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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Socialista ou Comunista?*

Antonio Gramsci

(...) Creem os proletários que a sua ação se pode esgotar na luta de cada dia, pela defesa dos salários e do horário?

Se creem nisso, é melhor não ir votar, ou então votem só para mandar ao Parlamento gente que contrate com o governo quando não se pode contratar com os industriais, gente que se sirva da sua autoridade parlamentar para colocar nos contratos sindicais uma assinatura de garantia dos governantes do Estado burguês.



Creem os proletários que, no memento atual, lhes seja possível continuar na via seguida nos primeiros decênios da luta de classes, de recolher lentamente, grão a grão, energias para construir instituições de defesa do proletariado, para erguer ao mesmo tempo organismos de adestramento das capacidades administrativas e técnicas dos trabalhadores: cooperativas, bancos, repartições de emprego e por aí adiante? Se creem que isto baste, mandem deputados ao Parlamento só para defender estas instituições, para lhes criar, na Orbita do Estado burguês, uma possibilidade de existência.

Creem os proletários que a conquista de cada vez maior número de lugares nos organismos do Estado burguês constitui um acréscimo efetivo das forças e das capacidades da classe trabalhadora, uma conquista real e concreta de poder por parte dela? Creem que a vitória dos proletários possa ser concebida como resultante de uma conquista, por parte dos proletários, de uma maioria de lugares no Parlamento burguês ou do maior número possível de administrações locais?

 Se creem nisto, mandem deputados ao Parlamento para conseguirem, com um aumento do seu número, a revolução e a libertação.

Creem os proletários que os organismos da classe burguesa podem servir como órgãos de governo mesmo para a classe proletária, que podem servir para dar liberdade e justiça aos trabalhadores, enquanto até hoje só serviram para lhes dar escravidão e tormentos?

Se creem nisto, convidem os socialistas a falar claro, a declarar o fundo do seu pensamento, a dizer que vão para o Parlamento para preparar a colaboração com os burgueses e com o governo... proletário em Estado burguês; convidem expressamente os socialistas a colaborar e votem no Partido Socialista.

Mas pensem os proletários quais são as condições do momento presente. Pensem que a guerra abriu a maior crise que a história recorda, crise que não é de um governo ou de um Estado, mas dum regime e dum mundo, do regime e do mundo dos patrões.

Observem os proletários como desde que esta crise se abriu e quanto mais ela se torna aguda, tanto mais revela que a tática seguida nos anos de paz e da tranquilidade não serve para nada no momenta atual.

Tudo o que outrora podia significar um passo em frente, cada ação que antigamente servia para garantir um pouco de liberdade, para dar um pouco de justiça aos trabalhadores, hoje só serve para tornar a crise mais aguda, para fazer enfurecer os inimigos, para suscitar reações mais fortes, para tornar mais dura a vida e mais áspera a batalha.

Cada aumento de salários aumenta dez vezes mais o custo de vida, cada tentativa para conquistar um pouco de liberdade suscita as iras brutais e as represálias ferozes dos patrões. O aumento do número de deputados, o acréscimo do poder das organizações e a conquista de dois mil municípios levaram os burgueses a armarem-se, a perseguir com as armas os operários e os camponeses, a incendiar as suas casas, a destruir as suas instituições, a reduzir inteiras regiões a um regime que é pior do que o da escravidão, porque já não há lei, já não há direito fora da lei do punho e do bastão e o direito da pistola apontada à cara dos trabalhadores e contra o peito das suas mulheres e dos seus filhos.

Que significa isto? O que pretende a burguesia com este exercício de violência? Para demonstrar aos proletários que enquanto ela tiver o poder nas mãos, não nos serve criar ilusões acerca da possibilidade de conquistar gradualmente justiça e liberdade.

É preciso que o poder passe para os trabalhadores, mas estes nunca o poderão ter enquanto estiverem iludidos em podê-lo conquistar e exercer através dos órgãos do Estado burguês.

A ação sindical de defesa, a constituição de órgãos, de experiências socialistas em regime burguês, a conquista de cada vez mais novos lugares nos organismos com os quais os burgueses governam a sociedade, tudo isto não basta hoje, deixou de servir. Precisa outra ação se não queremos ser dominados e perder tudo. Precisa que os dominadores de toda a sociedade passem a ser os operários, os camponeses, os trabalhadores de todas as categorias, que estes tenham o poder e o exerçam através de instituições novas, as quais deem a sociedade uma nova forma e uma férrea disciplina de ordem e de trabalho para todos. Precisa que qualquer outra luta seja subordinada a esta para a conquista do poder, para a criação do novo Estado, do Estado dos operários e dos camponeses.

Esta é a tática seguida pelos trabalhadores russos, que lhes permite hoje olhar com segurança para o futuro, enquanto em todos os outros países os trabalhadores o olham com apreensão, com medo, com ânsia.

É esta a tática que o Partido Comunista propõe aos operários e aos camponeses de Itália, o programa sobre o qual os chama a afirmarem-se.

