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quinta-feira, 31 de março de 2022

Cartas de um Torturado*

 

Marco Antônio Tavares Coelho foi preso em 18 de Janeiro de 1975, através das cartas dirigidas a sua esposa, escritas alguns meses após a sua prisão e enviadas às escondidas para fora do presídio, o ex-deputado cassado e dirigente do PCB revela as barbaridades cometidas pelos psicopatas a serviço da burguesia brasileira e do imperialismo norteamericano após o golpe de 1964.

Decorridos 58 anos do golpe que resultou na ditadura empresarial-militar, não devemos esquecer de que ao menor sinal de ameaça aos seus privilégios de classe, a burguesia e o imperialismo não hesitarão em mais uma vez apelar para as suas bestas feras mantidas no aparelho policial-militar.

 

Marco Antônio Tavares Coelho**

 

Marco Antônio Tavares Coelho

     [...] Fui preso às 11 horas da manhã, no dia 18, na esquina da Adolfo Bergamini com Dias da Cruz, no Engenho de Dentro. Ia tranquilo para mais um “encontro”, como fiz centenas de outros, em 11 anos, de 1964 para cá. A pessoa com quem iria estar, havia sido detida dias antes. Mas, levaram-na ao local para que minha prisão se desse de qualquer jeito. Possivelmente tiveram receio de não me identificar.

[...] Voltando aos fatos, depois de alguns minutos jogaram-me num fusca, algemaram-me e colocaram-me um capuz. Um dos captores foi me dando bons socos. Estava com raiva pelo pequeno escândalo que eu havia armado. No Volks fui meditando. A prisão não me surpreendeu. Durante onze anos sempre previ essa possibilidade. Fui me educando também para tal eventualidade. Logo antevi as torturas que me aguardavam. Além disso, meditava que aquele fato (a prisão) iria mudar total e radicalmente a minha vida. Aliás, logo passei a considerar como um dado líquido e certo que eu seria morto. Pois não haviam assassinado outros dirigentes comunistas?

[...]Esse foi o sinal verde para o início da pancadaria. Três ou quatro deles, não sei bem, começaram a pancadaria. Por todos lados eu recebia socos, chutes e cacetadas. Meia hora depois caí no chão, cobrindo a cabeça com os braços. Foi inútil. Então ligaram fios que transmitiam choques elétricos nos meus pés. Acionavam a “máquina de choque”, exigindo que me levantasse. Não tinha outro recurso senão erguer-me. Aí recomeçavam a espancar. Tornava a cair. Mas os fios estavam ligados e recebia mais choques. Duas horas depois (esse cálculo de tempo é, evidentemente, apenas uma suposição) caí desacordado. Vim a retomar os sentidos numa cela, deitado no cimento.

 [...]Voltemos à descrição das torturas no Rio. Perdoe-me falar de coisas que sei irão feri-la. Mas sou forçado a tanto, para deixar documentado o que houve. A cela em que me colocaram deve ser subterrânea, ou num porão. Sua dimensão é, mais ou menos, de dois metros por dois. Sem a menor janela ou qualquer abertura para fora, além da porta. Essa é de aço, com um visor que permite o controle do preso pelo lado de fora.

      O chão é de cimento áspero. Nela não havia colchão, travesseiro ou uma folha de jornal. Total e absolutamente nua. E eu nu dentro dela. O ar deve entrar por algum conduto apropriado. Suas paredes e o teto são pintados de preto. Possui um sistema de iluminação forte, acionado no corredor externo de acesso. A porta de aço assemelha-se a uma porta de geladeira, a fim de não permitir a passagem de som, pois a cela é o local da tortura. A escuridão é total, quando apagam as luzes. Verdadeiramente, é uma cova ou uma masmorra medieval, mas dotada de requintes ultra-modernos, como o sistema de entrada de ar, a porta e a iluminação.

[...] A rotina – dia e noite – não existe quando nela se é jogado. A coisa se divide em escuridão total, para o preso se refazer um pouco, a fim de depois apanhar mais; e a iluminação forte na hora da tortura. Horas, minutos, segundos, ali não têm existência. Espaço, horizonte, tudo isso é besteira. Vegeta-se como uma cobra presa em caixote hermeticamente fechado, destinada ao Butantã, para dela se extrair veneno.

Nem água, nem pão. Nem urinol. É uma câmara de execução em que só se pensa na morte. Dentro dela o preso só lastima uma coisa: o “diabo” do corpo continua aguentando.

[...]As torturas na cela foram várias. Cinco vezes colocaram-me no “pau-de-arara”, horas longas de “choques”; cauterizadores queimando partes mais sensíveis do corpo. Mas antes, exigiram que eu colocasse o capuz e uma espécie de quimono de judô, de brim forte. Razão dessa “roupa”: por ela me seguravam para jogar-me com mais força nas paredes de cimento; nu era mais difícil, pois o corpo escorregava das mãos deles, porque vivia molhado de suor. De todos os lados recebia murros e pontapés.

[...]Como não havia nem um urinol na cela, urinei e defequei ali mesmo. Mas como rolava pelo chão e a escuridão era absoluta, fiquei lambuzado, da cabeça aos pés, em minha própria merda.

[...]Chegando ao quartel da rua Tutóia, levaram-me para o que vim a saber ser uma cela especial, das três que lá existem. São de tamanho normal (2x3m), sem instalações sanitárias. Tem uma janela gradeada e uma porta de aço. Nela existia um colchão imundo, sem nenhum travesseiro ou coberta. Não consegui dormir, as dores não permitiam. (Numa dessas celas é que foi colocado o corpo de Vladimir Herzog, morto na Oban, para simular suicídio.)

     Bem cedo, encapuzaram-me e fui conduzido para a sala de torturas, no prédio principal do DOI, onde “morei” por vinte dias.

     [...]Retiraram o capuz e vi-me colocado diante da figura mais sádica dos sádicos do DOI – o “doutor Homero de Sousa”. Esse nome é evidentemente falso. O “doutor” corre também por conta do disfarce. Na verdade, é oficial do Exército. Fisicamente forte, só fala com ódio e de seus olhos injetados expele raiva.

    [...]Logo de saída, no dia 21, penduraram-me no “pau-de-arara” por um tempo incalculável. Urrava pela dor na espinha. Colocaram-me, então, um pano na boca, para abafarem meus gritos. Lá pelas 11 horas, calculo, o “doutor Homero” desceu-me do “pau-de-arara” pelo método do “carrossel”. Ou seja, ele mandava que uma das pontas do ferro (que me mantinha suspenso) fosse posta no chão. Davam-me um empurrão e meu corpo girava em torno do ferro, até chegar ao piso. Como resultado, além de ficar momentaneamente tonto, o atrito na barriga da perna (que estava comprimida pelas amarras) provocou feridas dolorosas, cujas cicatrizes são visíveis até hoje, seis meses depois.

