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segunda-feira, 27 de março de 2023

A Democracia não Fracassou, ela Simplesmente Já não Existe

O artigo de Mateus Rosa, que reproduzimos abaixo, nos permite ver até onde chegou a decadência do regime político esclerosado, a dita "democracia" burguesa, predominante na Europa. Como bem definiu Lenin, esse regime não passa de uma farsa, nada tem de democrático, na realidade, por trás das aparências, se trata de uma ditadura do capital.


Mateus D. Rosa*

02/02/2023

A raiva sobre as revelações do "Qatargate" foi surpreendente, dado que a corrupção na UE é endêmica. O que pode ter tornado este caso diferente é que todas as pessoas ligadas a ele estão entre os supostos "mocinhos" da classe política europeia: os sociais-democratas, o secretário-geral da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) e chefes de duas ONGs humanitárias: “Luta Contra a Impunidade” (Fight Impunity) e “Não haverá paz sem justiça" (No Peace Without Justice) - nomen est omen - ambos repletos de atuais e antigos "bons" parlamentares e funcionários públicos da UE. Ontem foi retirada a imunidade a dois outros parlamentares social-democratas da UE que a polícia queria apanhar. Aparentemente, um dos réus está disposto a incriminar outros "bons" parlamentares da UE em um acordo judicial. O Qatargate revelou até que ponto a podridão na democracia liberal europeia se espalhou.



Curiosamente, a corrupção ainda é vista na Europa como uma aberração maligna, e não como elemento determinante de sua política, o que é. Na operação de limitação de danos realizada pela UE e pela grande mídia após o Qatargate, eles falam, como sempre, sobre ovelhas negras. No entanto, ninguém faz a pergunta mais básica: de que cor é o rebanho?

O que também é incomum neste caso é que alguns dos envolvidos podem ser processados. Isso não se deve ao baixo nível de tolerância à corrupção nas instituições da UE ou nos governos europeus. O magistrado belga que lidera a investigação já está a ser apresentado como um herói - candidato a uma série da Netflix - o lobo solitário que luta pela justiça e pela democracia europeias, que é o que a UE afirma estar a fazer. O próprio escritório antifraude da UE, o OLAF, com seu orçamento anual de 61 milhões de euros, é apenas mais uma das instituições de fumaça e espelho da hipocrisia da UE.

O fato de o Qatargate estar agora em domínio público pode oferecer conforto para alguns, mas a corrupção continua a determinar a política na Europa. O Qatargate foi de uma magnitude tão pequena que nem pode ser considerada a ponta de um iceberg. Todo grande evento oferece novos campos de ganhos verdadeiramente massivos para a classe política, como é o caso da Covid, da Ucrânia e da crise climática. Enquanto os ativistas climáticos ingenuamente exigem que os governos “seguirem a ciência”, a classe política europeia tem um objetivo diferente: “Seguir o dinheiro”.

domingo, 26 de março de 2023

sexta-feira, 24 de março de 2023

Sangue e Lágrimas para os Povos e Lucros para o Capital

Um Ano da Guerra Imperialista na Ucrânia

Eliseos Vagenas

Membro do Comitê Central do KKE -  Chefe da Seção de Relações Internacionais

(fevereiro/2023)

O Partido Comunista da Grécia (KKE) se mantém firme na vanguarda da luta contra a guerra imperialista


                                                                                              

                                                                          

Doze dias antes de Vladimir Putin anunciar a “operação militar especial”, como denominou a invasão militar russa dos territórios ucranianos, o Rizospastis comentou as declarações do diplomata americano Kurt Volker, que afirmou que “a Rússia pode chegar a anexar um terço da Ucrânia”, estimando que a Ucrânia poderia perder sua saída para o Mar de Azov e que um corredor terrestre poderia ser formado ligando a Federação Russa à Crimeia.

Na época, uma de nossas observações foi que “não sabemos se tais declarações do diplomata americano indicaram quais serão as novas fronteiras ucranianas, se se trata de uma proposta de acordo dos EUA com a Rússia acerca da partição da Ucrânia – exigindo contrapartidas – ou apenas uma forma de pressionar a atual liderança ucraniana. O que sabemos, no entanto, é que geralmente as fronteiras não mudam sem que haja derramamento de sangue e que o papel de nosso país nesses acontecimentos é de grande importância para nosso povo”. (1)

Hoje, um ano após o início do conflito que está devastando os povos da Ucrânia e da Rússia, testemunhamos dezenas de milhares (ou, segundo outras estimativas, centenas de milhares) de mortos e feridos, bem como a destruição total de dezenas de cidades e vilas. A fronteira entre Rússia e Ucrânia efetivamente mudou durante as batalhas, visto que a Rússia passou a controlar, além da maior parte da região de Donbass (60% de Donetsk e 95% de Lugansk), as regiões de Kherson (75%) e Zaporozhye (80%). Todas essas regiões foram anexadas ao território russo por meio de decretos presidenciais de Putin, a despeito de suas declarações iniciais de que o objetivo da “operação militar especial” não era conquistar o território ucraniano. Ao todo, os territórios ucranianos atualmente sob controle militar russo representam 18% da Ucrânia (em comparação a 27% em março de 2022).

De fato, a “profecia” do diplomata americano se cumpriu quando a Rússia bloqueou a saída da Ucrânia para o Mar de Azov e criou um corredor terrestre ligando seus territórios à Crimeia, formalmente anexada à Federação Russa em 2014.

Em 3 de fevereiro de 2023, o ex-presidente da Federação Russa e atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia Dmitry Medvedev comentou em tom de comemoração que “a economia ucraniana está se deteriorando rapidamente”. Isso se deve ao fato de que a Ucrânia já perdeu mais de 40% de sua capacidade industrial a nível nacional e cerca de 15% de seu PIB pré-guerra, além do acesso a mais de US$ 12 trilhões em matérias-primas, incluindo 63% de suas reservas de carvão e 42% de suas reservas de metais. (2)

Quem ganhou e quem perdeu?

Tal representante do capital russo mostra-se ávido diante do fato de que a Rússia capitalista, sob o pretexto do antifascismo e a ameaça de perseguir toda e qualquer voz de oposição no país, conquistou e controla integralmente o Mar de Azov, assim como milhares de quilômetros quadrados de terras férteis, recursos minerais e infraestrutura industrial que pertenciam à Ucrânia. Além disso, milhões de trabalhadores estão à disposição dos monopólios russos.

