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domingo, 30 de julho de 2023

A Internacional Comunista*

Antonio Gramsci

24 de maio de 1919



A Internacional Comunista nasceu da e com a revolução proletária, e com ela se desenvolve. Três grandes estados proletários, as Repúblicas Soviéticas da Rússia, Ucrânia e Hungria, já constituem sua base real histórica.

Em uma carta a Sorge, de 12 de setembro de 1874, Friedrich Engels escreveu a propósito da I Internacional em vias de dissolução:

A Internacional dominou dez anos de história europeia e pode contemplar sua obra com orgulho. Mas ela sobreviveu em sua forma antiquada. Creio que a próxima Internacional será, uma vez que os trabalhos de Marx tenham cumprido sua função durante tantos anos, diretamente comunista, e instaurará nossos princípios”.

A II Internacional não justificou a fé de Engels. No entanto, depois da guerra e após a experiencia positiva da Rússia, os contornos da Internacional revolucionária, da Internacional de conquistas comunistas, foram claramente traçados.

A Internacional tem por base a aceitação dessas teses fundamentais, elaboradas de acordo com o programa da Liga Espártaco da Alemanha e do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia:

  1. A época atual é a da decomposição e fracasso de todo o sistema capitalista mundial, o que significará o fracasso da civilização europeia, se o capitalismo não for suprimido com todos os seus antagonismos irremediáveis.
  2. A tarefa do proletariado na hora atual consiste na conquista do poder do Estado. Essa conquista significa a supressão do aparelho de governo da burguesia e organização de um aparelho de governo proletário.
  3. Esse novo governo é a ditadura do proletariado industrial e dos camponeses pobres, que deve ser o instrumento da supressão sistemática das classes exploradoras e de sua expropriação. O tipo de Estado proletário não é a falsa democracia burguesa, forma hipócrita de dominação oligárquica financeira, mas a democracia proletária, que fará a libertação das massas trabalhadoras; não o parlamentarismo, mas o autogoverno das massas através de seus próprios órgãos eletivos; não a burocracia de carreira, mas órgãos administrativos criados pelas próprias massas, com participação real das massas na administração do país e na tarefa socialista de construção. A forma concreta do Estado proletário é o poder dos Conselhos e das organizações semelhantes.
  4. A ditadura do proletariado é a ordem de expropriação imediata do capital e da supressão do direito da propriedade privada sobre os meios de produção, que devem ser transformados em propriedade de toda a nação. A socialização da grande indústria e de seus centros organizadores, o banco; o confisco da terra dos proprietários latifundiários e a socialização da produção agrícola capitalista (entendendo por socialização a supressão da propriedade privada, a transferência da propriedade para o Estado proletário e o estabelecimento da administração socialista a cargo da classe operária); o monopólio do grande comércio; a socialização dos grandes palácios nas cidades e dos castelos no campo; a introdução da administração operária e a concentração das funções econômicas nas mãos dos órgãos da ditadura proletária; eis a tarefa do governo proletário.
  5. Para assegurar a defesa da revolução socialista contra os inimigos do interior e do exterior, e para socorrer a outras frações nacionais do proletariado na luta, é necessário desarmar totalmente a burguesia e seus agentes, e armar a todo o proletariado, sem exceção.
  6. A atual situação mundial exige o máximo contato entre as diferentes frações do proletariado revolucionário, exige, inclusive, um bloco total dos países em que a revolução socialista já é vitoriosa.
  7. O método principal de luta é a ação das massas do proletariado até o conflito aberto contra os poderes do Estado capitalista.

A totalidade do movimento proletário e socialista mundial orienta-se decididamente para a Internacional Comunista. Os operários e os camponeses percebem, mesmo que de maneira confusa e vaga, que as repúblicas soviéticas da Rússia, Ucrânia e Hungria são as células de uma nova sociedade que cristaliza todas as aspirações e esperanças dos oprimidos do mundo. A ideia da defesa das revoluções proletárias contra os assaltos do capitalismo mundial deve servir para estimular os fermentos revolucionários das massas: nesse terreno, é necessário organizar uma ação enérgica e simultânea dos partidos socialistas da Inglaterra, França e Itália, que imponha a cessação de qualquer ofensiva contra a República dos Sovietes. A vitória do capitalismo ocidental sobre o proletariado russo significaria jogar a Europa por duas décadas nos braços da reação mais feroz e implacável. Para impedir isso, para conseguir reforçar a Internacional Comunista, a única que pode dar ao mundo a paz no trabalho e a justiça, nenhum sacrifício deve parecer demasiado grande.