     [...]Três dias depois fiquei como um lunático. Só conseguiam me manter desperto com as “máquinas de choques”, com água fria que me jogavam (no décimo dia deixaram que eu tomasse banho, pois fedia e o banho me despertava) e com amônia aplicada nas narinas. De vez em quando alguns torturadores deixavam que eu dormisse uns 10 ou 15 minutos sentado no tamborete duro, ou semideitado no chão, porque as feridas nas nádegas não possibilitavam que ficasse sentado por muito tempo. É incrível, quando sempre fui um chato para dormir, a necessidade obrigo-me a dormir num tamborete duro, 10 a 15 minutos, a dormir sem colchão, no piso duro e frio. Vem a ser uma das formas mais monstruosas de flagelo essa de impedir-se por vários dias alguém de dormir. Só isso deixa a pessoa alucinada.

     [...]Como contei, a tortura da sede foi também monstruosa, dado o fato de fazer muito calor em São Paulo naqueles dias de janeiro e fevereiro. Eu sempre estava sedento. Possivelmente contribuía para isso o fato de perder muita água durante as torturas, pois o suor escorria de meu corpo. Ademais, um auxiliar da carceragem disse-me que, às vezes, recebiam a orientação de salgar um pouco a água. Eu acredito nisso, porque a água (o pouco que me permitiam beber) era salobra. Por tudo isso é que tive de roubar um pouco de água num urinol sujo.

(Não esclareci nesta carta para minha mulher detalhes mais humilhantes desse episódio. Na verdade, eu havia defecado nesse urinol, mas como nele colocavam água, para facilitar a limpeza, afastei com a mão as fezes e fui bebendo a água misturada com a urina)

     [...]Depois de preso à “cadeira do dragão”, inteiramente nu, molhavam meu corpo com uma salmoura. Acendiam dois holofotes fortíssimos e aguardavam que o sal na pele começasse a queimar. Uma hora depois, a dor era já insuportável. Soltava então berros de dor. O interrogador chegava e sadicamente perguntava: “Já virou churrasco? Então, vamos começar o interrogatório.”

*Herança de Um Sonho; Marco Antônio Tavares Coelho; Editora Record; 2000.

** Marco Antônio Tavares Coelho (Belo Horizonte, 31/05/1926 - São Paulo, 22/11/2015)

Na década de 40, participou intensamente da política estudantil como secundarista e, depois, na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Foi secretário da União Estadual dos Estudantes (UEE) e, em 1943, ingressou no Partido Comunista Brasileiro — então Partido Comunista do Brasil (PCB). No ano seguinte foi designado dirigente regional do partido, e depois secretário estadual.

Formou-se em 1948, e em 1953 saiu de Minas Gerais, passando a trabalhar clandestinamente pelo PCB. Membro da seção de educação do comitê central do partido, militou como professor em escolas de formação de quadros para o PCB nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, até 1958.

Em 1959 foi encarregado pelo PCB de organizar e dirigir um escritório de assessoria parlamentar, com o intuito de apoiar os parlamentares com tendências políticas nacionalistas eleitos no ano anterior. Sobre esse período, Marco Antônio declarou ter mantido contatos mais freqüentes com Bocaiúva Cunha, Renato Archer, Almino Afonso, Valdir Pires, Temperani Pereira e San Tiago Dantas. Em janeiro de 1962, acompanhou San Tiago Dantas, então ministro das Relações Exteriores do governo João Goulart, a uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Punta del Este, no Uruguai.

Em setembro de 1960 participou, no Rio de Janeiro, do V Congresso Nacional do PCB, ocasião em que foi eleito membro efetivo do comitê central do partido. Nesse mesmo ano viajou a Cuba, para o Congresso da Juventude do Partido Socialista Popular.

Por ocasião da renúncia do presidente da República Jânio Quadros (25/8/1961), apoiou a campanha pela posse de seu substituto legal, o vice-presidente João Goulart, cujo nome fora vetado pelos ministros militares. No pleito de outubro de 1962, elegeu-se deputado federal pelo estado da Guanabara na legenda da Frente Popular, constituída pelo Partido Social Trabalhista (PST) e o Partido Social Democrático (PSD). Na propaganda eleitoral, era apresentado como o nome indicado pelo dirigente comunista Luís Carlos Prestes, aparecendo claramente como candidato do PCB na Guanabara. Empossado em fevereiro de 1963, foi vice-líder do PST durante a legislatura.

Com a instauração do regime militar em março de 1964, que depôs o presidente João Goulart, passou à clandestinidade. Teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos no dia 10 de abril, com base no Ato Institucional nº 1, decretado na véspera pelo autodenominado Comando Supremo da Revolução. Em 1965, durante a conferência estadual do PCB em São Paulo, foi eleito para a direção estadual do partido. No mesmo ano foi indiciado no processo das “cadernetas de Prestes”, resultado da apreensão, pela polícia, de documentos do secretário-geral do PCB nos quais constavam nomes de políticos que teriam feito acordos eleitorais com os comunistas visando ao pleito de 1965.

Em julho de 1966, publicou na Revista Civilização Brasileira o artigo “Causas da derrocada de 1º de abril de 1964”, sob o pseudônimo Assis Tavares. Em dezembro do ano seguinte, foi reeleito membro do comitê central do partido durante o VI Congresso Nacional do PCB, realizado clandestinamente em São Paulo. Ainda em 1967, compareceu à reunião do comitê central que decidiu pela expulsão de Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira e Manuel Jover Teles do PCB. Também participou, como delegado, da Conferência Mundial dos Partidos Comunistas, em 1968, e em 1971 foi eleito, em reunião do comitê central no Rio de Janeiro, membro da comissão executiva, no cargo de secretário nacional de Finanças.

Durante os 11 anos em que permaneceu na clandestinidade — de 1964 a 1975 —, utilizou os codinomes “Jacques”, “Jacques Bandeira”, “Carlos Bandeira”, “Alcides Violim” e “Oliveira”. Em 18 de janeiro de 1975 foi preso no Rio de Janeiro, em meio a operações policiais que desbarataram gráficas clandestinas do jornal Voz Operária, órgão oficial do PCB. Foi acusado de tentar reorganizar o partido e apontado como responsável pelos setores de finanças e de agitação e propaganda. Sua prisão ocorreu durante uma grande escalada repressiva desencadeada contra o PCB, que se estendeu até o início de 1976, atingindo centenas de militantes e vários dirigentes. Dez membros do comitê central do partido desapareceram entre 1974 e 1975 e são considerados mortos pelos órgãos de repressão, embora o governo nunca tenha admitido o fato.

Sua mulher, Teresa de Castro Tavares Coelho, denunciou, em carta ao presidente da República Ernesto Geisel (1974-1979), as torturas sofridas pelo ex-deputado nas dependências do Departamento de Operações Internas (DOI) do II Exército, em São Paulo. No dia 27 de fevereiro de 1975 a Rede Globo de Televisão exibiu um filme, tomado à distância, em que Marco Antônio aparecia caminhando no pátio da prisão, numa tentativa de negar as torturas. Três dias depois o ministro da Justiça, Armando Falcão (1974-1979), divulgou nota oficial garantindo que o ex-deputado nada sofrera nas dependências do DOI. A nota tinha por base um laudo pericial assinado pelos médicos legistas Harry Shibata e Paulo Augusto de Queirós Rocha, que “atestaram a plena integridade física do examinando”. No dia 25 de abril a imprensa divulgou depoimento prestado por Marco Antônio ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista, em que revelava o apoio do PCB a 23 candidatos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na campanha eleitoral de 1974. Confessava também que o PCB recebia recursos do exterior e desenvolvia intensa atividade partidária em empresas estatais como a Petrobras, a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Estrada de Ferro Leopoldina.