Outros se mostram igualmente ávidos:

Os EUA, visto que os monopólios americanos do setor energético passarão a fornecer à Europa gás natural liquefeito a preços caríssimos. Os EUA receberam ainda a oportunidade de “reagrupar” e fortalecer o “vespeiro” da OTAN, que vinha enfrentando problemas de coesão até então.

A União Europeia, que encontrou mais uma justificativa para promover sua “estratégia de crescimento verde”, com a qual lucram os monopólios europeus do setor energético – tanto os das fontes ”alternativas” (painéis solares, turbinas eólicas, etc) quanto os das fontes tradicionais – e outros setores do capital, como os armadores gregos, que fizeram fortuna em um ano de guerra.

Os capitalistas de China, Índia, Brasil e outros países, que encontraram uma forma de importar matérias-primas da Rússia, sobretudo petróleo, por metade do preço, lucrando com a diferença no mercado internacional.

As monarquias do Golfo, que expandiram sua “clientela”, e a burguesia da Turquia, que atua como “mediadora” e “polo” de interesses e mercadorias de ambos os lados.

Todos os Estados capitalistas que dispõem de uma indústria bélica desenvolvida (EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Turquia, Irã, etc) que produz e testa novas máquinas mortíferas nos campos de batalha, lucrando com o comércio da morte.

A burguesia da Ucrânia, que blindou ainda mais seu poder. Por um lado, estreitou os vínculos entre seus interesses e os interesses de outras potências capitalistas do bloco euro-atlântico. Por outro lado, fomentou um clima de “união” nacional, recorrendo, em nome do “patriotismo”, da defesa da integridade territorial do país e da retomada de territórios, ao anticomunismo, ao chauvinismo, à apologia histórica aos colaboracionistas na ocupação nazista da Ucrânia, etc.

terça-feira, 21 de março de 2023

Como Organizar a Emulação?

Lenin (dezembro/1918)


Os escritores burgueses escreveram e escrevem montanhas de papel, elogiando a concorrência, a iniciativa privada e outros magníficos valores e encantos dos capitalistas e da ordem capitalista. Acusavam-se os socialistas de não quererem compreender o significado destes valores e de não terem em conta a “natureza humana”. Mas, na realidade, o capitalismo substituiu há muito a pequena produção mercantil independente, em que a concorrência podia, em proporções mais ou menos amplas, desenvolver o espírito empreendedor, a energia, a iniciativa ousada, pela grande e muito grande produção fabril, pelas empresas por ações, pelos consórcios e outros monopólios. A concorrência significa, sob tal capitalismo, o esmagamento inauditamente feroz do espírito empreendedor, da energia, da iniciativa ousada da massa da população, da sua gigantesca maioria, de noventa e nove por cento dos trabalhadores, significa também a substituição da emulação pela fraude financeira, pelo nepotismo, pelo servilismo nos degraus mais elevados da escala social.

O socialismo não só não extingue a emulação como, pelo contrário, cria pela primeira vez a possibilidade de a aplicar em escala verdadeiramente ampla, verdadeiramente de massas, de arrastar verdadeiramente a maioria dos trabalhadores para o campo de um trabalho onde podem revelar-se, desenvolver as suas capacidades, mostrar os talentos que no povo são uma fonte inesgotável e que o capitalismo esmagava, sufocava e estrangulava aos milhares e aos milhões.

A nossa tarefa agora, quando um governo socialista está no poder, é organizar a emulação.

[…] Naturalmente, esta substituição do trabalho forçado pelo trabalho para si próprio, a maior na história da humanidade, não pode realizar-se sem atritos, dificuldades, conflitos, sem violência em relação aos parasitas inveterados e seus lacaios. A este respeito, nenhum operário tem ilusões: temperados por longos e longos anos de trabalhos forçados para os exploradores, de inúmeros vexames e ultrajes da parte deles, temperados pelas duras necessidades, os operários e os camponeses pobres sabem que é preciso tempo para quebrar a resistência dos exploradores. Os operários e camponeses não estão de modo algum contaminados pelas ilusões sentimentais dos senhores intelectuaizinhos, de toda essa porcaria dos novojiznistas e outros, que “gritaram” contra os capitalistas até enrouquecer, que “gesticularam” contra eles, que os fulminaram, para logo começarem a chorar e a portar-se como cãezinhos espancados quando se chega aos fatos, à realização das ameaças, à execução na prática do afastamento dos capitalistas.

[...] A grande substituição do trabalho forçado pelo trabalho para si próprio, pelo trabalho organizado planificadamente numa escala gigantesca, nacional (e, em certa medida, também internacional, mundial) exige também — além das medidas “militares” de repressão da resistência dos exploradores — imensos esforços organizativos, organizadores, por parte do proletariado e dos camponeses pobres. A tarefa organizativa entrelaça-se num todo indissolúvel com as tarefas da implacável repressão militar dos escravistas (capitalistas) de ontem e a matilha dos seus lacaios - os senhores intelectuais burgueses. Nós sempre fomos os organizadores e os chefes, nós comandávamos — assim falam e pensam os escravistas de ontem e os seus agentes entre a intelectualidade — queremos continuar assim, não nos poremos a escutar o “povinho”, os operários e camponeses, não nos submeteremos a eles, converteremos os conhecimentos em armas para defender os privilégios do saco de dinheiro e o domínio do capital sobre o povo.

[…] Agora uma das mais importantes tarefas, senão a mais importante, é desenvolver tão amplamente quanto possível esta iniciativa independente dos operários e de todos os trabalhadores e explorados em geral na obra criadora do trabalho organizativo. Custe o que custar é preciso destruir o velho preconceito absurdo, selvagem, infame e odioso, de que só as chamadas “classes superiores”, só os ricos ou os que passaram pela escola das classes ricas, podem administrar o Estado, dirigir a construção organizativa da sociedade socialista.

Isto é um preconceito. É mantido por uma rotina podre e fossilizada, por um hábito servil e, ainda mais, pela imunda cupidez dos capitalistas, interessados em administrar saqueando e saquear administrando. Não. Os operários não esquecerão nem por um minuto sequer que necessitam da força do saber. O zelo invulgar que os operários manifestam em se instruir, que manifestam exactamente agora, demonstra que nesse sentido não há nem pode haver erro no seio do proletariado. Mas o trabalho de organização está também ao alcance do operário e do camponês comum, que sabe ler e escrever, que conhece os homens e tem experiência prática. Entre o “povinho”, de que falam com desdém e arrogância os intelectuais burgueses, há uma massa de pessoas destas. Na classe operária e no campesinato há uma fonte ainda intacta e uma fonte riquíssima desses talentos.

