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sábado, 28 de setembro de 2019

Existe uma teoria burguesa do Estado?

     Luciano Gruppi*

Luciano Gruppi, intelectual, militante e dirigente político comunista italiano, 1920-2003.

     Em minha opinião, não existe.  Há uma justificação ideológica do Estado, do Estado existente ou do que se pretendia construir; mas não há uma teoria científica que explique como nasce o Estado, por que nasce, por quais motivos, e qual é a sua verdadeira natureza. Existem tratados volumosos em que se descreve toda a vida do Estado, são definidas suas instituições e estas são examinadas em suas relações mútuas. Mas não há nunca uma teoria que nos explique o que é realmente um Estado. Temos sim, a justificação ideológica (isto é, não crítica, não consciente) do estado existente.

   Deveríamos perguntar-nos se pode existir uma teoria burguesa científica. Com certeza, não é científica uma concepção que afirma: os homens existem primeiro individualmente e depois, por contrato, constituem-se em sociedade. Tampouco é uma explicação científica dizer que o Estado funda a sociedade civiel, etc.

   Na verdade, só pode começar a existir uma visão científica do que é o estado quando tomarmos consciência do conteúdo de classe do Estado. E a burguesia não pode fazer isso, pois significaria denunciar que o Estado burguês - mesmo em sua forma mais democrática - é na verdade a dominação de uma minoria contra a maioria; seria admitir que essa liberdade não é liberdade para todos; que essa igualdade é puramente formal, não real, para a maioria dos cidadãos.
   
   Eis porque a concepção de Estado da burguesia está condenada a ficar numa visão ideológica.


* Tudo Começou com Maquiavel; p.25; Editora L&PM 1986.



   

   

   


terça-feira, 24 de setembro de 2019

"Não há socialismo verdadeiro sem uma participação intensa da massa."

Entrevista do revolucionário português Miguel Urbano Rodrigues (1925-2017) ao Diário Liberdade em 2012