Em maio do mesmo ano, ao ser apresentado à Justiça Militar, mostrou aos juízes as marcas e cicatrizes provocadas por torturas. A pedido do seu advogado, Mário Simas, o juiz-auditor determinou a realização de novo exame de corpo de delito. Essa segunda perícia, assinada por dois oficiais-médicos do Exército em 12 de junho de 1975, constatou os traumatismos que o primeiro laudo não apontara: 20 sinais de lesão, que configuravam a prática de tortura. Em dezembro, foi condenado por um tribunal militar de São Paulo a cinco anos de reclusão e perda dos direitos políticos por dez anos. A principal peça de acusação deste processo foi a apreensão de 60 mil dólares que teriam vindo do exterior, através da Argentina, para custear as atividades do PCB.

Em abril de 1976, encaminhou ao Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo uma representação contra Harry Shibata, denunciando a falsidade do laudo médico assinado pelo legista. O CRM-SP abriu inquérito sigiloso, que se prolongou por quatro anos. Em setembro de 1978, o ex-deputado foi novamente julgado, desta vez por um tribunal militar do Rio de Janeiro, sob a acusação de ter participado do VI Congresso do PCB. O tribunal absolveu ou declarou prescritas as penas de 66 acusados, entre os quais Luís Carlos Prestes e Marco Antônio, que continuou preso até 18 de dezembro de 1978, quando obteve liberdade condicional. Em abril de 1980, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), foi beneficiado pela Lei de Anistia decretada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Em outubro do mesmo ano, com base em sua denúncia, o CRM-SP cassou o registro profissional de Harry Shibata, na época diretor do Instituto Médico Legal (IML) de S. Paulo. A punição não foi, contudo, referendada pelo Conselho Federal de Medicina.

Expulso do PCB por decisão da direção do partido, que reprovou seu comportamento na prisão, passou a dedicar-se ao jornalismo, como colaborador dos jornais Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, e de publicações da Editora Abril.

Em 1981 mudou-se para Goiânia, onde trabalhou por dois anos no jornal Diário da Manhã. Participou ativamente da campanha eleitoral de Iris Resende Machado ao governo do estado de Goiás, em 1982. De volta a São Paulo, em 1984, foi contratado como jornalista da Empresa Municipal de Urbanização, sendo demitido pelo prefeito Jânio Quadros, em janeiro de 1986. No mesmo ano, foi coordenador de comunicação social do Ministério da Agricultura. Em 1988 passou a trabalhar no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como assessor do presidente da instituição, Crodovaldo Pavan.

Em 1990 ingressou na Universidade do Estado de São Paulo (USP), trabalhando no Instituto de Estudos Avançados e junto ao gabinete do reitor. Tornou-se editor executivo da revista Estudos Avançados.

Já no governo Fernando Collor de Melo, em 1992, foi colocado em disponibilidade no CNPq e, no ano seguinte, aposentado por limite de idade (65 anos). Permaneceu trabalhando na USP, desempenhando, de abril de 1994 a maio de 1996, a função de assistente acadêmico do Instituto de Estudos Avançados.

Em 2002, recebeu do governo federal uma indenização em reparação aos danos sofridos durante o regime militar.

De seu casamento com Teresa de Castro Tavares Coelho, teve dois filhos.

Publicou em 2000 a autobiografia Herança de um sonho — as memórias de um comunista. Publicou ainda Rio das Velhas – memórias e desafios (2002) e Os descaminhos do São Francisco (2005).

Fonte: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/marco-antonio-tavares-coelho

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sexta-feira, 25 de março de 2022

O Partido de 1922

      Em 25 de março de 1922, nascia o Partido Comunista do Brasil, seção brasileira da III Internacional Comunista”, o PCB. Ao longo da sua trajetória, encontramos muitos exemplos de abnegação e luta, assim como, de acertos e equívocos.

O jornal do partido em1928.

     O partido de 1922, comunista, internacionalista, proletário e revolucionário, nasceu inspirado pela primeira revolução socialista vitoriosa no mundo: a Revolução de 1917 na Rússia.

     Hoje, efetivamente, ele não mais existe. Retrocedeu juntamente com a revolução que lhe serviu de inspiração. Mas o seu legado está presente em todos aqueles que não se submetem aos ditames do capital e lutam para colocar um fim ao sistema de exploração do homem pelo homem.

     Decorridos cem anos da fundação do PCB, as contradições e misérias do capitalismo em nosso país e no mundo agravaram-se, demonstrando que sua tarefa ainda está inconclusa. Por isso mesmo, nosso objetivo primordial não pode deixar de ser: a partir das lutas do proletariado contra os exploradores, reconstruí-lo! 

Edição: Página 1917

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quarta-feira, 23 de março de 2022

RESOLUÇÃO DO COMITÊ CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DA GRÉCIA (KKE) SOBRE A GUERRA IMPERIALISTA NA UCRÂNIA

Em 09/03/2022.

 


1. O KKE, desde o primeiro momento, condenou a invasão russa na Ucrânia e manifestou a sua solidariedade com o povo da Ucrânia. 

O povo ucraniano paga há pelo menos uma década pelos antagonismos e intervenções sobre a partilha de mercados e esferas de influência entre os EUA, a OTAN e a UE, e a estratégia de "alargamento euro-atlântico", por um lado, e por outro, a estratégia da Federação Russa capitalista para seus próprios planos de exploração contra os povos, a fim de fortalecer suas próprias coalizões imperialistas (União Econômica Eurasiática, Organização do Tratado de Segurança Coletiva) na região da ex-URSS. 

A intervenção militar da Rússia, de fato, marca o início formal de uma guerra preparada pelo material combustível acumulado ao longo do tempo. No seu cerne está a distribuição de riqueza mineral, energia, terra e trabalho, oleodutos e redes de transporte de mercadorias, pilares geopolíticos, quotas de mercado. 

Durante anos, os EUA, a OTAN e a UE vêm tramando e promovendo o cerco econômico, político e militar da Rússia, intervindo, transferindo forças militares poderosas e estabelecendo bases de morte, atirando lenha na fogueira. 

Desde a dissolução do Pacto de Varsóvia, a OTAN não apenas não foi desmantelada ou reduzida, mas também se expandiu, incorporando outros países do Leste Europeu e ex-repúblicas soviéticas em suas fileiras. Está montando forças militares modernas, bases e armas em vários pontos no entorno da Rússia. Durante anos, houve planos de guerra e exercícios militares no Mar do Norte, Europa Oriental, Mar Negro e Mar Báltico visando a Rússia.

