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terça-feira, 30 de abril de 2024

Da Primeira Ferrovia ao Golpe Rodoviarista

Cento e setenta anos da primeira ferrovia brasileira (1854 -2024)


Ney Nunes
30/04/2024

Há 170 anos era inaugurada a primeira ferrovia no Brasil, em 30 de abril de 1854, no Rio de Janeiro, por iniciativa do empresário Irineu Evangelista, o barão de Mauá. O trecho inicial ligava o Porto de Mauá até Fragoso, tinha 14,5 km de extensão. Em 1856 a ferrovia foi prolongada até a Raiz da Serra (Vila Inhomirim), chegando a 16,3 km. Posteriormente, em 1886, foi concluída a subida por cremalheira até Petrópolis. Era o começo de uma era de modernização nos transportes do país voltada para atender principalmente os corredores de exportação, ligando o interior aos portos. Foi assim no sudeste com o café e no nordeste com açúcar e algodão. O ápice desse primeiro processo de expansão das ferrovias foi no final da segunda década do século XX, quando a malha ferroviária do país alcançou 32.000 km.

Da Primeira Ferrovia ao Golpe Rodoviarista
Ferroviários posam junto da locomotiva "Baroneza" - 1920.

A Inglaterra e a expansão das ferrovias

A implantação do transporte ferroviário se deu no marco da hegemonia inglesa nos primórdios do capitalismo imperialista. As transações econômicas da Inglaterra com o Brasil eram caracterizadas pela clássica relação centro/periferia do sistema capitalista. Os bancos ingleses financiavam o Estado brasileiro e a produção de produtos agrícolas destinados para a exportação. Da indústria inglesa vinham a maior parte dos bens importados pelo Brasil, em consequência, no século XIX, o país acumulava enorme dívida junto aos credores ingleses.

A Inglaterra, a partir da segunda década do século XIX, criou e desenvolveu rapidamente a tecnologia ferroviária, daí para exportá-la foi um passo rápido. Não só o Brasil, mas os principais países latino americanos passaram a ser um mercado para a indústria ferroviária inglesa. Aqui as ferrovias eram financiadas e construídas por capitais ingleses, todo equipamento e mão de obra especializada também eram importados. Negócio garantido pela legislação brasileira, consolidada em 1852, pela lei nº 641 de 26 de junho, oferecendo vantagens para os investidores estrangeiros como garantia de juros de 5% sobre o capital investido, concessão de privilégios por 90 anos e isenção de direitos de importação, entre outras benesses. Vantagens tão generosas que logo atraíram os capitais norte-americanos e franceses.

Como pode ser visto, a implantação e expansão ferroviária no Brasil não se deu no sentido de atender aos interesses nacionais e sociais, mas sim, ao interesse do imperialismo articulado com a burguesia exportadora brasileira. O seu declínio seguiria a mesma lógica com o advento das indústrias automobilística e do petróleo no começo do século XX, introduzindo novas linhas de exportação na relação centro/periferia do capitalismo. Da mesma forma como ocorreu com a implantação e expansão da malha ferroviária, a sua superação pelo rodoviaríssimo como eixo do sistema de transportes terrestres, se deu pela articulação do interesse imperialista com a burguesia e o Estado brasileiro, apesar do Brasil na época ser importador dos derivados de petróleo, de automóveis e caminhões.

A decadência das ferrovias

Desde Washington Luís, governador de São Paulo (1920-1924) e depois presidente da República (1926-1930), que cunhou o lema: “governar é abrir estradas”, passando pelo governo do presidente Juscelino Kubitschek (1955-1961), quando foram concedidas vantagens para indústria automobilística multinacional se instalar no Brasil, culminando na malfadada ditadura empresarial-militar instalada com o golpe de 1964, o sistema de transporte ferroviário, de carga e passageiros, sofreu a dinâmica da decadência em favor do rodoviarismo. Os governos pós ditadura, especialmente Collor, Itamar e Fernando Henrique, jogaram a pá de cal no sistema ferroviário brasileiro, sucateando e privatizando o que restava. O resultado é que dos 32 mil km de malha ferroviária que tínhamos em 1930, hoje, decorrido quase um século, estamos reduzidos a 30 mil km com muitos trechos desativados ou subaproveitados.

Fica evidente, portanto, porque o dia que marca os 170 anos da inauguração da primeira ferrovia brasileira não seja motivo de comemoração e muito pouco lembrado. O sistema transporte de carga e passageiros, mais seguro, eficiente e menos poluente, foi por um século estrangulado em nosso país para atender aos interesses da burguesia brasileira e do capitalismo imperialista. Enquanto isso, nos EUA, China, Europa, Rússia e Japão, a ferrovia foi expandida e modernizada, entrando no século XXI como principal meio de transporte nesses países.

A decadência do sistema ferroviário em favorecimento do rodoviarismo foi um dos golpes mais contundentes desferidos pela burguesia e seus governos fantoches contra os interesses da maioria do povo brasileiro.

Edição: Página 1917

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