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quarta-feira, 9 de março de 2022

Nós e a Democracia

Francisco Martins Rodrigues

Maio/Junho de 2000



 Interrogado no programa de Júlio Isidro na RTP2, em 22 de abril, sobre a relação da esquerda com a democracia, Fernando Rosas debitou, sem vacilação aparente, a falsíssima fórmula de consumo: “O respeito pela democracia pode ser encontrado tanto à esquerda como à direita; antidemocráticas são as tendências extremistas, tanto de direita como de esquerda”.

A enormidade passou sem reparos, tão vulgar se tornou a excomunhão da extrema esquerda. Mesmo assim, é um pouco forte que um dirigente do Bloco de Esquerda use nesta matéria os mesmos conceitos de um Mário Soares.

“Mas não é verdade que a extrema esquerda, contesta, tal como a extrema direita, a legitimidade do regime democrático? ”. A pergunta ingénua finge ignorar o essencial: a extrema direita luta para suprimir as liberdades democráticas, no interesse da burguesia; a extrema esquerda luta para suprimir o capital, no interesse da democracia dos trabalhadores. Os dois extremos “antidemocráticos” que Rosas iguala têm apenas esta diferença: os fascistas lutam para esmagar os trabalhadores, os comunistas lutam para esmagar a burguesia.

Quem defende e quem está contra a democracia? Bastaria perguntar como se posicionaram face à explosão democrática popular de 1974-75[1] extrema esquerda, extrema direita e “democratas” para ter uma resposta prática ao problema.

E quanto ao argumento infalível de que na União Soviética e China “o comunismo conduziu à ditadura”, ninguém na esquerda ignora que justamente por o socialismo e o comunismo não terem sido possíveis nesses países, devido ao seu atraso, degeneraram as suas revoluções em ditaduras — não proletárias, mas burguesas.

Apenas aos olhos do burguês que vê na atual democracia capitalista a única democracia possível e quer defendê-la contra ambos os “extremos” surgem fascistas e comunistas como semelhantes. É singular que Rosas se coloque nessa posição.

Notas:

[1] O autor refere-se à Revolução dos Cravos, Portugal, abril de 1974.

Fonte: https://anabarradas.com/

Edição: Página 1917

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