[…] O registro e o controle, que são necessários à transição para o socialismo, só podem ser obra das massas. Só uma colaboração voluntária e conscienciosa das massas de operários e camponeses, realizada com entusiasmo revolucionário, no registo e no controle dos ricos, dos vigaristas, dos parasitas, dos arruaceiros, pode vencer estas sobrevivências da maldita sociedade capitalista, esses detritos da humanidade, esses membros irremissivelmente podres e mortos, esse contágio, essa peste, essa chaga que o capitalismo deixou em herança ao socialismo.

[…] Os ricos e os vigaristas são as duas faces de uma mesma medalha, são as duas categorias principais de parasitas alimentados pelo capitalismo, são os principais inimigos do socialismo, estes inimigos devem ser submetidos à particular vigilância de toda a população, é preciso dar cabo deles implacavelmente à menor infração às regras e às leis da sociedade socialista. Toda a fraqueza, toda a vacilação, todo o sentimentalismo constituiriam neste aspecto o maior crime contra o socialismo.

[…] A Comuna de Paris mostrou um grande modelo de combinação da iniciativa, da independência, da liberdade de movimento, da energia do impulso vindo de baixo — com um centralismo voluntário alheio aos estereótipos. Os nossos Sovietes seguem o mesmo caminho. Mas ainda são "tímidos", ainda não se desenvolveram, ainda não “entraram” no seu trabalho novo, grande e criador de construção de uma ordem socialista. É preciso que os Sovietes lancem mãos à obra com mais audácia e iniciativa. É preciso que cada "comuna" — cada fábrica, cada aldeia, cada sociedade de consumo, cada comité de abastecimento - actue em emulação uns com os outros, como organizadores práticos do registro e do controle do trabalho e da distribuição dos produtos. O programa deste registro e controle é simples, claro e compreensível para todos: que cada um tenha pão, que todos usem calçado sólido e boa roupa, tenham uma casa quente, trabalhem conscienciosamente e que nem um só vigarista (incluindo os que fogem do trabalho) passeie em liberdade, mas esteja na prisão ou cumpra uma pena de trabalhos forçados do tipo mais duro, que nenhum rico, que infrinja as regras e leis do socialismo, possa escapar à sorte dos vigaristas, que por justiça deve ser a do rico. “Quem não trabalha não come” — eis o mandamento prático do socialismo.

Fonte: V.I. Lenine; Obras Escolhidas; Vol II; p.442; Alfa-Omega.

Edição: Página 1917







quinta-feira, 16 de março de 2023

China: Desmascarando o Oportunismo

Ney Nunes*

Li Qiang, o segundo nome na hieraquia do politburo do Partido Comunista (PCCh), foi eleito para o cargo de Primeiro-Ministro na 14ª Assembleia Popular Nacional da China. Após o encerramento da Assembleia, no dia 13/03, que também reelegeu o presidente Xi Jinping para o seu terceiro mandato, o primeiro-ministro participou de uma coletiva de imprensa publicada pela Xinhua (Agência de notícias oficial do governo chinês).


Xi Jinping e Li Qiang

Destacamos aqui os trechos onde o novo primeiro-ministro celebra os rumos adotados pelas reformas pró-mercado iniciadas em 1978, assim como reafirma o apoio às empresas privadas e à abertura aos investidores estrangeiros.

Este ano marca o 45º aniversário da reforma e abertura da China, que não apenas desenvolveu a China, mas também influenciou o mundo, observou Li.”

Ele também prometeu criar condições equitativas para todos os tipos de entidades empresariais e apoiar ainda mais as empresas privadas no crescimento e na prosperidade.

O setor privado desfrutará de um ambiente melhor e de um espaço mais amplo para o desenvolvimento, disse ele, enfatizando que o compromisso da China com o desenvolvimento do setor privado é inequívoco e firme.”

"A abertura é uma política básica de Estado da China, e não importa como a situação externa evolua, a China seguirá essa política com firmeza", disse Li à imprensa, dizendo que a China recebe investidores de todo o mundo."

"A China continua sendo um destino favorito para o investimento global, disse Li, citando estatísticas de que o investimento estrangeiro direto na parte continental da China, em uso real, atingiu um recorde de mais de US$189 bilhões em 2022."

Não se trata de afirmações emitidas por qualquer “burocrata de terceiro escalão”, mas sim, de um membro da alta direção do PCCh e do governo chinês, apontado, inclusive, como um provável sucessor do presidente Xi Jinping.

Por mais que a trajetória, as ações e os discursos dos líderes chineses demonstrem, de forma cabal, que o processo restauracionista iniciado há 45 anos está mais do que concluído, vozes do oportunismo político continuam a semear confusão, tentando mascarar a realidade da China, hoje uma potência capitalista exportadora de capitais e plenamente integrada ao sistema imperialista mundial. E o mais grave, neste momento em que a humanidade se encontra ameaçada pela possibilidade da eclosão de uma Tereira Guerra Mundial, consequência da crise capitalista e da disputa interimperialista, esses cretinos falam que na China dos Bilionários estaria em vigor um tal “socialismo de mercado”.

Os campeões do cinismo preparam o terreno para aderir a um dos blocos imperialistas em conflito, ou seja, repetem a vergonhosa traição ao proletariado mundial perpetrada pela socialdemocracia na Primeira Guerra Mundial, que apoiando suas burguesias transformaram trabalhadores em buchas de canhão a serviço dos seus exploradores. Contra esses renegados, precisamos resgatar o caminho vitorioso da Revolução de 1917 na Rússia e da Revolução de 1949 na China, travadas durante as guerras mundiais, em oposição à burguesia e ao imperialismo, sem subordinação as potências em guerra, levantando as bandeiras da paz, do socialismo e do poder proletário!

Abaixo reproduzimos a matéria publicada pela agência de notícias oficial do governo Chinês:

"Primeiro-ministro chinês, Li Qiang, se reúne com a imprensa após o encerramento da primeira sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional (APN) no Grande Palácio do Povo em Beijing, capital da China, em 13 de março de 2023. (Xinhua/Xing Guangli)

Beijing, 13 mar (Xinhua) -- O novo primeiro-ministro da China expressou nesta segunda-feira plena confiança na perspectiva econômica do país, apesar dos desafios, e prometeu expandir ainda mais a abertura, independentemente de mudanças externas.

