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segunda-feira, 28 de maio de 2018

Democracia Burguesa no Brasil e Repressão (III)

Em Memória da Comuna


Por Vladimir Ilyich Lênin

Já se passaram quarenta anos desde a proclamação da Comuna de Paris. Seguindo a tradição, o proletariado francês honrou a data com comícios e manifestações em memória dos homens da revolução de 18 de março de 1871. No final de maio voltará a levar coroas de flores às tumbas dos communards fuzilados durante a terrível “semana de maio” e a jurar, diante delas, que lutará sem descanso até o triunfo completo de suas ideias, até dar por cumprida a obra por eles legada.
Por que o proletariado – não apenas o francês como o de todo o mundo – honra os combatentes da Comuna e seus precursores? Qual é a herança da Comuna?
A Comuna surgiu espontaneamente; ninguém a preparou de modo consciente ou sistemático. A desgraçada guerra contra a Alemanha, os sofrimentos das privações impostas pelo cerco militar, o desemprego operário e a ruína da pequena burguesia; a indignação das massas contra as classes superiores e contra as autoridades, que haviam demonstrado uma incapacidade absoluta; a surda efervescência no seio da classe operária, descontente de sua situação e ansiosa por um novo regime social; a composição reacionária da Assembleia Nacional, que fazia temer os destinos da República, foram as causas que concorreram com outras muitas para impulsionar a população parisiense para a revolução do 18 de março, que colocou de improviso o poder nas mãos da Guarda Nacional, em mãos da classe operária e da pequena burguesia, que havia se unido a ela.
Foi um acontecimento histórico sem precedentes. Até então, o poder estivera, em geral, nas mãos dos latifundiários e dos capitalistas, quer dizer, de seus mandatários, que constituíam o chamado governo. Depois da revolução de 18 de março, quando o governo do senhor Thiers fugiu de Paris com suas tropas, sua polícia e seus funcionários, o povo ficou dono da situação, e o poder passou para as mãos do proletariado. Porém, na sociedade moderna, o proletariado, avassalado no econômico pelo Capital, não pode dominar na política se não rompe as cadeias que o amarram ao Capital. Daí que o movimento da Comuna deveria adquirir inevitavelmente um matiz socialista, isto é, deveria tender ao aniquilamento do domínio da burguesia, da dominação do capital e à destruição das próprias bases do regime social contemporâneo.
1871: Operários e populares tomam Paris.
A princípio, tratou-se de um movimento heterogêneo e confuso. A ele somaram-se também os patriotas, na esperança de que a Comuna reiniciaria a guerra contra os alemães e levasse a um desenlace venturoso. Apoiaram-no também os pequenos lojistas, em perigo de arruinamento se não se adiasse o pagamento das letras vencidas e dos aluguéis – adiamento este que lhes era negado pelo governo, mas que a Comuna lhes concedeu. Por último, no começo também simpatizaram em certo grau com o movimento os republicanos burgueses, temerosos de que a reacionária Assembleia Nacional (os ruralistas, os violentos latifundiários) restabelecesse a monarquia. Porém, o papel fundamental nesse movimento foi desempenhado, naturalmente, pelos operários (sobretudo os artesãos parisienses), entre os quais se havia espalhado, nos últimos anos do Segundo Império da França, uma intensa propaganda socialista –muitos deles, inclusive, eram filiados à Internacional.
Somente os operários revelara-se fiéis à Comuna até o fim. Os republicanos burgueses e a pequena burguesia não tardaram em apartar-se dela: uns assustaram-se com o caráter revolucionário socialista do movimento, com seu caráter proletário; outros se afastaram quando viram que a Comuna estava inevitavelmente condenada à derrota. Apenas os proletários franceses apoiaram seu governo sem temor nem vacilo; só eles lutaram e morreram por ele, quer dizer, pela emancipação da classe operária, por um futuro melhor para os trabalhadores.
Abandonada por seus aliados de outrora e sem poder contar com nenhum apoio, a Comuna havia de ser derrotada. Toda a burguesia francesa, todos os latifundiários, especuladores da bolsa e fabricantes, todos os grandes e pequenos ladrões, todos os exploradores uniram-se contra ela. Com a ajuda de Bismarck (que pôs em liberdade 100 mil soldados franceses, prisioneiros dos alemães, para esmagar a Paris revolucionária), essa coalizão burguesa logrou confrontar com o proletariado parisiense os camponeses atrasados e a pequena burguesia de províncias e cercar meia Paris com um anel de ferro – a outra metade havia sido cercada pelo exército alemão. Em algumas cidades importantes da França (Marselha, Lyon, Saint-Etienne, Dijon e outras), os operários também tentaram tomar o poder, proclamar a Comuna e acudir a Paris. Tais intentos, porém, logo fracassaram, e Paris, que havia sido o primeiro local a desfraldar a bandeira da insurreição proletária, ficou abandonada a sua própria força, condenada a uma morte certa.
Para que uma revolução social triunfe, são necessárias pelo menos duas condições: um alto desenvolvimento das forças produtivas e um proletariado preparado para tal. Contudo, em 1871, nenhuma dessas condições estava dada. O capitalismo francês encontrava-se ainda pouco desenvolvido; a França era, então, fundamentalmente um país de pequena burguesia (artesãos, camponeses, lojistas etc.). Da mesma forma, não existia um partido operário; a classe operária não tinha preparação nem havia passado por um grande treinamento e, em sua massa, sequer tinha uma noção totalmente clara de quais eram seus objetivos nem como se poderia alcançá-los. Não havia uma organização política séria do proletariado nem sindicatos e cooperativas fortes…
Mas o que faltou à Comuna foi, principalmente, tempo, isto é, possibilidade para perceber a situação das coisas e empreender a realização de seu programa. Não teve tempo para iniciar essa tarefa quando o governo, entrincheirado em Versalhes e apoiado por toda a burguesia, iniciou as operações militares contra Paris. A Comuna teve de pensar, antes de tudo, em sua própria defesa. E até seu fim, que ocorreu na semana de 21 a 28 de maio, não houve tempo para pensar com seriedade em outra coisa.
Por certo, em que pese a essas condições tão desfavoráveis e à brevidade de sua existência, a Comuna teve tempo de aplicar algumas medidas que caracterizam bastante seus verdadeiros sentido e objetivo. Substituiu o exército permanente, instrumento cego em mãos das classes dominantes, pelo armamento de todo o povo; proclamou a separação da Igreja do Estado; suprimiu a subvenção ao culto (o soldo que o Estado pagava aos padres) e deu um caráter estritamente laico à instrução pública, com o que assestou um rude golpe aos soldados de batina. Pouco foi o que se pôde fazer no terreno puramente social. Esse pouco, porém, mostra com suficiente clareza seu caráter de governo popular, de governo operário: foi suprimido o trabalho noturno nas padarias, foi abolido o sistema das multas – essa exploração consagrada pela lei, com que se vitimavam os operários – e, finalmente, foi promulgado o famoso decreto de entrega de todas as fábricas e oficinas abandonadas ou paralisadas por seus donos às cooperativas operárias, com o fim de retomar a produção. E, para sublinhar, seu caráter de governo autenticamente democrático, proletário, a Comuna dispôs que a remuneração de todos os funcionários administrativos e do governo não fosse superior ao salário normal de um operário, nem passasse em nenhum caso dos 6 mil francos anuais (menos de 200 rublos ao mês).
Todas essas medidas mostravam eloquentemente que a Comuna constituía uma ameaça de morte ao Velho Mundo, baseado no avassalamento e na exploração. Essa era a causa de a sociedade burguesa não poder dormir tranquila, enquanto o ajuntamento de Paris ostentasse a bandeira vermelha do proletariado. E, quando a força organizada do governo pôde, afinal, dominar a força mal organizada da revolução, os generais bonapartistas, esses generais batidos pelos alemães mas garbosos frente a seus compatriotas vencidos, esses Rennenkampf e Méller-Zakomelski franceses fizeram uma matança como jamais se havia visto em Paris. Cerca de 30 mil parisienses foram mortos pela soldadesca enfurecida; uns 45 mil foram detidos, executados logo muitos e desterrados ou enviados a trabalhos forçados milhares deles. No total, Paris perdeu 100 mil filhos, entre os quais se encontravam os melhores operários de todos os ofícios.
A burguesia estava satisfeita. “Agora, acabou-se com o socialismo, por um longo tempo!”, dizia seu sanguinário chefe, o diminuto Thiers, quando ele e seus generais afogaram em sangue a sublevação do proletariado de Paris. Mas de nada serviram os grunhidos desses corvos burgueses. Não passariam ainda seis anos da derrocada da Comuna, enquanto se achavam muitos de seus lutadores em presídio ou no exílio, quando na França iniciou-se um novo movimento operário. A nova geração socialista, enriquecida com a experiência de seus predecessores e em absoluto desencorajada pela derrota que sofreram, recolheu a bandeira caída das mãos dos combatentes da Comuna e levou-a adiante com firmeza e valentia aos gritos de “Viva a revolução social! Viva a Comuna!”. E três ou quatro anos mais tarde um novo partido operário e a agitação que levantara no país obrigaram as classes dominantes a pôr em liberdade os communards que o governo ainda mantinha presos.
Honram a memória dos combatentes da Comuna não só os operários franceses, senão também o proletariado de todo o mundo, pois ela não lutou apenas por um objetivo local ou nacional estreito, mas pela emancipação de toda a humanidade trabalhadora, de todos os humilhados e ofendidos. Como combatente de vanguarda da revolução social, a Comuna ganhou a empatia onde quer que sofra e lute o proletariado. A epopeia de sua vida e de sua morte, o exemplo de um governo operário que conquistou e reteve em suas mãos durante mais de dois meses a capital do mundo e o espetáculo da heroica luta do proletariado e seus padecimentos depois da derrota têm levantado até hoje a moral de milhões de operários, têm alentado suas esperanças e têm conquistado sua simpatia para o socialismo. O troar dos canhões de Paris despertou de seu sono profundo às camadas mais atrasadas do proletariado e deu um impulso à propaganda socialista revolucionária em todas as partes. Por isso não morreu a causa da Comuna, por isso segue vivendo até hoje em cada um de nós.
A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E, nesse sentido, é imortal.
[Publicado originalmente em Rabochaya Gazeta, n. 4-5, 15 de abril de 1911). Tradução de Pedro Castro, para o Marxist Internet Archive, com revisão de Alexandre Linares.]

