa (grandes empresários), e seus lacaios no governo Bolsonaro e no oligopólio midiático seguem defendendo o retorno do maior número possível de atividades. São verdadeiros genocidas! A vida dos trabalhadores e dos seus familiares para eles é um problema secundário.

   Toda essa situação vai descortinando aos poucos quais os verdadeiros interesses das classes sociais, geralmente encobertos pelas ideologias e fantasias destinadas a fazer parecer interesse de todos o que, na verdade, só interessa e convém a uma minoria de privilegiados. Assim faz a burguesia todo o tempo e agora também durante a pandemia. Querem nos fazer acreditar que estão preocupados com o desemprego, com as dificuldades do povo, quando estão é demitindo em massa e cortando salários.

Hospitais em colapso com o rápido crescimento do número de infectados.
   

     O essencial, nesse momento, para os trabalhadores e a maioria da população é a defesa da vida humana. Essencial é reduzir de todas as formas as possibilidades de contágio, mesmo que a atividade econômica fique reduzida, pelo tempo que for necessário, ao que realmente importa para garantir a sobrevivência, como, por exemplo, os serviços de produção e distribuição de energia, de tratamento de água e esgoto, de telecomunicações, de saúde e pesquisa, a produção e distribuição dos medicamentos, alimentos e produtos de higiene e limpeza. Essencial é garantir um abono suficiente para a sobrevivência dos mais necessitados. Mas a lógica do capitalismo é outra, estimula a anarquia econômica e indisciplina social em defesa do seu interesse particular de continuar auferindo lucros imensos, mesmo às custas de dezenas ou centenas de milhares de mortes. Totalmente descartáveis são a burguesia e seus lambe-ovos defensores de interesses mesquinhos.

   A realidade está apontando a falência do sistema capitalista para prover as mínimas necessidades sociais. A defesa da vida, do progresso, da paz e da justiça revelam-se objetivos inalcançáveis enquanto persistir esse sistema de exploração. É cada vez mais urgente que os trabalhadores tomem consciência dos seus reais interesses e da sua capacidade de organizar e liderar o conjunto dos demais explorados na luta para edificar uma sociedade livre da burguesia, livre da exploração, a sociedade socialista.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Antonio Gramsci, Herói do Proletariado*


Carta escrita por Gramsci para sua mãe, em 10 de maio de 1928.


   "Gostaria, para ficar mesmo tranquilo, que você não se apavorasse nem se perturbasse, independente da pena que me derem. Gostaria que você entendesse bem, também com o sentimento, que eu sou um preso político, e serei um condenado político, que não tenho e nunca terei porque envergonhar-me desta situação. Que, no fundo, fui eu mesmo quem quis de certo modo a detenção e a condenação, pois nunca pensei em mudar as minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida e não só ficar na prisão. E, por isso, eu só posso estar tranquilo e contente comigo mesmo. Querida mamãe, gostaria muito de lhe abraçar bem apertado para que sentisse o quanto eu gosto de você e como gostaria de lhe consolar por esse desgosto que lhe dei, mas não podida agir de outro modo. A vida é assim, muito dura, e os filhos algumas vezes tem de dar grandes desgostos às suas mães, se querem conservar a sua honra e a sua dignidade de homens."


Os momentos finais.**

   "Jantou como de costume, tomou a sopinha com caldo de carne, um pouco de compota e um pedacinho de pão em fatia. Saiu para ir ao banheiro e foi trazido de volta numa cadeira transportada por várias pessoas. No sanitário, perdera o lado esquerdo, falava muito bem, e contou muitas vezes que, sentindo-se desfalecer, assim mesmo não bateu a cabeça no chão e arrastou-se até a porta e pediu socorro. Apareceu um doente que avisou uma enfermeira, e ela então sugeriu a Nino** que se esforçasse para abrir ele mesmo a porta e ele viu que conseguia, apoiando-se na parte esquerda. Infelizmente, fez esforços enormes, enquanto deveria evitar quaisquer emoções e esforços. Posto na cama, chamaram um médico entre os que se encontravam na clínica. Veio primeiro o doutor Marino, não permitiu que se aplicassem nenhuma injeção excitante dizendo que esta não faria senão piorar as condições, enquanto Nino com muito ímpeto pedia a injeção, antes, queria um cordial, pedindo em dose dupla, numa palavra, Nino estava perfeitamente em si, e com toda sorte de particulares contou ao doutor o que tinha lhe acontecido. Quando, depois, colocaram-lhe um saco de água quente nos pés, disse que queimava muito, depois mencionou o fato de que o pé esquerdo não sentia mais o calor. O professor Puccinelli era esperado de um momento para outro, porque estava ocupado com uma operação urgente. Avisei na portaria e na sala de operações para que logo que o professor chegasse  viesse ver Nino. Em torno das nove, ele veio acompanhado pelo assistente e constatou a perfeita imobilidade do lado esquerdo, braço e perna, ordenou que colocassem gelo na testa e nada de saco de água quente nos pés, um clister de sal que Nino desse que não queria, contando também a Pucinelli o que sentira no banheiro. Precisou que não perdera realmente os sentidos, mas apenas a sensibilidade e a mobilidade do lado esquerdo, Pucinelli experimentou fazê-lo mover as articulações inferiores e se contentou em repetir as palavras de Nino: "a perna esquerda está fraca", sim, está "fraca", disse. Ordenou que fizessem uma sangria. Nino ainda falava perfeitamente, apenas com alguns sinais de cansaço que Pucinelli constatou. Disse-me que Nino devia estar perfeitamente tranquilo, enquanto quando ele chegara tinha-o encontrado de boca para cima e ajudado a coloca-lo de bruços. Agora Nino procurava encontrar uma posição para repousar melhor, firmava com uma das mãos nas barras da cama, a única livre, e tive que adverti-lo para não se virar muito para o lado esquerdo imóvel porque estava para cair da cama. Diante desta observação minha ele respondeu com perfeita compreensão e se esforçou para se estender do lado oposto. Desgraçadamente, só vieram para lhe aplicar a sangria depois de mais de uma hora, e neste tempo ele vomitou diversas vezes, eu estava só, mas consegui igualmente lhe ser útil; pediu depois para urinar, e o fez, depois recomeçava ainda com os esforços para vomitar, em seguida assoava o nariz que por força das circunstâncias enchera-se de alimento; a esta altura ainda falava, depois começou a procurar o lenço sem pronunciar nada, a procurar as cegas, em seguida permaneceu com os olhos fechados e só a respiração ofegava muito. A sangria não deu o resultado desejado e o dr. Belock deu a entender à freira que as condições do doente eram desesperadoras. Veio o padre, outras irmãs, tive que protestar do modo mais veemente para que deixassem Antonio tranquilo, enquanto estes quiseram continuar a revolver Nino para saber se ele desejava isto, aquilo, aquilo outro, etc. Na manhã seguinte, em torno das 10 horas, chegou Frugone. Toda a noite passou-se sem que as condições em nada absolutamente se modificassem.