Esses últimos eventos são o episódio mais recente de um longo impasse sobre a Ucrânia. Também implica fortes rivalidades dentro da burguesia ucraniana, formada após a derrubada do socialismo, sobre se o país deve aderir a uma aliança imperialista ou outra. No contexto deste confronto, por um lado, os EUA, a OTAN e a UE apoiaram e organizaram juntamente com parte da burguesia ucraniana a "Revolução Laranja" de 2004 e o golpe sangrento de 2014, utilizando e apoiando as forças de extrema direita com o objetivo de estabelecer um regime que lhes fosse favorável. Por outro lado, a Rússia passou a tomar da Ucrânia partes de seu território, anexando a Crimeia e fortalecendo os separatistas de língua russa nas regiões de Donbas para seus próprios interesses.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Os povos da Ex-URSS

Miguel Urbano Rodrigues¹

 

A URSS e suas múltiplas nacionalidades

O desaparecimento da União Soviética foi uma tragédia para a Humanidade. Foi acelerada pela traição de Gorbatchov e pela guerra não declarada do imperialismo norte-americano, mas numerosos outros fatores contribuíram para ela. Para a tentarmos entender, e também a para tentarmos entender a Rússia contemporânea é imprescindível, nomeadamente, um conhecimento mínimo da história dos povos que habitam o seu gigantesco território.

Não há precedente histórico para o Estado multinacional que foi criado na União Soviética após a Revolução Russa de Outubro de 1917.

Finda a guerra civil, povos de 126 nacionalidades conviveram durante muitas décadas, quase sempre pacificamente, no vastíssimo espaço euroasiático soviético. Esses povos falavam 180 idiomas diferentes, de quatro famílias linguísticas.

Como foi possível?

As tentativas de explicação desse desafio à lógica da História são muitas e contraditórias.

O gigantismo do país foi o desfecho de circunstâncias históricas que não eram previsíveis quando em Kiev, na Ucrânia, surgiu no século IX o principado de Rus, berço do futuro estado, criado – segundo a maioria dos historiadores - pelos varegos, escandinavos que ali chegaram descendo grandes rios.

A Rússia medieval teve como referência cultural e religiosa Bizâncio, a Roma do Oriente. Mas permaneceu um país atrasado no qual pequenos principados raramente se uniam para enfrentar os invasores estrangeiros. Estes vinham do oriente, nómadas asiáticos, e do ocidente, sobretudo a avançada para leste de povos germânicos.

No século XIII, os mongóis de Batu Khan destruíram a s principais cidades, de Moscou a Kiev, numa orgia de barbárie. Esse povo de nómadas chegou para ficar.

Durante quase três séculos, os Kanatos dos príncipes gengiskanidas dominaram grande parte da Rússia, impondo pesados tributos às populações.

Não se fundiram com os russos. Na Ásia os mongóis e turcos da conquista diluíram-se, descaracterizaram-se no contato com grandes civilizações. Na China sinizaram-se; na Pérsia tornaram-se muçulmanos. Na Rússia atrasada, a cultura e a religião ortodoxa não os atraíram; abraçaram o Islã.

Foi somente no século XVI que o czar Ivan IV, ao tomar Kazan, pôs fim ao senhorio da Horda de Ouro mongol.

Mas a herança genética dos invasores asiáticos foi profunda. Milhões de russos descendem de um prolongado processo de mestiçagem. Os avós paternos do próprio Lenin eram calmucos, um povo turco mongol.

Sem acesso ao Báltico e ao Mar Negro, acossada a Ocidente pela Ordem Teutónica, por polacos e lituanos, e mais tarde pelos suecos, a sul pela Turquia, a Rússia iniciou a sua expansão para leste.

A imensidão siberiana era um território praticamente despovoado. Na época em que os russos avançaram para além dos Urais, o total de habitantes da Sibéria, segundo os demógrafos, rondaria os 300 000. A maioria, de origem turca, nomadizava. Eram tribos remanescentes das grandes invasões que na Alta Idade Média tinham avançado para a Europa, sobretudo a partir do Altai.

Os pioneiros russos, deslocando-se a pé, a cavalo, de barco ou de trenó consoante a estação, atingiram rapidamente o Ártico e em 1640 fundavam Irkutsk, e uma década depois a galopada conquistadora desembocava no Pacifico.

Mas o imperialismo russo somente assumiu contornos de política de estado um século depois, com Pedro I, cognominado o Grande. É no reinado desse czar que a Rússia expulsa os suecos de Riga e do golfo da Finlândia, onde funda São Petersburgo. As guerras com a Turquia abrem-lhe simultaneamente o acesso ao Mar de Azov e ao Mar Negro. A Ucrânia, que estava quase toda sob ocupação polaca, é incorporada na Rússia.

A partir de meados do século XVIII, na época da czarina Catarina, a política imperial altera- se profundamente.

Que o Inferno lhe Seja Pesado

Urariano Mota*

Faleceu o Cabo Anselmo em 15 de março de 2022.

Cabo Anselmo, a ignomínia a serviço da burguesia.

Pelo telefone, o escritor e jornalista André Cintra me comunicou a notícia há 5 minutos. Eu estava fazendo a sesta, mas dei um salto da cama. E estou até agora sem saber por onde comece o obituário de José Anselmo dos Santos.

As notícias, com a sua natural objetividade, que nesse caso querem dizer, com todo natural desconhecimento da história, falam que José Anselmo dos Santos morreu na noite dessa terça-feira aos 80 anos, em Jundiaí (SP). E que ele foi “agente duplo durante o regime militar”. Viram? Chamam de “regime militar” a ditadura e o terror de Estado no Brasil.

Mas vamos ver se Deus nos ajuda a tentar alguma justiça para esse criminoso.

Se retirarmos a infâmia da sua pele, tarefa difícil ou impossível, a primeira característica do Cabo Anselmo é que era um bom mentiroso. Primeiro, mentia sobre o seu nome: ele era Daniel, como se apresentava no Recife, ou Jadiel ou Jônata? Isso era o mínimo. Onde ele se excedia com artes de representação não só em palavras, era na frieza e cinismo com que se referia a seu maior crime: a entrega da companheira grávida, Soledad Barrett, à repressão. Em mais de uma entrevista, diante de repórteres comprometidos com a direita ou pela ignorância histórica, ele se referia à grande guerreira com a finura de uma serpente.

Na sua entrevista à Band, anotei que Fernando Mitre, ao mencionar Soledad, o Cabo Anselmo respondeu, com as duas mãos levantadas, como quem se defende, como quem faz lembrar um trato, que ameaçou ser rompido: “Opa!”. E Mitre, de volta: “Depois o senhor fala sobre ela”. E ele, “ah, claro”. E o que se viu depois foi  nada, ou quase nada.

No Roda Viva, em um dos momentos de calculado cinismo, Anselmo se refere a Soledad Barrett.

Falou o entrevistador: “O senhor contesta que ela estivesse grávida, como a versão histórica…?”

Cabo Anselmo: “Se eu acreditar, como dizem os médicos, que o DIU era o mais seguro dos preservativos, eu contesto, sim”.

E o entrevistador levantou a bola para Anselmo: “Então o feto encontrado lá não era dela?”

Cabo Anselmo respondeu: “Eu imagino que seria da Pauline. A Pauline estava grávida, inclusive teve problema de gravidez, e Soledad a levou até o médico”.