Ser comunista, votar no Partido Comunista, quer dizer afirmar-se convencido da verdade deste programa, declarar-se pronto a lutar pela sua realização, mandar ao Parlamento homens que só se proponham afirmar estes princípios, dar força ao organismo que guia a melhor parte da classe operaria para atuar em todo o mundo. 

 * Artigo publicado em L'Ordine Nuovo, 13/05/1921; Fonte: Escritos Políticos; p. 298-300; Seara Nova; 1977; Portugal.

Edição: Página 1917


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Revisionismo e Giro à Direita

 Ney Nunes


Marxismo-leninismo versus engodo reformista.

     Alguns companheiros têm me perguntado sobre as atuais posições e práticas do Partido Comunista Brasileiro. Sobre isso, me vejo na obrigação de prestar os seguintes esclarecimentos: 

1 - No dia 18 de agosto de 2020, me afastei da direção e da militância no PCB, portanto, desde essa data, não tenho mais nenhuma responsabilidade ou vinculação com seus pronunciamentos e práticas políticas. 

2 - Tomei essa decisão depois de quatro anos lutando internamente contra o processo revisionista iniciado em 2016. Desde então, passamos a priorizar cada vez mais a institucionalidade burguesa. Nas eleições de 2016 e 2018 ficamos inteiramente a reboque da social-democracia, reféns do PSOL e do discurso pós-moderno, sem nenhuma política séria de inserção no proletariado, acantonados nos guetos da pequena burguesia intelectualizada. 

3 - A vitória eleitoral da extrema-direita em 2018 e o receio de um possível golpe fascista serviram de biombo para concluir esse giro político. Giro à direita bem caracterizado pela assinatura das notas conjuntas com partidos da ordem e da conciliação de classes, em defesa das instituições burguesas e do denominado “Estado Democrático de Direito". 

4 – A política para as eleições municipais em 2020 consegue ser ainda mais rebaixada que as anteriores. Ao não lançar candidaturas majoritárias o PCB fica, mais uma vez, a reboque do PSOL, do seu programa reformista e identitário. Com essa tática eleitoral, em vários estados (alguns já no primeiro turno), o PCB estará na vala comum dos partidos (PT, PC do B, PDT, PSB, REDE, etc.) que nos estados e municípios onde são governo aplicam o ajuste fiscal, a reforma da previdência e reprimem os protestos do funcionalismo. 

5 - Para completar o processo revisionista e o giro à direita, o PCB passou a ser conivente com a ideologia do “socialismo de mercado chinês”, novo farol do revisionismo e da traição à luta revolucionária do proletariado. Apesar de todas as evidências e dados concretos que indicam a completa restauração do capitalismo na China, hoje transformada no paraíso dos novos bilionários. 

6 - Tenho enorme respeito e admiração pelos comunistas revolucionários que, mesmo em franca minoria, permanecem militando no PCB. Mas estou convencido de que essa energia e capacidade militante serviriam melhor à causa da revolução socialista se empenhadas na luta por reconstruir um autêntico Partido Comunista Proletário. 

     O projeto fundado no Brasil em 25 de março de 1922 não tem dono, seu legado pertence ao proletariado brasileiro. 

       Rio de Janeiro, 28/09/2020.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Los Angeles 'descartáveis': O Drama dos Sem-Teto.

Carlos de Urabá

22 de setembro de 2020.

 

De acordo com o National Center on Family Homelessness nos Estados Unidos, há mais de 600.000 desabrigados.

 

Los Angeles é uma das megacidades mais opulentas da América do Norte e do planeta Terra. Neste território habitado pelos indígenas Chumash e Tongva até ao século XVIII foi conquistado pelos missionários jesuítas e, após a expulsão, pelos franciscanos. As crônicas nos contam que a cidade foi fundada em 1781 por um grupo de colonos espanhóis (súditos de Carlos III), mestiços, mulatos e escravos indígenas ou janízaros de Sonora e Sinaloa. Os padres pioneiros batizaram-no com o nome de Nossa Senhora Rainha dos Anjos da Porciúncula. Até o ano de 1846, os invasores ianques tomaram a Califórnia (a ilha da fantasia) dos mexicanos.



Los Angeles com 17 bilhões de habitantes é a segunda maior aglomeração depois de Nova York, uma cidade multiétnica com mais de 200 nacionalidades. Embora também devamos destacar outros centros urbanos como San Francisco, San Diego (onde a base aérea da Ilha do Norte é uma das mais importantes do Pacífico) Sacramento (capital), San José, San Carlos ou Fresno.

O estado da Califórnia é considerado a quinta maior economia do mundo por ser um centro nevrálgico para as indústrias aeronáutica, cinematográfica e turística e para as mais famosas multinacionais de alta tecnologia sediadas no Vale do Silício (Baía de São Francisco) Google, Facebook, Amazon , Twitter, Microsoft, IBM, Adobe, Apple, Cisco, eBay, HP, Netflix, SanDisk, Tesla, Yahoo, Lockheed Martin, etc., etc. Curiosamente, apenas os lucros anuais do Google - que giram em torno de 13 bilhões de dólares - equivalem ao PIB de um país como o México. Os salários do CEO de uma dessas empresas multinacionais ultrapassam US $ 363.000 por ano, enquanto os dos executivos não caem abaixo de US $ 16.000 por mês. Consequentemente, o custo de vida disparou em toda a área da baía de São Francisco.