   A uma pergunta minha, dirigida a Frugone, para saber quais eram as verdadeiras condições do doente, respondeu que eram gravíssimas e que não podia me dizer nada, tal qual um arquiteto que não pode dar nenhum parecer uma vez que uma casa desaba. Ordenou, porém, que lhe colocassem saguessugas nas mastóides e certas injeções. Parecia que à tarde Nino respirava um pouco melhor. Mas 24 horas depois do ataque voltaram-lhe os esforços de vômito e uma respiração excessivamente penosa. Velei sempre por ele, fazendo o que sabia, banhando-lhe os lábios, procurando fazer com que recuperasse artificialmente a respiração enquanto esta parecia querer se firmar, mas, depois veio um último respiro rumoroso e sobreveio o silêncio irremediável.
    Chamei o doutor que confirmou o que eu temia. Eram 4:10 do dia 27 de abril."

*Fundador do Partido Comunista Italiano, seu principal dirigente e teórico. Foi preso pelo governo fascista de Mussolini em 08 de novembro de 1926, adoeceu devido as péssimas condições do cárcere, onde permaneceu por dez anos. Tuberculoso e com outros problemas de saúde, faleceu dois dias depois de receber o comunicado oficial da sua libertação.
Nascimento: 22 de janeiro de 1891, Ales, Itália
Falecimento: 27 de abril de 1937, Roma, Itália

**Trecho da carta de Tatiana Shucht (cunhada de Gramsci), datada de 12/05/1937, enviada a Piero Sraffa, amigo de Gramsci.

*** Como Gramsci era chamado por familiares desde criança.




    



  

sábado, 25 de abril de 2020

Abril Traído*

Francisco Martins Rodrigues**


O verão quente

Por uma série de abalos em cadeia, o projeto regenerador e ordeiro do movimento dos capitães fora-se desmoronando. Num ano, a vaga das ocupações, saneamentos, manifestações e greves tornara o país irreconhecível. Era uma vaga pacífica, que aclamava inebriada o MFA, mas que galgava mesmo assim todos os diques. A bela revolução dos cravos descambava em pesadelo para os amantes da ordem.
Francisco Martins Rodrigues
No Verão, a originalidade da via portuguesa para o socialismo atingia o limite extremo. Coexistiam em fantástico equilíbrio ocupações maciças de terras e leis antigreve; sequestros de patrões e convites ao investimento; órgãos de poder popular e declarações de fidelidade à NATO. O país parecia encaminhar-se para uma situação de duplo poder e para um confronto revolucionário.

Seis meses mais tarde, tudo estava terminado e a burguesia felicitava-se por ter dominado a ameaça totalitária sem efusão de sangue. O que se passou afinal nesses seis meses para tornar possível uma tal reviravolta? Ou, em termos mais gerais: como pôde o proletariado português, mantido em menoridade por meio século de circunspecta oposição democrática ao fascismo, atingir tão facilmente os píncaros de 75? E como pôde deixar-se expulsar deles de forma tão infantilmente vergonhosa, até chegar às misérias do tempo atual?

É impossível aprender seja o que for do Verão de 75 se não se puser no centro da análise a oposição de interesses entre o proletariado, motor dos acontecimentos, e a pequena burguesia «revolucionária», sua condutora.

Isto, é claro, parece à primeira vista insuportavelmente «sectário». O 25 de Novembro foi obra de uma amálgama de forças social-democratas, liberais e reacionárias, animadas pelo PS e apadrinhadas pela social-democracia alemã e pelo embaixador Carlucci. A que propósito lançar responsabilidades sobre as forças de esquerda, que podem ter cometido erros mas foram, de qualquer modo, a vanguarda possível do movimento?

E, no entanto, o êxito fácil demais do 25 de Novembro, que é a sua principal originalidade, obriga a examinar com mais atenção a política seguida pelo PCP, pela ala esquerda do MFA e pelos grupos da «esquerda revolucionária». O objectivo destas notas é mostrar que essas forças aplicaram, em nome dos interesses populares, uma táctica que lhes era contrária e que exprimia, em última análise, a ânsia pequeno-burguesa por encontrar uma saída intermédia entre revolução e contra-revolução.

Aquilo a que se assistiu no Verão de 75 foi a uma grande vaga de fundo, espontânea, anárquica, mas perfeitamente coerente, pela qual a pequena burguesia «revolucionária» começou por manietar politicamente o proletariado, para poder ser ela a dirigir o processo, e acabou por assistir, angustiada mas também aliviada, à parada dos Chaimites.

Por muito impopular que esta conclusão apareça aos olhos dos últimos fiéis da aliança Povo/MFA, é a ela que os fatos conduzem. Há que examiná-la. Porque é ai, na avaliação do papel da pequena burguesia «revolucionária», que se pode entender o fundo da luta de classes em 75 e destrinchar, no nebuloso terreno das «conquistas de Abril», o que era a favor e o que era contra o proletariado.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Sobre a Nossa Revolução*

Lenin**

   Folheei nestes dias as notas de Sukhánov sobre a revolução. O que salta sobretudo à vista é o pedantismo de todos os nossos democratas pequeno-burgueses, bem como de todos os heróis da II Internacional. Sem falar já de que são extraordinariamente covardes e de que mesmo os melhores deles se enchem de reservas quando se trata do menor desvio relativamente ao modelo alemão, sem falar já desta qualidade de todos os democratas pequeno-burgueses, suficientemente manifestada durante toda a revolução, salta à vista a sua servil imitação do passado.
   Todos eles se dizem marxistas, mas entendem o marxismo duma maneira extremamente pedante. Não compreenderam de modo nenhum aquilo que é decisivo no marxismo: precisamente a sua dialéctica revolucionária.*** Não compreenderam em absoluto nem mesmo as indicações diretas de Marx, dizendo que nos momentos de revolução é necessária a máxima flexibilidade, e nem sequer notaram, por exemplo, as indicações de Marx na sua correspondência, referente, se bem me recordo, a 1856, na qual expressava a esperança de que a guerra camponesa na Alemanha, capaz de criar uma situação revolucionária, se unisse ao movimento operário — eludem mesmo esta indicação direta, dando voltas em torno dela como o gato em volta do leite quente.

