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terça-feira, 29 de junho de 2021

Coadjuvantes Perigosos

Coadjuvantes Perigosos

Ney Nunes   

     O governo do presidente fascista Bolsonaro e seu bando reacionário segue em ritmo de crise. Acumulando desgastes desde a posse, o presidente, que serve diretamente aos interesses da burguesia hegemônica e do imperialismo norte-americano, acalenta o sonho de ser um “Bonaparte Salvador” acima das frações burguesas, munido de carta branca para esmagar as organizações proletárias e populares. Sonho este que vai ficando mais distante na exata proporção do agravamento da crise econômica, social e política em que o país em mergulhando no contexto da decadência capitalista.

Manifestação anti-bolsonaro.

     O imperialismo e a burguesia brasileira estão seguros de que, mesmo nessa conjuntura de crise, o regime político democrático burguês continua sendo a forma mais eficiente para manutenção do poder. Esse sistema agrupa as condições mais favoráveis de negociação dos seus interesses particulares no processo de acumulação e desenvolvimento do capitalismo periférico. Tese facilmente comprovada, bastando para tanto, nos debruçarmos sobre as medidas implementadas pelas instituições da democracia burguesa desde a queda da ditadura empresarial-militar. Em última instância, por todo esse período, Congresso, Judiciário e Executivo atenderam aos interesses empresariais, retirando direitos dos trabalhadores, privatizando empresas e serviços públicos, distribuindo migalhas e criando falsas expectativas para as massas exploradas.

     Bolsonaro é o “remendo de emergência” encontrado pela burguesia (classe ingrata) para impedir a volta do PT ao governo, se revela a cada dia mais um estorvo ao “bom governo” dos interesses burgueses. Sem popularidade, envolvido em corrupção, ligado a grupos paramilitares, o biltre terá pouca serventia para gerir uma crise de longa duração, no âmbito da reprimarização da economia brasileira marcada pelo desemprego massivo e miséria crescente. O dilema burguês-imperialista consiste nisso: o que fazer com esse remendo esfarrapado? Deixá-lo apodrecer até as eleições de 2022? Ou retirá-lo de imediato através do impeachment?

     O relógio corre a favor da primeira opção, até aqui, a preferencial do arco político democrático-burguês. Mas o desenrolar da crise não permite ainda o descarte da segunda. Dessa forma, as manifestações pelo “Fora Bolsonaro” cumprem um duplo papel, contribuem para desgastar o governo, preparando o terreno para sua derrota eleitoral em 2022 e, ao mesmo tempo, servem como pressão sobre o Congresso para abrir o processo de impeachment.

     A questão é que para reforçar essas manifestações, o arco político da democracia burguesa não pode prescindir de convidar (através da sua “ala esquerda”) um personagem incômodo, o proletariado. Convenhamos, realizar atos massivos contando apenas com a burguesia e a pequena-burguesia é bem difícil. Mas que fique bem claro, o convite é para o proletariado ser um mero coadjuvante, nada além disso. Reformistas e revisionistas, a ala esquerda da democracia burguesa, são incumbidos dessa tarefa. Para tal, o convite ao coadjuvante já vem com programa e palavra de ordens permitidos, nada que ameace a ordem burguesa ou reforce a independência política do proletariado em relação aos seus inimigos de classe.

     Sem dúvida, derrubar o governo do biltre fascista Bolsonaro interessa ao proletariado, mas a questão é: com qual perspectiva? A de salvar a democracia burguesa que estaria em perigo? A mesma democracia que se arma para conter o movimento operário e popular através do seu aparato policial e da legislação repressiva como a lei Antiterrorismo e   Garantia da Lei e da Ordem (GLO)? Defender o Congresso e o STF? Quando são eles que aprovam e aplicam as leis que retiram nossos parcos direitos, aumentando a exploração da classe trabalhadora?  Pelo contrário, a perspectiva do movimento de massas só pode ser a de derrubar Bolsonaro juntamente com a democracia burguesa.

     Reformismo e revisionismo são a quinta coluna pequeno-burguesa em nosso meio. Só nos levaram às derrotas e contribuem com a manutenção ou restauração do poder dos capitalistas nos países em que ocorreram revoluções. Respondemos com um sonoro “Não” a esse convite para sermos meros coadjuvantes, rebocados pelos interesses burgueses.

Edição: Página 1917.     

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Crise do Marxismo e Revisionismo*

Marcos Del Roio

 

   Desde os anos de 1970, com altos e baixos, conforme se desenrola a crise do capitalismo, muito se fala da crise do marxismo. Evidente que essa é uma faceta da luta de classes, da luta entre os interesses históricos dos trabalhadores e os interesses do capital. De fato, desde os anos de 1970, e de maneira crescente, é inegável que as instituições criadas pelo movimento operário – a cooperativa, o sindicato, o partido político – e a ideologia que lhe servia de suporte, além da própria materialidade da classe, foram sendo dizimados pelo capital em crise.