domingo, 27 de maio de 2018

Democracia Burguesa no Brasil e Repressão (II)


    As privatizações foram a tônica na política econômica dos anos 90, contaram com uma maciça propaganda do oligopólio midiático, mas, além disso, o uso da repressão para garantir os leilões foi uma constante nos governos (Collor, Itamar e FHC) da democracia burguesa desse período.


Brutal repressão contra os manifestantes na privatização da Vale em 1997.

Na privatização da Light, em 1996, manifestantes são presos. 

Dezembro de 1994, violenta repressão no leilão da Embraer.

Aparato repressivo para garantir a privatização da CSN, abril de 1993.


Manifestação contra a venda da Vale do Rio Doce


segunda-feira, 21 de maio de 2018

O Brasil Afunda em Desemprego, Miséria e Violência

Ney Nunes

      A mídia burguesa tenta de todas as formas “tapar o sol com a peneira”, mas a dura realidade vai se impondo aos olhos de todos, pelo menos daqueles que não perderam a capacidade de, minimamente, entender o que se passa a sua volta.

     As informações divulgadas pelo IBGE na semana passada sobre os 27 milhões de desempregados e subempregados, assim como, dados sobre o crescimento da inadimplência e o aumento do número de imóveis (residenciais e comerciais) desocupados, apenas confirmam a gravidade da situação em que vive a maioria do povo trabalhador.

      As saídas individualistas da crise, como o apregoado e incentivado “empreendedorismo”, esbarram na atual derrocada econômica onde até mesmo empresas, antes solidamente estabelecidas, reduzem drasticamente suas atividades ou simplesmente fecham as portas, o que faz dos novos pequenos e micros empresários sérios candidatos à falência.


É difícil esconder a decadência econômica.
     

     Os cortes nos gastos sociais fazem com que os serviços públicos sofram uma contínua deterioração, além do que, são sobrecarregados pela proletarização crescente de segmentos da chamada classe média, antes usuários dos serviços privados, como educação e saúde.

     As grandes cidades, já inchadas pelo avanço do agronegócio e da mecanização nas lavouras que expulsaram as populações rurais, tornam-se reféns da violência, acossadas pelo banditismo que há muito tempo deixou de ser algo residual para se transformar, com o aumento da crise social, num fenômeno de massa.

     Some-se a isso tudo a degeneração do Estado Burguês, do seu aparato de governo, jurídico, parlamentar e chegamos ao atual estado de coisas, verdadeira antessala da barbárie. Situação típica dos países entregues a sanha do imperialismo, onde a classe dominante há muito tempo abriu mão de qualquer projeto de soberania nacional.

      O governo Temer é o resumo dessa decadência burguesa, mas essa crise vai muito além da podridão de um governante, dos seus ministros e da sua base parlamentar. A crise é do sistema de dominação e exploração capitalista, ela não terá, portanto, solução fora das transformações estruturais, a partir da constituição de um bloco de forças do proletariado, dos assalariados da classe média, dos pequenos proprietários do campo e da cidade e da intelectualidade progressista, em oposição ao atual bloco dominante da burguesia e do imperialismo.     

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Gramsci e a Hegemonia Burguesa no Regime Parlamentar

Antonio Gramsci
"O exercício "normal" da hegemonia, no terreno clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram variadamente, sem que a força suplante muito o consenso, ou melhor, procurando obter que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública - jornais e associações - os quais, por isso, em determinadas situações, são artificialmente multiplicados. Entre o consenso e a força situa-se a corrupção-fraude (característica de certas situações de exercício difícil da função hegemônica, apresentando o emprego da força muitos perigos), isto é, a desarticulação e a paralisação do antagonista ou dos antagonistas através da absorção dos seus dirigentes, seja disfarçadamente, seja, em caso de perigo emergente, abertamente, para lançar a confusão e a desordem nas fileiras adversárias."

Antonio Gramsci (Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, p. 116, Editora Civilização Brasileira, 2ª edição, 1976.)

terça-feira, 15 de maio de 2018

Democracia Burguesa no Brasil: O Mito Reforçado.


Ney Nunes

          Se considerarmos a vigência da constituição de 1988, completamos três décadas de regime político democrático burguês em nosso país. Para o senso comum, reforçado diuturnamente pelo oligopólio midiático, vivemos numa “democracia”, assim mesmo, sem nenhuma caracterização de classe, como se o regime político fosse neutro e não estivesse subordinado aos interesses da burguesia.

      Antes de mais nada, é preciso dizer que a mudança de regime ocorrida nos anos oitenta do século XX, quando transitamos da ditadura empresarial-militar para a democracia burguesa, foi uma mudança progressiva do ponto de vista da luta do proletariado. Saímos de um regime obscurantista e repressivo, onde a manifestação pública de oposição ao governo implicava em correr o risco de prisão, tortura e morte, para outro, onde, em princípio, pelo menos isso estaria descartado.

     
O golpe de 1964, ditadura empresarial-militar.

  Dito isso, precisamos esclarecer que os dois regimes, a ditadura empresarial-militar instalada após o golpe de 1964 e a democracia burguesa consolidada com a constituição de 1988, têm algo relevante em comum: os dois respondem ao interesse fundamental da classe dominante, ou seja, a continuidade e o desenvolvimento do capitalismo.
      Vejam que o caráter progressivo da democracia burguesa foi relativo à ditadura e, de forma alguma, pode ser uma conceituação estática. Superada essa transição, a democracia burguesa se revela muito mais apetrechada no sentido de cumprir a missão primordial de todo sistema político burguês: a garantia do desenvolvimento capitalista. Nesse momento, o seu caráter progressivo, do ponto de vista da luta de classes, se dissolve. Para confirmarmos essa tese é suficiente verificar como nos últimos trinta anos as diversas esferas do poder do Estado atenderam as demandas das classes dominantes. 