   Em toda a sua conduta revelam-se uns reformistas covardes que temem afastar-se da burguesia e, mais ainda, romper com ela, e ao mesmo tempo ocultam a sua covardia com a fraseologia e a jactância mais descarada. Mas, mesmo do ponto de vista puramente teórico, salta à vista em todos eles a sua plena incapacidade de compreender a seguinte ideia do marxismo: viram até agora um caminho determinado de desenvolvimento do capitalismo e da democracia burguesa na Europa Ocidental. E eis que eles não são capazes de imaginar que este caminho só pode ser considerado como modelo mutatis mutandis(1), só com algumas correções (absolutamente insignificantes, do ponto de vista do curso geral da história universal).

   Primeiro, uma revolução ligada à primeira guerra imperialista mundial. Numa tal revolução deviam manifestar-se traços novos ou modificados Precisamente em consequência da guerra, porque nunca houve no mundo tal guerra em tal situação. Vemos que até agora a burguesia dos países mais ricos não pode organizar relações burguesas «normais» depois dessa guerra, enquanto os nossos reformistas, pequenos burgueses que se armam em revolucionários, consideravam e consideram como um limite (além disso insuperável) as relações burguesas normais, compreendendo esta «norma» duma maneira extremamente estereotipada e estreita.

   Segundo, é-lhes completamente alheia qualquer ideia de que dentro das leis gerais do desenvolvimento em toda a história mundial não estão de modo nenhum excluídas, mas, pelo contrário, pressupõem-se determinadas etapas de desenvolvimento que apresentam peculiaridades, quer na forma quer na ordem desse desenvolvimento. Nem sequer lhes passa pela cabeça, por exemplo, que a Rússia, situada na fronteira entre os países civilizados e os países que pela primeira vez são arrastados definitivamente por esta guerra para o caminho da civilização, os países de todo o Oriente, os países não europeus, que a Rússia podia e devia, por isso, revelar certas peculiaridades, que naturalmente estão na linha geral do desenvolvimento mundial, mas que distinguem a sua revolução de todas as revoluções anteriores dos países da Europa Ocidental e que introduzem algumas inovações parciais ao deslocar-se para os países orientais.

Lenin, documentário de imagens.





Lenin, 150 anos!

22/04/1870  - 22/04/2020

Vladimir Ilyich Ulianov, o "Lenin": Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

terça-feira, 21 de abril de 2020

Saudações aos Comunistas Italianos, Franceses e Alemães

Lenin*
Outubro de 1919.


São, de fato, escassas, as notícias que recebemos do estrangeiro. O bloqueio organizado pelas feras imperialistas está em pleno andamento; a violência das maiores potências mundiais voltou-se contra nós, na esperança de repor a ordem dos exploradores. E esta fúria bestial dos capitalistas mundiais e da Rússia encontra-se camuflada, desnecessário será dizer, em frases que falam do sublime significado de “democracia”! O campo explorador é fiel a si mesmo; retrata a democracia burguesa como sendo a “democracia” em geral. E todos os filisteus e pequeno-burgueses, desde Friedrich Adler, Karl Kautsky, à maioria dos líderes do Independente [1] Partido Social Democrata da Alemanha (ou seja, independente do proletariado revolucionário, mas dependente dos pequeno-burgueses), juntaram-se ao coro.
Lenin
Contudo, apesar das raras notícias do exterior recebidas na Rússia, grande é a alegria com que seguimos o avanço gigantesco, universal, do comunismo entre os operários de todos os países do mundo e o rompimento que essas massas fizeram com os líderes corruptos e traiçoeiros que, de Scheidemann a Kautsky, se juntaram à burguesia.

Tudo o que sabemos do Partido Italiano é que o seu Congresso decidiu, por uma grande maioria, filiar-se na Terceira Internacional e adotar o programa da ditadura do proletariado. Apesar disso, o Partido Socialista Italiano, que, na prática, se alinhou com o comunismo, mantém, ainda, para nosso pesar, o seu nome antigo. Calorosas saudações aos trabalhadores italianos e ao seu partido!

Tudo o que sabemos da França é que, só na cidade de Paris, já existem dois jornais comunistas: L’Internationale, editado por Raymond Péricat, e Le Titre censuré, editado por Georges Anquetil. Uma série de organizações proletárias já se encontram filiadas na Terceira Internacional. As simpatias das massas operárias estão, sem dúvida, do lado do comunismo e do poder soviético.

Dos comunistas alemães, apenas sabemos que jornais comunistas são publicados em várias cidades. Muitos levam o nome Die Rote Fahne [Nota do Tradutor: Bandeira Vermelha]. O berlinense Rote Fahne, uma publicação ilegal, luta heroicamente contra os verdugos Scheidemann e Noskes, os algozes que se submetem às ordens da burguesia, tal como os independentes o fazem através das palavras e da sua propaganda “ideológica” (ideologia pequeno-burguesa).

A luta heroica do Die Rote Fahne, o jornal comunista berlinense, exige toda a nossa admiração. Vemos, finalmente, na Alemanha, socialistas honestos e sinceros, que, apesar de toda a perseguição, apesar do assassinato dos seus melhores líderes, permanecem firmes e inflexíveis! Vemos, finalmente, na Alemanha, trabalhadores comunistas travando uma luta heroica que merece, de fato, a designação de “revolucionária”! Surgiu, finalmente, na Alemanha, entre as fileiras das massas proletárias, uma força para quem as palavras “revolução proletária” se tornaram uma verdade!

Saudações aos Comunistas Alemães!

Os Scheidemann e os Kautsky, os Henners e os Friedrich Adlers, apesar da grande diferença que possa existir entre estes senhores, no sentido da integridade pessoal, todos revelaram ser, da mesma forma, pequeno-burgueses e os mais vergonhosos traidores do socialismo, defensores da burguesia. Apesar de em 1912 todos eles terem participado na elaboração e na assinatura do Manifesto de Basileia “sobre a guerra imperialista que se aproxima”, e de todos eles terem, nessa altura, falado de “revolução proletária”, todos provaram, na prática, ser pequeno-burgueses democratas e cavaleiros de ilusões filistino-republicanas, democrático-burguesas, cúmplices da burguesia contrarrevolucionária.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Que é o social-chauvinismo? *

