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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

“Não podemos apoiar um governo de conciliação de classes”

"A minha preocupação é que caiamos no erro de considerar que o governo Lula será ameaçado 24 horas por dia por um golpe fascista e, portanto, devemos cerrar fileiras com ele. É correto e muito importante lutar contra as tentativas de golpes e ditaduras de ultradireita, marchando em ruas diferentes da burguesia “democrática”. Mas não podemos apoiar um governo de conciliação de classes. Quando Lula é eleito e toma posse, não é um governo de esquerda, é um governo burguês, ainda que social-democrata."

Ivan Pinheiro homenageado no México pelo PCM.

Reproduzimos entrevista publicada em 25/01/2023, no El Machete, órgão central do Partido Comunista Mexicano, com Ivan Pinheiro, ex-secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, entre 2005 e 2016.

El Machete (EM): Agradecemos que nos conceda a entrevista, camarada Ivan Pinheiro. O nosso Partido tem um grande reconhecimento pelo processo de Reconstrução Revolucionáriado Partido Comunista Brasileiro (PCB), aliás foi um importante exemplo para termos empreendido o Novo Passo no nosso IV Congresso em 2010. Por favor, fale-nos sobre o contexto em que ocorreu a Reconstrução Revolucionária do PCB e em que consistiu.

Ivan Pinheiro (IP): Entrei no Comité Central do Partido Comunista Brasileiro em 1982. Aquele Congresso foi clandestino, o Partido era ilegal. Eu tinha sido militante de uma organização de luta armada, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, e entrei no Partido em 1974, ainda na ilegalidade.

Comecei a ter divergências com a linha do Comité Central no final dos anos 1970, sobre a questão da Frente Democrática.

Até então, considerava essa política meramente tática. Na fase mais difícil da ditadura, pareceu-me correto, porque o movimento sindical e de massas estava muito fraco, tinha sido muito reprimido e o PCB também tinha sido duramente atingido, com a prisão e o assassinato de muitos militantes do Comité Central que não tinham ido para o exílio.

Mas, no segundo semestre de 1979, a situação sofreu importantes modificações, quando se iniciou um processo a que a ditadura chamou “abertura política lenta, segura e gradual”, com a suavização de algumas leis de exceção e o advento da amnistia política aos perseguidos pelo regime. Nesse período eclodiu um importante movimento operário e sindical no Brasil, vários setores de trabalhadores entraram em greve. Aí, nós que divergíamos da posição do Partido passámos a defender a necessidade de uma inflexão da política de Frente Democrática para a de Frente de Esquerda com as forças de classe que iam surgindo, como era o caso do PT naquela época, que não era o partido reformista de hoje, mas um PT combativo, onde havia algumas correntes que se consideravam socialistas.

No entanto, o PCB continuou em aliança com setores do chamado “centro-democrática” da burguesia durante toda a década de 1980. Alguns camaradas, principalmente entre nós que atuávamos no movimento sindical, começámos a conversar sobre essas questões, e passámos a enfrentar o reformismo em alguns episódios. O Comité Central impunha-nos orientações para que nos opuséssemos às greves, argumentando que eram inoportunas, pois “dificultavam” a tal transição democrática. Nós considerávamos o contrário: greves e lutas de massas abreviavam o fim da ditadura militar, pois as classes dominantes já davam indícios de que era hora de mudar a sua forma de ditadura, desta vez como uma democracia burguesa.

Entre 1982/83, os reformistas, hegemónicos no Comité Central do PCB, impuseram a nossa rutura com a Central Única dos Trabalhadores que estávamos a construir com o PT, porque lhes parecia “esquerdista”. O facto é que a aliança prioritária era com o partido Movimento Democrático Brasileiro – MDB, o partido burguês que encabeçava a Frente Democrática. Não participámos na fundação da CUT e ajudámos a criar outra central, conciliadora e moderada, sob a liderança de sindicalistas burocratas.

Foi toda uma década de luta interna que se foi aprofundando. Eu sempre concordei com as críticas que Prestes apresentou quando saiu do Partido, em 1980, com a “Carta aos Comunistas”. Mas não concordei com sua decisão de sair do Partido, por considerar que ainda havia condições para se travar a luta interna.