Sarney e Ulisses, constituição de 1988 resguarda o poder do capital.
      

            É inequívoco que o regime político, consolidado com a constituição de 1988, mostrou-se muito mais eficiente no sentido de preservar a hegemonia burguesa e de protegê-la das intempéries da luta de classes. Mesmo agora, sofrendo com um desgaste nunca visto nos últimos trinta anos, vendo todas as suas instituições envolvidas em escândalos de corrupção, esse regime segue atacando o proletariado, aprovando leis, emitindo decisões judiciais e executando políticas em favor dos interesses burgueses.

     A superioridade da democracia burguesa reside justamente nesta sua capacidade de parecer o que, na verdade não é, ou seja, uma verdadeira democracia. Como falar em democracia, eleições livres, direitos iguais, etc., quando tudo favorece o poder econômico dos oligopólios empresariais, dessa minoria parasitária detentora do capital. Essa realidade é mascarada por todos os meios disponíveis na sociedade, mas, sem dúvida, o mais eficiente deles é a cooptação de agentes políticos oriundos das próprias classes exploradas, ou daqueles que se arvoram como seus representantes. Esses cooptados passam a agir em consonância com o projeto burguês, dividindo o exército proletário, desorganizando e desmoralizando a única classe em condições de levantar uma alternativa de poder frente à burguesia.

2013, a democracia burguesa em ação.

     Os apressadinhos que correm para salvar a “democracia”, sob o argumento de que ela estaria ameaçada, estão reforçando o mito de uma democracia ilusória, dissociada dos interesses de classe. Deveriam refletir sobre qual é a democracia que estão querendo salvar. A ilusória ou a burguesa? A ilusória não precisa de salvação porque não existe. Já a democracia burguesa, essa é bem concreta e está em pleno vigor no Brasil, suas instituições têm desferidos golpes e mais golpes contra as liberdades democráticas e os direitos elementares do povo trabalhador. Em vez de socorrer esse decadente regime político burguês, nossa atuação deve ir em sentido contrário, expondo sua verdadeira face de classe, de exploração do povo trabalhador e levantando a bandeira da democracia proletária, socialista, dos produtores, nesta, o poder político e econômico não ficará nas mãos de uma minoria parasitária.

 



 
                                                                                      

A Cidade Futura - Os Indiferentes - Antonio Gramsci

domingo, 13 de maio de 2018

Lenin e a Democracia Burguesa

I Congresso da Internacional Comunista
[2-6 de Março de 1919][N77]

Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado

V. I. Lénine

4 de Março de 1919

Link Avante

Primeira Edição: em 6 de Março de 1919 no Pravda n° 51.
Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1978, t3, pp 76-88, Edições Avante! — Lisboa, Edições Progresso — Moscovo.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.37 pp 491-509.
Transcrição: Partido Comunista Português
Enviado: Diego Grossi Pacheco
HTML: Fernando A. S. Araújo, março 2009.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo, 1977.

