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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

“NA VENEZUELA NÃO SE TOCA!”

Ivan Pinheiro*

02/12/25

Italianos fazem manifestação em Roma contra as agressões imperialistas na  Palestina e Venezuela.


Compartilho duas notícias alvissareiras que podem contribuir para o diverso campo político chamado de esquerda se levantar, ainda que tardiamente, em defesa não apenas da Venezuela, mas de toda a América Latina!

Começo pela notícia que me parece mais relevante: apesar de uma conjuntura mundial desfavorável e da continuidade do bloqueio que lhe move há décadas o imperialismo ianque, Cuba é ainda um dos cada vez mais raros países do mundo que praticam a solidariedade internacionalista. Há aqueles que praticam alguma solidariedade a outros, em geral de forma discreta, quando o gesto tem o potencial de lhes propiciar vantagens econômicas e estratégicas.

Mesmo estando sob bloqueio, a apenas 90 milhas do território estadunidense e em meio a dificuldades para superar alguns de seus atuais obstáculos e limites, Cuba denuncia corajosamente as ameaças e ações de Trump contra a Venezuela e nos faz refletir sobre a urgência de uma autocrítica coletiva por conta da omissão, na ação política militante, em solidariedade ao povo irmão venezuelano.

Até agora, não apenas do Brasil, mas de quase toda a América Latina, salvo desconhecimento meu, só tivera acesso a notas políticas formais, algumas com boas análises, mas em geral sem qualquer proposta concreta de mobilização e luta.  

Incluo-me autocriticamente entre os que, pelo silêncio até aqui, contribuímos para este marasmo, facilitando a ofensiva do imperialismo cuja hegemonia mundial está ameaçada e que, como nos ensinou Lenin, será cada vez mais agressivo militarmente para mantê-la, ainda que venha a suscitar uma guerra mundial cujo resultado seria uma catástrofe humana inimaginável. Lamentavelmente, não estamos distantes deste desastre!

Certamente haverá neste campo aqueles que subestimam as ameaças de Trump, argumentando que ele as usa como chantagem, mas não as leva a efeito, o que tem um fundo de verdade que pode nos levar a erros que a história cobrará. 

Nesta quadra da conjuntura mundial, por não se sentirem à altura para enfrentar militarmente as potências que realmente ameaçam sua hegemonia, os EUA procuram “comer o mingau pelas beiradas”, o que já lhes valeu recentemente uma derrota militar diante do Irã, naquela que ficou conhecida como a “Guerra dos 12 dias”. Não foi uma derrota pequena. O ataque aéreo de surpresa ao território iraniano, respondido à altura, foi levado a efeito em parceria com o estado terrorista de Israel que, tendo os EUA como escudo e coautor, promove o genocídio do povo palestino e ataca covardemente territórios na Síria e no Líbano.

Na verdade, com o cerco militar à Venezuela, Trump acabou criando um terrível dilema para si próprio, além de uma provável crise política interna, que pode se desdobrar em grandes manifestações de massa contra seu governo.

A sociedade estadunidense tem na memória as vergonhosas fugas de seus soldados disputando, esbaforidos, espaço em aviões que podiam tirá-los urgentemente do Vietnã e do Afeganistão, onde suas tropas foram derrotadas e humilhadas. Sem falar das suas derrotas estratégicas no Iraque e na Líbia, onde tentaram infrutiferamente, com seus ataques aéreos e no terreno, promover uma mudança de regime a seu favor. Mas é preciso lembrar que essas agressões militares tiraram a vida de milhões de pessoas, a imensa maioria sem armas nas mãos. Para aqueles que se satisfazem com o mal menor, é bom lembrar que o “democrata” Obama, ganhador do “prêmio ignóbil da paz dos cemitérios”, passou todos os dias de seus mandatos em guerra e iniciou o ataque à Líbia sem autorização do Congresso Nacional.

No caso das ameaças à Venezuela, não me sinto em condições de especular sobre suas condições para resistir militarmente, na hipótese de a ameaça se consumar. Mas há de se levar em conta o fato de que, aparentemente, o governo venezuelano não se mostra amedrontado e, pelo contrário, promove uma mobilização nacional armada para enfrentar a agressão, o que dificulta a invasão por terra, mas não a evita. Se essa tendência continuar, Trump pode ser levado a uma aventura militar contra a Venezuela, sob pena de se desmoralizar no seu cenário nacional e internacionalmente.

Voltando à declaração do governo cubano, ela extrapola a solidariedade à Venezuela, porque se trata também de uma autodefesa, não apenas da própria Cuba – há décadas o principal alvo, em nosso continente, de todos os governos estadunidenses – mas de toda a América Latina! 

Mas se a Venezuela for atacada a partir do mar e do espaço aéreo e derrotada militarmente, Trump terá grandes vitórias: o acesso à maior reserva de petróleo do mundo, a provável “nomeação” de sua lacaia Maria Corina como presidente, além da transformação do estratégico território venezuelano em uma poderosa base militar e a consolidação da maioria acachapante de governos submissos em nossa América, o que rebaixará ainda mais a conciliação de classes dos governos tidos como progressistas na região, transformando-a de fato no sonhado quintal dos Estados Unidos.   

Não podemos nos dividir nesta hora, por conta de divergências importantes que temos – como sobre a avaliação dos governos Maduro e Lula e a compreensão do caráter do imperialismo nos dias de hoje - mas secundárias neste momento, no que se refere à necessidade urgente de solidariedade ao povo venezuelano, inclusive como autodefesa latino-americana.

Está quase passando da hora de os partidos e coletivos, o movimento sindical e popular do chamado campo de esquerda deixarem de lado, neste momento, as disputas por hegemonia, a autoconstrução e autoproclamação e se unirem nesta luta.

Penso que seria mais eficaz que esta urgente unidade na ação seja chamada, nacionalmente e em cada Estado, pela capilarizada e unitária rede de associações de solidariedade ao povo e ao governo cubano que temos no Brasil, inclusive porque Cuba está sob grave ameaça, depois que alguns países caribenhos vizinhos disponibilizaram seus territórios como bases militares para as forças navais dos EUA. 

A segunda notícia alvissareira, anunciada na abertura destas linhas, refere-se à expressiva manifestação unitária realizada neste final de semana em Roma, quando dezenas de milhares de italianos foram às ruas inspirados na palavra de ordem “Na Venezuela não se toca!”, um fato que nos faz refletir ainda mais, quando lembramos que a Itália fica na Europa e não na América Latina!

*Ivan Martins Pinheiro (18/03/1946) foi dirigente sindical bancário e secretário-geral do PCB de 2005 a 2016, partido onde militou até 2023, quando foi expulso, junto com centenas de militantes, por manifestar divergências com a linha revisionista e oportunista da maioria do Comitê Central.

Edição: Página 1917

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