Lenin
1916
A exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente. Se, em consequência disso, a referida exportação pode, até certo ponto, ocasionar uma estagnação do desenvolvimento nos países exportadores, isso só pode ter lugar em troca de um alargamento e de um aprofundamento maiores do desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo.
Os países que exportam capitais podem quase sempre obter certas "vantagens", cujo caráter lança luz sobre as particularidades da época do capital financeiro e do monopólio. Eis, por exemplo, o que dizia em Outubro de 1913 a revista berlinense Die Bank:
"No mercado internacional de capitais está a representar-se desde há pouco tempo uma comédia digna de um Aristófanes. Um bom número de Estados, desde a Espanha até aos Balcãs, desde a Rússia até à Argentina, ao Brasil e à China, apresentam-se, aberta ou veladamente, perante os grandes mercados de dinheiro, exigindo, por vezes com extraordinária insistência, a concessão de empréstimos. Os mercados de dinheiro não se encontram atualmente numa situação muito brilhante, e as perspectivas políticas não são animadoras. Mas nenhum dos mercados monetários se decide a negar um empréstimo com receio de que o vizinho se adiante, o conceda e, ao mesmo tempo, obtenha certos serviços em troca do serviço que presta. Nas transações internacionais deste gênero o credor obtém quase sempre algo em proveito próprio: um favor no tratado de comércio, uma base hulheira, a construção de um porto, uma concessão lucrativa ou uma encomenda de canhões." (2)
O capital financeiro criou a época dos monopólios. E os monopólios trazem sempre consigo os princípios monopolistas: a utilização das "relações" para as transações proveitosas substitui a concorrência no mercado aberto. É muito corrente que entre as cláusulas do empréstimo se imponha o gasto de uma parte do mesmo na compra de produtos ao país credor, em especial de armamentos, barcos, etc. A França tem recorrido frequentemente a este processo no decurso das duas últimas décadas (1890-1910). A exportação de capitais passa a ser um meio de estimular a exportação de mercadorias. As transações têm um caráter tal que, segundo diz Schilder "delicadamente" (3), "confinam com o suborno". Krupp na Alemanha, Schneider em França e Armstrong em Inglaterra constituem outros tantos modelos de firmas intimamente ligadas com os bancos gigantescos e com os governos, das quais é difícil "prescindir" ao negociar um empréstimo.
A França, ao mesmo tempo que concedia empréstimos à Rússia, "impôs-lhe", no tratado de comércio de 16 de Setembro de 1905, certas concessões válidas até 1917: o mesmo se pode dizer do tratado comercial subscrito em 19 de Agosto de 1911 com o Japão. A guerra alfandegária entre a Áustria e a Sérvia, que se prolongou, com um intervalo de sete meses, de 1906 a 1911, foi devida em parte à concorrência entre a Áustria e a França no fornecimento de material de guerra à Sérvia. Paul Deschanel declarou no Parlamento, em janeiro de 1912, que entre 1908 e 1911 as firmas francesas tinham fornecido material de guerra à Sérvia no valor de 45 milhões de francos.
Num relatório do consul austro-húngaro em São Paulo (Brasil) diz-se: "A construção dos caminhos-de-ferro brasileiros realiza-se, na sua maior parte, com capitais franceses, belgas, britânicos e alemães; os referidos países, ao efetuarem-se as operações financeiras relacionadas com a construção de caminhos-de-ferro, reservam-se as encomendas de materiais de construção ferroviária."
O capital financeiro estende assim as suas redes, no sentido literal da palavra, em todos os países do mundo. Neste aspecto desempenham um papel importante os bancos fundados nas colônias, bem como as suas sucursais. Os imperialistas alemães olham com inveja os "velhos" países coloniais que gozam, neste aspecto, de condições particularmente "vantajosas". A Inglaterra tinha em 1904 um total de 50 bancos coloniais com 2279 sucursais (em 1910 eram 72 bancos com 5449 sucursais); a França tinha 20 com 136 sucursais; a Holanda possuía 16 com 68; enquanto a Alemanha tinha "apenas" 13 com 70 sucursais (4). Os capitalistas americanos invejam por sua vez os ingleses e os alemães: "Na América do Sul - lamentavam-se em 1915 - 5 bancos alemães têm 40 sucursais, 5 ingleses 70 sucursais ... A Inglaterra e a Alemanha, no decurso dos últimos vinte e cinco anos, investiram na Argentina, no Brasil e no Uruguai bilhões de dólares aproximadamente; como resultado disso beneficiam de 46 % de todo o comércio desses três países."(5)
Os países exportadores de capitais dividiram o mundo entre si, no sentido figurado do termo. Mas o capital financeiro também conduziu à partilha direta do mundo.
Notas:
(2) Die Bank, 1913, n.º 2, 1024-1025.
(3) Schilder, Ob. cit., pp. 346, 350 e 371.
(4) Riesser, Ob. cit., p. 375 (4.ª ed.), e Diouritch, p. 283.
(5) The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. LIX, Maio de 1915, p. 301. Nesta mesma publicação, na p. 331, lemos que no último número da revista financeira Statist o conhecido especialista em estatística Paish calculava em 40 mil milhões de dólares, isto é, 200 mil milhões de francos, os capitais exportados pela Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica e Holanda.
Fonte: O Imperialismo Fase Superior do Capitalismo, V.I. Lenine Obras Escolhidas, P.623-625, Editora Alfa-Omega,1986.
Edição: Página 1917
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