capa
1. O crescimento do movimento revolucionário do proletariado em todos os países provocou esforços convulsivos da burguesia e dos seus agentes nas organizações operárias para encontrarem argumentos ideológico-políticos para defender a dominação dos exploradores. Entre estes argumentos destaca-se particularmente a condenação da ditadura e a defesa da democracia. A falsidade e a hipocrisia de tal argumento, repetido de mil maneiras na imprensa capitalista e na conferência da Internacional amarela em Fevereiro de 1919 em Berna[N78], são evidentes para todos aqueles que não querem trair as teses fundamentais do socialismo.
2. Antes de mais, este argumento utiliza os conceitos de «democracia em geral» e «ditadura em
geral», sem colocar a questão de saber de que classe se trata. Tal formulação da questão, à margem das classes ou acima das classes, pretensamente do ponto de vista de todo o povo, é troçar descaradamente da doutrina fundamental do socialismo, a saber, a doutrina da luta de classes, que os socialistas que se passaram para o lado da burguesia reconhecem em palavras mas esquecem de facto. Porque em nenhum país capitalista civilizado existe a «democracia em geral», existe apenas a democracia burguesa, e não se trata de «ditadura em geral», mas de ditadura da classe oprimida, isto é, do proletariado, sobre os opressores e exploradores, isto é, sobre a burguesia, com o objectivo de superar a resistência oposta pelos exploradores na luta pela sua dominação.
3. A história ensina que nenhuma classe oprimida nunca alcançou a dominação nem podia alcançar a dominação sem passar por um período de ditadura, isto é, sem conquistar o poder político e esmagar pela força a resistência mais desesperada, mais raivosa, que não se detém perante nenhum crime, que os exploradores sempre opuseram. A burguesia, cuja dominação é hoje defendida pelos socialistas que falam contra a «ditadura em geral» e defendem com ardor a «democracia em geral», conquistou o poder nos países avançados à custa de uma série de insurreições e guerras civis, da repressão violenta dos reis, dos senhores feudais, dos proprietários de escravos e das suas tentativas de restauração. Nos seus livros e brochuras, nas resoluções dos seus congressos e nos seus discursos de agitação, os socialistas de todos os países explicaram milhares e milhões de vezes ao povo o carácter de classe destas revoluções burguesas, desta ditadura burguesa. Por isso, a actual defesa da democracia burguesa sob a forma de discursos sobre a «democracia em geral», e os actuais berros e gritos contra a ditadura do proletariado sob a forma de gritos sobre a «ditadura em geral», são uma traição descarada ao socialismo, a passagem efectiva para o lado da burguesia, a negação do direito do proletariado à sua revolução, à revolução proletária, à defesa do reformismo burguês exactamente no momento histórico em que o reformismo burguês fracassou em todo o mundo e em que a guerra criou uma situação revolucionária.
4. Todos os socialistas, ao explicar o carácter de classe da civilização burguesa, da democracia burguesa, do parlamentarismo burguês, expressaram o pensamento que Marx e Engels formularam com a máxima precisão científica ao dizerem que a república burguesa mais democrática não é mais do que uma máquina para a repressão da classe operária pela burguesia, da massa dos trabalhadores por um punhado de capitalistas[N79]. Não há um único revolucionário, um único marxista entre os que hoje gritam contra a ditadura e a favor da democracia, que não tenha jurado e trejurado que reconhece esta verdade fundamental do socialismo; mas agora, quando o proletariado revolucionário entra em efervescência e em movimento para destruir esta máquina de opressão e para conquistar a ditadura proletária, estes traidores ao socialismo apresentam as coisas como se a burguesia tivesse oferecido aos trabalhadores a «democracia pura», como se a burguesia tivesse renunciado à resistência e estivesse disposta a submeter-se à maioria dos trabalhadores, como se na república democrática não tivesse havido e não houvesse qualquer máquina de Estado para a repressão do trabalho pelo capital.
5. A Comuna de Paris, à qual prestam homenagem todos aqueles que querem fazer-se passar por socialistas, pois sabem que as massas operárias simpatizam ardente e sinceramente com ela, mostrou com particular evidência o carácter historicamente condicionado e o valor limitado do parlamentarismo burguês e da democracia burguesa, instituições altamente progressistas em comparação com a Idade Média, mas que exigem inevitavelmente uma mudança radical na época da revolução proletária. Foi precisamente Marx, que avaliou melhor que ninguém a importância histórica da Comuna, que mostrou, ao analisá-la, o carácter explorador da democracia burguesa e do parlamentarismo burguês, sob os quais as classes oprimidas têm o direito de decidir, de tantos em tantos anos, que representante das classes possuidoras irá «representar e reprimir» (ver-und zertreterí) o povo no parlamento[N80]. É exactamente agora, quando o movimento soviético, estendendo-se a todo o mundo, prossegue à vista de todos a causa da Comuna, que os traidores ao socialismo esquecem a experiência concreta e as lições concretas da Comuna de Paris, repetindo a velha cantilena burguesa da «democracia em geral». A Comuna não foi uma instituição parlamentar.
6. A importância da Comuna consiste, além disso, em que tentou aniquilar, destruir até aos alicerces, o aparelho do Estado burguês, o aparelho burocrático, judicial, militar e policial, substituindo-o por uma organização autónoma de massas dos operários, que não conhecia a separação entre o poder legislativo e o executivo. Todas as repúblicas democráticas burguesas contemporâneas, incluindo a alemã, à qual os traidores ao socialismo, escarnecendo da verdade, chamam proletária, conservam esse aparelho de Estado. Deste modo, confirma-se uma vez mais com toda a evidência que os gritos em defesa da «democracia em geral» constituem de facto a defesa da burguesia e dos seus privilégios exploradores.
7. A «liberdade de reunião» pode ser tomada como exemplo das reivindicações da «democracia pura». Qualquer operário consciente, que não tenha rompido com a sua classe, compreenderá imediatamente que seria uma estupidez prometer a liberdade de reunião aos exploradores num período e numa situação em que os exploradores resistem ao seu derrubamento e defendem os seus privilégios. A burguesia, quando era revolucionária, nem na Inglaterra de 1649 nem na França de 1793 deu «liberdade de reunião» aos monárquicos e aos nobres, que chamavam tropas estrangeiras e «se reuniam» para organizar tentativas de restauração. Se a burguesia actual, que há já muito se tornou reaccionária, exige que o proletariado lhe garanta antecipadamente a «liberdade de reunião» para os exploradores, seja qual for a resistência oferecida pelos capitalistas à sua expropriação, os operários não poderão deixar de rir da hipocrisia da burguesia.
Por outro lado, os operários sabem perfeitamente que a «liberdade de reunião» é, mesmo na república burguesa mais democrática, uma frase vazia, pois os ricos têm à sua disposição todos os melhores edifícios públicos e privados, bem como tempo suficiente para as reuniões, que são protegidas pelo aparelho do poder burguês. Os proletários da cidade e do campo e os pequenos burgueses, isto é, a imensa maioria da população, não têm nada disso. Enquanto as coisas continuarem assim, a «igualdade», isto é, a «democracia pura», é um logro. Para conquistar a verdadeira igualdade, para realizar de facto a democracia para os trabalhadores, é preciso primeiro retirar aos exploradores todos os edifícios públicos e todos os luxuosos edifícios particulares, e preciso primeiro dar tempo livre aos trabalhadores, são necessários operários armados para defender a liberdade das suas reuniões, e não fidalgotes ou oficiais capitalistas comandando soldados embrutecidos.
Só depois de tal mudança se poderá, sem troçar dos operários, dos trabalhadores, dos pobres, falar de liberdade de reunião e de igualdade. Mas essa mudança só pode ser realizada pela vanguarda dos trabalhadores, o proletariado, que derruba os exploradores, a burguesia.
8. A «liberdade de imprensa» é também uma das principais palavras de ordem da «democracia pura». Os operários sabem também, e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhões de vezes, que esta liberdade é um logro enquanto as melhores tipografias e as grandes reservas de papel se encontrarem nas mãos dos capitalistas e enquanto existir o poder do capital sobre a imprensa, que se manifesta em todo o mundo tanto mais clara, nítida e cinicamente quanto mais desenvolvidos se encontram a democracia e o regime republicano, como, por exemplo, na América.
Para conquistar a igualdade efectiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, para os operários e os camponeses, é preciso tirar primeiro ao capital a possibilidade de contratar escritores, comprar editoras e subornar jornais, e para isso é necessário derrubar o jugo do capital, derrubar os exploradores, esmagar a sua resistência. Os capitalistas sempre chamaram «liberdade» à liberdade de obter lucros para os ricos, a liberdade dos operários de morrerem de fome. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa à liberdade dos ricos de subornarem a imprensa, à liberdade de utilizar a riqueza para fabricar e falsificar a chamada opinião pública. Os defensores da «democracia pura» também se revelam de facto defensores do mais imundo e venal sistema de domínio dos ricos sobre os meios de educação das massas, revelam-se embusteiros que enganam o povo e que, com frases bonitas, pomposas e falsas até à medula o desviam da tarefa histórica concreta de libertar a imprensa da sua subjugação ao capital. A verdadeira liberdade e igualdade será a ordem que os comunistas estão a construir, e em que será impossível enriquecer à custa de outrem, onde não haverá possibilidade objectiva de submeter directa ou indirectamente a imprensa ao poder do dinheiro, em que nada impedirá que cada trabalhador (ou grupo de trabalhadores, seja qual for o seu número) tenha e exerça o direito igual de utilizar as tipografias e o papel, pertencentes à sociedade.