Como homenagem ao grande militante comunista português, falecido no dia 27 de maio aos 91 anos após uma longa vida de compromisso com a revolução portuguesa e mundial, recuperamos a entrevista que Maurício Castro lhe realizou há cinco anos, no ano 2012, em Compostela.
Diário Liberdade – O primeiro que devemos perguntar e se já tinhas estado na Galiza anteriormente
Miguel Urbano Rodrigues – Já. Estive várias vezes na Galiza em encontros internacionais em Vigo e Ponte Vedra. Também estive de férias para visitar Compostela e as rias, porque adoro a Galiza.
DL – Como militante, para além de teres uma atividade e uma produção muito intensa e continuada, também viajas muito para participar em eventos como este aqui na Galiza. Qual é a importância que dás a este tipo de encontros, aos debates e às discussões públicas como a que hoje ocorreu em Compostela?
Miguel Urbano – Foi a vida que me permitiu correr um pouco pelo mundo. Estive exilado do fascismo durante 17 anos na América Latina e mais tarde, quando terminei a vida pública, vivi 8 anos em Cuba, o que me permitiu circular por todo o continente americano e sentir como meus os processos de luta dos diferentes povos.
A minha condição passada de deputado pelo meu partido permitiu-me também correr muito não só pela Europa, como pela Ásia e pela África. A compreensão da diversidade das culturas dos povos teve uma grande influência na evolução do meu pensamento, porque a terra é a pátria comum do ser humano.
Quanto aos eventos, tenho participado em eventos muito diferentes uns dos outros mas, sem pretender ser agradável, devo dizer que foi extremamente gratificante para mim estar aqui com os camaradas e amigos galegos, porque por vezes, em grandes congressos e seminários internacionais, assistes a uma exibição de vaidades mas aqui, na Galiza, há uma preocupação verdadeira pela reflexão sobre o nosso tempo, sobre os grandes problemas que enfrentamos, sobre a crise da humanidade, etc.
Aqui os discursos foram simples e acessíveis e as perguntas inteligentes, de maneira que foi muito gratificante para mim estar aqui neste encontro.
DL – Nem toda a esquerda portuguesa, nem sequer a revolucionária, entende bem as causas das nações oprimidas, como aGaliza, a Catalunha ou o País Basco. Qual é a tua opinião sobre o assunto?
Miguel Urbano – Há pouco eu disse que já não emprego a palavra ‘esquerda’ devido à perversão. O que é em Portugal a esquerda? Na realidade, se excetuarmos um pequeno número de personalidades independentes, a esquerda exige hoje uma definição clara de ser anticapitalista, mas há forças que se dizem de esquerda que não são contra o capital ou, então, querem reformar o capitalismo, mas não desejam como alternativa o socialismo.
A base social do Partido Comunista Português é verdadeiramente revolucionária e põe como alternativa o modelo socialista.
Quanto ao que se passa aqui na Galiza, nós temos um sistema mediático tão perverso e péssimo quanto o espanhol. Eu quando era jovem iniciei-me nas atividades políticas como repórter, mas hoje o jornalismo ainda é pior que no tempo do fascismo. Naquela altura, o combate ao fascismo obrigava a um certo respeito pela ética, mas hoje o jornalismo tornou-se muito mercenário com os media controlados pelo grande capital.
Eu venho agora do Brasil, onde estive justamente no aniversário do Partido Comunista Brasileiro —no qual eu militei na juventude— e no Brasil ainda há uma certa, não direi liberdade, mas uma certa abertura ou uma certa possibilidade de serem expressas opiniões contrárias e incompatíveis com as direções e os proprietários dos jornais do sistema.
Em Portugal, a base das redações é constituída por mercenários controlados pelas chefias que ditam os interesses e desviam as atenções sobre assuntos absolutamente irrelevantes com a omissão total ou parcial de grandes acontecimentos ou problemas de luta que não lhes interessa divulgar. Hoje aqui falou-se muito da Síria, mas no mundo fala-se pouquíssimo. São apenas três ou quatro linhas nos crimes do império norte-americano. O que está a acontecer no Afeganistão, que é uma guerra perdida, merece quatro ou cinco linhas e aqui creem que é a mesma coisa.
As pessoas só se podem interessar quando há um acesso ao conhecimento. Em Portugal, quem fala da Galiza é o turista que a foi visitar e gosta da catedral e da parte histórica de Santiago de Compostela, e acontece a mesma coisa em relação aos problemas da Catalunha ou do País Basco.
Recentemente houve em Portugal um movimento liderado por Saramago que defendia a integração de Portugal no Estado espanhol. Chegou a dizer até que como região autónoma como a Andaluzia ou as Astúrias. Aquilo motivou reações de várias pessoas como eu e outras perante tal disparate. Se o Estado espanhol depois de séculos de opressão não conseguiu resolver os problemas da Galiza, a Catalunha ou o País Basco, como é que ia resolver os problemas dos portugueses? Evidentemente que isso é um absurdo completo, mas seria necessário que nós tivéssemos um sistema mediático diferente do atual para que se falasse e que as massas fossem sensibilizadas com acesso ao conhecimento que hoje não têm.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Miguel Urbano Rodrigues - Entrevista - 2008



Miguel Urbano Rodrigues nasceu em Moura, em 1925. Foi um jornalista e escritor português.

Foi redator do Diário de Notícias (1949 e 1956) e chefe de redação do Diário Ilustrado (1956 e 1957), antes de se exilar no Brasil, onde foi editorialista principal d’O Estado de S. Paulo (1957 a 1974) e editor internacional da revista brasileira Visão (1970 a 1974).

Regressado a Portugal, após a Revolução dos Cravos, foi responsável pela redação do Avante! em 1974 e 1975 e diretor d’O Diário entre 1976 e 1985. Foi ainda assistente de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1974-75), presidente da Assembleia Municipal de Moura em 1977 e 1978, deputado à Assembleia da República pelo PCP entre 1990 e 1995 e deputado às Assembleias Parlamentares do Conselho da Europa e da União da Europa Ocidental, tendo sido membro da comissão política desta última. 

Teve colaborações publicadas em jornais e revistas de duas dezenas de países da América Latina e da Europa e é autor de mais de uma dezena de livros publicados em Portugal e no Brasil.