Citando os muitos fatores de incerteza e instabilidade que a economia mundial enfrenta, o primeiro-ministro, Li Qiang, disse aos jornalistas que estabilizar o crescimento econômico é uma tarefa desafiadora não apenas para a China, mas para todos os países do mundo este ano.

"Não é uma tarefa fácil e requer esforços redobrados" para alcançar a meta de crescimento econômico de cerca de 5% em 2023 em uma alta base de produção econômica e em meio a novos desafios, disse Li em uma coletiva de imprensa realizada após o encerramento da primeira sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional, a legislatura nacional.

No entanto, o primeiro-ministro disse que o desenvolvimento da China é apoiado por múltiplas vantagens, incluindo um vasto mercado, um sistema industrial completo, recursos humanos abundantes, base sólida para o desenvolvimento e, o mais importante, notável força institucional.

"Acredito que a economia chinesa superará o vento e as ondas e navegará em direção a um futuro mais brilhante. Estou cheio de confiança nisso", disse ele, observando que a economia chinesa vem se estabilizando e se recuperando nos últimos dois meses.

BUSCAR PROGRESSO ENQUANTO GARANTE ESTABILIDADE

A China seguirá os princípios gerais de priorizar a estabilidade e buscar progresso enquanto mantém a estabilidade e pressionará por uma reviravolta no desempenho econômico geral do país este ano, disse Li aos jornalistas.

Em termos da estabilidade, a ênfase será colocada em garantir crescimento, emprego e preços estáveis, e a chave para buscar o progresso reside em fazer novos avanços no desenvolvimento de alta qualidade, disse ele.

A China fará bom uso de uma série de combinações de políticas na alavancagem de macropolíticas, expansão da demanda, promoção da reforma e inovação, assim como prevenção e mitigação de riscos, segundo o primeiro-ministro.

Ele também prometeu criar condições equitativas para todos os tipos de entidades empresariais e apoiar ainda mais as empresas privadas no crescimento e na prosperidade.

"O setor privado desfrutará de um ambiente melhor e de um espaço mais amplo para o desenvolvimento", disse ele, enfatizando que o compromisso da China com o desenvolvimento do setor privado é inequívoco e firme.

Enquanto isso, o premiê rejeitou as preocupações com a mudança demográfica da China, dizendo que o "dividendo demográfico" do país não desapareceu e que seu "dividendo de talentos" está em formação.

"Ao avaliar o dividendo demográfico, não devemos apenas olhar para o tamanho da população, mas também olhar para a escala da força de trabalho de alto calibre", disse ele aos jornalistas, acrescentando que mais de 240 milhões de pessoas receberam ensino superior na China, e a duração média da educação recebida pelos recém-chegados à força de trabalho aumentou para 14 anos.

DESENVOLVIMENTO CENTRADO NO POVO

Li disse que o objetivo final do trabalho do Partido e do governo é melhorar o bem-estar do povo, prometendo esforços em vários setores relativos à subsistência do povo, desde o emprego até o desenvolvimento rural.

Com a expectativa de que 11,58 milhões de graduados universitários entrem no mercado de trabalho este ano, a China continuará buscando uma estratégia de colocar o emprego em primeiro lugar e elevará o apoio em termos de serviços de emprego e treinamento técnico, disse o primeiro-ministro.

Li disse que a vitalização rural deve ser avançada de forma abrangente e que diferentes localidades devem desenvolver o campo com base em suas condições locais.

O país aumentará ainda mais sua capacidade de produção de grãos, concentrando-se em terras aráveis e sementes, disse Li, observando que a segurança alimentar da China está "bem garantida em geral".

"O governo garantirá que as tigelas de arroz de 1,4 bilhão de chineses sempre sejam firmemente mantidas em nossas próprias mãos", disse ele à imprensa.

O primeiro-ministro também prometeu esforços para fortalecer a construção do governo, transformando ainda mais as funções do governo e melhorando sua eficiência e conduta.

Ele encorajou as autoridades de todos os níveis a se envolverem mais com as comunidades locais para conhecer o que o povo precisa e buscar suas opiniões sobre o trabalho do governo.

"Eles precisam aprender com o povo e ajudar o povo na base a resolver problemas", disse ele.

PORTA MAIS ABERTA

Este ano marca o 45º aniversário da reforma e abertura da China, que não apenas desenvolveu a China, mas também influenciou o mundo, observou Li.

Ele disse que a China expandirá ainda mais a abertura este ano em alinhamento com as regras de comércio internacional de alto padrão, abrindo suas portas de forma mais ampla para o mundo com melhor ambiente de negócios e serviços.

"A abertura é uma política básica de Estado da China, e não importa como a situação externa evolua, a China seguirá essa política com firmeza", disse Li à imprensa, dizendo que a China recebe investidores de todo o mundo.

A China continua sendo um destino favorito para o investimento global, disse Li, citando estatísticas de que o investimento estrangeiro direto na parte continental da China, em uso real, atingiu um recorde de mais de US$189 bilhões em 2022.

Comentando sobre relações China-EUA, o primeiro-ministro refutou a mentira nos Estados Unidos sobre a "dissociação" com a China, dizendo que os dois países podem e devem cooperar e alcançarão muito trabalhando juntos.

"Cerco e supressão não são do interesse de ninguém", apontou ele, observando que os dois países estão intimamente interligados economicamente e ambos se beneficiaram do desenvolvimento do outro lado.

PROMOVER INTERCÂMBIOS ATRAVÉS DO ESTREITO, APOIAR HK E MACAU

Sobre a cooperação e comunicação através do Estreito, Li disse que a restauração antecipada dos intercâmbios normais e da cooperação regular entre os dois lados do Estreito de Taiwan é uma aspiração compartilhada e requer esforços conjuntos de ambos os lados.

A parte continental da China continuará promovendo intercâmbios e cooperação econômica e cultural através do Estreito com base no princípio de Uma Só China e no Consenso de 1992, observou Li, expressando a esperança de que mais compatriotas e empresas de Taiwan venham para a parte continental.

"Esperamos que eles não apenas estejam dispostos a virem para a parte continental, mas também sejam capazes de se integrarem às comunidades locais e alcançarem um melhor desenvolvimento", indicou Li.