9. A história dos séculos XIX e XX mostrou-nos, ainda antes da guerra, o que é de facto a celebrada «democracia pura» sob o capitalismo. Os marxistas sempre disseram que quanto mais desenvolvida e mais «pura» é a democracia, tanto mais descoberta, aguda e implacável se torna a luta de classes, tanto mais «puros» se revelam o jugo do capital e a ditadura da burguesia. O caso Dreyfus na França republicana, os massacres sangrentos pelos destacamentos mercenários, armados pelos capitalistas, dos grevistas na livre e democrática república da América — estes factos e milhares de outros semelhantes mostram a verdade que a burguesia procura em vão esconder, isto é, que nas repúblicas mais democráticas imperam de facto o terror e a ditadura da burguesia, que se manifestam abertamente sempre que começa a aparecer aos exploradores que o poder do capital vacila.
10. A guerra imperialista de 1914-1918 revelou definitivamente mesmo aos operários atrasados o verdadeiro carácter da democracia burguesa, mesmo nas repúblicas mais livres, como ditadura da burguesia. Para o enriquecimento do grupo alemão ou inglês de milionários ou multimilionários foram mortos dezenas de milhões de homens, e nas repúblicas mais democráticas foi instaurada a ditadura militar da burguesia. Esta ditadura militar mantém-se nos países da Ententemesmo depois da derrota da Alemanha. Foi precisamente a guerra que mais abriu os olhos aos trabalhadores, que arrancou as falsas flores da democracia burguesa e mostrou ao povo todo o abismo de especulação e de lucro durante a guerra e à custa da guerra. A burguesia conduziu esta guerra em nome «da liberdade e da igualdade», os fornecedores de guerra enriqueceram de modo inaudito em nome «da liberdade e da igualdade». Nenhuns esforços da Internacional amarela de Berna ocultarão às massas o carácter explorador, hoje completam ente desmascarado, da liberdade burguesa, da igualdade burguesa, da democracia burguesa.
11. No país capitalista mais desenvolvido do continente europeu, a Alemanha, logo os primeiros meses de liberdade republicana, trazida pela derrota da Alemanha imperialista, mostraram aos operários alemães e a todo o mundo em que consiste a verdadeira essência de classe da república democrática burguesa. O assassínio de Karl Liebknecht e de Rosa Luxemburg é um acontecimento de importância histórica mundial não só porque morreram tragicamente os melhores elementos e chefes da Internacional Comunista, verdadeiramente proletária, mas também porque se revelou plenamente a essência de classe de um Estado europeu avançado — pode dizer-se sem exagero: de um Estado avançado à escala mundial. Se pessoas presas, isto é, colocadas pelo poder de Estado sob a sua protecção, puderam ser assassinadas impunemente por oficiais e capitalistas, existindo um governo de sociais-patriotas, consequentemente a república democrática em que tal coisa foi possível é uma ditadura da burguesia. As pessoas que exprimem a sua indignação a propósito do assassínio de Karl LiebknechtRosa Luxemburg, mas não compreendem esta verdade, revelam com isto apenas a sua estupidez ou a sua hipocrisia. A «liberdade» numa das repúblicas mais livres e avançadas do mundo, na república alemã, é a liberdade de assassinar impunemente os chefes do proletariado detidos. E não pode ser doutro modo enquanto se mantiver o capitalismo, pois o desenvolvimento da democracia não suaviza, antes agudiza, a luta de classes, que, em virtude de todos os resultados e influências da guerra e das suas consequências, atingiu o ponto de ebulição.
Em todo o mundo civilizado os bolcheviques são actualmente deportados, perseguidos, encarcerados, como, por exemplo, numa das repúblicas burguesas mais livres, na Suíça; na América organizam-se pogroms contra os bolcheviques, etc. Do ponto de vista da «democracia em geral» ou da «democracia pura» é perfeitamente ridículo que países avançados, civilizados, democráticos, armados até aos dentes, receiem a presença neles de algumas dezenas de pessoas vindas da Rússia atrasada, faminta e arruinada, que em dezenas de milhões de exemplares os jornais burgueses chamam selvagem, criminosa, etc. É claro que a situação social que pode engendrar tão gritante contradição é de facto a ditadura da burguesia.
12. Em tal estado de coisas, a ditadura do proletariado é não só inteiramente legítima como meio de derrubar os exploradores e reprimir a sua resistência, mas também absolutamente necessária para toda a massa dos trabalhadores como única defesa contra a ditadura da burguesia, que conduziu à guerra e prepara novas guerras.
A coisa principal que os socialistas não compreendem, e que constitui a sua miopia teórica que os torna prisioneiros dos preconceitos burgueses, que constitui a sua traição política em relação ao proletariado, é que na sociedade capitalista, quando há uma agudização algo séria da luta de classes que está na sua base, não pode haver meio termo, nada que não seja a ditadura da burguesia ou a ditadura do proletariado. Qualquer sonho com uma terceira via é uma lamentação reaccionária de pequeno burguês. Testemunham-no tanto a experiência de mais de cem anos de desenvolvimento da democracia burguesa e do movimento operário em todos os países avançados como, particularmente, a experiência dos últimos cinco anos. Di-lo também toda a ciência da economia política, todo o conteúdo do marxismo, que explica a inevitabilidade económica em qualquer economia mercantil da ditadura da burguesia, que só pode ser substituída pela classe desenvolvida, multiplicada, unida e fortalecida pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, isto é, a classe dos proletários.
13. Outro erro teórico e político dos socialistas consiste na incompreensão de que as formas da democracia se modificaram inevitavelmente ao longo dos séculos, a partir dos seus germes na antiguidade, à medida que uma classe dominante ia sendo substituída por outra. Nas antigas repúblicas da Grécia, nas cidades da Idade Média, nos países capitalistas avançados, a democracia tem diferentes formas e um diferente grau de aplicação. Seria o maior absurdo pensar que a revolução mais profunda da história da humanidade, a passagem pela primeira vez no mundo do poder da minoria dos exploradores para a maioria dos explorados, possa verificar-se dentro dos velhos limites da velha democracia burguesa, parlamentar, possa verificar-se sem as mudanças mais radicais, sem a criação de novas formas de democracia, de novas instituições que encarnem as novas condições da sua aplicação, etc.
14. O que há de semelhante entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes é que ela é provocada, como qualquer outra ditadura, pela necessidade de reprimir pela força a resistência da classe que perde a dominação política. A diferença fundamental entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes — a ditadura dos latifundiários na Idade Média, a ditadura da burguesia em todos os países capitalistas civilizados — consiste em que a ditadura dos latifundiários e da burguesia foi a repressão pela violência da resistência da imensa maioria da população, isto é, os trabalhadores. A ditadura do proletariado, pelo contrário, é a repressão violenta da resistência dos exploradores, isto é, uma ínfima minoria da população, os latifundiários e os capitalistas.
Daqui decorre, por sua vez, que a ditadura do proletariado deve inevitavelmente trazer consigo não só a modificação das formas e das instituições da democracia, falando em geral, mas precisamente uma sua modificação que possibilite um alargamento nunca visto no mundo da utilização efectiva da democracia por parte dos oprimidos pelo capitalismo, por parte das classes trabalhadoras.
E, com efeito, essa forma da ditadura do proletariado, que foi já elaborada de facto, isto é, o Poder Soviético na Rússia, o Räte-System(1*) na Alemanha, os Shop Stewards Committees[N81] e outras instituições soviéticas análogas noutros países, todas elas significam e realizam precisamente para as classes trabalhadoras, isto é, para a imensa maioria da população, uma possibilidade efectiva de gozar os direitos e as liberdades democráticas como nunca existiu, nem mesmo aproximadamente, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas.
A essência do Poder Soviético consiste em que a base permanente e única de todo o poder de Estado, de todo o aparelho do Estado, é a organização maciça precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, isto é, dos operários e dos semiproletários (camponeses que não exploram trabalho alheio e que recorrem permanentemente à venda, ainda que apenas em parte, da sua força de trabalho). Precisamente as massas que, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, sendo iguais em direitos perante a lei, eram de facto afastadas, por mil processos e subterfúgios, da participação na vida política e do gozo dos direitos e liberdades democráticas, são hoje chamadas à participação permanente e necessária, e além disso decisiva, na direcção democrática do Estado.