Infâmia fria sem contestação.

Mas conheçam a palavra de Nadejda Marques, filha única de Jarbas Marques, um dos seis militantes socialistas mortos no Recife, junto a Soledad. Hoje, Nadejda Marques é doutora em Direitos Humanos e Desenvolvimento:

“A minha avó Rosália, mãe de Jarbas Marques, conseguiu entrar no necrotério. Ela, entre os vários trabalhos que tinha, era também enfermeira. Ela conhecia a pessoa de Soledad. Minha avó sempre contava o que viu no fatídico janeiro de 1973. Meu pai, com marcas de tortura pelo corpo tinha marcas de estrangulamento no pescoço e água nos pulmões compatíveis com o resultado da tortura por afogamento. Os tiros no peito e na cabeça foram dados após sua morte. O corpo de Soledad, ensanguentado ainda, tinha restos de placenta e um feto dentro de um balde improvisado.”

Soledad Barret

E definitivas são as palavras na denúncia da advogada Mércia Albuquerque:

“Soledad estava com os olhos muito abertos, com uma expressão muito grande de terror. Eu fiquei horrorizada. Como Soledad estava em pé, com os braços ao lado do corpo, eu tirei a minha anágua e coloquei no pescoço dela. O que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta e ficou deitada, e a trouxeram depois, e o sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. O feto estava lá nos pés dela. Não posso saber como foi parar ali, ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror.”

Na morte do Cabo Anselmo, enfim, Soledad Barrett foi e continua a ser o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para os crimes dele. Ela aponta para José Anselmo dos Santos e lhe sentencia, aonde ele for: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha”.

Que o inferno lhe seja pesado, enfim. Por toda a eternidade.

* Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973.

Edição: Página 1917

Fonte: https://vermelho.org.br/2022/03/16/cabo-anselmo-no-seu-obituario-por-urariano-mota/

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sábado, 19 de março de 2022

A Petrobras e os Fertilizantes*

 A Aberrante Dependência Estrangeira

Por Revolução Brasileira em 18/03/2022.

 


     O recente conflito entre Rússia e OTAN fez suscitar no Brasil (até mesmo nos jornalões burgueses) a discussão em torno da dependência do país na importação de fertilizantes (em especial dos grupos NPK – nitrogenados, fosfatados e potássicos). O Brasil consome anualmente cerca de 43 milhões de toneladas, sendo aproximadamente um terço para cada grupo. É o maior importador de fertilizantes no mundo, comprando até 85% daquilo que consome. A dependência do mercado estrangeiro é aberrante: o Brasil importa até 95% dos fertilizantes nitrogenados (comprando de Rússia, China e Oriente Médio), até 75% dos fertilizantes fosfatados (adquiridos da Rússia, China e Marrocos) e até 95% dos fertilizantes potássicos (vindos da Rússia, Belarus e Canadá).

      Essa dependência se mostra ainda mais dramática num cenário como o presente, em que a queda das importações pode levar ao aumento dos preços dos alimentos – seja pela elevação do preço dos fertilizantes importados seja pelo impacto negativo nas colheitas em caso de desabastecimento.

       Esse impacto poderia ser atenuado caso a Petrobras, hoje nas mãos de uma camarilha ultraliberal, não estivesse nos últimos anos se desfazendo de suas fábricas de fertilizantes nitrogenados. As operações ocorrem sempre de forma suspeita e lesiva ao patrimônio público – mas sempre com a benção do STF e TCU. A estatal, que já vem se retirando do mercado de fertilizantes nitrogenados desde 2015, vem acelerando o processo desde então com a hibernação das unidades do Sergipe e Bahia em 2018 (e que foram arrendadas em 2020 pela Proquigel Química, pertencente ao grupo Unigel) e da unidade no Paraná em 2020 (esta última motivando a mobilização grevista em fevereiro do mesmo ano). Uma outra unidade de nitrogenados, a UFN3, situada em Três Lagoas (MS), cuja construção foi iniciada pela Petrobrás (sendo paralisada com 80% das obras concluídas em 2014) foi adquirida recentemente por um grupo de investidores russos da Acron.

      Mesmo no setor privado a desnacionalização pode comprometer ainda mais o mercado interno. Nos últimos cinco anos a multinacional suíça Eurochem fez três aquisições de indústrias do ramo de fertilizantes no Brasil, como a Fertilizantes Heringer, Fertilizantes Tocantins e a Serra do Salitre.

       Um país de produção agrícola tão elevada se mostrar tão suscetível às flutuações na dinâmica internacional é um sintoma crítico da dependência e do subdesenvolvimento característicos de nosso país, sempre entregue aos desígnios de uma classe dominante subordinada aos interesses estrangeiros. A falta de uma postura de confronto com o liberalismo – em especial por parte da esquerda – leva à manutenção deste quadro de dependência que resulta em graves prejuízos à população brasileira, diariamente vítima deste assalto em detrimento da acumulação de uma minoria – vide a própria Petrobrás, uma empresa estatal que hoje faz um papel de Robin Hood às avessas, assaltando a população com preços exorbitantes na venda de combustíveis e outros derivados, praticando preços atrelados aos valores internacionais, mesmo sendo quase auto suficiente em sua produção, tudo isso para garantir a remuneração de acionistas privados (a maioria estrangeiros).

      Esse cenário só poderá mudar quando a esquerda estiver orientada em atender os interesses e soberania do povo brasileiro. Para tal, deve assumir uma postura de confronto com o grande capital, promovendo reformas e nacionalizações e não subordinando-se a ele numa política ilusória de conciliação de classes. A esquerda precisa urgentemente debater a Revolução Brasileira. Precisa tematizar sobre o poder, e não sobre governos. Essas questões não se resolvem com alianças eleitorais. Resolvem-se, ao contrário, com a Revolução. Tendo como aliados os trabalhadores, não seus algozes.

Edição: Página 1917

*Fonte:https:https://revolucaobrasileira.org/18/03/2022/a-petrobras-e-os-fertilizantes/

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segunda-feira, 14 de março de 2022

Sobre as Guerras

 Mao Tsé-Tung

"A História só registrou duas espécies de guerras: as guerras justas e as guerras injustas. Nós somos pelas guerras justas e contra as guerras injustas. Todas as guerras contra-revolucionárias são injustas, todas as guerras revolucionárias são justas."


Mao em 1967.