   Lenin**
   
   O social-chauvinismo é a defesa da ideia de «defesa da pátria» na presente guerra. Dessa ideia decorrem, seguidamente, a renúncia à luta de classes durante a guerra, a votação dos créditos de guerra, etc. De facto os sociais-chauvinistas praticam uma política antiproletária, burguesa, pois de fato preconizam não a «defesa da pátria» no sentido de luta contra a opressão estrangeira, mas o «direito» de tais ou tais «grandes» potências de pilhar as colônias e de oprimir outros povos. Os sociais-chauvinistas repetem a mistificação burguesa do povo segundo a qual a guerra é travada pela defesa da liberdade e da existência das nações, e passam assim para o lado da burguesia contra o proletariado. São sociais-chauvinistas tanto aqueles que justificam e embelezam os governos e a burguesia de um dos grupos de potências beligerantes como aqueles que, a exemplo de Kautsky, reconhecem aos socialistas de todas as potências beligerantes igual direito a «defender a pátria». O social-chauvinismo, que é de fato a defesa dos privilégios, das vantagens, das pilhagens e das violências da «sua» burguesia (ou de qualquer burguesia em geral) imperialista, constitui uma completa traição a todas as convicções socialistas e à resolução do congresso socialista internacional de Basileia.***
Lenin fala aos delegados da Internacional Comunista. 
O Manifesto de Basileia

   O manifesto sobre a guerra adotado por unanimidade em 1912 em Basileia tem em vista precisamente a guerra entre a Inglaterra e a Alemanha com os seus atuais aliados, que eclodiu em 1914. O manifesto declara expressamente que nenhum interesse popular pode justificar semelhante guerra, conduzida «pelo lucro dos capitalistas e pelas vantagens das dinastias» com base na política imperialista e espoliadora das grandes potências. O manifesto declara expressamente que a guerra é perigosa «para os governos» (todos sem excepção), assinala o seu medo da «revolução proletária», aponta da maneira mais definida o exemplo da Comuna de 1871 e o de Outubro-Dezembro de 1905, isto é, o exemplo da revolução e da guerra civil. Deste modo, o manifesto de Basileia estabelece precisamente para a presente guerra a táctica da luta revolucionária dos operários à escala internacional contra os seus governos, a táctica da revolução proletária. O manifesto de Basileia repete as palavras da resolução de Estugarda, dizendo que, em caso de eclosão da guerra, os socialistas deviam aproveitar a «crise econômica e política» por ela criada para «acelerar a queda do capitalismo», isto é, utilizar as dificuldades criadas pela guerra aos governos e a indignação das massas para a revolução socialista.

   A política dos sociais-chauvinistas, a justificação por eles da guerra de pontos de vista libertadores burgueses, a admissão por eles da «defesa da pátria», a votação a favor dos créditos, a entrada nos ministérios, etc., etc., são uma traição direta ao socialismo, só explicável, como veremos adiante, pela vitória do oportunismo e da política operária nacional-liberal no seio da maioria dos partidos europeus.

domingo, 19 de abril de 2020

Qual é a Atitude dos Partidos Burgueses e do Partido Operário Frente às Eleições para a Duma?*

   Lenin** 
   
   Os jornais estão cheios de informações sobre os preparativos eleitorais. Quase todos os dias aparecem «editais» do governo excluindo do censo novos grupos de cidadãos suspeitos, ou notícias sobre novas perseguições, a proibição de reuniões, a suspensão de jornais e a prisão de supostos participantes ou candidatos. As centúrias negras(1) levantaram a cabeça. A sua vozearia, os seus alaridos são mais insolentes do que nunca.
Lenin e Kamenev
   Os partidos que não agradam ao governo também se preparam para as eleições. Estes partidos estão certos, e com toda a razão, de que a massa dos eleitores saberá manifestar-se, expressar através das eleições a sua verdadeira convicção, apesar de todas as astúcias, de todas as fraudes e de todas as perseguições, em pequena e em grande escala, dirigidas contra os eleitores. Esta certeza baseia-se cm que as perseguições mais furiosas e os atentados mais escandalosos subtrairão, quando muito, umas centenas, uns milhares e até talvez dezenas de milhares de votos em toda a Rússia, mas nem por isso mudarão o estado de espírito das massas nem a sua atitude frente ao governo. Poder-se-á riscar das listas, por exemplo, 10.000 ou 20.000 eleitores de Petersburgo, contudo a massa dos 150.000 eleitores da capital não fará senão conter-se, retirar-se em ordem, acautelar-se, aquietar-se temporariamente, mas não desaparecerá nem mudará o seu estado de espírito geral, e se mudar, não será em favor do governo. Por isso, enquanto não se modificar radicalmente a lei eleitoral, enquanto não forem definitivamente calcados todos os restos de legalidade eleitoral (ainda podem ser calcados recorrendo-se à prisão sistemática de participantes: de Stolypine pode-se esperar o pior!) é inegável que o estado de espírito das massas decidirá os resultados das eleições, e, naturalmente, não a favor do governo nem das suas centúrias negras.

sábado, 18 de abril de 2020

As Lições da Insurreição de Moscou*

   Lenin**


   O livro Moscou em Dezembro de 1905 não podia ter saído com maior oportunidade. Uma tarefa vital do partido operário é assimilar a experiência da insurreição de Dezembro. É de lamentar que este livro seja uma barrica de mel com uma colher de alcatrão: o material é extremamente interessante, apesar de incompleto, mas as conclusões são incrivelmente superficiais, incrivelmente vulgares. Destas conclusões falaremos à parte(1) por agora voltaremos à questão política atual, às lições da insurreição de Moscou.


   As formas principais do movimento de Dezembro em Moscou foram a greve pacífica e as manifestações. A enorme maioria da massa operária participou ativamente apenas nestas duas formas de luta. Mas precisamente a ação de Dezembro em Moscou demonstrou com evidência que a greve geral, como forma independente e principal de luta, se tornou obsoleta e que o movimento ultrapassa, com uma força espontânea e irresistível, este quadro estreito e gera a forma suprema da luta, a insurreição.

  Todos os partidos revolucionários, todos os sindicatos de Moscou, ao declarar a greve, tinham consciência e até mesmo sentiam a inevitabilidade da sua transformação em insurreição. O Soviete dos Deputados Operários decidiu em 6 de dezembro «esforçar-se por transformar a greve em insurreição armada». Mas, de fato, nenhuma das organizações estava preparada para isso, mesmo o Conselho de coligação dos grupos de combate(2) falava (em 9 de dezembro!) de insurreição como de algo distante, e a luta de rua passava indubitavelmente por cima da sua cabeça e sem a sua participação. As organizações atrasaram-se em relação ao crescimento e à envergadura do movimento.