Faleceu em 2017 em Vila Nova de Gaia.​

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Uma Perigosa Agonia

   Ney Nunes

     Os indícios de que a atual crise capitalista, iniciada em 2008, pode ser mais destrutiva do que as recorrentes crises cíclicas desse sistema são cada vez mais significativos. Há uma década, as principais economias do mundo oscilam entre a recessão e débeis períodos de recuperação. Os efeitos sociais dessa situação se fazem sentir no mundo todo, ainda que, de maneira desigual. Nos chamados países pobres, ou intermediários, o desemprego crônico marginaliza um contingente enorme da população, condenado a viver em guetos e sem acesso aos serviços públicos essenciais. Até nos países ricos está crescendo o percentual de pessoas vivendo na miséria. Nada indica uma reversão desse quadro, pelo contrário, mesmo analistas econômicos da mídia burguesa cogitam para breve um novo agravamento dessa crise. 


Crianças nos escombros depois de um bombardeio nazista, Londres, setembro de 1940.

   Nesse contexto, o perigo da humanidade ser arrastada para a saída clássica das grandes crises do capitalismo começa a aumentar perigosamente. O risco dos atuais conflitos localizados se transformarem numa conflagração de caráter mundial não pode mais ser ignorado. Vivemos uma nova corrida armamentista e um recrudescimento das intervenções políticas e militares das nações imperialistas, envolvidas numa acirrada disputa sobre áreas de influência, mercados e recursos naturais.
   Na época da sua decadência agônica, o capitalismo torna-se mais virulento, empurrando a humanidade para a barbárie da guerra. As burguesias imperialistas e dos países periféricos não têm nada a oferecer as grandes massas populares, a não ser mais miséria e exploração. O governo da burguesia é um entrave a qualquer saída favorável à humanidade. Se queremos paz e justiça social, precisamos retomar o caminho de um poder proletário e socialista. Essa é a única possibilidade de evitarmos uma nova hecatombe mundial

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Víctor Jara



Víctor Jara, assassinado pelos fascistas no Chile em 16 de setembro de 1973.

Ponto de Vista Antiimperialista *

"A pequena burguesia, sem excetuar a mais demagógica, se atenuar na prática seus impulsos mais nacionalistas, poderá chegar à mesma estreita aliança com o capitalismo imperialista. O capital financeiro sentir-se-á mais seguro se o poder estiver em mãos de uma classe social mais numerosa que, satisfazendo certas reivindicações mais prementes e atrapalhando a orientação classista das massas, estará em melhores condições de defender os interesses do capitalismo, de ser seu custódio e servo, que a velha e odiada classe feudal. A criação da pequena propriedade, a desapropriação dos latifúndios, o fim dos privilégios feudais não são contrários aos interesses do imperialismo, de modo imediato."
José Carlos Mariátegui
Junho 1929

1º – Até que ponto a situação das repúblicas latino-americanas pode ser assimilada à dos países semicoloniais? Sem dúvida, a condição econômica destas repúblicas é semicolonial, e, à medida que crescer seu capitalismo e, conseqüentemente, a penetração imperialista, este caráter de sua economia tende a se acentuar. Mas as burguesias nacionais, que vêem na cooperação com o imperialismo a melhor fonte de lucro, sentem-se suficientemente donas do poder político para não se preocuparem seriamente com a soberania nacional. Estas burguesias na América do Sul, que ainda não conhecem – com exceção do Panamá – a ocupação militar ianque, não estão predispostas de forma alguma a admitir a necessidade de lutar pela segunda independência, como supunha ingenuamente a propaganda aprista. O Estado, ou melhor, a classe dominante, não sente falta de um grau mas amplo e certo de autonomia nacional. A revolução da Independência está demasiado próxima, relativamente, seus mitos e símbolos demasiado vivos, na consciência da burguesia e da pequena burguesia. A ilusão da soberania nacional conserva-se em seus principais efeitos. Pretender que nesta camada social surja um sentimento de nacionalismo revolucionário, parecido com o que, em condições diferentes, representa um fator da luta antiimperialista nos países semicoloniais avassalados pelo imperialismo nas últimas décadas na Ásia, seria um erro grave.