* Publicado em L'Ordine Nuovo - 24 de maio de 1919
Edição: Página 1917


sexta-feira, 28 de julho de 2023

Os Ilusionistas

Ney Nunes

28/07/2023


Eles juram fidelidade à revolução, ao socialismo e ao comunismo. Declaram-se anticapitalistas e anti-imperialistas. Porém, quando cotejamos o discurso com a prática, vemos que a diferença é gigantesca. Não passam de meros ilusionistas.

Como ser fiel a revolução e a causa do socialismo, quando, ao mesmo tempo, estão a reboque de facções burguesas, fazendo causa comum na defesa da farsesca democracia e suas instituições reacionárias? Seguem obedientes ao calendário eleitoral na expectativa de eleger um parlamentar ou garantir, vendendo apoio, alguns carguinhos em gabinetes reformistas?

Que anticapitalismo fantoche é este, limitado à crítica ao neoliberalismo, apresentado como o “mal maior” que poderia ser mitigado por um capitalismo estatista ou desenvolvimentista? Desde quando apoiar potências ou alianças capitalistas em conflito é ser anti-imperialista? Dessa forma, renegam o materialismo dialético e a história da luta de classes, fazem coro com facções das suas respectivas burguesias e compactuam assim com a gestão da barbárie.

Onde imaginam fazer a revolução? No seio da pequena-burguesia? No funcionalismo público? Nas mesinhas de bar e nos hotéis bancados pelo parasitismo sindical? Em convescotes acadêmicos? No atoleiro pós-moderno do identitarismo? É justamente aí nesse gueto pequeno-burguês, onde vivem e proliferam concepções degeneradas de um pseudo-marxismo, ao qual devemos combater sem tréguas.

Uma coisa é certa, quanto mais distantes desses ilusionistas, mais próximos estaremos da revolução e do socialismo.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Teoria Marxista da Dependência

Mathias Seibel Luce*

Agosto/2017



[...] Forjada no calor da luta de classes na América Latina dos anos 1960 e 1970 pelos brasileiros Ruy Mauro Marini, Vania Banbirra e Theotonio dos Santos, a TMD é a síntese do encontro profícuo entre a teoria do valor de Marx e a teoria marxista do imperialismo, esta última formulada, entre outros, por Lenin. Deste encontro nasceu o veio teórico em que se descobriram categorias originais, para dar conta de explicar processos e tendências específicos  no âmbito da totalidade integrada e diferenciada que é o capitalismo mundial. Categorias como superexploração da força de trabalho, transferência de valor, cisão no ciclo do capital, subimperialismo padrão de reprodução do capital e a própria categoria dependência são frutos dessa vigorosa tradição crítica, que além dos fundadores brasileiros tem entre seus expoentes nomes como Jaime Osório, Orlando Caputo, Adrían Sotelo Valencia e toda uma nova geração de pesquisadores que procuram dar continuidade ao programa de investigação da TMD no presente.