No horizonte ergue-se a cordilheira Snowed Peaks que enquadra o Vale de San Fernando onde se ergue esta megalópole mítica e super tecnológica do século XXI, uma verdadeira miragem dos sonhos com o seu caminho livre apinhado de veículos e arranha-céus que disparam raios laser que nos cegam com seus efeitos especiais. Sentimo-nos anões ao contemplar aqueles pênis eretos de aço e concreto armado recobertos por cristais de prata que tentam copular com as nuvens. Símbolo de opulência e poder imperial nos bancos da catedral, o bezerro de ouro é adorado. Somos subjugados pelo bombardeio de propagandas que com suas lamparinas coloridas tentam nos bajular com as mais variadas ofertas e descontos. Uma multidão de indivíduos com seus celulares na mão trota apressada para suas colmeias de trabalho; Eles são os empresários do tempo, dinheiro e fast food, cujo primeiro mandamento é aumentar a produtividade ao infinito. Prevalece a ética de trabalho protestante, ou seja, disciplina, economia e indústria ilimitada (fundamentos do capitalismo segundo Max Weber) Donald Trump declarou no início de seu mandato que "nunca houve melhor época para viver o sonho americano". A classe baixa quer ser a classe média, a classe média sonha em ser a classe alta e a classe alta quer multiplicar ainda mais sua riqueza.

domingo, 20 de setembro de 2020

Por que a China é Capitalista.*

Eli Friedman**

15/07/2020

A China no século 21 é capitalista. Isto significa uma transformação espetacular para um país que, no final dos anos 1950, havia praticamente eliminado a propriedade privada dos meios de produção e que, na década seguinte, havia embarcado em uma das experiências políticas mais radicais do século. XX. Apesar da profunda reorganização das relações de produção ocorrida nos últimos quarenta anos, o Partido Comunista Chinês (PCC) detém o monopólio do poder e ainda é abertamente socialista, embora agora o seja "com características chinesas".

Shopping em Pequim


A via comunista da China para o capitalismo levou a uma grande confusão na esquerda (na China e em todo o mundo) sobre como caracterizar o estado atual das coisas. Para a prática anticapitalista, é extremamente importante esclarecer essa questão, ainda mais quando levamos em consideração o crescente poder global da China. Em última análise, a questão é se devemos acreditar que o Estado chinês e sua oposição à ordem liderada pelos EUA encarnam uma política de libertação. Se, pelo contrário, entendermos que a China não busca transcender o capitalismo, mas sim está empenhada numa competição com os Estados Unidos para controlar o sistema, então chegaremos a uma conclusão política muito diferente: devemos traçar nosso próprio rumo de libertação radical, de forma independente e em oposição a todos os poderes estatais existentes. 

O capitalismo é um conceito notoriamente complexo, portanto, neste artigo, posso abordar apenas algumas de suas questões centrais. Fundamentalmente, o capitalismo é um sistema no qual as necessidades humanas são acessórias à produção de valor. Esta relação se institucionaliza por meio da universalização da dependência do mercado, uma vez que a forma mercadoria passa a ser a mediadora das relações humanas. Essa lógica do capital se manifesta não apenas na exploração econômica do trabalho e na consequente divisão das relações sociais em classes, mas também nos modos de dominação política no local de trabalho, no Estado e mais além. Apesar das diferenças consideráveis ​​que a separam do modelo liberal anglo-americano, veremos que a China se tornou capitalista em todos os aspectos.

Os indicadores do capitalismo chinês são abundantes. As grandes metrópoles do país exibem Ferraris e lojas Gucci, letreiros de empresas estrangeiras e locais adornam paisagens urbanas e arranha-céus residenciais de luxo brotam em todas as cidades importantes. A China passou rapidamente de um dos países economicamente mais igualitários do mundo, para um dos mais desiguais, o que indica ter ocorrido mudanças estruturais de grande importância. Além disso, a entrada da China como membro da OMC, a insistência contínua do governo de que o país é realmente uma economia de mercado ou as intervenções de Xi Jinping   em defesa da globalização em Davos e advogando que o mercado jogue “um papel decisivo“ na alocação de recursos, podem ser vistos como sinais de que o estado está abraçando o capitalismo. Da mesma forma, podem ser encontradas expressões culturais generalizadas que parecem indicar uma orientação capitalista subjacente, incluindo valorização do trabalho árduo, consumismo descontrolado e reverência pelo gênio singular de heróis empresários como Steve Jobs ou Jack Ma. 

