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quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Verdades e Mentiras do Governo López Obrador

Pável Blanco Cabrera,

Secretário-Geral do Partido Comunista do México

 

   Há dois anos, no México, Andrés Manuel López Obrador ganhou as eleições para a Presidência da República e, na mesma disputa, seu partido Movimento pela Regeneração Nacional (MORENA) e seus aliados o Partido Trabalhista, o Partido Ecologista Verde do México e o Partido do Encontro Social, obtiveram maioria nas duas câmaras do Congresso da União: a de deputados e a de senadores. Ou seja, uma correlação de forças favorável para a realização de seu projeto político, sem obstáculos.

Pável Blanco Cabrera


   Obrador teve um significativo apoio popular porque, de alguma maneira, conseguiu se apresentar como porta-voz da mudança. Porém, é tempo de fazer um balanço se foi esse o caso, ou se tais expectativas se revelaram infundadas.

   López Obrador se apresentou por muitos anos como um crítico da gestão neoliberal, em oposição às privatizações e aos acordos internacionais lesivos à soberania, especialmente o Nafta. Por algum tempo atacou o resgate que se fez dos bancos privados com recursos públicos. Seu discurso se inscrevia naquilo que defendiam os governos burgueses keynesianos: o “nacionalismo revolucionário”.

   Pensamos que o "antineoliberalismo" não significa ir à raiz dos problemas que afligem o grosso da população mexicana, ou seja, a classe operária e os setores populares; que a experiência de mais de duas décadas de "progressismo" nos mostrou que "antineoliberalismo" significa alternar a forma de gestão do capitalismo, porém não acabar com ela. Hoje neoliberal, amanhã keynesiano, o que essencialmente não faz nada além de prolongar a exploração e a opressão. Para conseguir mudanças profundas, o México precisa de uma Nova Revolução e para isso trabalhamos. Mas vejamos em que consistiu o "antineoliberalismo" de Obrador no governo e se corresponde com aqueles que o apoiaram por isso, tanto em nosso país, como em outros. Depois voltarei à questão da viabilidade do socialismo e ao debate com aqueles que, considerando justo esse caminho, o abandonam por “realismo político”.

A economia

   As privatizações iniciadas em meados da década de 1980, alguma delas foi revertida? Por exemplo, os bancos, algum foi renacionalizado? Não. No entanto, os representantes do capital bancário ocupam importantes cargos no ministério, por exemplo: Olga Sánchez Cordero, conselheira do grupo financeiro Banorte, passou ocupar o segundo cargo do Poder Executivo, a secretária de governo. Além disso, se fortalecem os bancos privados com a transferência de importantes verbas do orçamento federal, como programas sociais, que são entregues por via deles, como é o caso do Banco Azteca, do magnata Ricardo Salinas, dono do monopólio do Grupo Salinas de comunicação, finanças e comércio, que tem um de seus executivos, Esteban Moctezuma, como Ministro de Educação Pública. Pois bem, vejamos o caso escandaloso que significou a privatização da TV pública durante o governo de Carlos Salinas de Gortari, com licitação fraudada, infestada de corrupção e a preços irrisórios, e que hoje não é apenas intocável, mas Ricardo Salinas Pliego é citado frequentemente como exemplo do “empresário social”, e com peso importante em qualquer decisão governamental, além do fato de seus lucros serem garantidos e ampliados. Ou o caso emblemático de Slim, proprietário do monopólio América Móvil, também grande beneficiário do atual governo. Como já dissemos em outra ocasião: economia de monopólio, poder de monopólio.

   Em plena pandemia, há poucas semanas, López Obrador se reuniu com Trump, em Washington, acompanhado dos principais grupos monopolistas do México, para anunciar a entrada em vigor do T-MEC, batizado de NAFTA 2.0, acordo imperialista; desde 1994 os termos desse acordo têm sido fortes grilhões para a classe trabalhadora de toda a América do Norte e um paraíso para as capitalistas dos três países. Aliás, os partidários da tendência "antineoliberal" pensavam que com Obrador haveria uma virada para a multipolaridade, mas este deu-lhes com a porta na cara, pois Trump e as montadoras norte-americanas exigiam a renegociação do Tratado em sua guerra comercial com os capitais chineses. Quer dizer, Obrador cerra fileiras com a corrente protecionista do capitalismo, da qual o presidente dos Estados Unidos faz parte. Para deixar claro: todo o discurso de soberania e independência nacional é letra morta, demagogia, em Obrador. Aqueles que por esse discurso o apoiaram, estão de acordo com o T-MEC, ou preferem ser cúmplices em nome da “tática”?

   Intactos também estão os compromissos com o FMI, Banco Mundial, dívida externa, etc. Gostaríamos de discutir por que o keynesianismo não é uma saída operária e popular com os partidários da corrente “antineoliberal”. Porém, no México, sua aposta é no desenvolvimento da gestão neoliberal em matéria econômica, fazendo isso com uma demagogia que a cada passo declara o fim do neoliberalismo.