A partir das formulações da TDM logrou-se decisivamente, com maior rigor a compreensão crítica de que:  desenvolvimento e subdesenvolvimento não eram processos desvinculados, nem um continuum separado pelo tempo ou superável meramente por políticas econômicas; que a industrialização em si, sem a ruptura com as estruturas socioeconômicas dominantes, não seria capaz de levar à superação das enormes mazelas em nossas formações sociais, mas produziria formas renovadas da dependência; que a condição econômico-social da América Latina não se devia à falta de capitalismo, sendo na verdade uma maneira particular em que o capitalismo se reproduz; que não havia burguesias internas com vocação anti-imperialista, mas o desenvolvimento associado e integrado ao imperialismo, em que as classes dominantes locais procuram compensar sua desvantagem na competição intercapitalista superexplorando os trabalhadores; que o imperialismo não era um fenômeno externo, mas apresenta também uma face interna, fincando raízes em nossas sociedades; que o sujeito revolucionário não era a frente pelo desenvolvimnto do "capitalismo nacional", mas a frente de classe a ser integrada pelo proletariado, o campesinato e setores da pequena burguesia; que a crítica da política econômica deveria avançar para o terreno da crítida da Economia Política; em suma, que nem o funcionamento da lei do valor, nem a configuração histórica das formações econômico-sociais se dão uniformemente, mas sob o desenvolvimento desigual¹, não sendo um dualismo estrutural, nem tampouco um todo indiferenciado, mas um coplexo de complexos que é preciso conhecer com o devido rigor, para atuar sobre sua realidade e poder transformá-la.

* Mathias Seibel Luce, docente do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Notas:

1 - Por vezes, a TMD é interpretada como expressão da abordagem do desenvolvimento desigual e combinado, de Leon Trotsky. Na verdade, as fontes principais da TMD são a teoria do valor de Marx e a teoria do imperialismo e o debate sobre a diferenciação das formações econômico-sociais e desenvolvimento desesigual em Lenin. Podem ser encontrados pontos de aproximação e discussão com a tese do desenvolvimento desigual e combinado. Porém, entendemos que esta última está em um nível de abstração mais geral, pensando a desigualdade do ritmo no processo histórico para uma gama variada de acontecimentos. Diferentemente, o desenvolvimento desigual examinado pela TMD estriba especialmente no desdobramento histórico da lei do valor e na diferenciação das formações econômico-sociais, no contexto de formação do mercado mundial e na integração dos sistemas de produção, dando passo a fenômenos históricos específicos. Daí advêm leis tendenciais específicas à  economia dependente, descobertas originalmente pela TMD e que são expressão agudizada das leis gerais do capital, sob tendências negativamente determinadas enquanto momento predominante.

Fonte: Teoria Marxista da Dependência, Mathias Seibel Luce, Expressão Popular, p. 9-11, 2018.

Edição: Página 1917

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Antes que seja tarde!

Carta de Ivan Pinheiro ao Comitê Central do PCB


Camaradas,

Apesar de não mais pertencer a essa instância, da qual me afastei em 18 de junho do ano passado por razões que lhes expus em carta reservada, tomei a iniciativa de dirigir-lhes estas linhas, em função do momento crítico que o nosso partido passa atualmente e sobretudo porque um texto de minha autoria contribuiu para o acirramento de debates que, em condições normais da vigência do centralismo democrático, deveria se restringir aos nossos espaços internos.

Infelizmente, desde as etapas anteriores à conclusão do XVI Congresso, o centralismo burocrático e parcial que tem prevalecido no Comitê Central (CC), no meu entender, tem sido a principal causa de o debate extrapolar para espaços públicos e escalar a crise.

O início deste problema remonta ao período da pandemia, quando fomos forçados a nos restringir a atividades virtuais (as chamadas “lives”), inclusive em reuniões de instâncias e debates públicos em que camaradas do CC se manifestavam e muitas vezes divergiam entre si sobre temas polêmicos, teóricos e políticos, desde leituras sobre a história do PCB, do MCI e das experiências de construção do socialismo, inclusive a respeito de questões estratégicas e táticas, como o caráter do governo anterior e a linha política que seria mais correta para enfrentá-lo.

Houve iniciativas virtuais (de instâncias e secretarias do partido, de coletivos, do ICP e da FDR) abertas ao público que contaram com convidados que não eram nossos militantes, alguns inclusive de outras organizações, e que tratavam até de temas ainda em aberto para o PCB, como o balanço das experiências socialistas desde o século passado, iniciado organicamente no nosso XIV Congresso (2009), com a aprovação de um texto como abertura de debates, lamentavelmente ainda não retomados no partido.