No entanto, seria um erro confundir tais efeitos do capitalismo com o próprio capitalismo. Para compreender de maneira mais ampla como o capitalismo se tornou o princípio orientador do Estado e da economia da China, precisamos ir mais fundo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Verdades e Mentiras do Governo López Obrador

Pável Blanco Cabrera,

Secretário-Geral do Partido Comunista do México

 

   Há dois anos, no México, Andrés Manuel López Obrador ganhou as eleições para a Presidência da República e, na mesma disputa, seu partido Movimento pela Regeneração Nacional (MORENA) e seus aliados o Partido Trabalhista, o Partido Ecologista Verde do México e o Partido do Encontro Social, obtiveram maioria nas duas câmaras do Congresso da União: a de deputados e a de senadores. Ou seja, uma correlação de forças favorável para a realização de seu projeto político, sem obstáculos.

Pável Blanco Cabrera


   Obrador teve um significativo apoio popular porque, de alguma maneira, conseguiu se apresentar como porta-voz da mudança. Porém, é tempo de fazer um balanço se foi esse o caso, ou se tais expectativas se revelaram infundadas.

   López Obrador se apresentou por muitos anos como um crítico da gestão neoliberal, em oposição às privatizações e aos acordos internacionais lesivos à soberania, especialmente o Nafta. Por algum tempo atacou o resgate que se fez dos bancos privados com recursos públicos. Seu discurso se inscrevia naquilo que defendiam os governos burgueses keynesianos: o “nacionalismo revolucionário”.

   Pensamos que o "antineoliberalismo" não significa ir à raiz dos problemas que afligem o grosso da população mexicana, ou seja, a classe operária e os setores populares; que a experiência de mais de duas décadas de "progressismo" nos mostrou que "antineoliberalismo" significa alternar a forma de gestão do capitalismo, porém não acabar com ela. Hoje neoliberal, amanhã keynesiano, o que essencialmente não faz nada além de prolongar a exploração e a opressão. Para conseguir mudanças profundas, o México precisa de uma Nova Revolução e para isso trabalhamos. Mas vejamos em que consistiu o "antineoliberalismo" de Obrador no governo e se corresponde com aqueles que o apoiaram por isso, tanto em nosso país, como em outros. Depois voltarei à questão da viabilidade do socialismo e ao debate com aqueles que, considerando justo esse caminho, o abandonam por “realismo político”.

A economia

   As privatizações iniciadas em meados da década de 1980, alguma delas foi revertida? Por exemplo, os bancos, algum foi renacionalizado? Não. No entanto, os representantes do capital bancário ocupam importantes cargos no ministério, por exemplo: Olga Sánchez Cordero, conselheira do grupo financeiro Banorte, passou ocupar o segundo cargo do Poder Executivo, a secretária de governo. Além disso, se fortalecem os bancos privados com a transferência de importantes verbas do orçamento federal, como programas sociais, que são entregues por via deles, como é o caso do Banco Azteca, do magnata Ricardo Salinas, dono do monopólio do Grupo Salinas de comunicação, finanças e comércio, que tem um de seus executivos, Esteban Moctezuma, como Ministro de Educação Pública. Pois bem, vejamos o caso escandaloso que significou a privatização da TV pública durante o governo de Carlos Salinas de Gortari, com licitação fraudada, infestada de corrupção e a preços irrisórios, e que hoje não é apenas intocável, mas Ricardo Salinas Pliego é citado frequentemente como exemplo do “empresário social”, e com peso importante em qualquer decisão governamental, além do fato de seus lucros serem garantidos e ampliados. Ou o caso emblemático de Slim, proprietário do monopólio América Móvil, também grande beneficiário do atual governo. Como já dissemos em outra ocasião: economia de monopólio, poder de monopólio.

   Em plena pandemia, há poucas semanas, López Obrador se reuniu com Trump, em Washington, acompanhado dos principais grupos monopolistas do México, para anunciar a entrada em vigor do T-MEC, batizado de NAFTA 2.0, acordo imperialista; desde 1994 os termos desse acordo têm sido fortes grilhões para a classe trabalhadora de toda a América do Norte e um paraíso para as capitalistas dos três países. Aliás, os partidários da tendência "antineoliberal" pensavam que com Obrador haveria uma virada para a multipolaridade, mas este deu-lhes com a porta na cara, pois Trump e as montadoras norte-americanas exigiam a renegociação do Tratado em sua guerra comercial com os capitais chineses. Quer dizer, Obrador cerra fileiras com a corrente protecionista do capitalismo, da qual o presidente dos Estados Unidos faz parte. Para deixar claro: todo o discurso de soberania e independência nacional é letra morta, demagogia, em Obrador. Aqueles que por esse discurso o apoiaram, estão de acordo com o T-MEC, ou preferem ser cúmplices em nome da “tática”?

   Intactos também estão os compromissos com o FMI, Banco Mundial, dívida externa, etc. Gostaríamos de discutir por que o keynesianismo não é uma saída operária e popular com os partidários da corrente “antineoliberal”. Porém, no México, sua aposta é no desenvolvimento da gestão neoliberal em matéria econômica, fazendo isso com uma demagogia que a cada passo declara o fim do neoliberalismo.