Em nossa discussão com os dirigentes do aprismo, reprovando sua tendência a propor um Kuomitang à América Latina, a fim de evitar a imitação européia e situar a ação revolucionária em uma apreciação exata de nossa própria realidade, sustentávamos há mais de um ano a seguinte tese:

A colaboração com a burguesia, assim como muitos elementos feudais na luta antiimperialista chinesa, explica-se por motivos de raça, de civilização nacional que não existem entre nós. O chinês nobre ou burguês sente-se profundamente chinês. Ao desprezo do branco por sua cultura estratificada e decrépita, responde com o desprezo e o orgulho de sua tradição milenar. A antiimperialismo na China pode, portanto, basear-se no sentimento e no fator nacionalista. Na Indo-América as circunstâncias não são as mesmas. A aristocracia e a burguesia nacional não se sentem solidarizadas com o povo pelo laço de uma história e de uma cultura comuns. No Peru, o aristocrata e o burguês brancos desprezam o popular, o nacional. Sentem-se, acima de tudo, brancos. O pequeno-burguês mestiço imita este exemplo. A burguesia de Lima confraterniza com os capitalistas ianques, e mesmo com seus meros funcionários, no Country Club, no Tennis e nas ruas. O ianque casa-se sem inconveniente de raça nem de religião com a senhorita nativa, e esta não sente escrúpulo de nacionalidade nem de cultura em preferir o casamento com um indivíduo da raça invasora. A moça de classe média também não tem este escrúpulo. A huachafita que conquista um ianque empregado de Grace ou da Foundation sente com satisfação sua condição social melhorar. O fator nacionalista, por estas razões objetivas que todos vocês compreendem, não é decisivo nem fundamental na luta antiimperialista em nosso meio. Só em países como a Argentina, onde existe uma burguesia numerosa e rica, orgulhosa do grau de riqueza e poder em sua pátria, e onde a personalidade nacional tem por estas razões contornos mais claros e nítidos que nestes países atrasados, o antiimperialismo pode (talvez) penetrar facilmente nos elementos burgueses; mas por motivos de expansão e crescimento capitalistas, não por razões de justiça social e doutrina socialista, como é nosso caso.

A traição da burguesia chinesa, a falência do Kuomitang ainda não eram conhecidas em toda sua magnitude. Um conhecimento capitalista, e não por motivos de justiça social e doutrinária, demonstrou quão pouco se podia confiar, mesmo em países como a China, no sentimento nacionalista revolucionário da burguesia.

Enquanto a política imperialista conseguir manéger os sentimentos e formalidades da soberania nacional destes Estados, enquanto não for obrigada a recorrer à intervenção armada e à ocupação militar, contará com a colaboração das burguesias. Embora enfeudados à economia imperialista, estes países, ou suas burguesias, considerar-se-ão tão donos de seus destinos como a Romênia, a Bulgária, a Polônia e demais países "dependentes" da Europa.

Este fator da psicologia política não deve ser descuidado na estimativa precisa das possibilidades da ação antiimperialista na América Latina. Seu adiamento, seu esquecimento, tem sido uma das características da teorização aprista.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Liderança Democrática e Manipulação de Massas

Theodor Adorno
1951

"Os discursos do demagogo são perpassados por indicações de segredos obscuros, escândalos revoltosos e crimes impronunciáveis. Ao invés de discutir questões sociais e políticas de maneira objetiva, ele culpa as pessoas más por todas as doenças da qual padecemos. Está sempre acusando negociatas, corrupção ou sexo. Ele posa como cidadão indignado, que deseja limpar a casa, e promete fazer revelações sensacionais. As vezes faz seguir essas promessas de histórias fantásticas, de arrepiar o cabelo. Entretanto, assim como ele geralmente não mantém sua promessa, ele sugere que seus segredos são pavorosos demais para serem contados em público e que seus ouvintes sabem muito bem do que ele está falando. Ambas as técnicas, a performance tanto quanto a suspensão das revelações, trabalham a seu favor."