Esse ambiente, em que poucos podiam expor suas opiniões sobre tudo, algumas vezes minoritárias em nosso meio, suscitou na prática uma espécie de direito natural de militantes do partido não membros do então CC, sobretudo mais jovens, também se manifestarem virtualmente para expor suas visões, em alguns casos não coincidentes com as da maioria do CC ou da Comissão Política Nacional (CPN).

Após o relaxamento das medidas de confinamento em função da pandemia, ao invés de estimular os debates internos, inclusive porque já estava convocado o XVI Congresso, a CPN optou por confrontar as divergências com medidas administrativas, já nas etapas anteriores à conclusão do XVI, entre as quais a abertura de processos disciplinares em alguns Estados envolvendo delegados (houve um caso em que a camarada processada não tinha sido ouvida e o processo seguia à sua revelia), congelamento das delegações eleitas nas Conferências Regionais um ano antes, em vez de convocar uma nova rodada desses espaços, já que o partido se renovara, e, o mais grave, a restrição do conhecimento das tribunas de debate aos delegados já anteriormente eleitos ou natos.

Ao que eu saiba, pelo menos de 1964 até aqui, esse foi o primeiro Congresso em que as tribunas não foram disponibilizadas ao conjunto da militância. Para se ter ideia, a Voz Operária, então órgão oficial do CC do PCB, divulgou à militância todas as tribunas ao VI Congresso, a despeito da nossa rigorosa clandestinidade, em 1967, em plena ditadura. Nos XIV (2009) e XV (2014) Congressos, as tribunas foram publicadas na página oficial do partido na internet.

Outra marca deste esforço para limitar os debates fica evidente no fato de que apenas quatro membros de cerca de cinco dezenas de membros do então CC nos pronunciamos nas tribunas, das quais estiveram ausentes inclusive todos aqueles que sempre expuseram suas opinões publicamente, no espaço acadêmico ou fora dele, muitas vezes na contramão de nossas resoluções congressuais.

A meu ver, essas atitudes – somadas a perseguições e processos disciplinares – sinalizavam um desejo de que alguns divergentes se auto excluissem do partido antes do Congresso, o que não ocorreu e acabou por criar um ambiente que poderia levar a cisões, em função da incapacidade de qualquer autocrítica da parte do CC. Tanto é assim que, diante deste risco que pairava no ambiente congressual, pela primeira vez nos últimos tempos importantes dirigentes nacionais tomaram a iniciativa de dialogar com os que divergiam, com vistas a articulações de emergência em pleno curso da etapa final do Congresso, levando a que muitas das resoluções ficassem marcadas por redações notoriamente conciliatórias e algumas inclusive contraditórias em seus termos. Esse acordo, ainda que explícito para a maioria do CC mas escondido do conjunto dos delegados e do Partido como um todo, tinha como objetivo reestabelecer condições legítimas de nossas disputas internas, o que não durou muito, como procurarei demonstrar.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

O Centrismo como Embrião do Revisionismo Moderno

Francisco Martins Rodrigues



[...] Ou seja, o centrismo é uma inflexão na linha política seguida pelo movimento comunista internacional, uma inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do capital sobre a classe operária.

A política do centrismo caracterizou-se pelas seguintes teses principais, que definem a “estrutura política” do relatório de Dimitrov:

Primeira, a unidade de ação com a social-democracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido revolucionário.

Segunda, o apoio político do proletariado à pequena burguesia, a fim de ‘elevar sua consciência revolucionária’.

Terceira, a identidade de interesses da nação perante o fascismo.

Quarta, os governos de coligação com a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.

Quinta, por último, a criação do ‘partido operário único’ pela fusão entre o PC e o PSD.

Em todos esses aspectos foram deixados espaços, para um (ou vários) passo(s) atrás em relação às formulações leninistas e às anteriores resoluções da IC. Note-se que a nova conjuntura exigia da IC uma reformulação da sua tática. No entanto, não escapa a nenhum de nós, hoje, que várias dessas teses tornaram-se estratégias dos partidos revisionistas, em formulações mais atrasadas, nas quais não há mais qualquer menção revolucionária e o fascismo foi substituído por um inimigo mais fluído, como “as elites”, ou parcial/fragmentário, como “os banqueiros” (”contra os juros altos e em defesa da produção” ) ou os latifundiários “improdutivos”.