Marcos Del Roio


   Neste processo, uma gama enorme de intelectuais ficou convencida de que a obra de Marx, assim como toda a tradição teórica e cultural dele derivada, estava superada. Ocorreu então um movimento (ou corrida) em direção à formulação das mais variadas formas de revisionismo, as quais, de maneira inevitável, passaram a usar os recursos teóricos e ideológicos forjados pelo liberalismo no correr dos trezentos anos de existência do capitalismo. Muitos se jogaram sem pestanejar nos braços do capital e da ideologia liberal, num salve-se quem puder; outros tentaram forjar uma “nova esquerda” de feição ideológica dita pós-moderna; outros ainda se contentaram em afinar a teoria liberal- democrática.

   Aos marxistas restou fincar bandeira para estudar os limites encontráveis nas lutas épicas travadas no decorrer do século XX, além de continuar a sustentar que a contradição em processo não só persistia, mas que se se acirrava de modo tão grave que colocava em risco a própria existência da humanidade. Ao contrário de outros, o que se notava entre os marxistas mais atentos era que a contradição passava também a evidenciar elementos correlatos da contradição capital versus trabalho, como a devastadora crise ambiental e a exploração sexista.

   A tragédia da época está no deslocamento da teoria em relação aos trabalhadores. Essa cisão da práxis debilita tanto a capacidade de formulação teórica como as lutas dos trabalhadores, que não conseguem passar da fase de resistência por estarem eles mesmos imbuídos de ideologias revisionistas que os mantêm atados ao domínio do capital, quando não, envolvidos por ideologias regressivas, fascistas ou religiosas. Agora que se aprofunda a crise social gerada pelo empenho do capital em superar a sua própria crise de acumulação, cabe, com urgência sempre maior, recompor a unidade da práxis, desenvolver a teoria no calor de lutas que possam ser ofensivas, com a postulação de que a transição socialista é o único caminho viável para a superação da crise do capital e do próprio Homo sapiens.

   No entanto, crise do marxismo e revisionismo não são novidades históricas, assim como não o é crise do capital. Esses elementos todos são constitutivos da luta de classes e de suas representações. A exigência é sempre a de capturar a natureza da fase, que implica sempre a apreensão do movimento da contradição e das tendências postas pela correlação de forças. [...]

* Trecho do prefácio; livro: Gramsci, Marxismo e Revisionismo; Leandro Galastri; Editora Autores Associados; 2015.

Edição: Página 1917

 

 

terça-feira, 15 de junho de 2021

No Coração do Imperialismo*

 Octavio Brandão (1896-1980)

     A época atual caracteriza-se pelo imperialismo. O imperialismo é a dominação mundial do capitalismo, a substituição da livre concorrência pelo monopólio, a formação de uma oligarquia financeira. É a exportação do capital. É a dominação de uma santíssima trindade constituída pela indústria pesada, pelos bancos e pelas estradas de ferro. É a união dos políticos com os financistas. É a união dos políticos com os industriais. É a internacionalização das relações sociais. É a divisão do mundo em zonas de influência. É a luta pelas fontes de matérias primas. É a luta pelas esferas de aplicação do capital. É a luta pelos mercados de escoamento.

 

Octavio Brandão discursa ao lado de Minervino de Oliveira na porta de uma fábrica.

     O imperialismo é a rapina; é o despovoamento das colônias; é o envenamento pelo álcool e pelo ópio; é o desespero das multidões famintas e sangrentas; é o desperdício; é o sacrifício estéril; é o acirramento dos antagonismos econômicos, políticos e psicológicos; são as guerras de extermínio; é o aperfeiçoamento de todos os meios de destruição. E é também o desenvolvimento das forças proletárias, o despertar dos povos coloniais, o avolumar de todos os fatores anticapitalistas.

[...]   Eis o legado do capitalismo: guerras, guerras. Aliás, mil anos que durasse o capitalismo, durante mil anos haveria guerras causadas pelas jazidas de petróleo, pela posse dos Dardanelos, pelo carvão do Ruhr, pelo ferro da Lorena, pelo petróleo de Baku, pela base naval de Cingapura, pela posse dos canais do Suez e do Panamá.

[...] O imperialismo cria uma aristocracia operária, base do oportunismo e da traição. Corrói os partidos “socialistas”, transformando-os em ala “esquerda” da burguesia.