Os conceitos de liderança e ação democrática estão tão profundamente envolvidos na dinâmica da moderna sociedade de massa que seu sentido não pode mais ser aceito como dado na presente situação. Em contraste com os príncipes e senhores feudais, a ideia do líder emergiu com a ascensão da democracia moderna. Relacionava-se então com a eleição, pelos partidos políticos, daqueles a quem eles delegavam a autoridade de falar e agir em seu favor e que, ao mesmo tempo, supunham qualificado para guiar o homem comum através da argumentação racional. Desde a famosa Soziologie des Parteiwesens, de Robert Michel, que não é mais assim: a ciência política demonstrou que essa concepção clássica, rousseauniana, não correspondia mais à realidade. Através de diversos processos, como o enorme crescimento numérico dos partidos modernos, sua dependência a concentradíssimos interesses disfarçados e, enfim, à sua própria institucionalização, o verdadeiro funcionamento democrático da liderança, até o ponto em que ele de fato foi alcançado na realidade, havia desvanecido. Não obstante o fato de que em decisões importantes a democracia de base, como oposição à opinião pública oficial, vez por outra ainda mostre surpreendente vitalidade, a interação entre partido e liderança tornou-se mais e mais limitada a manifestações abstratas da vontade da maioria através de votações e, os mecanismos dessa últimas, em grande parte sujeitos ao controle das lideranças estabelecidas. A liderança tornou-se em si mesma cada vez mais rígida e autônoma, perdendo, na grande maioria da vezes das vezes, contato com as pessoas. Concomitantemente, o impacto da liderança sobre as massas deixou de ser de todo racional, passando a revelar claramente alguns dos traços autoritários, que sempre estão latentes onde o poder é controlado por uns poucos. As figuras ocas e infladas de líderes como Hitler e Mussolini, investidas de uma falso "carisma", são as últimas beneficiárias dessas mudanças societárias ocorridas dentro da estrutura de liderança. Tratam-se de mudanças que também afetam profundamente as próprias massas. Quando as pessoas sentem que realmente não estão em condições de determinar seu próprio destino, como aconteceu na Europa; quando se desiludem a respeito da autenticidade e efetividade dos processos políticos democráticos; então, elas são tentadas a entregar a substância da autodeterminação democrática e arriscar sua sorte com aqueles que eles ao menos consideram poderosos: seus líderes. Freud(1) descreveu as organizações hierárquicas, como exércitos e igrejas, em termos de mecanismos de identificação e introjeção autoritários que podem se impor sobre grande número de pessoas, sem exceção dos grupos cuja essência é o anti-autoritarismo, como são, antes de mais nada, os partidos políticos. Embora aparentemente distante agora, esse perigo é a contrapartida dos procedimentos com os quais uma liderança procura se autoperpetuar. A observação geralmente feita de que, hoje, a democracia fomenta os movimentos e forças anti-democráticas é um dos mais claros sinais de manifestação desse perigo.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Os Sovietes ou o Parlamento

Nikolai Bukharin*
1919

"A experiência revela que onde quer que seja que a burguesia goze de direitos políticos, ela usa esses direitos para enganar os trabalhadores e os camponeses. Porque tem a imprensa, ambos, os jornais diários e os periódicos, em suas mãos: porque tem uma grande riqueza a sua disposição, a burguesia é capaz de corromper funcionários públicos, para empregar em seu benefício os serviços de centenas de milhares de agentes; é sempre capaz de ameaçar e intimidar seus escravos para sua própria vantagem, e, de fato, organiza as coisas de tal forma que nenhuma parte do poder lhe escape às garras."

A diferença fundamental entre o sistema parlamentar e o Poder Soviético já é conhecida. Sabe-se que os Sovietes não concedem direitos políticos às classes não-produtoras. O país é governado pelos conselhos eleitos pela população trabalhadora em seus locais de trabalho, nas oficinas, nas minas, e nas aldeias. Os capitalistas, os proprietários de terras, intelectuais de classe média, banqueiros, corretores, e especuladores, comerciantes e lojistas, padres e monges, em resumo, todos aqueles que formam o exército negro do capitalismo, são privados do direito do voto e ficam sem poder político.

A Assembleia Constituinte (ou Parlamento, dos quais os membros são eleitos para representar circunscrições territoriais) é a base da República Parlamentar. A maior soberania da república comunista pertence ao Congresso dos Sovietes.