Repressão e militarização

   Discutindo com organizações que se reivindicam de esquerda e,  inclusive, lutar pelo socialismo, nos diziam antes das eleições, admitindo que embora Obrador expressasse os interesses do capital, era conveniente fazer concessões para dar uma basta com a repressão,  e é verdade era terrível, pois somente com Peña Nieto (2012-2018) cinco militantes do Partido Comunista do México foram assassinados e um membro do Comitê Central está desaparecido desde então, entre centenas de desaparecidos e assassinados. Mas isso mudou? Lamentamos responder que não, que a repressão seletiva e o assassinato político continuam acontecendo, especialmente contra quadros do movimento indígena e camponês do México.

   De que adianta dizer que nunca mais crimes como os de 68 ou 71 no tempo que se encobria o assassino, o Exército Mexicano? De que adianta anunciar o desaparecimento do nefasto Corpo de Granadeiros ... e que depois com seus mesmos uniformes aparecem restringindo as mobilizações operárias e populares na Cidade do México? Como eximir os responsáveis ​​pelo desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa, pelo assassinato extrajudicial de vários em Tlatlaya? E como fortalecê-los ainda mais, aprovando leis que legalizem sua presença nas ruas? Por que quando Peña Nieto apresentou a Lei de Segurança Interna ela foi rejeitada como reacionária, e por que essa mesma lei, com outro nome, é apresentada como positiva com Obrador?

   O Exército se fortalece e ganha também um novo braço: a Guarda Nacional, aríete repressivo contra os que lutam, e também ... a executora da política anti-imigração ditada por Pompeo e pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Isso resultou em um aumento de 60% na detenção de migrantes em comparação com governos anteriores.

Mundo de trabalho

   Houve ilusões de que os ataques aos direitos dos trabalhadores poderiam recuar com López Obrador como presidente. A esperança de revogar a reforma trabalhista de novembro de 2012 foi apresentada como um argumento por alguns para o “apoio crítico” a Obrador; e aí também a mensagem é oposta, já que a terceirização continua e novos roubos nas pensões estão em curso. Porém, o Estado dá passos para continuar a precarização da juventude trabalhadora, com programas como “jovens construindo o futuro”, onde a força de trabalho de milhões de jovens é entregue aos grandes monopólios e ao setor privado, custeando seus salários com o orçamento público. O que há de progressivo na transferência de recursos para o capital por meio da exploração da força de trabalho gratuita, também sem direito à seguridade social, a acumular anos para aposentadoria, ou fundos para habitação?

   Poderiam falar de um aumento salarial, mas ele evaporou devido ao rápido aumento do custo da cesta básica e dos serviços.

A pandemia

   Apesar da má gestão da Covid-19 no México pelo Estado, os promotores do “antineoliberalismo” tomam cuidado para não colocar o México na lista dos países com problemas, talvez para não equipará-lo com o desastre do Brasil ou do Peru. Mas os dados são contundentes, com quase 70.000 mortos e mais de 600.000 infectados, resultado de uma política que priorizou os interesses da classe dominante, os lucros dos capitalistas, que não alocou um único peso para garantir que os trabalhadores e setores populares pudessem manter a quarentena diante da perspectiva sombria de ficar em casa para morrer de fome ou sair para receber um salário correndo o risco de contágio. Um governo que, sem fazer piada, confiava em amuletos como proteção contra o vírus e até hoje continua rejeitando o uso das máscaras.

   Esta sucinta recapitulação não pode deixar de lado os chamados projetos emblemáticos de Obrador, o trem maia, as ZEE’s, o novo aeroporto. Não importam os povos originários, não se preocupa com a natureza. Mais uma vez surge a sede de lucro dos capitalistas, que assim se satisfaz, mascarada na criação de empregos temporários para inflar as estatísticas, que maquilam, mas não resolvem.

   No entanto, isso mostra que o governo "antineoliberal" é tão neoliberal quanto os dos últimos 30 anos. Tampouco, houve alguma trégua na luta, mas sim um recrudescimento do ataque do capital contra os trabalhadores, que se intensificará na crise econômica em curso.

   Poderíamos discutir sinceramente os argumentos de que a gestão keynesiana do capitalismo é melhor do que a neoliberal, como defendem os  "antineoliberais". Não temos que recorrer à diatribe, pois temos muitos elementos sobre a atualidade da luta pelo socialismo como um objetivo colocado na ordem do dia. Porém tal discussão carece de sentido quando os "antineoliberais" ficaram "pendurados na brocha" e apresentam Obrador como progressista quando ele não o é. Esperamos que seja porque não conhecem os fatos, e não por cumplicidade.

   Quanto aos comunistas, não estamos na luta para atenuar a exploração, mas sim para derrubá-la, não estamos para eleger o mal menor, mas para mudar o mundo.

Em 2018, o PCM declarou:

   “No México e no mundo, ingenuamente se pensa que Obrador é uma opção de mudança e que estamos às vésperas de uma guinada para a esquerda. É uma percepção sem fundamento, ingênua e errônea.

   Obrador irá reforçar o domínio da classe capitalista, e com a gestão social-democrata e medidas populistas, e também autoritárias, oferece como cartão de visita a contenção do povo ”.

   Lamentavelmente não nos equivocamos.


Tradução e edição: Página 1917.