O primeiro-ministro também expressou confiança nas perspectivas de Hong Kong e Macau, dizendo que as duas regiões desfrutarão de um futuro ainda mais brilhante, com o apoio total pelo governo central, na integração ao desenvolvimento geral do país, no crescimento de sua economia, na melhoria da subsistência das pessoas e na construção de sua competitividade global."

* Ney Nunes, autor do livro "Guerra de Classes", https://clubedeautores.com.br/livro/guerra-de-classes

Fonte: https://portugu Aese.news.cn/20230314/19ef63815384450d96b9b03f7ce7fcd2/c.html

Edição: Página 1917

terça-feira, 14 de março de 2023

Sobre a Reunião em Caracas da “Plataforma Mundial Anti-imperialista”

Nota do Partido Comunista do México - PCM

03/03/2023

"Hoje, como há 100 anos, a unidade com os oportunistas significa, de fato, a subordinação da classe  operária à "sua" burguesia nacional e a aliança com ela para oprimir outras nações e lutar pelos privilégios de todas as  grande potências, a qual representa a divisão do proletariado revolucionário de todos os países."

 


Em 3 de março, começa a terceira reunião da "Plataforma Anti-imperialista Mundial", que reúne forças confusas até  há pouco tempo desconhecidas, juntamente com grupos políticos estranhos ao movimento comunista. Alguns destes últimos, que vivem apenas nos computadores e mentes dos seus porta-vozes, como o inexistente "Coletivo de Luta pela Unificação Revolucionária da Humanidade" ou a "Plataforma para a Independência" da Grécia. Outros, que representam posições ultranacionalistas, racistas e reacionárias como "Vanguarda Espanhola" e "Vanguarda Venezuelana". Alguns partidos comunistas também participaram nesta estranha reunião, vários deles imersos no campo oportunista e reformista  há muitos anos e outros, talvez confusos ou que estão a modificar posições que até recentemente sustentavam. 

Advertimos a classe operária e os comunistas do continente sobre a perigosa linha política subjacente à "Plataforma". Embora a palavra "anti-imperialista"  figure no seu nome, o seu objetivo é convencer a classe operária a tomar o lado do bloco imperialista da China e da Rússia face a uma guerra iminente em Taiwan e na Coreia do Sul, como evidenciado por declarações suas em Paris e Belgrado no final do ano passado. 

Para sustentar essa ideia, eles retomaram dois postulados dos social-chauvinistas da Segunda Internacional que serviram de base para justificar o seu apoio às suas respectivas burguesias durante a Primeira Guerra Mundial. Primeiro, reduzir as causas das guerras atuais a um "impulso" do imperialismo norte-americano de manter a sua hegemonia; escondendo as contradições reais que existem entre as principais economias do mundo para o controle dos recursos naturais, meios de transporte, posições geoestratégicas ou instituições financeiras locais. Em segundo lugar, justificar a guerra mantendo as áreas de influência de países capitalistas como a Rússia ou a China, sob o manto da "libertação nacional". 

A manobra ideológica para chegar a essas conclusões perigosas é negar o caráter imperialista da China e da Rússia. Uma vez que não é possível esconder o seu caráter capitalista, rejeita-se que a segunda e décima primeira maiores economias do mundo, com oligarquias financeiras muito sólidas e monopólios de transportes, comércio e energia, sejam imperialistas. Na sua declaração de Paris, afirma-se que esses países "não vivem de superexploração ou pilhagem do mundo", como se a classe trabalhadora dos países pertencentes à Comunidade de Estados Independentes, para não mencionar a Rússia e a própria China, não fizessem parte do mundo, ou a política selvagem de exportar capital chinês para a África fosse inexistente. 

Embora nem todas as organizações na reunião concordem com as declarações de Paris e Belgrado, objetivamente a Plataforma está a servir para introduzir na classe  operária a ideia nociva de tomar partido por um lado imperialista na guerra que já tem um primeiro cenário na Ucrânia e que se vai espalhar e generalizar. Não há espaço para uma política anti-imperialista, quando se procura a subordinação a um polo imperialista, e não dar combate ao imperialismo nas suas raízes, como a fase mais elevada do capitalismo. Hoje, como há 100 anos, a unidade com os oportunistas significa, de fato, a subordinação da classe  operária à "sua" burguesia nacional e a aliança com ela para oprimir outras nações e lutar pelos privilégios de todas as  grande potências, a qual representa a divisão do proletariado revolucionário de todos os países. 

Além desses elementos, queremos alertar para o caráter provocador por parte do Partido Socialista Unificado da Venezuela, ao realizar esta iniciativa em Caracas, uma vez que durante os últimos meses intensificou o seu ataque contra o Partido Comunista da Venezuela. Nas últimas semanas, a liderança do PSUV tentou uma manobra contra o PCV, que visa a sua ilegalização. A política anticomunista do PSUV que procura proibir e intervir no PCV não pode ser apoiada por nenhum partido que se orgulhe de ser comunista, ao contrário, deve ser denunciada e combatida. 

Para o Partido Comunista do México, é claro que tal "plataforma anti-imperialista" é um fantoche que tem utilidade para branquear um dos lados dos países capitalistas que participam na atual guerra imperialista e semear confusão entre o proletariado internacional, da mesma forma que aqueles que procuram branquear os EUA, a  OTAN ou o governo Zelensky.

 

Proletários de todos os países, uni-vos! 

Seção Internacional do Comité Central do Partido Comunista do México


Edição: Página 1917

Fonte: http://www.solidnet.org/article/CP-of-Mexico-Nota-sobre-la-Reunion-en-Caracas-de-la-Plataforma-Mundial-Antiimperialista


quinta-feira, 9 de março de 2023

O grito de Lula

Nildo Ouriques*

23/02/2023


BC nas mãos dos banqueiros e de costas para o povo.

A renuncia do presidencialismo é a nota dominante na atuação de Lula no terceiro mandato. Nos dois anteriores (2003-2010) o atual presidente sabotou diariamente as prerrogativas do regime presidencial brasileiro e, em consequência, cavou o abismo sob seus pés. A continuidade da podridão do sistema político produzido por FHC com a farsa do “presidencialismo de coalisão” seguiu seu curso normal azeitado pelo “financiamento não declarado” das campanhas eleitorais do longo período petista. O postulado vulgar segundo a qual “ninguém governa esse país sem o PMDB” ou “sem maioria no congresso” aprofundou a miséria ético-moral do PT, revelou-se uma falácia completa diante da desmoralizante destituição de Dilma em 2016 e contribuiu notavelmente com a podridão do sistema político acusado pelo protofascista Bolsonaro em 2018.