   A greve ia-se transformando em insurreição, antes de mais, sob a pressão das condições objetivas, criadas depois de outubro(3). Já não era possível surpreender o governo por meio de uma greve geral, ele já organizara a contra-revolução, preparada para ações militares. Tanto o curso geral da revolução russa depois de outubro como a sucessão dos acontecimentos em Moscovo nas jornadas de dezembro confirmaram de modo admirável uma das profundas teses de Marx: a revolução avança porque cria uma contra-revolução forte e unida, ou seja, obriga o inimigo a recorrer a meios de defesa cada vez mais extremos e elabora assim meios de ataque cada vez mais poderosos(4).

- 7 e 8 de dezembro: greve pacífica, manifestações pacíficas de massas 8 de dezembro à noite: cerco do Aquário(5). 9 de dezembro, durante o dia: os dragões atiram contra a multidão na Praça Strastnáia. À noite, esmagamento da casa de Fídler(6). A exaltação cresce. A multidão não organizada das ruas começa a erguer de modo completamente espontâneo e ainda insegura-mente as primeiras barricadas.

- 10 de dezembro: a artilharia abre fogo contra as barricadas e contra a multidão das ruas. A construção de barricadas torna-se uma ação decidida, não isolada, mas indubitavelmente de massas. Toda a população está nas ruas; toda a cidade se cobre de uma rede de barricadas nos principais centros. Durante vários dias desenvolve-se uma tenaz luta de guerrilhas entre os grupos de combate e as tropas, luta que esgota os soldados e obriga Dubássov a implorar reforços. Só em 15 de dezembro as forças governamentais conseguem uma preponderância decisiva, e a 17 o regimento Semiónovski(7) esmaga o bairro de Présnia, último baluarte da insurreição.

  Da greve e das manifestações às barricadas isoladas. Das barricadas isoladas à construção em massa de barricadas e à luta de ruas contra as tropas. Por cima da cabeça das organizações, a luta proletária de massas passou da greve à insurreição. É nisso que reside a grande aquisição histórica da revolução russa, alcançada em dezembro de 1905, aquisição alcançada, como todas as precedentes, à custa de sacrifícios imensos.*** Da greve política geral o movimento elevou-se a um grau superior. Forçou a reação a ir até ao fim na sua resistência, aproximando assim em proporções gigantescas o momento em que a revolução também irá até ao fim no emprego dos meios ofensivos. A reação não pode ir mais além do que arrasar com artilharia as barricadas, as casas e a multidão das ruas. A revolução pode ainda ir mais além do que os grupos de combate de Moscovo, pode ir muito, muito mais além, tanto em amplitude como em profundidade. E a revolução avançou muito desde dezembro. A base da crise revolucionária tornou-se incomensuravelmente mais ampla; agora é preciso afiar mais a lâmina.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Marxismo e Revisionismo*

Lenin **


   No domínio da política, o revisionismo tentou rever o que realmente constitui a base do marxismo, ou seja, a teoria da luta de classes. A liberdade política, a democracia, o sufrágio universal, destroem a base da luta de classes – diziam-nos os revisionistas – e desmentem o velho princípio do Manifesto Comunista de que os operários não têm pátria. Uma vez que na democracia impera a “vontade da maioria”, não devemos ver no Estado, segundo eles, o órgão da dominação de classe, nem negar-nos a entrar em alianças com a burguesia progressista, social-reformista, contra os reacionários.
Lenin fala em comício do Partido Bolchevique.
   É indiscutível que estas objeções dos revisionistas se reduziam a um sistema bastante coerente de concepções, a saber: as sobejamente conhecidas concepções burguesas liberais. Os liberais disseram sempre que o parlamentarismo burguês suprime as classes e as diferenças de classe, visto que todos os cidadãos sem exceção têm direito de voto e de intervir nos assuntos do Estado. Toda a história da Europa na segunda metade do século XIX e toda a história da revolução russa, em princípios do século XX, demonstram à evidência como são absurdas tais concepções. Com as liberdades do capitalismo “democrático”, as diferenças econômicas, longe de se atenuarem, acentuam-se e agravam-se. O parlamentarismo não elimina, antes põe a nu, a essência das repúblicas burguesas mais democráticas como órgãos de opressão de classe.*** Ajudando a esclarecer e educar massas de população incomparavelmente mais extensas do que as que antes participavam de modo ativo nos acontecimentos políticos, o parlamentarismo prepara assim, não a supressão das crises e das revoluções políticas, mas a maior agudização da guerra civil durante essas revoluções. Os acontecimentos de Paris, na Primavera de 1871, e os da Rússia, no Inverno de 1905, mostraram, com excepcional clareza, como esta agudização se produz inevitavelmente. A burguesia francesa, para esmagar o movimento proletário, não vacilou nem um segundo em pactuar com o inimigo de toda a nação, com as tropas estrangeiras que tinham arruinado a sua pátria. Quem não compreender a inevitável dialética interna do parlamentarismo e da democracia burguesa, que conduz a solucionar a disputa pela violência de massas de modo ainda mais brutal do que anteriormente, jamais saberá desenvolver, na base desse parlamentarismo, uma propaganda e uma agitação consequentes do ponto de vista dos princípios, que preparam verdadeiramente as massas operárias para participarem vitoriosamente em tais “disputas”. A experiência das alianças, dos acordos, dos blocos com o liberalismo social-reformista no Ocidente e com o reformismo liberal (democratas-constitucionalistas¹) na revolução russa, demonstrou, de maneira convincente, que esses acordos não fazem senão embotar a consciência das massas, não reforçando, mas debilitando o significado real da sua luta, unindo os lutadores aos elementos menos capazes de lutar, aos elementos mais vacilantes e traidores. O "millerandismo"² francês – a maior experiência de aplicação da táctica política revisionista numa vasta escala, realmente nacional – deu-nos uma apreciação prática do revisionismo que o proletariado do mundo inteiro jamais esquecerá.
   O complemento natural das tendências económicas e políticas do revisionismo era a sua atitude em relação ao objetivo final do movimento socialista. “O objetivo final não é nada, o movimento é tudo” - esta frase proverbial de Bernstein exprime a essência do revisionismo melhor do que muitas longas dissertações. A política revisionista consiste em determinar o seu comportamento em função das circunstâncias, em adaptar-se aos acontecimentos do dia, às viragens dos pequenos fatos políticos, em esquecer os interesses fundamentais do proletariado e os traços essenciais de todo o regime capitalista, de toda a evolução do capitalismo, em sacrificar estes interesses fundamentais em favor das vantagens reais ou supostas do momento. E da própria essência desta política se deduz, com toda a evidência, que pode tomar formas infinitamente variadas e que cada problema um pouco “novo”, cada viragem um pouco inesperada e imprevista dos acontecimentos – embora tal viragem só altere a linha fundamental do desenvolvimento em proporções mínimas e pelo prazo mais curto – dará sempre, inevitavelmente, origem a esta ou àquela variedade de revisionismo.