A mais importante das linhas de corte entre as posições leninistas e o reformismo e o revisionismo, a mais geral, é a que opõe o conceito leninista de hegemonia do proletariado às posições oportunistas, seguidistas da burguesia. Hegemonia do proletariado absolutamente indispensável, pois "preparar a revolução, dissera Lenin, é em última análise levar o proletariado a diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses", assegurando a “independência política do proletariado”.

[...] Hoje, no entanto, a qualidade do revisionismo é diferente da de meados dos anos 1980. O revisionismo hoje é a posição abertamente de direita dos partidos ditos de esquerda e mesmo dos ainda nominalmente comunistas e dos sindicatos e demais movimentos sociais. Esse revisionismo, de qualidade nunca antes vista, é um revisionismo falido, pois não pretende mais colocar-se no campo do socialismo, mas sim, direta e abertamente, no campo da manutenção da ordem burguesa, “com preocupação social”, seja lá o que isso queira dizer.

Fonte: https://anabarradas.com/category/centrismo/page/6/

Edição: Página 1917

quarta-feira, 12 de julho de 2023

China: Um Quarto dos Jovens Sem Trabalho?

*Eric Sautedé

24/06/2023

Jovens a procura de emprego na China.

Com um em cada cinco jovens procurando emprego, o desemprego entre jovens de 16 a 24 anos atingiu um novo recorde em maio. A recuperação econômica vacilante é parcialmente culpada. E a situação vai se deteriorar ainda mais à medida que o ano acadêmico chega ao fim.

O desemprego juvenil na China continua a piorar: o recorde de abril de 20,4% dos jovens de 16 a 24 anos sem trabalho foi quebrado em maio, subindo para 20,8%, de acordo com um comunicado oficial em 15 de junho anunciando aos quatro ventos a continuidade da recuperação econômica.

Esses números negativos foram uma surpresa: o desemprego juvenil geralmente atinge o pico no verão, após as cerimônias de formatura da faculdade. Este ano, 11,6 milhões de estudantes se formaram em universidades chinesas, outro recorde. Uma nota recente do banco de investimentos norte-americano Goldman Sachs estima que isso pode se traduzir em um aumento da taxa de desemprego juvenil entre 3 e 4 pontos percentuais.

Isso significa que um quarto dos jovens chineses pode ficar desempregado neste verão. A recuperação será menos favorável do que o esperado? Por que os jovens são as primeiras vítimas desse pessimismo? Finalmente, o regime deve temer que as tensões sociais piorem?

A fraca recuperação da economia é em parte responsável e parece confirmar a ideia de que o problema é mais estrutural do que cíclico. Toda a ambição da “circulação dupla”, externa e interna, preconizada por Xi Jinping desde 2020, parece ter parado, apesar da lufada de ar fresco criado pela abolição tardia da política de “Zero Covid” no final de 2022. a "circulação externa" - comércio internacional - caiu fortemente em maio, com as exportações recuando 7,5% em um ano. No que se refere à dimensão interna -consumo interno- as receitas continuam se deteriorando.

Em períodos de maiores dificuldades econômicas, os primeiros atingidos pelo desemprego são muitas vezes os jovens. E isso parece ser confirmado pelos números globais das pesquisas de desemprego urbano, já que em maio a tendência se manteve estável, com uma taxa de desemprego geral de 5,2%.

É claro que as imperfeições desse índice são bem conhecidas , até porque ele usa uma definição muito conservadora de desemprego: menos de uma hora de trabalho por semana. Também exclui o desemprego rural e subestima o desemprego dos trabalhadores "migrantes" que não ficam na cidade se perderem o emprego. No entanto, apresenta um forte diferencial em detrimento dos jovens, que provavelmente continuará se agravando.