Este artito foi publicado originalmente em:

https://elcomun.es/2020/09/02/verdades-y-mentiras-del-gobierno-de-lopez-obrador/

 

 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Na Pior das Hipóteses, a Elite Bilionária Saqueia a Classe Trabalhadora.

Nick Baker - 11/09/2020 | 

Em meio a uma pandemia global, colapso econômico sem precedentes, desemprego maciço, fome e desespero, o mercado de ações está crescendo e os mais ricos dos ricos estão mais ricos do que nunca.

Desde março, mais de 58 milhões de pessoas nos Estados Unidos se candidataram formalmente a um emprego. O Internal Revenue Service (IRS, Collector's Office, dependente do Departamento do Tesouro, NdT) prevê que a economia dos EUA terá quase 40 milhões de empregos a menos em 2021 do que o esperado antes da pandemia, devido à prolongada depressão econômica. Embora seja amplamente reconhecido que a economia não se "recuperará" com plena atividade - mesmo que os casos de coronavírus diminuam em breve - e que a atual depressão continuará por um longo tempo, as empresas estão fazendo tudo o que podem para aumentar seus preços. Ações.

Em sua busca desesperada por benefícios, muitas grandes empresas projetam demissões em massa e reconhecem que os funcionários que estão atualmente "tecnicamente desempregados" estarão desempregados no final desse período, quando retornarem. O Wall Street Journal relata que um estudo recente mostrou que "quase metade dos empregadores americanos que demitiram ou demitiram funcionários devido à Covid-19 estão planejando reduções adicionais nos próximos 12 meses". As empresas afirmam que os trabalhadores de baixa renda serão os primeiros a serem demitidos.

Segundo o Washington Post, que compara os números atuais com os da recessão Bush-Obama, iniciada em 2009, o número de trabalhadores que foram vítimas de redução salarial, desde o início da crise até 1º de julho, foi o Duplo. Mais de 10 milhões de trabalhadores do setor privado sofreram cortes salariais ou foram forçados a trabalhar meio período.

A montadora Tesla (especializada em carros elétricos, com sede em Silicon Valey, NdT) impôs um corte de 10% nos salários de todos os trabalhadores de meados de abril a julho. Durante o mesmo período, as ações da Tesla dispararam e o patrimônio líquido da fortuna do CEO Elon Musk saltou de US $ 25 bilhões para mais de US $ 100 bilhões. Salesforce, uma empresa de software (para comércio e indústria) anunciou níveis recordes de vendas em um dia e a dispensa de 1.000 funcionários no dia seguinte. As ações da empresa subiram 26%.

Outro estudo descobriu que 50% de todos os funcionários de pequenas empresas que foram demitidos desde março ainda estão sem trabalho. 28% ainda estão em licença e 22% foram dispensados ​​definitivamente. Mesmo em estatísticas de desemprego manipuladas pelo governo e gravemente subestimadas, o número de pessoas que estão no seguro-desemprego por 15 a 26 semanas é quase o dobro do que era no momento mais crítico da recessão de 2009. e exponencialmente mais alto do que em qualquer momento desde a Grande Depressão da década de 1930.

domingo, 13 de setembro de 2020

Epílogo para um Romance à Revelia do Autor*

 Jaccob Gorender

   Quando Joaquim Câmara Ferreira — já na roupagem de Toledo — o procurou em 1968, Hermínio Saccheta deve ter sentido surpresa e desconcerto. Apesar da tarimba, não esperaria que lhe batesse à porta o homem com o qual trocara os pesadíssimos insultos habituais nas dissensões internas dos comunistas.


O jornalista Hermínio Sacchetta.

   

   O contencioso entre ambos remontava aos anos 30. Após a derrota do levante de novembro de 1935, o jornalista Sacchetta (nome de guerra Paulo) dirigia o Comitê Regional de São Paulo e foi cooptado para o Birô Político do Comitê Central do PCB. Mais jovem, Câmara Ferreira (nome de guerra Alberto) trocou o curso de engenharia pela profissão de revolucionário. Em 1937, o Comitê Regional Paulista divergiu da linha preconizada pelo Comitê Central a respeito das eleições presidenciais. A divergência se aprofundou e levou a discussões agressivas e intransigentes. Com o apoio da Internacional Comunista, Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu), secretário-geral do Comitê Central, venceu a disputa: os divergentes de São Paulo foram expulsos do partido sob a acusação de renegados trotskistas, a mais infamante para um militante comunista. Acontece que, ao travar-se a luta interna — conforme relata Heitor Ferreira Lima — , nenhum dos divergentes do Comitê Regional paulista era trotskista e, em seguida, apenas um deles — Sacchetta, precisamente — aderiu ao trotskismo.

   Tendo tomado posição ao lado do Comitê Central, Câmara Ferreira não podia mais continuar amigo de Sacchetta, com o qual se iniciara na vida partidária. A amizade se transformou em rancorosa inimizade. Da qual compartilhou Carlos Marighella, enviado a São Paulo pelo Comitê Central, em 1938, a fim de fortalecer a direção regional na luta contra os “fracionistas trotskistas”.