Apesar das nossas lutas internas contra o reformismo em vários episódios, no final da década de 1980, os eurocomunistas e burocratas continuavam a ser a maioria no Comité Central. Em julho de 1991, quando já tinha caído o muro de Berlim e a Perestroika avançava, eles tentaram liquidar o Partido, no nosso IX Congresso. Tendo previsto isso, criámos uma tendência interna, que assumimos publicamente. Elaborámos um documento Fomos, somos e seremos comunistas, criámos o Movimento Nacional em Defesa do PCB e fomos ao Congresso já organizados nacionalmente. Por uma pequena margem de votos, conseguimos manter o Partido e nele avançámos, passando de uma minoria de menos de 10%, a ter cerca de um terço no Comité Central.

Apesar disso, poucos dias após a queda da União Soviética, a Comissão Política decidiu realizar uma reunião do Comité Central quinze dias depois, na qual a maioria aprovou a convocação de um Congresso Extraordinário para os dias 25 e 26 de janeiro, em São Paulo, com um único ponto, que era criar uma “nova formação política”, ou seja, liquidar o PCB e criar um partido social-democrata.

Quando se convocou este congresso, imediatamente iniciámos um esforço nacional para tentar eleger a maioria dos delegados. Era uma disputa dura em cada conferência de célula ou Comité Regional. Mas não contávamos com a astúcia dos liquidacionistas, que transformavam os debates das teses, com a presença de não filiados no Partido, em instâncias de eleição de delegados.

Calculamos que, naquele “congresso”, cerca de um terço dos delegados eram de fora do Partido. Assim, desta forma, convocámos um Plenário Nacional do Movimento em Defesa do PCB para dezembro de 1991, na cidade do Rio de Janeiro, onde participaram camaradas de diversos Estados e ali decidimos não reconhecer o congresso fraudulento e realizar, nos mesmos dias, uma Conferência Política Nacional para manter e reorganizar o Partido.

Na manhã do dia 25 de janeiro de 1992, na cidade de São Paulo, reunimos cerca de 400 camaradas na nossa primeira sessão plenária, e então decidimos marchar até o local de reunião dos liquidacionistas, onde exigimos poder falar para explicar as razões pelas quais não reconhecíamos aquele “congresso” e informámos que voltaríamos ao local da nossa reunião para realizar a Conferência Nacional de Organização do PCB, onde emitimos uma declaração política, elegemos um novo Comité Central e convocámos o X Congresso, que realizámos um ano depois.

Começámos ali a reconstrução revolucionária do Partido, que foi errática nos anos 1990, pois, além do impacto da contrarrevolução na URSS, havia entre nós camaradas que também queriam manter o Partido, mas não concordavam com a sua reconstrução revolucionária , objetivo que só desenvolveu efetivamente a partir de 2005 no XIII Congresso, quando aqueles que queriam que continuássemos a apoiar o primeiro governo Lula, iniciado em janeiro de 2003, deixaram o Partido.

O nosso Congresso de 2005 rompeu com o etapismo, definiu a estratégia socialista da revolução e o caráter marxista-leninista do Partido. Colocámo-nos na oposição ao governo Lula e avançámos na reconstrução revolucionária, não como um processo que tinha prazo para acabar, mas sim como um longo caminho, que tinha muito para percorrer. Em seguida, realizámos a Conferência Nacional de Organização, em março de 2008, e o XIV Congresso do Partido, em outubro de 2009, que contou com a presença do PCM e do KKE, quando promovemos um importante Seminário Internacional e nos aliámos aos partidos que, na época, já estavam a construir a Revista Comunista Internacional, cujos primeiros números traduzimos e publicámos.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A Conjuntura Internacional no começo de 2023

Por Coletivo Cem Flores

11.02.2023

Desaceleração econômica, agravamento das contradições interimperialistas e os desafios da luta das classes dominadas no mundo

Greve geral na França contra a reforma da previdência, 19 de janeiro de 2023. A maior paralisação naquele país em mais de uma década. Será na luta que barraremos a ofensiva dos patrões contra nossas vidas!