No entanto, as autoridades apontam que dos 96 milhões de pessoas entre 16 e 24 anos, apenas 33 milhões têm a possibilidade de reinserir-se no mercado de trabalho, e mais de 26 milhões encontraram um emprego. Ainda assim, em termos absolutos, a população desempregada nesta faixa etária duplicou desde antes da pandemia de 2019.

Entre as inúmeras causas dessa acentuada deterioração, os analistas destacam as dificuldades do setor privado, que hoje representa 80% dos empregos urbanos do país e 90% da geração de empregos.

A terceira vaga de desemprego desde 1979

Na história econômica recente da era da "reforma e abertura", ou seja, desde 1979, a China já experimentou duas crises de desemprego severo.

O retorno maciço, entre 1973 e 1979, da "juventude educada" enviada ao campo durante a Revolução Cultural foi um choque brutal para o abastecimento. De repente, 15 milhões de jovens retornaram aos centros urbanos e, somados aos 5 milhões de jovens urbanos já desempregados, representavam 17% da força de trabalho urbana e mais de 30% da força de trabalho jovem.

As reformas introduzidas no início dos anos 1980, que ampliaram as contratações das empresas estatais, reformaram a economia coletiva e permitiram o surgimento da economia individual e privada, criaram mais de 22 milhões de empregos e resolveram o problema do desemprego.

Quase vinte anos depois, entre 1998 e 2001, a reforma das empresas estatais, globalmente muito deficitárias, provocou mais de 26 milhões de demissões, a que se somam mais de dez milhões de trabalhadores despedidos por empresas coletivas, o que se traduziu em uma taxa de desemprego de cerca de 15,6% do total da população ativa.

Em resposta a isso, o governo chinês lançou vários programas de treinamento e reemprego, promovendo o desenvolvimento da economia privada. No início dos anos 2000, o setor privado tornou-se o principal empregador, contribuindo para a criação de cerca de 50 milhões de empregos para absorver não só os demitidos por estatais e empresas coletivas, mas também os milhões de camponeses que se mudaram para a cidade.

Desde 2020, assistimos a uma terceira vaga de desemprego juvenil, precipitada por uma conjuntura econômica internacional particular (pandemia de Covid-19, aumento das tensões entre a China e os Estados Unidos, guerra na Ucrânia, etc.). Esta nova crise cíclica do emprego ocorre num momento em que a população urbana nunca foi tão grande (6 vezes mais do que em 1978 e quase 3 vezes mais do que em 1998), enquanto, ao mesmo tempo, o número de trabalhadores urbanos diminui - pela primeira vez desde 1962 - de 467,73 para 459,31 milhões entre 2021 e 2022.

Uma situação destinada a piorar

O mais paradoxal é que o atual aumento do desemprego juvenil ocorre em um momento de declínio demográfico e envelhecimento da população. A população chinesa caiu para menos de 850.000 em 2022, a primeira vez que isso aconteceu desde 1961, e os efeitos de mais de trinta anos da política do filho único continuarão a ser sentidos, apesar das políticas para promover as taxas de natalidade. O país tem atualmente 282 milhões de pessoas com mais de 60 anos, e em 2035 serão 400 milhões, ou seja, um terço da população.

No que respeita ao desemprego, as estatísticas e declarações oficiais não conseguem esconder a dimensão da crise, sobretudo se tivermos em conta o subemprego e a situação dos 200 milhões de pessoas com "emprego flexível", numa população ativa de 733,5 milhões de pessoas, o que representa um decréscimo de 13 milhões face a 2021. Relativamente ao desemprego juvenil, um artigo da revista chinesa Caijing chega ao número de 54 milhões de jovens atualmente desempregados, tendo em conta as diversas situações, incluindo imigrantes que perderam o emprego (alguns 14 milhões) e jovens licenciados que há três anos não encontram lugar no mercado de trabalho (15 milhões).

E a situação vai piorar ainda mais. Por um lado, porque o crescimento econômico jamais voltará aos ritmos das últimas décadas. Por outro lado, porque os jovens licenciados não conseguem imaginar outro futuro que não seja o da cidade, em setores que têm passado recentemente por graves dificuldades econômicas e/ou regulatórias: turismo, imobiliário, educação, finanças e novas tecnologias. E haverá cada vez mais: o número de candidatos ao concurso nacional de pós-graduação (3.º ciclo universitário) passa de 2,01 milhões em 2017 para 4,57 milhões em 2022, o que representa um aumento de 127,4%.