   Expulso do PCB, Sacchetta esteve entre os fundadores do Partido Socialista Revolucionário (PSR), ligado à Quarta Internacional (trotskista), com pouco mais de uma centena de adeptos em São Paulo e no Rio, quase todos intelectuais. Na atividade de jornalista, seu ganha-pão, fez bem-sucedida carreira. Arraigada talvez pelo hábito da clandestinidade, mantinha imperturbável postura discreta.

   Em 1952, o PSR se dissolveu. Em 1958, surgiu a Liga Socialista Independente (LSI), que editou o jornal Ação Socialista. Também um pequeno grupo, muito sectário, com poucos anos de vida. Sacchetta tomou parte nele, já com idéias algo mudadas com relação ao trotskismo. Do documento que escreveu provavelmente naquela época — Relatório Sobre Questões da Política Organizatória no Domínio Socialista — , salienta-se a análise do fracasso do trotskismo. Sua contribuição válida teria sido somente a crítica ao stalinismo. O documento propôs a formação de um partido marxista democrático, na linha de Rosa Luxemburg.

   No começo dos anos 60, formou-se o Movimento Comunista Internacionalista (MCI), cujos escassos adeptos projetavam convertê-lo em partido. Embora não adotasse o trotskismo de maneira estrita, o MCI conservou seus princípios doutrinários fundamentais: prioridade ao internacionalismo, revolução permanente, ditadura do proletariado como objetivo direto.

    Nos anos 1967-1969, já sob a ditadura militar, o MCI publicou o jornal clandestino Bandeira Vermelha, do qual saíram doze números. Comumente com dez ou doze páginas mimeografadas, difundia denúncias e argumentos contra o regime nascido do golpe de 1964. Ao mesmo tempo, tomava posição na explosiva controvérsia entre as correntes de esquerda. Principal redator do jornal, Sacchetta atacou o reboquismo e o oportunismo do PCB. Reconheceu a seriedade das facções dissidentes, porém fez crítica cerrada ao foquismo de Guevara e a todas as concepções de luta armada imediata desvinculada da preparação através das lutas de massas.

Por que, então, Hermínio Sacchetta aceitou o convite que lhe trouxe Câmara Ferreira de colaborar com a ALN? Justamente com a ALN, cuja orientação estratégica (nacional-libertadora) e tática (luta armada imediatíssima) era tão oposta àquela que vinha expondo insistentemente no Bandeira Vermelha?

   Imagino que, como tantos naquela época, Sacchetta queria realizar algo bem concreto contra a ditadura militar. Não se satisfazia com a doutrinação e a propaganda em pequenos círculos. Pôs de lado discordâncias teóricas, afastou velhos agravos e passou a ter encontros regulares com o antigo companheiro, durante muitos anos separado pela inimizade política. Esteve também com Marighella e selou o pacto da reconciliação e da luta comum. Apesar de sexagenário já abalado por um infarto, resolveu correr riscos que, por experiência, não ignorava.

   No final de janeiro de 1969, a direção da VPR teve urgente necessidade de tirar as armas expropriadas da Loja Diana do depósito secreto em que se encontravam. O depósito era conhecido de Hermes Camargo Batista, preso no episódio da pintura do caminhão em Itapecerica da Serra.

   A direção da VPR pediu a ajuda da ALN e Câmara Ferreira recorreu a Sacchetta. Este arrumou às pressas um lugar seguro. Em três viagens do Fusca guiado por Renato Caldas, foi posto a salvo o arsenal de carabinas, revólveres 38 e caixas de munição.

    Às oito e meia da manhã de 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da ALN invadiu a estação transmissora da Rádio Nacional em Piraporinha, perto de Diadema (Grande São Paulo). Dominados os funcionários, um dos invasores interrompeu a ligação com o estúdio e ligou ao transmissor de ondas curtas uma gravação. Com o fundo musical do Hino da Internacional Comunista e do Hino Nacional, a gravação anunciou o nome de Carlos Marighella e reproduziu o manifesto lido por ele. Na meia hora em que a estação esteve sob controle da ALN, deu tempo para repetir a gravação.

   No mesmo dia 15, o jornal paulistano Diário da Noite lançou uma segunda edição com o texto integral do manifesto de Marighella captado pelo setor de radioescuta. A decisão de publicar o manifesto partiu do diretor de redação Hermínio Sacchetta. Os demais jornais se limitaram a noticiar o episódio da invasão da Rádio Nacional de São Paulo, pertencente à Rede Globo. Pegada de surpresa, a Polícia não pôde recolher das bancas senão pequena parte da segunda edição do Diário da Noite.

   Tão grave infração da censura não podia ser tolerada. A Polícia Federal prendeu o diretor de redação e o indiciou em inquérito criminal. Apesar da ficha de antecedentes nada recomendáveis do indiciado, o inquérito deu em nada e o suspeito de conivência subversiva foi solto após algumas semanas. Mas perdeu o emprego.