 A impotência de Lula e dos lulistas diante da grave situação nacional é expressa na enorme quantidade de ministérios criados com a pretensão de ganhar apoio no parlamento, sabidamente um covil de ladrões insaciável e sempre disposto a novos assaltos; ao contrário do engodo petista, o toma lá da cá se realiza sem qualquer garantia de fidelidade. A conduta de Lula alimenta a crise e objetivamente bloqueia a necessária passagem da consciência ingênua para a consciência crítica indispensável para enfrentar a direita. Ao contrário do que pensam os eternos defensores da prudência, a atuação de Lula alimenta tão somente a redução da política à moral (a via filantrópica das chamadas políticas sociais) e move águas para o moinho da ofensiva da direita ainda em curso.


Arthur Lira e Lula: governança burguesa.


 O recente grito de Lula contra as elevadas taxas de juros é exemplar a respeito da conduta vacilante do presidente petista diante de questões cruciais. A despeito da hiper valorização ideológica do papel do Banco Central, a verdade é que o comando da política econômica esta nas mãos do Ministério da Fazenda e, portanto, nas mãos de Lula. Essa é a verdade oculta no “combate” contra a suposta sabotagem do BC ao bem estar do povo sob comando de um eleitor de Bolsonaro.

 Portanto, o grito de Lula – antes de iniciativa contra os banqueiros e as escorchantes taxas de juros! – exibe a impotência completa e a vacilação que é a antiga conselheira do presidente e marca registrada de seu governo. A reclamação de Lula contra a taxa de juros é impotente e não cria um fato político como defende com inocência os “radicais” da esquerda liberal lulista (dentro e fora do PT). Há poucos dias ouvi mais um novo esforço para santificar a impotência presidencial e justificar a imobilidade de seu governo nas questões estruturais, as únicas que podem, finalmente, assegurar uma molécula de estabilidade no interior da atual crise ainda sem solução visível. A nova tirada da sociologia de boteco ensina que “Lula é o personagem mais a esquerda de seu governo” (!!) Ora, qual a racionalidade da boa nova? É simples: os ideólogos lulistas na mais completa solidão esquecem que é o próprio Lula quem nomeia “a direita” de seu governo. Afinal, quem nomeou, por exemplo, Camilo Santana, responsável pela completa direitização do MEC na política educacional? Acaso foi o espirito santo ou a caneta do presidente? É realmente impressionante ouvir asneiras desse quilate nas atuais circunstâncias!

 A defesa do crescimento econômico – com emprego e distribuição de renda – é o argumento central de Lula diante das elevadas taxas de juros. É também dos desenvolvimentistas. Nenhum deles, no entanto, pode explicar porquê a concentração da renda e da propriedade cresceu nos dois primeiros mandatos do atual presidente. Ora, políticas sociais não necessariamente tocam na riqueza acumulada e podem inclusive caminhar par e passo com nível superior de concentração e centralização do capital. De fato, foi o que ocorreu entre 2003-2010 quanto a taxa de juros caiu de pouco mais de 26% em janeiro de 2003 para apenas um dígito (9,25%) em meados de 2009. Ainda assim, não somente a riqueza ficou mais concentrada como a coesão burguesa sob comando da fração financeira ficou muito mais forte! Durante o período de bonança de Lula, todas as contradições e antagonismos próprios do desenvolvimento capitalista dependente rentístico estavam se desenvolvendo para, mais tarde, explodir nas mãos de Dilma Rousseff.

 Até agora, Lula não disse como produzir crescimento e distribuição de renda. Nem Haddad. Ao contrário, a chamada “agenda econômica” segue a partitura dos “neoliberais” e nem mesmo em sonhos dourados os keynesianos amigos do Príncipe estão dispostos a romper com as amarras da economia política rentista armada em 1994 e desenvolvida a pleno vapor durante os sucessivos governos petistas. A ladainha segue intacta: reforma tributária, sustentabilidade ou ancora fiscal, a importância do investimento externo com preocupações ambientais, etc… Não há – nem poderá existir – uma estratégia de industrialização sem a completa ruptura com a economia política do rentismo, pois Lula opera sempre na fronteira do permitido pela coesão burguesa sem jamais romper seus limites. Enquanto isso, o tempo passa…

 O “debate” atual sobre a política monetária dirigida pelo BC ilustra como nenhum outro tema a renuncia dos poderes presidenciais praticado sistematicamente por Lula. A terceirização da responsabilidade é vicio suicida adquirido por Lula há tempos: “o congresso precisa autorizar!”. “Ah, a imprensa precisa mudar!!” “O fascismo precisa ser enfrentado”… Ah, Bolsonaro!!! Todos bordões que antes de mobilizar são confissões de impotência!

 A situação atual permite – eu diria que exige – uma simples convocatória do presidente: antes de gritar contra os juros deveria pedir a troca do presidente do Banco Central. Ousadia: Nada! Ação bem elementar. Elementar eu disse, não parlamentar!

 Quais as razões para pedir a cabeça de mister Campos Neto?

 A primeira razão para a substituição do atual presidente do BC é a absoluta falta de condições éticas e morais do Mister Campos Neto. Em outubro de 2019 o Pandora Papers revelou que mister Guedes e seu discípulo Campos Neto mantinham contas bancárias no exterior. No dia 4 de outubro de 2019 mister Campos Neto se “defendeu” da gravíssima revelação afirmando que tudo estava declarado no Imposto de Renda ocultando a questão efetivamente central: um presidente do BC mantém informação privilegiada incompatível com suas operações de “mercado”. Nos Estados Unidos – o país que oferece a régua ético-moral dos rentistas – Richard Clarida (um dos vice-presidentes do FED) teve que anunciar sua precoce renuncia em janeiro de 2022 após suspeitas gravíssimas de movimentação financeira baseadas em informação privilegiada.