* Trecho do artigo "Marxismo e Revisionismo" de 1908,  V.I. LENINE Obras Escolhidas, Editora Alfa-Omega, Vol. I, 3ª edição. p. 40, 1986.

** Vladimir Ilyich Ulianov: Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéicas (URSS).
Nascimento: 22 de abril de 1870, Ulianovsk, Rússia
Falecimento: 21 de janeiro de 1924, Gorki Leninskiye, Rússia

*** Todos os grifos são nossos, Página 1917.
¹ Partido Democrata-Constitucionalista ("cadetes"): principal partido da burguesia monárquica liberal na Rússia, foi formado em outubro de 1905. Faziam parte dele representantes da burguesia, dos latifundiários e dos intelectuais burgueses. Depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro os democratas-constitucionalistas mostraram-se inimigos irreconciliáveis do Poder Soviético, tomaram parte em todas as ações armadas contra-revolucionárias e campanhas dos intervencionistas.
² Millerandismo (ministerialismo): corrente oportunista na social-democracia, assim designada segundo o nome do socialista-reformista francês Millerand que, em 1899, entrou no governo burguês reacionário da França e apoiou a sua política antipopular.








quinta-feira, 16 de abril de 2020

Lenin, 150 Anos!

Lenin vive, viva Lenin!
1870 - 2020


Vladimir Ilyich Ulianov, pseudônimo Lenin:


   Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéicas (URSS). 

Nascimento: 22 de abril de 1870, Ulianovsk, Rússia

Falecimento: 21 de janeiro de 1924, Gorki Leninskiye, Rússia

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Socialistas e Fascistas


Antonio Gramsci
Artigo não assinado, em L'Ordine Nuovo, 11 Junho 1921.

   

  A posição política do fascismo é determinada por estas circunstâncias elementares:
1) Os fascistas, nos seis meses de sua atividade militante, carregaram-se de uma bagagem extremamente pesada de atos delituosos que permanecerão impunes só até o momento em que a organização fascista for forte e temida.

2) Os fascistas puderam desenvolver a sua atividade apenas porque dezenas de milhares de funcionários do Estado, especialmente os corpos de segurança pública (administrações, guardas reais, carabineiros) e da magistratura, se tornaram seus cúmplices morais e materiais. Esses funcionários sabem que sua impunidade e suas carreiras estão estreitamente ligadas à sorte da organização fascista e, portanto, têm todo o interesse em apoiar o fascismo e qualquer tentativa que possa fazer para consolidar sua posição política.

3) Os fascistas possuem, disseminados em todo o território nacional, depósitos de armas e munições em tal quantidade que seria pelo menos suficiente para constituir um exército de meio milhão de homens.

4) Os fascistas organizaram um sistema hierárquico de tipo militar que tem sua natural e orgânica direção no Estado-Maior.

   Entra na lógica comum dos fatos elementares, que os fascistas não querem ser presos, pelo contrário, querem usar sua força, toda a força de que dispõem, para alcançarem o fim máximo de todo movimento: a posse do poder político.

  O que pensam fazer os socialistas e os dirigentes da Confederação* para impedir que sobre o povo italiano venha se alastrar a tirania do Estado-Maior, dos latifundiários e dos banqueiros? Estabeleceram um plano? Têm um programa? Não parece. Os socialistas e os dirigentes da Confederação poderiam  estabelecer um plano "clandestino"? Este seria ineficaz, porque apenas uma insurreição das grandes massas pode despedaçar um golpe de força reacionário e as insurreições das grandes massas, se têm necessidade de uma preparação clandestina, têm também necessidade de uma preparação legal, aberta, que dê uma orientação, que oriente os espíritos, que prepare as consciências.

  Os socialistas nunca se puseram seriamente a questão da possibilidade de um golpe de estado e dos meios a predispor para se defenderem e passarem à ofensiva. Os socialistas, habituados a mastigar estupidamente algumas fórmulas pseudo-marxistas, negam a revoluções "voluntaristas", "milagreiras" etc, etc. Mas se a insurreição do proletariado fosse imposta pela vontade dos reacionários, que não podem ter escrúpulos "marxistas", como se comportaria o Partido Socialista? Deixaria, sem resistência, a vitória para a reação? E se a resistência fosse vitoriosa, se o proletariado insurrecto e armado derrotasse a reação, que palavra de ordem daria o Partido Socialista: entregar as armas ou continuar a luta até o fim? Acreditamos que essas perguntas, neste momento, são tudo menos acadêmicas e abstratas. Pode acontecer, é verdade, que os fascistas, que são italianos, e que têm todas as indecisões e fraquezas de caráter da pequena burguesia italiana, imitem a tática seguida pelos socialistas na ocupação das fábricas: se afastem  e abandonem à justiça punitiva de um governo restaurador da legalidade os que cometeram delitos e os seus cúmplices. Pode acontecer, no entanto, é porem má tática fiar-se nos erros dos adversários, imaginar os seus adversários incapazes e ineptos. Quem tem força, serve-se dela. Quem sente o perigo de ser preso tenta o impossível para conservar a liberdade. O golpe de Estado dos fascistas, isto é, do Estado-Maior latifundiários e dos banqueiros, é o espectro ameaçador que desde o início pesa sobre esta legislatura. O Partido Comunista tem sua orientação; lançar a palavra de ordem da insurreição, conduzir o povo em armas até a  liberdade garantida pelo Estado operário. Qual é a palavra de ordem do Partido Socialista? Como podem ainda as massas confiar neste partido que esgota a sua atividade política na lamentação e só se propõe exigir dos seus deputados "belíssimos" discursos no Parlamento?

*Confederação Geral do Trabalho, na época sob hegemonia dos socialistas. (nota do editor)

Escritos Políticos, Antonio Gramsci, Vol II, p. 301, Seara Nova (Portugal), 1977.



quinta-feira, 9 de abril de 2020

Rafael Gómez Nieto e Manolis Glezos, dois dos nossos!