     A guerra, esse monstro que faz com que os homens se matem, acabará por ser eliminada pelo próprio desenvolvimento da sociedade humana, e há-de sê-lo ainda num futuro que já não está longe. Todavia, para suprimir a guerra só há um meio: opor a guerra à guerra, opor a guerra revolucionária à guerra contra-revolucionária, opor a guerra nacional revolucionária à guerra nacional contra-revolucionária, opor a guerra revolucionária de classe à guerra contra-revolucionária de classe. A História só registrou duas espécies de guerras: as guerras justas e as guerras injustas. Nós somos pelas guerras justas e contra as guerras injustas. Todas as guerras contra-revolucionárias são injustas, todas as guerras revolucionárias são justas. Seremos nós quem porá fim, com as nossas próprias mãos, à época das guerras na história da humanidade. Sem dúvida alguma, a guerra que estamos fazendo é uma parte da última das guerras. Sem dúvida alguma também, a guerra a que teremos de fazer face será uma parte da maior e mais cruel de todas as guerras. Ameaça-nos a maior e a mais cruel das guerras injustas contra-revolucionárias, e, se não brandirmos o estandarte da guerra justa, a maior parte da humanidade experimentará os piores sofrimentos. O estandarte da guerra justa da humanidade é o estandarte da salvação da humanidade; o estandarte da guerra justa na China é o estandarte da salvação da China. Uma guerra realizada pela imensa maioria da humanidade e a imensa maioria do povo chinês é, incontestavelmente, uma guerra justa, é a empresa mais nobre e a mais gloriosa, uma empresa que salvará a humanidade e a China, uma ponte que conduzirá a uma era nova na história do mundo. Quando a sociedade humana chegar à supressão das classes, à supressão do Estado, não haverá mais guerras — nem contra-revolucionárias nem revolucionárias, nem injustas nem justas. Será a era da paz perpétua para a humanidade. Ao estudarmos as leis da guerra revolucionária, nós partimos da aspiração de suprimir todas as guerras. Nisso reside a diferença entre nós, os comunistas, e os representantes de todas as classes exploradoras.¹

     A História mostra que as guerras se dividem em duas categorias: justas e injustas. Todas as guerras progressistas são justas, e todas as guerras que impedem o progresso são injustas. Nós, os comunistas, opomo-nos a todas as guerras injustas que impedem o progresso, mas não nos opomos as guerras progressistas, as guerras justas. E não só não nos opomos as guerras justas, como ainda tomamos ativamente parte nelas. Como exemplo de guerra injusta temos a Primeira Guerra Mundial, onde as duas partes lutaram por interesses imperialistas, razão por que os comunistas do mundo inteiro se opuseram firmemente a ela. O modo de opor-se a uma guerra desse tipo é fazer todo o possível por impedir que estale, mas se chega a estalar, o modo de opor-se a ela é combater a guerra com a guerra, contrapor a guerra justa a injusta, tanto quanto possível. A guerra que o Japão faz é uma guerra injusta, impede o progresso, razão por que os povos de todo o mundo, incluindo o próprio povo japonês, devem opor-se a ela, e estão a opor-se-lhe na prática. No nosso país, o povo e o governo, o Partido Comunista e o Kuomintang, todos desfraldaram a bandeira da justiça e fazem a guerra nacional revolucionária contra a agressão. A nossa guerra é sagrada e justa, é uma guerra progressista e tem a paz como objetivo. O seu objetivo é a paz não apenas no nosso país mas em todo o mundo, e não apenas uma paz temporária mas sim uma paz perpétua. Para atingirmos esse objetivo, nós devemos travar uma luta de vida ou morte, estar preparados para todos os sacrifícios, perseverar até ao fim, e não parar enquanto o objetivo não tiver sido alcançado. Seja qual for o sacrifício e o tempo necessário para atingi-lo, já se desenha claramente diante dos nossos olhos a imagem dum novo mundo de luz e paz perpétuas. A nossa fé ao fazermos essa guerra baseia-se na convicção de que dos nossos esforços vai nascer uma China nova e um mundo novo de luz e paz perpétuas. O fascismo e o imperialismo querem perpetuar a guerra, enquanto que nós queremos acabar com ela num futuro não muito distante. A grande maioria da humanidade deve despender os seus maiores esforços nesse sentido.²

Em todos os países do mundo, as pessoas discutem hoje sobre a eventualidade do desencadeamento de uma III Guerra Mundial. Nós devemos estar psicologicamente preparados para essa eventualidade e devemos abordar as coisas de um ponto de vista analítico. Nós somos resolutamente pela paz e contra a guerra. Não obstante, se os imperialistas insistem em desencadear a guerra, nós não a devemos temer. A nossa atitude perante esta questão é a mesma a adotar perante qualquer “desordem”: em primeiro lugar, nós somos contra; em segundo lugar, não a tememos. A I Guerra Mundial foi seguida pelo nascimento da União Soviética, com 200 milhões de habitantes; a II Guerra Mundial foi seguida pela formação do campo socialista, que abarca uma população de 900 milhões. Se os imperialistas insistirem, apesar de tudo, em desencadear uma terceira guerra mundial, é certo que outras centenas de milhões de homens passarão para o lado do socialismo; restará assim pouco terreno para os imperialistas, e a ruína total do sistema imperialista será igualmente possível.³

Notas:

1 - Problemas estratégicos da guerra revolucionária na China; 1936.

2 - Sobre a guerra prolongada; 1938.

3 - Sobre a justa solução das contradições so seio do povo;1957. 

Edição: Página 

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sexta-feira, 11 de março de 2022

Compaixão Humanitária de Geometria Variável

As Lições a Tirar da Guerra na Ucrânia

Refugiados ucranianos num posto de fronteira.

Illan Pappé  (04/03/2022)

 

O USA Today relatou que uma fotografia que se tornou viral sobre um arranha-céus atingido na Ucrânia por um bombardeamento russo revelou-se ser um arranha-céus demolido na faixa de Gaza pela força aérea israelita em maio de 2021.

Alguns dias antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano tinha-se queixado ao embaixador israelita em Kiev: “Vocês estão a tratar-nos como Gaza”. Estava furioso por Israel não ter condenado a invasão russa e estar apenas interessado na expulsão de cidadãos israelitas do Estado (Haaretz, 17 de fevereiro de 2022).

Foi uma mistura de referência à evacuação pela Ucrânia das esposas ucranianas de palestininos da faixa de Gaza em maio de 2021, e de recordar a Israel do total apoio do presidente ucraniano ao ataque de Israel à Faixa de Gaza nesse mês (voltarei a esse apoio no final deste texto).

Os ataques de Israel a Gaza devem, de fato, ser mencionados e considerados na avaliação da atual crise na Ucrânia. Não é uma coincidência que as fotos estejam a ser confundidas – não há muitos arranha-céus que foram derrubados na Ucrânia, mas há uma abundância de arranha-céus em ruínas na faixa de Gaza. Mas não é apenas a hipocrisia a respeito da Palestina que emerge quando consideramos a crise da Ucrânia num contexto mais amplo; é a dupla moral ocidental que deve ser escrutinada, sem nunca ficarmos indiferentes às notícias e imagens que nos chegam da zona de guerra na Ucrânia: crianças traumatizadas, fluxos de refugiados, edifícios destruídos pelos bombardeamentos e o perigo iminente de que este seja apenas o início de uma catástrofe humana no coração da Europa.

Ao mesmo tempo, aqueles de nós que vivenciam, relatam e discutem as catástrofes humanas na Palestina não podem ignorar a hipocrisia do ocidente e devemos apontar para ela sem depreciar, por um momento, a nossa solidariedade humana e empatia para com as vítimas de qualquer guerra. Precisamos de o fazer, pois a desonestidade moral subjacente à agenda estabelecida pelas elites políticas e meios de comunicação social ocidentais permitir-lhes-á uma vez mais esconder o seu próprio racismo e a sua impunidade, assim como continuará a proporcionar imunidade a Israel e à sua opressão dos palestinianos. Detectei quatro falsos pressupostos que estão no cerne do envolvimento da elite ocidental na crise da Ucrânia até agora e enquadrei-os como quatro lições.