    Até hoje, corre a versão da casualidade da participação de Sacchetta no episódio. Agora, deve-se esclarecer em definitivo que não houve casualidade. Sacchetta recebeu previamente cópia do manifesto de Marighella das mãos de Câmara Ferreira, avisado do que ia ocorrer e da participação que a ALN esperava dele. Como não era iniciante inexperiente, Sacchetta tomou as precauções de cobertura, na previsão de que podia vir a enfrentar pesadas complicações. Orientou o setor de radioescuta do seu jornal para captar a transmissão da Rádio Nacional e, tão “surpreso” quanto os colegas, decidiu desafiar a censura: furo de reportagem é dever profissional de jornalistas.

   O furo teve repercussão internacional e a prisão do jornalista brasileiro provocou o protesto da Associação Interamericana de Imprensa.

   Romance histórico em que Jorge Amado criou uma trama ficcional inserida na reprodução da época do Estado Novo, Os Subterrâneos da Liberdade têm um dos fios da narrativa na luta interna do PCB em São Paulo, à qual me referi neste capítulo. Com facilidade se reconhecem muitas pessoas reais, que comparecem no romance como figuras de ficção. Vitor é Diógenes de Arruda, o primeiro dos honrados pela dedicatória do autor. O gigante Gonçalo é José Martins e o historiador Cícero d'Almeida é o historiador Caio Prado Jr. Filho de um operário italiano com uma negra brasileira, Carlos é Carlos Marighella, logo se vê. Apolinário é Apolônio de Carvalho, também logo se vê.

   Mas há um personagem a respeito do qual o romancista forneceu pistas superlativas para identificação do modelo real. Saquila — sobrenome quase homófono de Sacchetta — aparece no romance como líder da fração trotskista do Comitê Regional. Seu nome de guerra Paulo — o mesmo de Sacchetta na época. Vários personagens e o próprio narrador não lhe poupam qualificações aviltantes: lacaio da burguesia, bandido, traidor, delator, cretino, canalha. Um dos mais agressivos acusadores do renegado é precisamente Carlos, enviado pelo Comitê Central para reforçar a luta antitrotskista em São Paulo.

   Identificação de tal maneira transparente e insultuosa obrigou Hermínio Sacchetta a sair da habitual discrição e publicar um artigo de revide ao glorioso romancista.

   Os Subterrâneos da Liberdade representam a culminância da escola do realismo socialista na literatura brasileira. O autor pagou o preço que todos nós, militantes do PCB, pagamos ao stalinismo. Faltava-lhe a estatura psicológica e artística de Graciliano Ramos. Também militante do PCB e admirador de Stalin, Graciliano não se dobrou aos prejulgamentos e deu ao trotskista Gikovate tratamento amistoso em Memórias do Cárcere. Mas Jorge Amado tomou depois conhecimento dos crimes de Stalin, rompeu com o stalinismo e se afastou do PCB. Teria várias maneiras para reabilitar, não a Sacchetta, que não precisava ser reabilitado, mas a si próprio, com a admissão pública da injustiça cometida contra um homem de carne e osso. Nunca deu este passo.

   Romance, mesmo histórico, é ficção. Nada há a alterar. Nas muitas reimpressões de Os Subterrâneos da Liberdade, o leitor sempre encontra o vilão Saquila inimigo do herói Carlos.

   Na vida real, Sacchetta (modelo de Saquila) e Marighella (modelo de Carlos) se reconciliaram para travar o mesmo combate nas trevas da pior opressão que já se abateu sobre o povo brasileiro desde a conquista da Independência. À revelia do romancista, acrescentaram inesperado epílogo à sua narrativa.

Hermínio Sacchetta arriscou a vida na luta contra a ditadura militar.

E Jorge Amado: esteve à altura do personagem?

Fontes Informativas e Referências Bibliográficas: Entrevista de Renato Caldas. São Paulo, 14 dez. 1984 (sobre Hermínio Sacchetta); Entrevista de Guiomar Silva Lopes Callejas, cit. (sobre ocupação da Rádio Nacional pelo destacamento da ALN); Sacchetta, Hermínio. Relatório Sobre Questões da Política Organizatória no Domínio Socialista. Mimeogr.; id. "Jorge Amado e os porões da decência". Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro, 18/19 set. 1954; Programa e Estatutos do Movimento Comunista Internacioalista. Mimeogr.; Bandeira Vermelha. São Paulo, 1967-1969. Mimeogr.; Diário da Noite. São Paulo, 15 agos. 1969; Jornal da Tarde. 15 ago. 1969; Amado, Jorge. Os subterrâneos da liberdade. 12. ed. São Paulo, Martins, s.d.; Lima, Heitor Ferreira. Caminhos Percorridos. São Paulo, Brasiliense, 1982.p. 208-27; Rodrigues Leôncio Martins. "O PCB: os dirigentes e a organização". In: História geral da civilização brasileira, op.cit. p. 401-3; Carta de Wilson Gomes à Folha de S. Paulo, publicada na seção "A Palavra do Leitor". 15 de fev. 1984; Ramos, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.

* Combate nas Trevas, São Paulo, Ática, 1987, p. 161 a 165.

 

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