Desequilíbrio entre oferta e demanda

Uma dimensão mais estrutural e, portanto, de longo prazo parece estar se configurando: a do descompasso entre as competências dos recém-chegados ao mercado de trabalho e as expectativas destes.

Este ano, em vez das tradicionais fotos de alunos em êxtase jogando seus bonés de formatura (o boné de borla) para o alto, houve instantâneos deles vacilando e deitados no chão ou jogando seus diplomas no lixo. Memes inspirados em um famoso conto do escritor chinês Lu Xun, contando as tribulações de Kong Yiji, um estudioso que vive na pobreza, também se tornaram virais.

Ao mesmo tempo, muitos postos de trabalho permanecem por preencher. Apesar da explosão no treinamento vocacional superior, o Ministério de Recursos Humanos e Previdência Social estima que até 2025, quase 30 milhões de empregos no setor manufatureiro na China estarão vagos, respondendo por quase metade de todos os empregos no setor.

Por enquanto, o governo optou principalmente por atrair jovens graduados em dificuldades para o setor público: Pequim instou os governos locais a contratar tantos graduados quanto seus orçamentos permitirem e pediu às empresas que criem pelo menos um milhão de estágios, em troca de subsídios e isenções fiscais. Embora a oferta esteja aberta a todas as empresas, são as empresas estatais que têm maior probabilidade de atender ao chamado.

Outro sinal claro é que este ano o recorde de 1,5 milhão de candidatos fez o concurso para ingressar no funcionalismo público, totalizando 37 mil vagas.

Para analistas, porém, a solução só pode vir do setor privado, e como poderia ser diferente? Nos últimos dez anos, para cada ponto do PIB ganho, as empresas públicas criaram 1,85 milhão de empregos, enquanto as empresas privadas criaram 6,36 milhões de empregos.

*Eric Sautedé, sinólogo, foi professor e investigador associado no Instituto Ricci, da Universidade de São José de Macau. Após sua expulsão desse centro por pressão política das autoridades chinesas, foi defendido pela Anistia Internacional. Autor de uma extensa obra sobre o processo de modernização e a situação política na China, é colaborador da Mediapart France.

Fonte: https://www.sinpermiso.info

Edição: Página 1917







terça-feira, 4 de julho de 2023

O Fim do Preço Paritário de Importação (PPI) é Mais uma Farsa

Felipe Coutinho*

02/07/23

Depois de seis meses da Petrobrás sob Lula, a estatal continua praticando preços equivalentes ou superiores aos paritários de importação.




    No dia 16 de maio de 2023, a direção da Petrobrás divulgou Fato Relevante [1] sobre sua estratégia comercial para o Diesel e a Gasolina, nele registra a substituição da política de preços praticada por suas refinarias.
    No mesmo dia anunciou a redução dos preços da gasolina e do diesel, valores pagos pelas distribuidoras. [2]
    No artigo “Prates anuncia fim do Preço Paritário de Importação (PPI), mas ajusta preço do Diesel ao PPI” [3] demonstrei que esse reajuste apenas reduziu o sobrepreço do Diesel S10 vendido pela Petrobrás na comparação com a estimativa do seu PPI. Em 3 de maio de 2023, o preço estava 14,3% superior ao PPI, com o reajuste o preço praticado no dia 17 de maio de 2023 ficou muito próximo do PPI.
    Hoje, depois de seis meses da Petrobrás sob o governo Lula, podemos mais uma vez verificar se o “fim do PPI” é apenas retórico ou é real.
    Em 30 de junho de 2023, o preço do Diesel S10, vendido pela Petrobrás em Paulínia (SP), estava em 3.075,70 R$/m³ (o equivalente a 3,08 R$/litro). [4]
    A estimativa do PPI, a partir dos preços do petróleo e da cotação do dólar no fechamento do mercado no mesmo dia, é de 2.976,65 R$/m³ do Diesel. O preço da Petrobrás em Paulínia (SP) está maior que o PPI. 