Segundo as projeções dos organismos internacionais do capital, 2023 será um ano de desaceleração econômica a nível global. Segundo o FMI, apesar das projeções terem melhorado um pouco em comparação com outubro do ano passado, o mundo deve apresentar um dos crescimentos mais fracos desde 2001, com exceção das violentas crises de 2008 e 2020. Alguns países europeus devem entrar em recessão neste ano. Outros vários países do mundo ficarão com suas economias estagnadas, com crescimento em torno de 1%, como é o caso do Brasil. Dando continuidade à tendência do século 21, as projeções para esse ano expressam e reforçam o atual estado depressivo do sistema capitalista mundial, do imperialismo, estado caracterizado por acirramento de contradições, sucessivas crises do capital e baixas taxas de crescimento econômico.

A desaceleração global que se anuncia agora é uma continuidade direta do quadro econômico de 2022, ano no qual a retomada econômica após a crise de 2020 já tinha perdido força. No ano passado mesmo, o estado depressivo do sistema imperialista e os efeitos permanentes da crise de 2020 se sobrepuseram à recuperação de curto prazo da taxa de lucro e à retomada parcial e desigual da acumulação. A desaceleração global já iniciada em 2022 também decorreu dos impactos econômicos recessivos da contínua escalada das contradições interimperialistas, o que inclui a acirrada disputa entre as duas principais potências, EUA e China, e a inconclusa guerra da Ucrânia.

Essa situação geral do sistema econômico mundial, que se arrasta há vários anos, tem gerado efeitos na luta de classes. A dificuldade do capital em sair de seu estado depressivo não significa automaticamente enfraquecimento da burguesia. Pelo contrário, na conjuntura atual, tendo em vista o forte recuo da luta de classe proletária, a crise tem se transformado em uma forte ofensiva da burguesia, em inúmeros países. O atual estado depressivo do imperialismo significa hoje para as massas exploradas desemprego e fome, piores empregos e salários, reformas que retiram conquistas da luta de muitos anos. A ofensiva da burguesia faz ressurgir forças políticas e ideologias mais reacionárias, fascistas e racistas, torna governos e estados mais violentos e repressivos. Ou seja, a crise e a ofensiva burguesa têm criado, em todo o globo, um patamar mais elevado de exploração e opressão para as massas. Nós, aqui do Brasil, sabemos na pele de toda essa realidade. Mas ela também é vivida pelos nossos/as irmãos/ãs de classe no resto da América Latina, nos EUA, na China e no resto do mundo.

No início de 2023, os desafios continuam imensos para os/as trabalhadores/as de todo o mundo. Os planos dos patrões e dos estados, as reformas e os ajustes ditos necessários (ao capital!), como a atual reforma da previdência na França, vão em uma só direção: mais labuta e sofrimento para quem trabalha. As hordas fascistas se espalham em vários países, defendendo um terror das classes dominantes ainda mais aberto. O reformismo/oportunismo continua a semear ilusões entre as classes trabalhadoras, desmobilizando-as para maiores resistências e combates. Esse sistema não serve para nós e, ao reforçar nossas lutas, precisamos romper com esse estado de coisas, avançar e acumular forças para uma saída revolucionária. Continua urgente a reconstrução do movimento comunista no meio e para essa luta. Essa, sem dúvida, é a tarefa principal para mais um ano.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Olga Benário, Militante Comunista, Revolucionária, Internacionalista

Ney Nunes

12/02/2023

Olga Benário, heroína do proletariado.


   Uma bela figura de mulher, esguia, atlética, assim era a jovem alemã Olga Benário*, para além da beleza física, preponderava a personalidade forte, voluntariosa e destemida. Ainda adolescente, ela ingressa, em 1923, num grupo de jovens comunistas de Munique. Sua vida militante a leva para Berlim, onde se destacou e seria conduzida à direção da Juventude Comunista. 

   Em 1926, a crescente repressão contra os comunistas na Alemanha atinge em cheio Olga e seu então companheiro Otto Braun, os dois são detidos pela polícia em Berlim. Olga é solta dois meses após a prisão, mas Otto, acusado de "alta traição a pátria" continuou preso aguardando julgamento. Prevendo condenação a uma pena longa, o Partido Comunista Alemão encarrega Olga de liderar uma operação para tentar libertar Otto da prisão. A tentativa tem sucesso, mas a perseguição policial desencadeada após a libertação obrigou o casal a deixar a Alemanha e se refugiar na União Soviética. Em Moscou  Olga se integra na Juventude da Internacional Comunista, recebe formação política e militar, cumpre tarefas na França e na Inglaterra, depois retorna a Moscou, onde no V Congresso da Juventude Comunista Internacional é eleita para para compor sua direção.