Primeira lição: os refugiados brancos são bem-vindos; os outros menos.

A decisão coletiva sem precedentes da UE de abrir as suas fronteiras aos refugiados ucranianos, seguida de uma política mais cautelosa da Grã-Bretanha, não pode passar despercebida em comparação com o fechamento da maioria das portas europeias aos refugiados provenientes do mundo árabe e de África desde 2015. A clara priorização racista, distinguindo os que querem salvar a vida com base na cor, religião e etnia, é abominável, mas é pouco provável que mude muito em breve. Alguns líderes europeus nem sequer têm vergonha de expressar publicamente o seu racismo, tal como o primeiro-ministro búlgaro, Kiril Petkov:

Estes [os refugiados ucranianos] não são os refugiados a que estamos habituados… estas pessoas são europeias. Estas pessoas são inteligentes, são pessoas instruídas. … Esta não é a onda de refugiados a que temos estado habituados, pessoas de cuja identidade não estávamos certos, pessoas com passados pouco claros, que poderiam até ter sido terroristas…”

Ele não está sozinho. Os meios de comunicação ocidentais estão sempre a falar do “nosso tipo de refugiados” e este racismo manifesta-se claramente nos postos de fronteira entre a Ucrânia e os seus vizinhos europeus. Esta atitude racista, com fortes conotações islamofóbicas, não vai mudar, uma vez que a liderança europeia continua a negar o tecido multiétnico e multicultural das sociedades de todo o continente. Uma realidade humana criada por anos de colonialismo e imperialismo europeu que os atuais governos europeus negam e ignoram, prosseguindo ao mesmo tempo com políticas de imigração baseadas no mesmo racismo que permeou o colonialismo e o imperialismo no passado.

Segunda lição: pode-se invadir o Iraque, mas não a Ucrânia.

A relutância dos meios de comunicação social ocidentais em contextualizar a decisão russa de invadir no âmbito de uma análise mais ampla – e óbvia – de como as regras do jogo internacional mudaram em 2003 é bastante desconcertante. É difícil encontrar qualquer análise que aponte para o fato de os EUA e a Grã-Bretanha terem violado o direito internacional sobre a soberania de um Estado quando os seus exércitos, com uma coligação de países ocidentais, invadiram o Afeganistão e o Iraque. A ocupação de um país inteiro para fins políticos não foi inventada neste século por Vladimir Putin; foi introduzida pelo ocidente como um instrumento justificado de política.

Terceira lição: por vezes o neo-nazismo pode ser tolerado.

Nenhuma análise destaca alguns dos argumentos válidos de Putin sobre a Ucrânia, que de modo algum justificam a invasão, mas precisam da nossa atenção mesmo durante a invasão. Até à crise atual, os meios de comunicação progressistas ocidentais, tais como The Nation, The Guardian, Washington Post, etc., alertaram-nos para o poder crescente dos grupos neonazistas na Ucrânia que poderiam ter impacto no futuro da Europa e não só. Esses mesmos meios de comunicação hoje ignoram o significado do neonazismo na Ucrânia.

The Nation relatou no dia 22 de fevereiro de 2019:

Hoje, relatos crescentes de violência de extrema-direita, ultranacionalismo e erosão das liberdades básicas mostram a mentira na euforia inicial do ocidente. Há pogroms neonazistas contra os ciganos, ataques desenfreados a feministas e grupos LGBT, proibições de livros, e glorificação dos colaboradores nazistas patrocinada pelo Estado”.

Dois anos antes, o Washington Post (15 de junho de 2017) advertiu, muito perpicazmente, que um confronto ucraniano com a Rússia não deveria fazer-nos esquecer o poder do neonazismo na Ucrânia:

Enquanto a luta da Ucrânia contra os separatistas apoiados pela Rússia continua, Kiev enfrenta outra ameaça à sua soberania a longo prazo: poderosos grupos ultra-nacionalistas de direita. Estes grupos não são tímidos em utilizar a violência para atingir os seus objetivos, que certamente estão em desacordo com a democracia pró-ocidente tolerante na qual Kiev procura ostensivamente tornar-se”.

Contudo, hoje, o Washington Post adota uma atitude desdenhosa e qualifica essa descrição de “falsa acusação”:

Operam na Ucrânia vários grupos paramilitares nacionalistas, tais como o movimento Azov e o Sector de Direita, que abraçam a ideologia neonazista. Embora sejam de grande visibilidade, parecem ter pouco apoio do público. Apenas um partido de extrema-direita, o Svoboda, está representado no parlamento da Ucrânia, e detém apenas um lugar”.

Os avisos anteriores de um meio de comunicação social como The Hill (9 de Novembro de 2017), o maior site de notícias independente dos EUA, são esquecidos:

Existem, de fato, formações neonazistas na Ucrânia. Isto tem sido esmagadoramente confirmado por quase todos os grandes meios de comunicação social ocidentais. O fato de os analistas serem capazes de o minimizar como propaganda difundida por Moscou é profundamente perturbador. É especialmente perturbador dado o atual surto de neonazistas e supremacistas brancos em todo o mundo”.

Quarta lição: atingir os arranha-céus só é crime de guerra na Europa.

O regime ucraniano não tem apenas uma ligação com estes grupos e exércitos neonazistas, mas é também de maneira preocupante e embaraçosa pró-israelita. Um dos primeiros atos do presidente Volodymyr Zelensky foi retirar a Ucrânia do Comité das Nações Unidas para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestiniano – o único tribunal internacional que garante que a Nakba não seja negada ou esquecida. A decisão veio do presidente ucraniano; ele não tinha qualquer simpatia pela situação dos refugiados palestinianos, nem os considerava como vítimas de qualquer crime. Nas suas entrevistas após o último bombardeamento bárbaro israelita na faixa de Gaza em maio de 2021, declarou que a única tragédia em Gaza era a que os israelitas sofreram. Se assim é, então são apenas os russos que sofrem na Ucrânia.

Mas Zelensky não está sozinho. Quando se trata da Palestina, a hipocrisia atinge um novo nível. Um ataque contra um arranha-céus vazio na Ucrânia dominou as notícias e suscitou uma análise profunda sobre a brutalidade humana, Putin e a desumanidade. Estes bombardeamentos devem ser condenados, claro, mas parece que os que lideram a condenação entre os líderes mundiais se calaram quando Israel destruiu a cidade de Jenin em 2000, o bairro Al-Dahaya em Beirute em 2006 e a cidade de Gaza numa onda brutal atrás da outra, ao longo dos últimos quinze anos. Não foram sequer discutidas quaisquer sanções, e muito menos impostas, a Israel pelos seus crimes de guerra em 1948 e desde então. De fato, na maioria dos países ocidentais que hoje lideram as sanções contra a Rússia, até mesmo mencionar a possibilidade de impor sanções contra Israel é ilegal e catalogado como anti-semita.