 Higinio Polo
 08.Abr.20
   
   No mesmo dia 30 de Março faleceram duas figuras da luta contra o nazi-fascismo: o espanhol Rafael Gomez Nieto e o grego Manolis Glezos. A trajetória pessoal de Glezos foi mais visível, e é a de um símbolo de resistência: desde o arrancar da bandeira nazi da Acrópole de Atenas até ao corajoso pedido de desculpas ao povo grego por ter confiado em Tsipras. Ambos ilustram o largo leque da unidade antifascista. Ambos são exemplos para um presente não menos difícil do que aquele que enfrentaram.
Rafael Gomez Nieto
  Enquanto o mundo se mirava na vertigem e no temor da pandemia, chegava-nos a notícia da morte de Manolis Glezos, o rosto da resistência grega a quem, em 30 de Março, o coração falhou. Além disso, como se a fatalidade não tivesse descanso, atingia-nos o falecimento, no mesmo dia, de Rafael Gómez Nieto, o último sobrevivente la nueve, a IX companhia do general Leclerc, repleta de republicanos espanhóis, que libertou Paris dos nazis, morto pelo coronavírus como se, levando ambos, a concha de um tempo desolado nos enviasse a advertência e a memória de uma geração que soube resistir ao fascismo e preservar entre as suas ruínas a frágil estirpe da fraternidade.

   Quando não passava de um garoto, Glezos começou a descobrir a vida sob a ditadura fascista de Metaxas, e depois combatendo contra a ocupação nazi da Grécia, que causou centenas de milhares de mortes, deportações para os campos de extermínio, fuzilamentos em massa (entre eles, o de um irmão de Manolis); suportando a fome do inverno de 1941 que semeou a desolação e acabou com a vida de dezenas de milhares de gregos. Teve que sofrer, como tantos dos seus compatriotas, a deprimida solidão do 1º de Maio de 1944, quando duzentos militantes do Partido Comunista Grego foram fuzilados em Kesariani pelas tropas de ocupação alemãs e, depois, a tristeza da derrota na guerra civil grega. Manolis Glezos participou também na campanha para evitar o fuzilamento de Nikos Beloyannis (o homem do cravo que Picasso pintou) e outros onze dirigentes comunistas gregos, que embora tenham sido a alma da resistência contra os nazis seriam condenados à morte em 1952 por um tribunal militares que tinham entre os seus membros o futuro ditador Papadopoulos, nos anos da feroz perseguição contra os comunistas amparada pela guerra fria sustentada pelos Estados Unidos. Beloyannis e seus camaradas foram fuzilados em Goudi, assassinato que durante décadas marcou Glezos e toda a esquerda grega.
Manolis Glezos
   Manolis Glezos esteve nas fileiras da resistência contra os nazis e nos grupos guerrilheiros que lutaram durante a guerra civil de 1946-1949 para acabar com a velha monarquia corrupta apoiada por seu exército e pelas armas de Londres e Washington. Esteve também entre os militantes que combateram a ditadura dos coronéis, que os Estados Unidos também apoiaram, e entre os que denunciaram ao mundo o massacre protagonizado pelo exército grego quando esmagaram com seus tanques o protesto dos estudantes da Universidade Politécnica de Atenas em Novembro de 1973, assassinando oitenta pessoas: muitas com balas e algumas sob a lagarta dos veículos blindados. Aquele sinistro regime de Papadopoulos, que ainda tinha o sangue de Beloyannis nas mãos, manteve Manolis Glezos nas suas prisões por quatro longos anos.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

O Mantra dos Exploradores

Ney Nunes   

   O mantra, repetido a exaustão pela mídia e políticos burgueses, afirmava: “O Estado está falido”; “Precisamos cortar gastos públicos”; “Temos que privatizar as estatais”; “Vamos liberar a terceirização”; "Depois da reforma trabalhista o país voltará a crescer”; “Com a reforma da previdência resolveremos o déficit público”.   Todas essas afirmações, uma a uma, foram caindo por terra. O país não voltou a crescer, o desemprego e a pobreza aumentaram e os serviços públicos essenciais para a maioria do povo vão de mal a pior.


O verdadeiro "isolamento social" no Brasil.

   Com a entrada em cena da pandemia do coronavírus, o eixo central desse mantra, “O Estado está falido”, foi desmentido pela própria mídia burguesa e seus analistas de aluguel. Eles agora, da forma mais cínica, advogam a intervenção do estado através da transferência de recursos públicos para os bancos e grandes empresas que estariam em “dificuldades” devido à crise. A receita é a mesma aplicada durante a crise econômica internacional deflagrada em 2008, saquear o cofre do Estado para salvar capitalistas.

     Mas cinismo e hipocrisia são especialidades da mídia e dos políticos burgueses que não podem, de forma alguma, dizer a verdade, sob o risco de despertar a justa revolta da massa de explorados. Mesmo quando batem cabeça numa situação de crise como essa que estamos vivendo, as diversas facções políticas do empresariado fazem de tudo para esconder seus reais interesses por trás de cada medida aprovada pelo governo, congresso e judiciário.

    Assim que o pior da pandemia passar, veremos, de forma mais acentuada ainda, o retorno do mantra dos exploradores, dizendo que devido à crise a dívida pública explodiu, o Estado está falido e serão necessários mais e maiores sacrifícios de todos para salvar o país e para que a economia volte a crescer. Os políticos e analistas vendidos da mídia estarão de volta para, mais uma vez, embelezarem esse discurso falando em “união”, “democracia”, “patriotismo” e “esperança”. A tarefa de desmascarar todos esses impostores e construir uma real alternativa ao poder dos exploradores estará depositada, unicamente, nas mãos das organizações dos trabalhadores e dos revolucionários.

A Revolução e suas Fases*

Nikolai Bukharin**

   O ponto de partida da revolução é, como dissemos, um conflito entre as forças produtivas e as relações de produção, conflito que coloca numa situação particular a classe portadora do novo modo de produção, e «determina» de uma forma precisa sua consciência e sua vontade. As premissas da revolução são, portanto, a modificação profunda da consciência duma nova classe, a revolução ideológica na classe que será o coveiro da antiga sociedade.
Nikolai Bukharin
   É indispensável pararmos neste ponto. Antes de tudo, é preciso lembrar que esta revolução tem uma base material. Depois é preciso compreender nitidamente porque se trata assim de uma transformarão violenta na consciência de uma nova classe, dum processo revolucionário. Examinemos esta questão com atenção. Toda ordem social, como se aprendeu nos capítulos anteriores, não repousa unicamente sobre os fundamentos econômicos: pois qualquer que seja a ideologia reinante numa ordem de coisas dada, ela não é senão o laço que sustem esta ordem.