Figura 1 : Diferença relativa do preço do Diesel S10 praticado pela Petrobrás em Paulínia (SP) e a estimativa para o Preço Paritário de Importação (PPI)

Observa-se que desde o anúncio do “fim do PPI”, em 16 de maio de 2023, o reajuste apenas reduziu o sobrepreço do Diesel S10 vendido pela Petrobrás na comparação com a estimativa do seu PPI. Em 3 de maio de 2023, o preço do diesel estava 14,3% superior ao PPI, no final de junho ainda estava 3,2% superior a ele.

A Figura 2 apresenta a razão entre o preço do Diesel S10, vendido pela Petrobrás em Paulínia (SP), e o preço do petróleo do tipo Brent.

Figura 2 : Razão entre o preço do Diesel S10 e o preço do petróleo Brent

Desde outubro de 2016, a direção da Petrobrás anunciou a adoção da inédita política de Preços Paritários de Importação (PPI).

No período apresentado na Figura 2, entre agosto de 2019 e abril de 2023, a direção da Petrobrás praticou o PPI, em 16 de maio anunciou o seu fim.

A despeito do anúncio do fim do PPI, o preço relativo do Diesel, em 30 de junho de 2023 foi de 1,36 vezes o preço do petróleo Brent. Sendo que o médio, entre agosto de 2019 e abril de 2023, período de vigência declarada do PPI, foi de 1,39 vezes. O declarado “fim do PPI” praticamente não alterou o preço do Diesel, em relação ao preço do petróleo no mercado internacional.

Apesar do festejado anúncio do fim do PPI que nossa Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) recebeu com esperança e ressalvas, o sincrônico anúncio da redução do preço do Diesel apenas o ajustou ao próprio PPI. Depois de seis meses da Petrobrás sob Lula, a estatal continua praticando preços equivalentes ou superiores aos paritários de importação.

Reitero aqui a conclusão do citado artigo anterior.

A AEPET acredita que a Petrobrás pode praticar preços inferiores aos paritários de importação (PPI) e obter excelentes resultados empresariais, com a recuperação da sua participação no mercado brasileiro e a maior utilização da sua capacidade instalada de refino.

Somente a Petrobrás consegue suprir o mercado doméstico de derivados com preços abaixo do paritário de importação e, ainda assim, obter resultados compatíveis com a indústria internacional e sustentar elevados investimentos que contribuem para o desenvolvimento nacional.

A Petrobrás deve abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis e garantir sua sustentabilidade empresarial, ao assegurar que suas margens operacionais sejam compatíveis com a indústria internacional, com alta capacidade de investimento e resiliente à variação do preço do petróleo.

Vamos acompanhar a nova política de preços para avaliar se será justa e competitiva, e dessa forma contribuirá com o crescimento e o desenvolvimento brasileiros. [5]

Por enquanto, depois de seis meses do governo Lula, não foi isso que aconteceu.

Referências

[1] Petrobras, “Petrobras sobre estratégia comercial de diesel e gasolina,” 2023.
[2] Agência Brasil, “Petrobras reduz em R$ 0,44 valor do diesel e em R$ 0,40 o da gasolina,”
2023.
[3] F. Coutinho, “Prates anuncia fim do Preço Paritário de Importação (PPI), mas ajusta preço
do Diesel ao PPI”.
[4] Petrobrás, “Tudo o que você precisa saber sobre os preços dos combustíveis”.
[5] AEPET, “Nota sobre a substituição do PPI pela Petrobrás,” 2023


Felipe Coutinho é engenheiro químico e vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)


Fonte: https://aepet.org.br/artigo/o-fim-do-preco-paritario-de-importacao-ppi-e-mais-uma-farsa/


Edição: Página 1917

Luis Carlos Prestes


"Hoje liquidar a dominação imperialista no Brasil é liquidar também o capitalismo, temos que lutar é pelo socialismo."



 



 







 

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