 Há algo mais valioso que emergiu na primeira semana de fevereiro de 2023. O ministro Gilmar Mendes do STF colocou sobre a mesa de mister Campos Neto outro tema tão antigo quanto espinhoso: a compra e venda de ouro realizada pelo Banco Central. As denuncias na imprensa burguesa sobre a extração ilegal de ouro são antigas e há muito mereciam uma explicação oficial. No entanto, a cobertura jornalística sobre o tema enfocou apenas a perspectiva da ilegalidade da extração do mineral e a íntima relação com a invasão das terras indígenas liberadas na pratica pelo governo do protofascista Bolsonaro. O enfoque, digamos assim, era “ambiental” ou “ecológico”. Na verdade, ninguém se atreveu em indicar a íntima relação entre a crise humanitária dos Yanomamis com o Banco Central, exceto de maneira super cautelosa. A CNN, por exemplo, noticiou há mais de um ano (14/08/21) a inusitada elevação das reservas em ouro como assunto estritamente econômico, sem qualquer outra conexão, uma espécie de operação destinada a aumentar as reservas de valor necessárias para tempos de crise.

 Entretanto. a enorme oferta de ouro deve ser explicada e, de fato, é impossível faze-lo sem a liberalização promovida pelo governo de Dilma Rousseff na Lei 12.844 de 19 de julho de 2013. No artigo 39, parágrafo 4, a liberalização petista abre as portas para a legalização do ilegal pois estabelece a “boa-fé” da pessoa jurídica responsável pelas informações sobre a origem do ouro. A lei representa, na prática, a validação de um atestado de boa conduta emitido pelo escritório dos próprios criminosos!

 Após o grito de Lula contras as taxas de juros, a imprensa petista – orwellianamente chamada de “independente” – foi autorizada a atacar mister Campos Neto e relacionar os dois temas. Desde então, a nova abordagem jornalística vincula o aumento das reservas em ouro do BC com a invasão das terras indígenas e a mineração ilegal praticada em larga escala desde muitos anos. Na tradição petista, Lula manteve silencio completo sobre o tema e, para manter a harmonia entre os poderes, delegou a tarefa ao Partido Verde. Assim entendemos a razão pela qual o STF anunciou no dia 31 de janeiro desse ano em seu portal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) solicitada pelo PV. Em consequência, o ministro Gilmar Mendes não vacilou em solicitar a mister Campos Neto no prazo de três dias, esclarecimentos sobre as operações. Até agora, a imprensa burguesa nada disse sobre o caso e nem um ministro de Lula disse algo a respeito. Silêncio total! Ora, a terceirização do poder presidencial é mais do que óbvio também nesse caso pois Lula renuncia a possibilidade de cobrar diretamente ao presidente do BC explicações que há muito exigem esclarecimentos! A renuncia do presidencialismo custará caro…

 O lulista cativo da consciência ingênua logo dirá que a jogada do presidente foi de mestre: não se compromete com nada e deixa os poderes da república atuar contra seus inimigos. Alega, inocente, que Lula sabe se preservar e esquece que seu agir sabota a autoridade presidencial, além de fortalecer instituições que ao longo da história deram sucessivas demonstrações que não merecem respeito algum…

 A segunda razão para encaminhar a substituição de mister Campos Neto é igualmente importante. A entrevista concedida na TV Cultura dia 13 de fevereiro desautoriza intelectual e profissionalmente o rapaz. O desastre só não foi maior – e sobretudo mais visível – em função da sabedoria econômica dos jornalistas. Ainda assim – com a notável contribuição dos jornalistas – suas respostas estavam peleadas com a realidade e até mesmo com os manuais de macroeconomia sofríveis que dominam o ensino de economia nas nossas universidades. Após aquele espetáculo, não pode existir dúvidas que o “conhecimento econômico” de Campos Neto é pra lá de superficial. Ora, limitado ao “mundo” das teleconferências privadas, de convescotes com operadores dos banqueiros, acostumado as pequenas reuniões com banqueiros e rentistas de toda espécie, dedicado ao modo fácil de enriquecimento das finanças via assalto a dívida pública, a esperteza do aprendiz de feiticeiro foi impotente diante de público um pouquinho mais exigente e aberto a opinião pública. De resto, a conhecida discrição dos banqueiros praticada desde o século XII orienta também a conduta dos diretores dos bancos centrais em todos os países, especialmente na periferia latino-americana; entretanto, após os gritos de Lula, não restou ao neófito senão uma entrevista com a óbvia intenção de buscar um mais que evidente salvo conduto.

 Portanto, não devemos condenar apenas a linguagem tecnocrática do economista responsável pela irritação de muita gente boa nas mídias digitais. É mais grave o caso em análise: os “argumentos” balbuciados por Campos Neto não batem com as condições existentes no Brasil! Ele praticou apenas a visão dos rentistas em estado puro, de maneira tosca e sem habilidade alguma. Repito: o conhecimento em economia e a disciplina servil dos jornalistas o salvaram de um exposição pública realmente triste para qualquer profissional razoavelmente preocupado com a própria reputação e certo desapego com as cifras da conta bancária.

 Portanto, a absoluta falta de ética (revelada no caso das contas no exterior) de Campos Neto e seu despreparo profissional – além de ausência de habilidade política que o cargo requer – são absolutamente suficientes para algo mais eficaz que os gritos de Lula: o presidente deveria determinar a seu ministro e funcionário que  detém maioria no Conselho Monetário Nacional (CNM) a solicitação ao bem afamado senado da republica burguesa, sua imediata substituição. Mas Lula prefere a condição de comentarista de TV antes de honrar seus eleitores e acumular forças para seu bando e, em oposição, prefere agir nos marcos de aliança de classe que mantém a política econômica responsável pela miséria do povo… No Conselho Lula possui maioria e poderia exigir uma justificativa do órgão para substituir mister Campos Neto, indicando claramente que sua gestão não cumpriu as metas estabelecidas, acusando as graves debilidades éticas do presidente do BC e, em consequência, solicitar a manifestação do senado.

 Uma iniciativa presidencial semelhante representaria uma ação a altura do cargo e a manifestação de que o presidente recém eleito atua objetivamente em defesa dos trabalhadores. Ademais, esse ato político permitiria ao povo observar o movimento concreto da coesão burguesa e os interesses reais de cada uma de suas frações. O senado teria que decidir em favor do povo ou dos banqueiros. Até mesmo as pesquisas que embalam a alienação eleitoral da esquerda liberal indicam que 76% consideram correta a posição do presidente sobre os juros mas nem mesmo tal aprovação permitiu um passo adiante… A fidelidade de Lula a coesão burguesa e sua ilusória aliança de classe não permite o passo e, tudo indica, ele morrerá abraçado com ela.