[...]  O imperialismo é a rivalidade. É a guerra em estado latente. A sociedade a dormir sobre um vulcão. É a caldeira sob alta pressão permanente, prestes a explodir.

[...]  Portanto, se quereis combater o imperialismo, não tendes outro caminho a não ser o da organização dos trabalhadores e da criação de um Estado-Maior revolucionário. Tudo o mais é literatice e ilusionismo de pequeno-burguês.

* Trechos do livro Agrarismo e Industrialismo; Octavio Brandão; (1924); Cap. XIII; Editora Anita Garibaldi; 2006.

Edição: Página 1917.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Nos Subterrâneos da Revolução Permanente

Francisco Martins Rodrigues* (1986)

No artigo anterior, julgamos ter mostrado que as concepções e a prática do trotskismo acerca do “partido revolucionário de vanguarda" são inteiramente opostas à teoria leninista do partido comunista e da Internacional Comunista. Só por si, elas são uma marca inconfundível do caráter pequeno-burguês do trotskismo, ainda que este se mascare com oceanos de fraseologia “marxista”.

Francisco Martins Rodrigues


Tentaremos agora mostrar, na continuação deste comentário ao 12° congresso da IV Internacional, que as posições políticas do trotskismo, com a sua teoria da “revolução permanente”, lhe confirmam por inteiro esse caráter de “marxismo” pequeno-burguês, oposto à revolução proletária e à ditadura do proletariado. 

A Revolução de Vento em Popa

“A contra-ofensiva imperialista não conseguiu infligir derrotas decisivas à classe operária em qualquer dos países imperialistas, nem estabilizar a dominação burguesa no essencial nos países semicoloniais e semi-industrializados, nem conter o movimento de massas nas regiões onde está em ascenso, nem restaurar o capitalismo em qualquer dos países onde foi derrubado”. Pelo contrário, deu-se uma “extensão da revolução socialista na América Central”, uma “vitória decisiva na Nicarágua”, o “começo da revolução política na Polónia”.

Esta visão otimista com que abrem as teses sobre a situação internacional apresentadas ao congresso(1) parece bastante estranha quando aí se reconhece ao mesmo tempo que o movimento operário sofre uma “crise de direção revolucionária". O mistério desfaz-se, porém, quando analisamos as tarefas que a Internacional trotskista propõe e aquilo que considera como vitórias revolucionárias.

Na realidade, a atitude típica dos trotskistas, correndo de um lado a outro na previsão de vitórias decisivas da revolução sempre que há uma situação de crise, de instabilidade ou de simples alternância burguesa, no Irã, na Polónia, na Nicarágua ou nas eleições francesas, não resulta de ingenuidade, mas de uma linha política que merece ser observada mais de perto.

O seu “programa combinado para a revolução proletária nos países imperialistas, para um processo de revolução permanente nos países dominados e para a revolução política anti-burocrática nos Estados operários burocratizados”(2) traduz-se em posições políticas aparentadas com as dos revisionistas soviéticos, nuns casos, e com as da socialdemocracia, noutros. Exprime uma concepção extremamente oportunista das tarefas que se colocam ao proletariado em cada uma das grandes frentes da revolução mundial.

Ao recusar por sistema a delimitação clara entre os interesses da pequena burguesia e os interesses do proletariado, toma por “grandes vitórias” as manobras de recomposição burguesa, colabora no engano das massas e torna-se uma ponta de lança na grande ofensiva dos tempos modernos contra a revolução proletária – a hegemonia pequeno-burguesa sobre a classe operária.

"Revolução Permanente" na Nicarágua

Examinemos o mais recente modelo da “revolução permanente” com que sonham os trotskistas – a Nicarágua. Para a Internacional de Mandel é ponto assente que na Nicarágua “o poder passou para as mãos dos trabalhadores” em Julho de 1979 e aí “triunfou a revolução socialista”.

Numa longa resolução sobre “A revolução centro-amerícana”(3), o 12º Congresso vê nos abalos revolucionários nesse país e no de El Salvador a demonstração de que “há uma revolução ininterrupta, permanente, que avança das tarefas democráticas e anti-imperialistas para as tarefas socialistas”. A conquista do poder pela Frente Sandinista marcou o “estabelecimento da ditadura do proletariado”, os “primeiros passos da construção de um Estado operário”. Só por “degenerescência sectária” se pode negar autenticidade proletária à revolução sandinista, tal como à cubana ou vietnamita.(4)

Esta apreciação (que aliás esteve na origem de uma cisão na organização de Mandel em 1979) elucida-nos sobre uma das faces da teoria trotskista da revolução permanente – o famoso “transcrescimento das tarefas democráticas nacionais em tarefas socialistas” nos países dependentes.

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