   Em 1934, já separada de Otto Braun, Olga recebe a missão de acompanhar e fazer a segurança de Luís Carlos Prestes que retornava ao Brasil para liderar o levante armado de 1935. Desta vez, o fracasso da tentativa de tomada do poder pelos comunistas brasileiros resultaria na prisão de Olga e Prestes no Rio de Janeiro no dia cinco de março de 1936. Em setembro desse mesmo ano Olga é deportada para a Alemanha apesar de estar grávida. O STF aprovou o pedido de extradição feito pelo governo alemão e o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto da sua expulsão, o que na prática se revelaria uma verdadeira sentença de morte, já que estavam entregando Olga Benário nas mãos dos nazistas.



   Chegando a Alemanha, Olga Benário foi levada para Barnimstrasse, prisão de mulheres da Gestapo, onde nasceu sua filha com Prestes, Anita Leocádia. Separada da bebê, que amamentou por poucos meses, foi transferida para campos de concentração e acabaria por ser executada na câmara de gás no campo de extermínio de Bernburg em 23 de abril de 1942.

   A saga vivida pela comunista alemã Olga Benário representa o desprendimento de uma geração de revolucionários internacionalistas que não mediram esforços para combater os principais inimigos do proletariado, a burguesia e o imperialismo, independente das fronteiras nacionais, das distâncias geográficas e dos riscos as suas próprias vidas. O legado de Olga, que celebramos hoje neste 115º aniversário do seu nascimento, nos fortalece e nos indica que o internacionalismo revolucionário como teoria e prática militante é mais atual e necessário do que nunca nestes tempos da barbárie capitalista.

* Olga Benário (Munique, 12 de fevereiro de 1908 — Bernburg, 23 de abril de 1942)



terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Da Resistência à Ofensiva, o Caminho da Luta no Peru

Ángel Chávez Mancilla*

Os protestos no Peru não param, no dia 4 de fevereiro, novamente sairam às ruas e praças milhares de pessoas para demonstrar seu repúdio a Dina Boluarte, para exigir o fechamento do congresso e o fim da repressão. Tais protestos são um sinal de descontentamento social, mas poderiam ser também as sementes de uma nova sociedade?



Para que os protestos possam frutificar e desta forma redimir os mais de 60 mortos, centenas de detidos e desaparecidos, é preciso que os trabalhadores e as organizações que participam do confronto contra Dina estejam concientes da necessidade de passar da resistência para a ofensiva. A resistência implica aceitar a ordem burguesa como hegemônica e dominante e exigir que se limitem e moderem a exploração, a repressão e a miséria vividas pelos trabalhadores. A resistência é aceitar a ditadura dos monopólios como incontestável e buscar algumas conexões no interior desse domínio.

O que é preciso é impulsionar a ruptura com a ordem capitalista, e isso implica passar da resistência à ofensiva. A ofensiva não descarta as lutas parciais e econômicas por melhorias imediatas, ela implica que essas lutas sejam parte de uma torrente que busca uma transformação social radical. A luta ofensiva implica que em situações como a vivida atualmente no Peru, os trabalhadores estejam dispostos a sacudir a ditadura da burguesia que mantém milhões na miséria e acumula grandes fortunas à custa da miséria da maioria do povo trabalhador.

Passemos assim a algumas reflexões para compreender melhor o que significa tomar o caminho da ofensiva e quais condições o permitem.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Quem Ataca e Quem Defende o Governo Lula-Alckmin

Mário Maestri*

01/2023

Não sabemos ainda qual o centro organizador, os objetivos e a dinâmica precisa da manifestação que resultou na  guerrilha brancaleone de 8 de janeiro, domingo, na praça dos Três Poderes em Brasília. Não se tratava de tentativa de assalto ao Palácio de Inverno em pleno verão. Mesmo que a ideia tenha reverberado nas mídias bolsonaristas para galvanizar os soldados verde-amarelos de fim de semana e os amigos de viagem com  passagem, estadia e churrasco gordo pagos. Não houve qualquer movimentação nos quartéis-generais que protegiam os acampamentos patrióticos, de onde saíram parte das milícias turísticas. As tropas do Exército ficaram imóveis, mesmo as que deviam ter se movido.