15. A igualdade dos cidadãos independentemente do sexo, religião, raça, nacionalidade, que a democracia burguesa prometeu em toda a parte e sempre, mas que não realizou em parte alguma nem podia realizar devido à dominação do capitalismo, realiza-a imediata e plenamente o Poder Soviético, ou ditadura do proletariado, pois só está em condições de o fazer o poder dos operários, que não estão interessados na propriedade privada dos meios de produção nem na luta para os repartir uma e outra vez.
16. A velha democracia, isto é, a democracia burguesa, e o parlamentarismo foram organizados de modo a afastar, mais que ninguém, precisamente as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. O Poder Soviético, isto é, a ditadura do proletariado, está organizado, pelo contrário, de modo a aproximar as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. Tal é igualmente o objectivo da união dos poderes legislativo e executivo na organização soviética do Estado e da substituição dos círculos eleitorais territoriais pelas unidades de produção, como as fábricas.
17. O exército não foi um aparelho de repressão apenas nas monarquias. Continua a sê-lo também em todas as repúblicas burguesas, mesmo nas mais democráticas. Só o Poder Soviético, como organização estatal permanente precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, está em condições de destruir a subordinação do exército ao comando burguês e de fundir efectivamente o proletariado com o exército, de realizar efectivamente o armamento do proletariado e o desarmamento da burguesia, sem o que é impossível a vitória do socialismo.
18. A organização soviética do Estado está adaptada ao papel dirigente do proletariado, como classe mais concentrada e mais instruída pelo capitalismo. A experiência de todas as revoluções e de todos os movimentos das classes oprimidas, a experiência do movimento socialista mundial, ensinam-nos que só o proletariado está em condições de reunir e conduzir atrás de si as camadas dispersas e atrasadas da população trabalhadora e explorada.
19. Só a organização soviética do Estado está em condições de efectivamente demolir de um só golpe e de destruir definitivamente o velho aparelho burocrático e judicial, isto é, o aparelho burguês, que se manteve e que devia inevitavelmente manter-se sob o capitalismo, mesmo nas repúblicas mais democráticas, e que constitui de facto o maior entrave à realização da democracia para os operários e os trabalhadores. A Comuna de Paris deu o primeiro passo de importância histórica mundial neste caminho, o Poder Soviético deu o segundo.
20. A supressão do poder de Estado é o objectivo que se colocaram todos os socialistas, Marx incluído e à cabeça. A verdadeira democracia, isto é, a igualdade e a liberdade, é irrealizável sem a realização deste objectivo. Mas só a democracia soviética ou proletária conduz na prática a este objectivo, porque, chamando as organizações de massas dos trabalhadores à participação permanente e necessária na administração do Estado, começa a preparar imediatamente a extinção completa de todo o Estado.
21. A bancarrota total dos socialistas que se reuniram em Berna, a sua absoluta incompreensão da nova democracia, isto é, da democracia proletária, é particularmente visível no seguinte. Em 10 de Fevereiro de 1919, Branting encerrou em Berna a conferência internacional da Internacional amarela. Em 11 de Fevereiro de 1919 em Berlim, no jornal dos seus partidários, Die Freiheif,[N82] foi publicado um apelo do partido dos «independentes»[N83] ao proletariado. Neste apelo reconhece-se o carácter burguês do governo de Scheidemann, censura-se-lhe o desejo de abolir os Conselhos, aos quais se chama Trãger und Schiitzer der Revolution — portadores e defensores da revolução — e faz-se a proposta de legalizar os Conselhos, de lhes dar direitos estatais, de lhes dar o direito de suspender as decisões da Assembleia Nacional, submetendo-as à votação de todo o povo.
Tal proposta é a completa falência ideológica dos teóricos que defendem a democracia e não compreendem o seu carácter burguês. A ridícula tentativa de unir o sistema dos Conselhos, isto é, a ditadura do proletariado, com a Assembleia Nacional, isto é, com a ditadura da burguesia, desmascara por completo tanto a pobreza de pensamento dos socialistas e sociais-democratas amarelos como o seu reaccionarismo político de pequeno-burgueses e as suas cobardes concessões à força irresistivelmente crescente da nova democracia, da democracia proletária.
22. Ao condenar o bolchevismo, a maioria da Internacional amarela de Berna, que não se atreveu a votar formalmente a correspondente resolução com receio das massas operárias, procedeu acertadamente do ponto de vista de classe. É precisamente esta maioria que se solidariza inteiramente com os mencheviques e socialistas-revolucionários russos e com os Scheidemann na Alemanha. Os mencheviques e os socialistas-revolucionários russos, ao queixarem-se de perseguições por parte dos bolcheviques, procuram esconder o facto de que estas perseguições são provocadas pela participação dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários na guerra civil ao lado da burguesia contra o proletariado. Os Scheidemann e o seu partido já demonstraram na Alemanha que participam exactamente da mesma maneira na guerra civil ao lado da burguesia contra os operários.
É por isso inteiramente natural que a maioria dos participantes na Internacional amarela de Berna se tenha pronunciado pela condenação dos bolcheviques. Nisto exprimia-se não a defesa da «democracia pura», mas a autodefesa de pessoas que sabem e sentem que na guerra civil se encontram ao lado da burguesia contra o proletariado.
Eis porque, do ponto de vista de classe, não se pode deixar de reconhecer como acertada a decisão da maioria da Internacional amarela. O proletariado deve, sem receio da verdade, olhá-la de frente e retirar daí todas as conclusões políticas.
Camaradas! Quereria acrescentar alguma coisa mais aos dois últimos pontos. Penso que os camaradas que nos devem fazer um relatório sobre a Conferência de Berna nos falarão disso com mais pormenor.
Em toda a Conferência de Berna não se disse uma única palavra sobre a importância do Poder Soviético. Na Rússia há já dois anos que discutimos esta questão. Em Abril de 1917, na Conferência do partido, tínhamos já colocado teórica e politicamente a questão: «O que é o Poder Soviético, qual é o seu conteúdo, em que consiste a sua importância histórica?» Há quase dois anos que discutimos esta questão, e no congresso do nosso partido adoptámos uma resolução a este respeito[N84].
Freiheit de Berlim publicou em 11 de Fevereiro um apelo ao proletariado alemão, assinado não só pelos dirigentes dos sociais-democratas independentes da Alemanha, mas também por todos os membros da fracção dos independentes. Em Agosto de 1918, o maior teórico destes independentes, Kautsky, escreveu na sua brochura A Ditadura do Proletariado que era partidário da democracia e dos órgãos soviéticos, mas que os Sovietes deviam ter apenas um carácter económico e não deviam ser reconhecidos de modo algum como organizações estatais. Kautsky repete a mesma coisa nos números do Freiheit de 11 de Novembro e de 12 de Janeiro. Em 9 de Fevereiro aparece um artigo de Rudolf Hilferding, que é também considerado um dos mais autorizados teóricos da II Internacional. Hilferding propõe que se una juridicamente, por meio de legislação, o sistema dos Conselhos com a Assembleia Nacional. Isto foi em 9 de Fevereiro. No dia 11 esta proposta é adoptada por todo o partido dos independentes e publicada sob a forma de apelo.
Apesar de a Assembleia Nacional já existir, mesmo depois de a «democracia pura» se ter encarnado na realidade e de os maiores teóricos dos sociais-democratas independentes terem declarado que as organizações soviéticas não devem ser organizações estatais, apesar de tudo isso, voltam a vacilar! Isto demonstra que na realidade estes senhores não compreenderam nada do novo movimento nem das condições da sua luta. Mas prova ainda outra coisa, qual seja: deve haver condições, causas, que provoquem estas vacilações! Depois de todos estes acontecimentos, depois de quase estes dois anos de revolução vitoriosa na Rússia, quando nos propõem resoluções como as adoptadas na Conferência de Berna, nas quais nada se diz dos Sovietes nem da sua importância, na qual nem um só delegado disse em algum discurso uma só palavra sobre isto, podemos afirmar com pleno direito que todos estes senhores, como socialistas e como teóricos, morreram para nós.
Mas na prática, do ponto de vista da política, isto, camaradas, é uma prova de que entre as massas se produz uma grande viragem, uma vez que estes independentes, que em teoria e por princípio eram contra estas organizações estatais, propõem, subitamente, um absurdo como unir «pacificamente» a Assembleia Nacional com o sistema dos Conselhos, isto é, unir a ditadura da burguesia com a ditadura do proletariado. Vemos como todos eles sofreram uma bancarrota no aspecto socialista e teórico e que enorme mudança que se esta produzindo nas massas. As massas atrasadas do proletariado alemão vem para nós, chegaram até nós! Deste modo, a importância do partido independente dos sociais-democratas alemães, a melhor parte da Conferência de Berna, é, do ponto de vista da teoria e do socialismo, igual a zero; no entanto, continua a ter uma certa importância, e ela consiste no facto de esses elementos hesitantes nos servirem de indicador do estado de espírito dos sectores atrasados do proletariado. Nisto reside, em minha opinião, a grande importância histórica desta conferência. Nós vimos algo de semelhante na nossa revolução. Os nossos mencheviques percorreram quase exactamente o mesmo caminho de desenvolvimento que os teóricos dos independentes na Alemanha. A princípio, quando tinham a maioria nos Sovietes, eram pelos Sovietes. Então só se ouvia: «Vivam os Sovietes!», «Pelos Sovietes!», «Os Sovietes são a democracia revolucionária!». Mas quando nós, bolcheviques, obtivemos a maioria nos Sovietes, então entoaram outra canção: os Sovietes não devem existir paralelamente à Assembleia Constituinte; e diversos teóricos mencheviques faziam propostas quase idênticas, como a de unir o sistema dos Sovietes com a Assembleia Constituinte e incluí-los na organização do Estado. Aqui revela-se uma vez mais que o curso geral da revolução proletária é igual em todo o mundo. A princípio, formação espontânea dos Sovietes, depois a sua difusão e desenvolvimento, após o que se coloca na prática a questão: Sovietes ou Assembleia Nacional, ou Assembleia Constituinte, ou parlamentarismo burguês; a mais completa confusão entre os chefes e, finalmente, a revolução proletária. Mas eu creio que depois de quase dois anos de revolução não devemos colocar a questão assim, mas devemos tomar decisões concretas, já que a difusão do sistema dos Sovietes é para nós, e particularmente para a maioria dos países da Europa Ocidental, a mais importante das tarefas.