   As ideologias não são simplesmente acidentes, mas círculos de gêneros diversos que encerram como um tonel o corpo social, e o mantém em equilíbrio. Perguntemos agora o que aconteceria se a psicologia e a ideologia das classes oprimidas estivessem numa posição de hostilidade declarada contra a ordem de coisas reinante. Está claro que, nestas condições, esta ordem não poderia mais se manter. Consideremos com efeito uma forma qualquer de sociedade, e nos convenceremos imediatamente que enquanto subsistir esta sociedade reina, em geral e em conjunto, uma mentalidade e uma ideologia de paz civil. Isto se torna particularmente claro se tomamos por exemplo o capitalismo no início da guerra de 1914-1918. Certamente, a classe operária tinha desenvolvido uma ideologia independente da burguesia. E que vemos nós? Mesmo no seio da classe operária existia uma crença extraordinariamente forte na estabilidade da ordem capitalista, um certo apego ao Estado capitalista, uma psicologia de paz civil. Era preciso toda uma revolução psicológica e ideológica para que uma classe se levantasse efetivamente contra outra. E quando se efetua esta revolução ideológica e psicológica? Quando a evolução objetiva coloca a classe oprimida numa «situação insuportável», quando esta classe vê e adquire uma consciência nítida de que «na ordem de coisas atual não há possibilidades de melhoria possível», «que não existe saída», «que isto não pode durar». Isto se produz quando o conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção provocou o rompimento do equilíbrio social, e a impossibilidade de restabelecê-lo em suas antigas bases. Prossigamos tomando por exemplo a revolução proletária. A classe operária, como já vimos, desenvolveu no curso da evolução capitalista da humanidade uma psicologia e uma ideologia mais ou menos hostil à ordem existente. É no Marxismo que esta ideologia recebeu a sua expressão a mais marcada, a mais nítida, a mais significativa e a mais profunda. No entanto, na consciência das massas, e por este fato de que o capitalismo ainda podia se desenvolver, que ele se desenvolvia e podia mesmo melhorar os salários graças ao saque e à exploração sem piedade das colônias, por este fato o capitalismo não era em absoluto «insuportável» à consciência das massas operárias. Melhor ainda. Na classe operária europeia e norte-americana se estabeleceu mesmo uma «comunidade de interesses» particulares com o «Estado nacional capitalista». Ao mesmo tempo, o Marxismo de Marx, nascido no solo da revolução de 1848, se transformava nos partidos operários num «Marxismo II.ª Internacional» todo especial, que traía, e desnaturava a doutrina de Marx, mesmo sobre a revolução social, o empobrecimento do proletariado, a queda inevitável do capitalismo, a ditadura do proletariado, etc. Tudo isto encontrou sua expressão na traição dos partidos sociais-democratas e no estado de espírito patriótico da classe operária em 1914. Foi preciso que a guerra e suas consequências aparecessem como expressão das contradições do regime capitalista, para mostrar, ou melhor, começar a mostrar, que «isto não podia mais durar». À psicologia, e à ideologia de paz civil, substituíram-se uma psicologia e uma ideologia de guerra civil, e no domínio puramente ideológico, o «Marxismo» da II.ª Internacional cedeu seu lugar ao verdadeiro Marxismo, isto é, ao comunismo cientifico.

domingo, 5 de abril de 2020

Discurso de Lenin: "Cómo salvar para siempre a los obreros del yugo de los capitalistas?"


Bolero de Ravel


Maurice Ravel
7 de Março de 1875 – 28 de Dezembro de 1937
 
Maurice Ravel nasceu em Ciboure, na região basca francesa junto aos Pirinéus. Teve uma infância feliz. Os pais, atentos e cultos, frequentaram o meio artístico, fomentando os primeiros passos de Maurice que cedo revelou um talento musical excepcional. O pai, de ascendência suíça, era um engenheiro bem sucedido, e a mãe, de origem basca, era descendente de uma antiga família espanhola. Maurice teve também um irmão, Édouard, com quem manteve uma relação forte ao longo da vida.
Poucos meses depois de nascer, em Junho de 1875, a família mudou-se para Paris.
Vivia-se na capital francesa um ambiente de ressurgimento espiritual. Curava-se ainda das feridas causadas pela Guerra Franco-Prussiana.
Maurice Ravel
Maurice começou a ter lições de piano. Era um pouco preguiçoso, e o pai para o estimular a estudar prometia-lhe pequenos premios monetários.

sábado, 4 de abril de 2020

O Fim dos Mitos e Ilusões para Enfrentar o Presente e o Amanhã

  Dimitris Koutsoumpas*

   Estamos no meio da pandemia do novo coronavírus que ameaça nosso povo, os povos do mundo. Nosso partido enfrenta uma aventura sem precedentes para as pessoas com um alto senso de responsabilidade. Desde o primeiro momento, adiamos todos os eventos, adaptamos o funcionamento e a ação das Organizações do Partido no quadro de medidas para prevenir e proteger a saúde pública. Ao mesmo tempo, exigimos que todas as medidas necessárias sejam tomadas imediatamente para proteger a saúde das pessoas, os direitos dos trabalhadores.
Dimitris Koutsoumpas
   O conteúdo da intervenção do nosso Partido nessas condições difíceis é adequadamente ilustrado pelo slogan: Permanecemos fortes - não calamos a boca!
   Mantemos a força, protegemos a nós mesmos, nossa família, nossos amigos e companheiros, nossos colegas. Não estamos calados sobre as deficiências do sistema público de saúde. Estamos destacando e exigindo tudo o que deveria ter sido feito para combater a pandemia.
   Enfatizamos especialmente a necessidade de milhares de profissionais de saúde, a requisição imediata do setor privado de saúde, a proteção de nossos semelhantes, que sofrem no local de trabalho para produzir os necessários para a sobrevivência das pessoas, bem como a proteção de nossos companheiros seres humanos, que lutam em uma batalha titânica de sacrifício, dentro de hospitais, em todas as áreas da saúde, para proteger nossa saúde e nossas vidas.
   Continuamos fortes, não impedimos a resistência, a reivindicação, a solidariedade nos locais de trabalho e nos bairros, certamente levando em consideração medidas de proteção e circunstâncias especiais.
   Não estamos calados diante da arbitrariedade dos empregadores e da política do governo, que também procura colocar essa crise nas costas dos trabalhadores.
   Vamos quebrar o toque de silêncio que o governo e os grandes empregadores querem impor em nome de "superar juntos esta crise", um produto da ética burocrática hipócrita. Simplesmente porque não podemos "todos juntos" contratar pessoal de serviços de saúde, requisitar o setor privado, tomar medidas preventivas e protetoras, fornecendo todas as ferramentas e meios necessários para proteger os trabalhadores. Isso, de acordo com esse sistema, deve ser feito pelo governo e seu estado, juntamente com a classe que tem poder e propriedade reais. E isso até a classe trabalhadora, as camadas populares "todas juntas", unidas, permanente e irrevogavelmente as derrubam e constroem uma sociedade onde os bens sociais têm prioridade, em oposição ao lucro capitalista que leva as pessoas comuns à morte.

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.