Em que um difere do outro?

No fato de que para a Assembleia Constituinte, não são apenas os representantes eleitos dos trabalhadores e camponeses, mas também os representantes dos proprietários, banqueiros, e capitalistas, os representantes de toda a classe capitalista e seus parasitas.

Nicolai Bukharin
A Ditadura Capitalista
A experiência revela que onde quer que seja que a burguesia goze de direitos políticos, ela usa esses direitos para enganar os trabalhadores e os camponeses. Porque tem a imprensa, ambos, os jornais diários e os periódicos, em suas mãos: porque tem uma grande riqueza a sua disposição, a burguesia é capaz de corromper funcionários públicos, para empregar em seu benefício os serviços de centenas de milhares de agentes; é sempre capaz de ameaçar e intimidar seus escravos para sua própria vantagem, e, de fato, organiza as coisas de tal forma que nenhuma parte do poder lhe escape às garras.

Todas as pessoas, aparentemente, participam das eleições, mas, sob esse pretexto, se esconde o domínio do capitalismo, que se manifesta no direito de voto e em todos os privilégios “democráticos” concedidos ao povo, mas que cuida bem de preservar os seus próprios privilégios. Portanto, nos países burgueses republicanos, sob a máscara do sufrágio universal, o poder se encontra inteiramente nas mãos das grandes forças do capitalismo.

Sob o sistema parlamentarista cada cidadão deposita seu voto nas urnas a cada quatro ou cinco anos, e o campo é então limpo para que os membros do Parlamento, Ministros de Gabinete, e Presidentes, administrem tudo sem a interferência das massas trabalhadoras. Enganados e explorados por seus funcionários, os trabalhadores não tem parte alguma na administração do estado capitalista.

O Sistema Soviético
Na República Soviética, nascida da ditadura dos trabalhadores, a administração repousa sob bases inteiramente novas. Não se trata de uma organização de funcionários independentes das massas e dependentes dos capitalistas. O governo central está estabelecido nas grandes organizações de classe dos trabalhadores e camponeses: as uniões industriais, os comitês de fábrica, conselhos locais de trabalhadores e camponeses, e organizações de soldados e marinheiros. A partir do centro estendem-se milhares e milhões de fios condutores que conduzem aos Sovietes provinciais, aos Sovietes municipais, aos Sovietes locais e, finalmente, aos Sovietes de fábrica e oficinas.

Veja, por exemplo, o Soviete Econômico Central (ou Conselho). É composto por representantes de comissões industriais, comitês de fábrica e instituições similares. Por um lado, os sindicatos industriais abraçam toda a atividade industrial, possuem ramificações em várias cidades e são mantidos pelas massas dos trabalhadores organizados. Por outro lado, existem hoje em todas as fábricas um comitê eleito pelos trabalhadores. Os comitês de fábrica se agrupam e enviam seus representantes ao Soviete Econômico Central, que elabora planos para mudanças econômicas e administração da produção. Da mesma forma, o organismo central da administração é composto de representantes trabalhadores, e repousa sobre as organizações de massa da classe trabalhadora.

Iniciativa Popular
Portanto, temos uma instituição bem diferente da república capitalista. Não apenas porque os não-produtores são privados do direito do voto; não apenas porque o país é administrado por trabalhadores e camponeses, mas acima de tudo porque o Governo Soviético está em constante relação com as massas organizadas, e assim, a todo momento, a maior parte da população se une à administração do Estado. Todo trabalhador organizado exerce uma influência, não apenas porque, uma ou duas vezes ao mês, ele elege homens em quem põe a sua confiança para representa-lo, mas porque as uniões industriais podem elas mesmas elaborar os seus próprios planos de organização. Tais planos são examinados pelos Sovietes responsáveis, pelo Soviete Econômico, e, se aprovado, ele se torna lei assim que o Comitê Executivo Central dos Sovietes os ratifica. Uma união industrial, ou um comitê de fábrica pode assim tomar parte no trabalho comum de construir novas formas de vida.