Repressão e militarização

   Discutindo com organizações que se reivindicam de esquerda e,  inclusive, lutar pelo socialismo, nos diziam antes das eleições, admitindo que embora Obrador expressasse os interesses do capital, era conveniente fazer concessões para dar uma basta com a repressão,  e é verdade era terrível, pois somente com Peña Nieto (2012-2018) cinco militantes do Partido Comunista do México foram assassinados e um membro do Comitê Central está desaparecido desde então, entre centenas de desaparecidos e assassinados. Mas isso mudou? Lamentamos responder que não, que a repressão seletiva e o assassinato político continuam acontecendo, especialmente contra quadros do movimento indígena e camponês do México.

   De que adianta dizer que nunca mais crimes como os de 68 ou 71 no tempo que se encobria o assassino, o Exército Mexicano? De que adianta anunciar o desaparecimento do nefasto Corpo de Granadeiros ... e que depois com seus mesmos uniformes aparecem restringindo as mobilizações operárias e populares na Cidade do México? Como eximir os responsáveis ​​pelo desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa, pelo assassinato extrajudicial de vários em Tlatlaya? E como fortalecê-los ainda mais, aprovando leis que legalizem sua presença nas ruas? Por que quando Peña Nieto apresentou a Lei de Segurança Interna ela foi rejeitada como reacionária, e por que essa mesma lei, com outro nome, é apresentada como positiva com Obrador?

   O Exército se fortalece e ganha também um novo braço: a Guarda Nacional, aríete repressivo contra os que lutam, e também ... a executora da política anti-imigração ditada por Pompeo e pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Isso resultou em um aumento de 60% na detenção de migrantes em comparação com governos anteriores.

Mundo de trabalho

   Houve ilusões de que os ataques aos direitos dos trabalhadores poderiam recuar com López Obrador como presidente. A esperança de revogar a reforma trabalhista de novembro de 2012 foi apresentada como um argumento por alguns para o “apoio crítico” a Obrador; e aí também a mensagem é oposta, já que a terceirização continua e novos roubos nas pensões estão em curso. Porém, o Estado dá passos para continuar a precarização da juventude trabalhadora, com programas como “jovens construindo o futuro”, onde a força de trabalho de milhões de jovens é entregue aos grandes monopólios e ao setor privado, custeando seus salários com o orçamento público. O que há de progressivo na transferência de recursos para o capital por meio da exploração da força de trabalho gratuita, também sem direito à seguridade social, a acumular anos para aposentadoria, ou fundos para habitação?

   Poderiam falar de um aumento salarial, mas ele evaporou devido ao rápido aumento do custo da cesta básica e dos serviços.

A pandemia

   Apesar da má gestão da Covid-19 no México pelo Estado, os promotores do “antineoliberalismo” tomam cuidado para não colocar o México na lista dos países com problemas, talvez para não equipará-lo com o desastre do Brasil ou do Peru. Mas os dados são contundentes, com quase 70.000 mortos e mais de 600.000 infectados, resultado de uma política que priorizou os interesses da classe dominante, os lucros dos capitalistas, que não alocou um único peso para garantir que os trabalhadores e setores populares pudessem manter a quarentena diante da perspectiva sombria de ficar em casa para morrer de fome ou sair para receber um salário correndo o risco de contágio. Um governo que, sem fazer piada, confiava em amuletos como proteção contra o vírus e até hoje continua rejeitando o uso das máscaras.

   Esta sucinta recapitulação não pode deixar de lado os chamados projetos emblemáticos de Obrador, o trem maia, as ZEE’s, o novo aeroporto. Não importam os povos originários, não se preocupa com a natureza. Mais uma vez surge a sede de lucro dos capitalistas, que assim se satisfaz, mascarada na criação de empregos temporários para inflar as estatísticas, que maquilam, mas não resolvem.

   No entanto, isso mostra que o governo "antineoliberal" é tão neoliberal quanto os dos últimos 30 anos. Tampouco, houve alguma trégua na luta, mas sim um recrudescimento do ataque do capital contra os trabalhadores, que se intensificará na crise econômica em curso.

   Poderíamos discutir sinceramente os argumentos de que a gestão keynesiana do capitalismo é melhor do que a neoliberal, como defendem os  "antineoliberais". Não temos que recorrer à diatribe, pois temos muitos elementos sobre a atualidade da luta pelo socialismo como um objetivo colocado na ordem do dia. Porém tal discussão carece de sentido quando os "antineoliberais" ficaram "pendurados na brocha" e apresentam Obrador como progressista quando ele não o é. Esperamos que seja porque não conhecem os fatos, e não por cumplicidade.

   Quanto aos comunistas, não estamos na luta para atenuar a exploração, mas sim para derrubá-la, não estamos para eleger o mal menor, mas para mudar o mundo.

Em 2018, o PCM declarou:

   “No México e no mundo, ingenuamente se pensa que Obrador é uma opção de mudança e que estamos às vésperas de uma guinada para a esquerda. É uma percepção sem fundamento, ingênua e errônea.

   Obrador irá reforçar o domínio da classe capitalista, e com a gestão social-democrata e medidas populistas, e também autoritárias, oferece como cartão de visita a contenção do povo ”.

   Lamentavelmente não nos equivocamos.


Tradução e edição: Página 1917.

Este artito foi publicado originalmente em:

https://elcomun.es/2020/09/02/verdades-y-mentiras-del-gobierno-de-lopez-obrador/

 

 

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