 O atual governo é desenvolvimentista? Bueno, nesse caso, as esperanças de todos os keynesianos tupiniquins deveriam saltar para a primeira fila clamando por um novo ciclo de acumulação em favor… do emprego! A maioria dos críticos heterodoxos do aprendiz Campos Neto ainda segue prisioneira dos formuladores do Plano Real e, em consequência, ainda mantém fidelidade religiosa àqueles postulados. A despeito da realidade, ainda não são conversos! Nesse contexto, a tarefa não consiste na afirmação de um novo “regime fiscal compatível com a política social”, mas, ao contrário, de alinhar a política econômica com o pleno emprego!!


A submissão ao imperialismo prossegue.


 Há poucos dias, na entrevista concedida a jornalista Christiane Amanpour da CNN, Lula afirmou que o informe à nação apresentado por mister Biden no congresso estadunidense poderia ter sido feito no Brasil. O presidente do Brasil escancarou seu entusiasmo com a perspectiva do Partido Democrata nos Estados Unidos no embalo do agringalhamento político e cultural de nosso país. Ora, Biden dourou a pílula diante da crise mundial e utiliza todos os meios existente no Império para disputar a hegemonia com a China no terreno produtivo. No entanto, é visível que seu plano não poderá repetir o “exito” rooseveltiano pretendido quando apenas iniciava seu mandato. A crise é muito grave mas ainda assim ele pode indicar que a taxa de desemprego baixou mesmo que tenha calado sobre os salários miseráveis e o aperto na classe média impossível de remediar nas circunstâncias atuais. Lula não entende o Brasil e nossa condição de país subdesenvolvido e dependente. Ignora algo elementar e seus ministros sequer sonham com nossa “especificidade”, carente de medidas aparentemente muito mais radicais.

 A última reunião do CNM (16/02) entre Simone Tebet, Fernando Haddad e Campos Neto indicou um abismo entre o grito de Lula e as ações de seu governo. Aos poucos, as pequenas vantagens adquiridas com a vitória eleitoral, estão ficando para trás. Ademais, a defesa da democracia não enche a barriga do povo; tampouco gera a coesão social necessária para enfrentar e derrotar politicamente a ofensiva da direita ainda em curso. O “rentismo” não é um adversário fácil de bater, menos ainda com bravatas. É preciso ação sistemática e enérgica, além de mobilização social intensa contra as classes dominantes. Mas esses são artigos em falta no governo.

Nildo Domingos Ouriques (1959) é um economista e acadêmico brasileiro, militante da tendência Revolução Brasileira do PSOL. Foi presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina e professor de economia na mesma universidade. Ao longo de sua carreira acadêmica, lecionou em instituições de todo o mundo, incluindo a Universidade Nacional de Tucumán na Argentina, a Universidade de Pádua na Itália, a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a Universidade Bolivariana da Venezuela e a Universidade Simón Bolívar em Quito, Equador.

Edição: Página 1917

Fonte: https://revolucaobrasileira.org/


 



quarta-feira, 1 de março de 2023

Teoria Marxista e Ação Revolucionária

Marta Harnecker*

1970

Marta Harnecker


[…] Portanto, se o materialismo histórico não é utilizado na análise de realidades concretas, pode ser considerado como uma teoria amputada, que não cumpre seu objetivo tal como uma flecha que se gira entre os dedos sem nunca a lançar. Esta imagem é de Mao Tse-tung, que a usa para explicar a relação que deve existir entre a teoria marxista e a ação revolucionária. Vejamos o que ele diz: 

 A relação recíproca que existe entre o marxismo-leninismo e a revolução chinesa é semelhante à ação recíproca que existe entre a flecha e o alvo. Alguns de nossos camaradas lançam a flecha sem ter objetivo, atiram ao acaso. Tais camaradas podem prejudicar facilmente a causa da revolução. Existem outros camaradas que se contentam em ficar com a flecha na mão, fazendo-a girar entre os dedos e manejando-a sem descanso. Olhem esta flecha! Que magnífica flecha! Porém não querem de modo algum lançá-la. Estes camaradas são amantes das curiosidades de museu e no fundo não se preocupam em absoluto com a revolução. Nós devemos lançar a flecha do marxismo-leninismo, tendo por alvo a revolução chinesa. Se não esclarecemos isto, o nível teórico de nosso partido não se elevará nunca e a revolução chinesa não poderá triunfar jamais.”


Portanto, o marxismo – teoria revolucionária – só será coerente com seus próprios fins caso se coloque ao serviço dos movimentos revolucionários, que todavia preparam, e os que já realizaram revolucões vitoriosas.

[…] Porém se o conhecimento correto de nosso país e da conjuntura política em que vivemos é uma condição fundamental para realizar uma ação revolucionária justa, tal conhecimento, por si só, não a produz; para que isso ocorra é necessário que exista a mediação de uma organização revolucionária ligada às massas, já que são mas massas e não os homens que fazem a história. Não podemos, neste momento, nos deter neste ponto, porém queremos ao menos frisar sua alta significação política: para levar a cabo uma verdadeira ação revolucionária, para fazer avançar as forças revolucionárias, não basta uma análise correta da realidade e nem um programa de ação correto; é necessário que exista um movimento político organizado de tal forma que permita educar e mobilizar as massas na luta revolucionária.

Ser marxista não é, portanto, equivalente a ser revolucionário.

O fato de um senhor se chamar Águia não significa necessariamente que deva ter asas e penas…” (Fidel)

Porém todo o verdadeiro revolucionário da nossa época é, ou chega a ser marxista.

Aqui dá-se a palavra à história.


Marta Harnecker Cerdá (18 de janeiro de 1937, Santiago, Chile - 15 de junho de 2019, Canadá) foi uma psicóloga, cientista política, escritora e ativista chilena, de ascendência austríaca. Ela própria se definia como uma "educadora popular". Foi líder estudantil católica, discípula do filósofo Louis Althusser e integrante do governo socialista de Salvador Allende. Casou-se com um dos líderes da Revolução Cubana (Manuel Piñeiro, o Barba Roja, falecido em 1998 ). A partir de 1974, transferiu-se para Havana, onde foi diretora do Centro de Recuperação e Difusão da Memória Histórica do Movimento Popular Latino-americano.Entre 2002 e 2006, foi conselheira de Hugo Chávez.

Fonte: O Capital: Conceitos Fundamentais; Marta Harnecker; Global Editora,1978.

Edição: Página 1917



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