Imagem: Felipe Pereira
Ao contrário do geralmente proposto, é crível que a esculhambação portentosa não estivesse nos planos iniciais da ocupação da Esplanada. Ela pode ter nascido dos mesmos impulsos do ladrão oportunista que passa diante de uma mansão, de portas escancaradas, com os donos ausentes e a criadagem folgando em domingo ensolarado. Boa parte dos manifestantes era formada por cidadãos de meia-idade e lupemproletários bolsonaristas financiados por empresários golpistas urbanos e sobretudo rurais. Mas, então, qual foi o objetivo inicial da manifestação, se descartarmos a tentativa de assalto ao poder ou a simples vontade de manifestar e quebrar tudo, voltando para a casa com selfies defecando no tapete de uma sala do STF?

Bagunça e Quebra-Quebra

O despautério não chegou pronto nos em torno de cento e cinquenta ônibus aterrizados em Brasília. Ele foi permitido e impulsionado pela liberação total da Esplanada, sobretudo pela conivência do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; de seu secretário da Segurança, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, atualmente preso; do coronel Fábio Augusto Vieira, comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, também preso; do tenente-coronel major Paulo Fernandes da Hora, investigado, comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, com uns mil membros, aquartelado ao lado do Palácio do Planalto. 

Apesar de ser conhecida a cáfila de dromedários que viajava em direção a Brasília, a Esplanada foi mantida sob a proteção de dois sentinelas e seis guardas do Batalhão da Guarda Presidencial do major Paulo da Hora, filmado no domingo dificultando a repressão aos vândalos auriverdes. Mas seguem as  duas grandes interrogações. Qual foi o possível objetivo inicial da manifestação e qual o núcleo político organizador do movimento, que tudo aponta se ter dado já à margem da direção direta e da vontade de Jair Bolsonaro, que deixa de ser mais e mais a referência central do movimento definido ainda como bolsonarista.

Possíveis objetivos 

Podemos pensar em alguns grandes objetivos iniciais do movimento e da liberação das sedes dos três poderes aos manifestantes pelas diversas autoridades responsáveis por sua proteção, no mínimo simpáticas ao bolsonarismo. Jair de Deus Bolsonaro, nas últimas eleições, candidato de facção da direita, da extrema-direita e das forças armadas perdeu as eleições de 30 de outubro e as rédeas da presidência por menos de um por cento dos votos válidos. Ou seja, eleitoralmente, caiu de pé, ainda que pra lá de assustado pelos processos que o esperam. A certeza na vitória aumentou a amargura e a desolação dos derrotados, sobretudo dos que se locupletavam com a administração militar-bolsonarista. A depressão e desorientação pós-eleitoral de milhões de eleitores bolsonaristas cresceu com a prostração, deserção política e fuga de Bolsonaro para os Esteites. Seus alucinados ficaram como baratas tontas.  

À sombra dos quartéis-generais do Exército, organizaram-se acampamentos verde-amarelos, com enorme número de oficiais reformados e familiares, sentados em cadeiras de praia e, no Sul, tomando chimarrão, esperando pronunciamento militar que não dava sinais de vida. Esse último reduto do bolsonarismo duro sabia que tinha os dias contados com o início do governo odiado. Uma megamanifestação, em 8 de janeiro, na Esplanada, serviria de cortina de fumaça para encobrir o fim inglório dos acampamentos patrioteiros e o início de  novas operações, já como oposição ao governo Lula-Alckmin. Um grande número de manifestantes esperaria que o ato motivasse um pronunciamento militar.

O abandono da Esplanada às moscas teria talvez como objetivo uma ocupação simbólica do Palácio da Alvorada pelo bolsonarismo. O que salvaria a dignidade arranhada do alto comando militar diante de caserna radicalizada, desgostosa com o afastamento direto das sinecuras do governo. E seria prêmio de consolação aos golpistas e oficiais da reserva perplexos com a inação do alto comando. Uma desocupação amiga do Palácio e da Esplanada pelas forças militares convocadas pelo neogoverno, através de uma GLO, que entregasse o Distrito Federal ao Comando Militar do Planalto, afirmaria a impossibilidade da administração Lula-Alckmin de se defender sem a tutela militar-policial, apenas uma semana após a posse. Uma ação que dificultaria a desmilitarização da nova administração.

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