A Nova Situação dos Trabalhadores
Na república capitalista, a posição do Estado melhora à medida em que as atividades das massas são restringidas, pois os interesses das massas estão em conflito com os do Estado capitalista. A República Soviética, que corporifica a ditadura das massas populares, não poderia subsistir por um único instante sem o seu apoio. Ao contrário, sua força cresce à medida que as massas se tornam cada vez mais conscientes, e quanto mais ativos se tornam em todas as direções: na fábrica e na oficina, e em cada cidade e aldeia.

Antes da Revolução de Outubro, as organizações de trabalhadores e camponeses eram simplesmente os instrumentos da guerra de classes contra o domínio e possessão dos capitalistas. As organizações lutaram contra o capital por maiores salários e jornadas de trabalho mais curtas, e nas aldeias lutaram pela expropriação das terras. Agora que o poder está nas mãos dos trabalhadores e camponeses, se tornaram as engrenagens do mecanismo governamental. As uniões industriais não estão simplesmente lutando contra o capitalismo. Como parte orgânica e integrante do Governo Soviético dos Trabalhadores, eles se unem na organização da produção e da atividade econômica. Da mesma forma, os camponeses e os Sovietes, não apenas guerreiam contra os usurários da aldeia, os capitalistas e os proprietários do solo, mas como órgãos do governo, como rodas do mecanismo deste gigante, o Estado dos trabalhadores e camponeses, eles trabalham para elaborar novas leis agrárias.

A Vitória dos Trabalhadores
Portanto, pouco a pouco, através das organizações de trabalhadores e camponeses, as mais extensas seções da população ativa são convocadas a participar dos assuntos do Estado. Nenhum outro país oferece nada que se compare a isso, porque nenhum outro país conheceu a vitória da classe trabalhadora, a ditadura do proletariado, a República dos Sovietes.

Muito já foi escrito sobre a ditadura do proletariado, mas ninguém sabia exatamente de que forma ela seria realizada. A Revolução Russa nos mostrou a forma precisa dessa ditadura. É a República dos Sovietes. É por isso que o brasão dos Sovietes está inscrito nas bandeiras das melhores fileiras do proletariado internacional.

* Um dos principais líderes da Revolução Socialista de 1917 na Rússia.

Não a Todas as Drogas!

Em uma chamada sobre o Dia Mundial Contra as Drogas, o Escritório de Imprensa do KKE* destaca:


O Dia Mundial Contra as Drogas nos coloca diante de um problema grave para os trabalhadores e a juventude: a política perigosa do governo SYRIZA que, com o consenso de outros partidos (ND, KINAL, etc.), impulsiona legislativa e ideologicamente a legalização das drogas e a discriminalização do uso.

Política esta que:

- Desconsidera a maconha como droga, aumentando constantemente seu uso. A idade do primeiro contato com a cânabis está diminuindo paulatinamente, especialmente entre os jovens em idade escolar, ocasionando o aumento da dependência. Atualmente o Indicador de Aplicação de Tratamento com a substância principal da dependência da cânabis em nosso país atingiu o índice de 46%, frente aos 25% de 5 anos atrás.

- Continua reforçando os substitutos de heroína (metadona, buprenorfina) como principal modelo de tratamento, que já são utilizados em vários países da UE como as principais substância de dependência pelas quais os usuários procuram tratamento e em 5 países da UE as mortes por substitutos já superam as mortes causadas pelo consumo de heroína. Os “badalados” programas de substituição, que, supostamente, resolveriam o problema, certamente não funicionaram, e, depois de seu fracasso, se anunciam como solução os Centros de Uso Supervisionado.
Por uma vida completa, não em doses. Não para todas as drogas!  Cartaz da Juventude Comunista da Grécia
- Gradualmente promove o compromisso com as drogas e através dos Centros de Uso Supervisionado que marginaliza o usuário, reduz a motivação para o tratamento, fomenta o uso e fortalece a tolerância social para a difusão das drogas. O próximo passo do governo é um "programa de naloxona com base no lar", que consiste em educar o usuário e sua família para o consumo no lar com doses especiais dessa substância que sera proporcionada pelo Estado.