Mesmo quando a solidariedade humana genuína no ocidente se exprime de forma justa para com a Ucrânia, não podemos ignorar o seu contexto racista e o preconceito eurocêntrico. A solidariedade massiva do ocidente é reservada para quem quer que esteja disposto a aderir ao seu bloco e esfera de influência. Esta empatia oficial não se encontra em parte alguma quando uma violência semelhante, e pior, é dirigida contra não-europeus, em geral, e contra os palestinianos, em particular.

Podemos, como pessoas de consciência, passar das nossas respostas às calamidades à nossa responsabilidade de apontar a hipocrisia que, em muitos aspectos, abriu o caminho para tais catástrofes. Legitimar internacionalmente a invasão de países soberanos e permitir a contínua colonização e opressão de outros, como a Palestina e o seu povo, conduzirá a mais tragédias, como a ucraniana, no futuro e em todo o planeta.

Edição: Página 1917

Fonte:https://bandeiravermelhablog1.wordpress.com/2022/03/05/compaixao-humanitaria-de-geometria-variavel-as-licoes-a-tirar-da-guerra-na-ucrania/

Publicação original: The Palestine Chronicle, 4/3/2022.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Planificação Estatal e Mercado*

Renildo Souza**

O "Socialismo de Mercado".


     Como surgiu o mercado na China? O povo reivindicou a volta do mercado? Quando começou o processo de reformas, o povo não estava reclamando a implantação de mercado, não havia manifestação popular nesse sentido, mas a liderança do PCC inclinou-se em favor da via mercantil. (Hart-Landsberg; BURKETT, 2004,P.31) Foi a vontade e determinação da cúpula dirigente do PCC. Assim, promoveu-se um deslocamento significativo: mercado em vez de um tipo específico de plano socializante. Negava-se a forma de plano a serviço da tentativa de construção do socialismo real. O que se chama “plano quinquenal” hoje na China é uma regulação forte do Estado na assim chamada “economia mista”, já conhecida no mundo depois da Segunda Guerra Mundial.

     É claro que a criação dos mercados e do setor privado na China tem que estar articulada, em um plano mais geral, com relações de classes sociais. (Yiching, 2005, p.49) Há alguma base em termos de desigualdades, interesses, privilégios e ideologia para o reaparecimento do mercado. As determinações históricas gerais vigentes na China impõem, de modo complexo, as condições de adaptação ao mercado. A opção pela reintrodução dos mecanismos de mercado e do setor privado foi clara. Já na própria 3ª Sessão Plenária, em dezembro de 1978, declarou-se que as forças de mercado eram a chave da modernização socialista. Isso poderia ser interpretado como, simplesmente, uma retomada de realismo na economia. Poderia ser um reconhecimento da necessidade da regulação mercantil na economia chinesa, em paralelo à planificação estatal. Poderia ser uma tomada de consciência das dificuldades advindas da burocratização do plano ou da estatização completa e absoluta da atividade econômica. Poderia ser resultado de um amadurecimento sobre as dificuldades, os ritmos e os prazos da construção econômica do socialismo, sob os bloqueios capitalistas mundiais. Mas não era nada disso! Passava-se para uma visão nova, distinta, específica. O mercado, agora, aparecia como um regulador chave da economia. Os preços de mercado seriam a ferramenta do cálculo econômico. E, ainda mais, lançou-se, posteriormente, uma confusão entre os conceitos de mercado e de socialismo, conforme as formulações do PCC, no início nos anos 1990, acerca do assim chamado socialismo de mercado, lembrando vagamente ideias de transição socialista como as formulações de Oscar Lange.

     A regulação do mercado estaria assentada na compreensão da vigência objetiva, inarredável, da lei do valor no período de construção econômica do socialismo. O mercado espontaneamente orientaria a alocação de recursos, segundo a lei do valor. No período de transição socialista, não caberia, simplesmente, trocar o funcionamento do sistema de preços, conforme as forças de oferta e procura no mercado, pela fixação de preços, administrativamente, por representantes do Estado. Assim, a liderança chinesa pós 1978 teria aceitado a operação do mercado como essencial ao funcionamento da economia, segundo as condições concretas vividas pela China. Parece ser essa a fundamentação do caminho escolhido pela China pós 1978: aceitar a lei do valor como algo natural, incontrolável, necessária praticamente pela eternidade. Nesses termos, seria viável impulsionar para a finalidade da valorização do capital, o que requer propriedade privada e mercado. Assim, quaisquer formas e meios seriam legítimos e poderiam ser empregados, a fim de desenvolver completamente as forças produtivas, estruturar e modernizar a economia. Pela retórica das autoridades chinesas, isso seria a própria construção do socialismo, em um processo evolucionário, a longuíssimo prazo.

*Estado e Capital na China; Renildo Souza; EDUFBA; 2018; p.68. 

**Renildo Souza, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFBA. 

Edição: Página 1917



quarta-feira, 9 de março de 2022

Nós e a Democracia

Francisco Martins Rodrigues

Maio/Junho de 2000



 Interrogado no programa de Júlio Isidro na RTP2, em 22 de abril, sobre a relação da esquerda com a democracia, Fernando Rosas debitou, sem vacilação aparente, a falsíssima fórmula de consumo: “O respeito pela democracia pode ser encontrado tanto à esquerda como à direita; antidemocráticas são as tendências extremistas, tanto de direita como de esquerda”.

A enormidade passou sem reparos, tão vulgar se tornou a excomunhão da extrema esquerda. Mesmo assim, é um pouco forte que um dirigente do Bloco de Esquerda use nesta matéria os mesmos conceitos de um Mário Soares.

“Mas não é verdade que a extrema esquerda, contesta, tal como a extrema direita, a legitimidade do regime democrático? ”. A pergunta ingénua finge ignorar o essencial: a extrema direita luta para suprimir as liberdades democráticas, no interesse da burguesia; a extrema esquerda luta para suprimir o capital, no interesse da democracia dos trabalhadores. Os dois extremos “antidemocráticos” que Rosas iguala têm apenas esta diferença: os fascistas lutam para esmagar os trabalhadores, os comunistas lutam para esmagar a burguesia.

Quem defende e quem está contra a democracia? Bastaria perguntar como se posicionaram face à explosão democrática popular de 1974-75[1] extrema esquerda, extrema direita e “democratas” para ter uma resposta prática ao problema.

E quanto ao argumento infalível de que na União Soviética e China “o comunismo conduziu à ditadura”, ninguém na esquerda ignora que justamente por o socialismo e o comunismo não terem sido possíveis nesses países, devido ao seu atraso, degeneraram as suas revoluções em ditaduras — não proletárias, mas burguesas.

Apenas aos olhos do burguês que vê na atual democracia capitalista a única democracia possível e quer defendê-la contra ambos os “extremos” surgem fascistas e comunistas como semelhantes. É singular que Rosas se coloque nessa posição.

Notas:

[1] O autor refere-se à Revolução dos Cravos, Portugal, abril de 1974.

Fonte: https://anabarradas.com/

Edição: Página 1917

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