Quereria citar aqui apenas uma resolução dos mencheviques. Pedi ao camarada Obolenski que a traduzisse para alemão. Prometeu-me que o faria, mas infelizmente não está aqui. Procurarei reproduzi-la de memória, pois não tenho aqui o texto completo desta resolução.
Para um estrangeiro que nada tenha ouvido do bolchevismo, é muito difícil ter uma opinião própria sobre as nossas questões controversas. Tudo aquilo que os bolcheviques afirmam, os mencheviques contestam-no, e vice-versa. Naturalmente, em tempo de luta não pode ser doutro modo, por isso tem muita importância que a última conferência do partido dos mencheviques, em Dezembro de 1918, tenha aprovado uma extensa e pormenorizada resolução que foi integralmente publicada na Gazeta Petchátnikov[N85] menchevique. Nesta resolução, os próprios mencheviques expõem sucintamente a história da luta de classes e da guerra civil. A resolução diz que eles condenam os grupos do seu partido aliados às classes possidentes nos Urales, no Sul, na Crimeia e na Geórgia, e enumera todas estas regiões. A resolução condena os grupos do partido menchevique que, aliados às classes possidentes, lutaram contra o Poder Soviético, e o último ponto condena também aqueles que se juntaram aos comunistas. Daqui decorre que os mencheviques se vêem obrigados a confessar que não há unidade no seu partido e que uns estão do lado da burguesia e outros do lado do proletariado. A maior parte dos mencheviques passou para o lado da burguesia, e durante a guerra civil combateu contra nós. Naturalmente nós perseguimos os mencheviques, e até os fuzilámos, quando eles participam na guerra contra nós, combatem contra o nosso Exército Vermelho e fuzilam os nossos comandantes vermelhos. À guerra da burguesia respondemos com a guerra do proletariado — não pode haver outra saída. Assim, do ponto de vista político, tudo isso é apenas hipocrisia menchevique. Historicamente não se compreende como é que na conferência de Berna homens que não foram oficialmente declarados loucos puderam, por encargo dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, falar da luta dos bolcheviques contra eles, mas calarem-se sobre a sua acção, em aliança com a burguesia, contra o proletariado.
Todos eles nos atacam encarniçadamente porque os perseguimos. Isso é verdade. Mas não dizem nem uma palavrinha sobre a participação que eles próprios tiveram na guerra civil! Penso que devo entregar para a acta o texto completo da resolução, e peço aos camaradas estrangeiros que prestem atenção a esta resolução, pois constitui um documento histórico que coloca correctamente a questão e fornece o melhor material para apreciar a discussão entre as orientações «socialistas» na Rússia. Entre o proletariado e a burguesia existe ainda uma classe de pessoas que ora se inclinam para um lado, ora para outro; assim foi sempre em todas as revoluções, e é absolutamente impossível que na sociedade capitalista, onde o proletariado e a burguesia formam dois campos hostis, não existam entre eles camadas intermédias. A existência destes elementos vacilantes é historicamente inevitável, e, infelizmente, tais elementos, que não sabem eles próprios ao lado de quem irão lutar amanhã, continuarão a existir ainda durante muito tempo.
Quero fazer uma proposta prática, que consiste na adopção duma resolução na qual devem ser especialmente assinalados três pontos.
Primeiro: uma das tarefas mais importantes para os camaradas dos países da Europa ocidental consiste em explicar às massas o significado, a importância e a necessidade do sistema dos Sovietes. Verifica-se que não existe suficiente compreensão deste problema. Se Kautsky e Hilferding, como teóricos, caíram na bancarrota, nem por isso os últimos artigos no Freiheit deixam de demonstrar que eles exprimem correctamente o estado de espírito dos sectores atrasados do proletariado alemão. O mesmo aconteceu na Rússia: nos primeiros oito meses da revolução russa, a questão da organização soviética foi muito discutida, e para os operários não era claro em que consistia o novo sistema nem se se poderia criar a partir dos Sovietes um aparelho de Estado. Na nossa revolução avançámos não pelo caminho da teoria, mas pelo da prática. Por exemplo, não tínhamos colocado antes teoricamente a questão da Assembleia Constituinte, e não dizíamos que não reconhecíamos a Assembleia Constituinte. Só mais tarde, quando as organizações soviéticas se espalharam por todo o país e conquistaram o poder político, só então decidimos dissolver a Assembleia Constituinte. Agora vemos que na Hungria e na Suíça a questão se coloca duma maneira muito mais aguda[N86]. Por um lado, isto é muito bom: tiramos daí a firme certeza de que a revolução nos países da Europa ocidental avança mais rapidamente e nos trará grandes vitórias. Por outro lado, isso encerra um certo perigo, ou seja, o perigo de que a luta seja tao impetuosa que a consciência das massas operárias não acompanhe esse desenvolvimento. Mesmo agora, a importância do sistema dos Sovietes não está ainda clara para as grandes massas de operários alemães politicamente instruídos, pois foram educados no espírito do parlamentarismo e nos preconceitos burgueses.
Segundo: sobre a difusão do sistema dos Sovietes. Quando ouvimos como se difundiu rapidamente a ideia dos Sovietes na Alemanha e mesmo na Inglaterra, para nós isto é uma importantíssima prova de que a revolução proletária vencerá. Só por breve tempo será possível deter a sua marcha. Outra coisa é quando os camaradas Albert e Flatten nos declaram que nas aldeias do seu país entre os operários agrícolas e o pequeno campesinato quase não existem Sovietes. Li na Rote Fahne um artigo contra os Sovietes camponeses, mas, muito justamente, a favor dos Sovietes de assalariados e camponeses pobres[N87]. A burguesia e os seus lacaios, como Scheidemann e Ca., já lançaram a palavra de ordem de Sovietes camponeses. Mas nós precisamos apenas de Sovietes de assalariados e camponeses pobres. Infelizmente, dos relatórios dos camaradas Albert, Flatten e outros vemos que, com excepção da Hungria, se faz muito pouco para a difusão do sistema soviético no campo. Nisto consiste talvez o perigo, ainda real e bastante grande, de que o proletariado alemão não consiga alcançar uma vitória segura. A vitória só pode considerar-se garantida quando estiverem organizados não só os operários das cidades, mas também os proletários do campo, e, além disso, organizados não como dantes, em sindicatos e cooperativas, mas em Sovietes. Para nós a vitória foi mais fácil porque em Outubro de 1917 avançámos com o campesinato, com todo o campesinato. Neste sentido, a nossa revolução era então burguesa. O primeiro passo do nosso governo proletário consistiu em que as velhas reivindicações de todo o campesinato, expressas ainda sob Kérenski pelos Sovietes e assembleias camponesas, foram reconhecidas pelo nosso governo na lei de 26 de Outubro (velho estilo) de 1917, no dia a seguir à revolução. Nisso consistia a nossa força, por isso nos foi tão fácil conquistar uma maioria esmagadora. Para o campo a nossa revolução continuava ainda a ser burguesa, e só mais tarde, meio ano depois, fomos obrigados, no quadro da organização do Estado, a iniciar nas aldeias a luta de classes, a instituir em cada aldeia comités de camponeses pobres, de semiproletários, e a lutar sistematicamente contra a burguesia rural. Entre nós isso era inevitável, devido ao atraso da Rússia. Na Europa ocidental as coisas passar-se-ão de modo diferente, e por isso devemos sublinhar que é absolutamente necessária a difusão do sistema dos Sovietes, sob formas apropriadas, talvez novas, também entre a população rural.
Terceiro: devemos dizer que a conquista duma maioria comunista nos Sovietes constitui a tarefa principal em todos os países em que o Poder Soviético ainda não venceu. A nossa comissão de resoluções discutiu ontem esta questão. Talvez outros camaradas ainda falem sobre isto, mas eu quereria propor que estes três pontos fossem adoptados como resolução especial. Naturalmente, nós não estamos em condições de prescrever a via ao desenvolvimento. É muito provável que a revolução comece muito em breve em muitos países da Europa ocidental, mas nós, na qualidade de parte organizada da classe operária, na qualidade de partido, procuramos e devemos procurar alcançar a maioria nos Sovietes. Então estará garantida a nossa vitória, e nenhuma força estará em condições de tomar quaisquer medidas contra a revolução comunista. Doutro modo, a vitória não será assim tão fácil nem será duradoura. Assim, eu queria propor que se aprovem estes três pontos sob a forma de resolução especial.