Contra essa política, que pretende deixar os jovens à margem da vida e da ação social, o KKE luta:

- Para que o ser humano seja o protagonista da vida social, em plena consciência.

- Para poder batalhar e criar de acordo com suas próprias necessidades e não escapar da realidade pelo mundo falso das drogas.

O KKE exige a criação de um Organismo Único de Tratamento e Reinserção Social, público e gratuito, apoio para os programas de tratamento "seco" (sem uso de substitutos) e os Centros de Prevenção, e advoga por uma política antidrogas que tenha um papel de vanguarda na redução da demanda, onde é fator fundamental a Prevenção Primária.

O KKE convoca o povo e a juventude para que lutem contra a legalização das drogas, a descriminalização da cânabis e a legalização do uso através dos Centros de Uso Supervisionado . A atitude do KKE contra todas as drogas é um critério de votação para o povo e a juventude antes das próximas eleições nacionais.

Para o KKE, a luta contra todas as drogas é um assunto de suma importância, e nesse contexto continuaremos afirmando iniciativas dentro dos movimentos de trabalhadores, de massas e estudantis".

27.06.2019

* Partido Comunista da Grécia


Tradução do Espanhol ao Português
André Nunes

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Burguesia, Pequena Burguesia e Proletariado*

Leon Trotsky

      Na época de ascensão e florescimento do capitalismo, a pequena burguesia, apesar de fortes acessos de descontentamento, quase sempre caminhou obediente na esteira do capitalismo. E não lhe restava outra coisa a fazer. Mas, nas condições de decomposição capitalista e da situação econômica sem saída, a pequena burguesia tenta, procura, experimenta livrar-se dos grilhões dos velhos senhores e dirigentes da sociedade. Ela é perfeitamente capaz de prender seu destino ao do proletariado. Para isso, basta uma coisa: a pequena burguesia ter confiança na capacidade de o proletariado dar à sociedade um novo rumo. O proletariado só pode inspirar-lhe essa confiança por sua própria força, pela segurança de suas ações, pela destreza de sua ofensiva contra o inimigo, pelo êxito de sua política revolucionária.
Trotsky, comandante do Exército Vermelho, passa as tropas em revista.

     Mas ai do partido revolucionário que não se mostra à altura da situação! A luta cotidiana agrava a instabilidade da sociedade burguesa. As pertubações políticas e as greves pioram a situação econômica do país. A pequena burguesia estaria disposta a conformar-se passageiramente com as crescentes privações, se chegasse, pela experiência, à convicção de que o proletariado é capaz de guiá-la por uma nova senda. Mas continue o partido revolucionário a mostrar-se, sempre, apesar da intensificação ininterrupta da luta de classes, incapaz de reunir em torno de si a classe operária, vacile, desoriente-se, contradiga-se: então a pequena burguesia perde a paciência e principia a ver nos trabalhadores revolucionários os fatores de sua própria miséria. Todos os partidos burgueses, inclusive também a social-democracia, impelem seus pensamentos nesta direção. E é quando a crise começa a adquirir uma intensidade insuportável que entra em cena um partido especial, cujo objetivo é trazer a pequena burguesia a um ponto candente e a dirigir seu ódio e seu desespero contra o proletariado. Esta função histórica desempenha hoje na Alemanha o nacional-socialismo, uma ampla corrente, cuja ideologia se compõe de todas as exalações pútridas da sociedade burguesa em decomposição. 
     A principal responsabilidade política pelo crescimento do fascismo cabe naturalmente à social-democracia. Desde a guera imperialista que o trabalho desse partido consiste em expulsar da consciência do proletariado a ideia de uma política autônoma, inspirando-lhe a crença na eternidade do capitalismo e obrigando-o a ajoelhar-se diante da burguesia decadente. A pequena burguesia só pode seguir o operário, se vê neste o novo senhor. A social-democracia ensina o trabalhador a ser lacaio. A um lacaio, a pequena burguesia não seguirá. A política do reformismo tira ao proletariado a possibilidade de guiar as massas plebeias da pequena burguesia, e já por isso as transforma em carne de canhão do fascismo. 


*O artigo completo encontra-se em: Revolução e Contra-revolução, Ed. Lammert, 1968.


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