Notas de rodapé:
(1*) Sistema dos Conselho (N. Ed.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N77] O I Congresso da Internacional Comunista realizou-se em 2-6 de Março de 1919 em Moscovo. Participaram no Congresso representantes dos partidos, grupos e organizações comunistas e socialistas de esquerda de 30 países. Entre 532 delegados, 34 tinham direito a voto e 18 tinham direito a intervir mas não tinham direito a voto. O Congresso foi aberto por Lénine. Depois de os delegados terem apresentado os seus relatórios, foi discutida e aprovada a plataforma da Internacional Comunista. O problema principal da ordem de dia do Congresso foi a questão da democracia burguesa e da ditadura do proletariado. A 4 de Março de 1919, Lénine apresentou um relatório sobre a questão. O Congresso aprovou por unanimidade as teses de Lénine e entregou-as ao Bureau do Comité Executivo da Internacional Comunista para difusão em todos os países. Foi aprovada também uma resolução proposta por Lénine, em suplemento das teses. No mesmo dia, o Congresso adoptou a decisão de fundar a III Internacional, a Internacional Comunista. Por proposta de Lénine, o Congresso aprovou a resolução que dissolvia a União de Zimmerwald. O I Congresso da Internacional Comunista aprovou o Manifesto aos proletários do mundo inteiro, bem como uma série de outras resoluções. O Congresso resolveu criar dois órgãos dirigentes: o Comité Executivo e o Bureau, eleito por este, formado por 5 pessoas.
Internacional Comunista existiu de 1919 a 1943, quando o Praesidium do CEIC, tendo a aprovação de todos os partidos comunistas, decidiu dissolver a Internacional Comunista devido ao facto de as condições terem mudado e à impossibilidade de dirigir o movimento comunista internacional a partir de um centro único. (retornar ao texto)
[N78] Conferência de Berna: a primeira conferência dos partidos sociais-chauvinistas e centristas, no período do pós-guerra, convocada com o objectivo de restauração da II Internacional; realizou-se em Berna em 3-10 de Fevereiro de 1919. A questão da democracia e da ditadura foi uma das principais questões da conferência. No seu relatório sobre este problema, o centrista Branting tentava provar que a revolução socialista e a ditadura do proletariado não conduziriam ao socialismo. Kautsky e Bernstein, nas suas intervenções, procuravam que a conferência condenasse o bolchevismo e a revolução socialista na Rússia. Branting apresentou uma resolução que, saudando hipocritamente as revoluções na Rússia, na Áustria-Hungria e na Alemanha, no fundo condenava a ditadura do proletariado e elogiava a democracia burguesa. Esta resolução foi aprovada por maioria de votos. O I Congresso da Internacional Comunista aprovou uma resolução especial "Sobre a atitude para com as «correntes» socialistas e a conferência de Berna", criticando as resoluções da conferência e, em particular, condenando as tentativas dos socialistas de direita de levar a Conferência de Berna a aprovar uma resolução com a qual a II Internacional encobriria a intervenção armada dos imperialistas contra a Rússia Soviética. (retornar ao texto)
[N79] Ver a Introdução de F. Engels à obra de K. Marx "A Guerra Civil em França". In Karl Marx / Friederich Engels, Werke, Bd. 22, S. 199. (retornar ao texto)
[N80] Ver K. Marx, "A Guerra Civil em França". In Karl Marx / Friederich Engels, Werke, Bd. 17, S.340. (retornar ao texto)
[N81] "Shop Stewards Committees" (Comités de Delegados de Fábrica): organizações operárias electivas que existiram na Grã-Bretanha numa série de ramos da indústria e particularmente difundidas durante a Primeira Guerra Mundial. Os comités, em contraposição às trade-unions conciliadoras que aplicavam uma política de "paz civil" e de renúncia à luta grevista, defenderam os interesses e reivindicações das massas operárias, dirigiram greves e fizeram propaganda contra a guerra. Os delegados agrupavam-se em comités de fábrica, de região e locais. Em 1916 constitui-se a organização nacional dos delegados de fábrica e dos comités operários. Depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, os comités de delegados de fábrica pronunciaram-se activamente a favor do apoio à Rússia Soviética. (retornar ao texto)
[N82] Die Freiheit (A Liberdade): Jornal diário, órgão do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha; publicou-se em Berlim entre Novembro de 1918 e Outubro de 1922. (retornar ao texto)
[N83] Trata-se do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, partido centrista fundado em Abril de 1917 no congresso constitutivo realizado em Gotha. Os "independentes", encobrindo-se com uma fraseologia centrista, pregavam a unidade com os sociais-chauvinistas, iam até ao ponto de renunciar à luta de classes. A parte principal do partido era constituída pela organização kautskista "União do Trabalho" no Reichstag. Houve uma cisão em Outubro de 1920, no congresso do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, em Halle. Uma parte considerável dos independentes juntou-se em Dezembro ao Partido Comunista da Alemanha. Os elementos de direita formaram um partido distinto e retomaram o antigo nome de Partido Social-Democrata da Alemanha, que existiu até 1922. (retornar ao texto)
[N84] Alusão à resolução sobre a modificação do nome do partido e do seu programa, adoptada pelo VII Congresso do PCR(b) realizado a 6-8 de Março, em 1918. (retornar ao texto)
[N85] Gazeta Petcháthikov (Jornal dos Tipógrafos): publicação do sindicato dos tipógrafos. O seu primeiro número apareceu em 8 de Dezembro de 1918. Naquela altura o sindicato estava sobre a influência dos mencheviques. O jornal foi fechado em Março de 1919 por propaganda anti-soviética. (retornar ao texto)
[N86] Na noite de 30 para 31 de Outubro de 1918, eclodiu na Hungria uma revolução democrático-burguesa. Em consequência da revolução, o poder passou para a burguesia liberal, que entrou numa coligação com o partido social-democrata. O novo governo não realizou medida alguma que pudesse melhorar a situação da classe operária e dos camponeses, o que provocou o descontentamento entre as massas trabalhadoras que começaram a criar os seus órgãos revolucionários de poder — os Conselhos de deputados operários, camponeses e soldados. Em 16 de Novembro, a Hungria foi proclamada república. O velho parlamento foi dissolvido. Os partidos burgueses desenvolveram uma ampla agitação a favor da convocação da Assembleia Constituinte. O Partido Comunista da Hungria, que se formou como organização em 20 de Novembro de 1918, apresentou a palavra de ordem "Todo o Poder aos Conselhos!". Em fins de 1918, inícios de 1919, realizaram uma série de acções de massas do proletariado húngaro, dirigido pelo Partido Comunista. Criou-se no país uma situação revolucionária.
Em 20 de Março, o governo de Károlyi demitiu-se. Os comunistas exigiram a proclamação da República dos Conselhos, a nacionalização da indústria, a confiscação da terra dos latifundiários e a conclusão de uma aliança com a Rússia Soviética. Os trabalhadores húngaros apoiaram calorosamente o Partido Comunista. Em 21 de Março, os operários de Budapeste apoderaram-se de todos os pontos estratégicos e desarmaram a polícia. A Hungria foi proclamada República dos Conselhos.
Em 1917-1919, na Suíça, sob a influência da Revolução Socialista de Outubro, verificou-se um ascenso do movimento operário. Em Novembro de 1918, começou na Suíça uma greve geral política para apoiar a Rússia Soviética. Os elementos revolucionários de esquerda do Partido Socialista Suíço formaram o grupo comunista. Nas suas brochuras e panfletos incitavam à criação de conselhos de deputados dos operários e dos camponeses. Na sua intervenção no I Congresso da Internacional Comunista, o delegado do grupo comunista suíço falou sobre a constituição do conselho de deputados operários de Zurique, que reconheceu o programa comunista como sua plataforma. (retornar ao texto)
[N87] Lénine refere-se ao artigo de Rosa Luxemburg "Der Anfang" (O começo), publicado no jornal Die Rothe Fahne, n°3, de 18 de Novembro de 1918. (retornar ao texto)
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