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quinta-feira, 28 de julho de 2022

Marxismo-Leninismo e Combate Ideológico

Antonio Gramsci
1925 



[...] A luta econômica não pode ser separada da luta política, e nem uma nem outra pode ser separada da luta ideológica. 

Na primeira fase, sindical, a luta econômica é espontânea. Isto é, nasce inelutavelmente da própria situação em que se encontra o proletariado sob o regime burguês, mas ela não é, em si própria, revolucionária. Quer dizer, não leva necessariamente à destruição do capitalismo, como os sindicalistas há muito argumentam (com algum sucesso). 

Em qualquer caso, os reformistas e mesmo os fascistas permitem alguma luta sindical elementar. Ou melhor, eles sustentam que o proletariado como classe não pode se envolver em nenhuma luta senão a sindical. 

A luta sindical pode se tornar um fator revolucionário se o proletariado combiná-la com a luta política. Explicando de outro modo, se o proletariado se torna consciente de ser o protagonista em uma batalha muito mais ampla - aquela que assume todas as questões mais vitais sobre a organização da sociedade (ou seja, toma consciência de que está lutando pelo socialismo). 

O elemento de espontaneidade nunca é suficiente para uma luta revolucionária. Nunca levará a classe trabalhadora além dos limites da democracia burguesa existente. Para que isso ocorra, um elemento ideológico consciente é necessário. Isso implica uma compreensão das condições em que a classe luta, das relações sociais em que vivem os trabalhadores, das tendências fundamentais que operam nessas relações sociais e do desenvolvimento da sociedade (impulsionada pelos antagonismos irreconciliáveis em seu seio) etc. 

Essas três frentes da batalha proletária reduzem-se a uma só para o partido da classe operária. Ela cumpre esse papel precisamente porque retoma e representa todas as demandas da luta geral. 

Claro, não podemos pedir a cada trabalhador que tenha uma compreensão completa de todas as funções complexas que sua classe realizará no processo de desenvolvimento da humanidade. No entanto, devemos pedir isso aos membros do partido. 

Não se pode propor, antes da conquista do poder do Estado, a modificação completa da consciência de toda a classe trabalhadora. Isso seria utópico, porque a consciência de classe como tal só muda quando as condições de vida dessa classe também mudam. Em outras palavras, quando se torna a classe dominante e tem à sua disposição os meios de produção, de troca, e detém o poder do Estado. 

Mas o partido pode, e deve, em sua totalidade, representar essa consciência avançada. Caso contrário, o partido não estará na cabeça, mas na cauda das massas. Não será capaz de liderá-las - em vez disso, será arrastado atrás delas. É por isso que o partido deve assimilar o marxismo, e deve assimilá-lo em sua forma atual - o leninismo.

[...] Para lutar contra a confusão que assim se criou, o partido precisa intensificar e sistematizar sua atuação no campo ideológico. O partido deve deixar claro que seus militantes têm o dever de compreender a doutrina marxista-leninista, pelo menos em seus termos mais gerais. 

Nosso partido não é um partido democrático - pelo menos não no sentido vulgar que é comumente dado a essa palavra. O partido é centralizado de forma racional e internacional. Na arena internacional, nosso partido é uma seção simples de um partido muito maior, um partido do mundo inteiro. 

Pode ser uma necessidade absoluta de revolução, mas que repercussões esse tipo de organização pode ter? A própria Itália nos dá uma resposta a esta pergunta. Em reação às tendências usuais dentro do Partido Socialista (em que muito se discute, mas pouco se resolve, e cuja unidade é frequentemente destruída pelos confrontos contínuos de diferentes facções, tendências e camarilhas), nosso partido acabou por não discutir nada. 

A centralização do nosso partido e sua direção e concepções unificadas deram origem a uma estagnação intelectual. A necessidade constante de lutar contra o fascismo contribuiu para essa tendência. De fato, mesmo antes de o partido ser fundado, o fascismo havia passado para sua primeira fase ativa e ofensiva. 

No entanto, uma concepção errônea do partido - apresentada na Tese sobre táticas do congresso de Roma - também contribuiu para o mal-estar. Centralização e unidade foram concebidas de uma maneira muito mecânica: o comitê central (ou melhor, o comitê executivo) foi considerado o partido, ao invés de seu representante e guia. Se essa concepção fosse aplicada de forma permanente, o partido perderia suas características políticas distintivas. Seria, na melhor das hipóteses, um exército (e burguês). Ele perderia seus poderes de atração e se distanciaria das massas. 

Para que o partido viva e esteja em contato com as massas, cada membro precisa ser um elemento político ativo - ou seja, um líder. Especificamente porque o partido está fortemente centralizado, é necessária uma grande quantidade de propaganda e agitação entre suas fileiras. É preciso que o partido eduque seus militantes e eleve seu patamar ideológico de forma organizada. 

Centralização desse tipo significa que, em qualquer situação (mesmo que em estado de sítio, mesmo que os comitês dirigentes não possam funcionar por um determinado período ou não possam se articular com a periferia), todos os membros do partido podem se orientar em seus próprios círculos. Significa que cada um deles deve poder tirar da situação os elementos necessários para definir uma linha política - de modo a fazer com que a classe trabalhadora não desanime, mas sinta que tem um rumo, e ainda é capaz de lutar. A preparação ideológica das massas é, portanto, uma necessidade absoluta para a luta revolucionária. É uma das condições indispensáveis para a sua vitória.

Fonte: Escritos Políticos, Vol. 4, Para uma Preparação Ideológica das Massas, 1925.

Edição: Página 1917


 

 

 

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Luta de Classes e Luta Ideológica

Charles Bettelheim
1977

 

É evidente que não se pode explicar as transformações de uma formação social dando centralidade às concepções teóricas daqueles que protagonizam as lutas ocorridas no âmbito desta formação social, mas também não se pode ignorar essas concepções. De modo geral, o curso e o resultado das lutas sociais são determinados pelas formas ideológicas no seio das quais as massas e as organizações políticas travam sua luta. De fato, como Marx aponta no Prefácio de 1859, é sempre através de determinadas formas ideológicas que as lutas sociais são travadas, e o resultado dessas lutas depende das formas ideológicas e representações que dominam a ação daqueles que lutam. Daí a importância da luta ideológica de classe: daí a atenção dada por Lênin à luta no front teórico, compreendendo aqui o front filosófico.


 Para voltar à formação social soviética do final da década de 1920 (que analiso no volume 2 de A Luta de Classes na URSS), são certamente as contradições sociais objetivas que desempenham um papel determinante nas transformações pelas quais esta formação social passa. Essas contradições são constituídas, notadamente, pela forma das relações entre o proletariado e o poder soviético, de um lado, e as massas camponesas, de outro; pela forma das relações entre a indústria e a agricultura, etc. No entanto, o tratamento dessas contradições pelo partido bolchevique não é um simples reflexo dessas contradições. Esse tratamento assinala uma linha política que é em si mesma o produto de uma ampla luta de classes, de uma luta de classes que também se desenvolve no plano teórico. O resultado do conjunto dessas lutas exerce uma ação decisiva sobre o movimento subsequente de contradições. É claro que a luta ideológica de classes não se desenrola no domínio das “ideias”. Ela se articula com as práticas sociais concretas, com as relações de forças entre as classes. Assim, a forma de industrialização com a qual a União Soviética se engajara em 1929-1930 não pode ser separada do papel desempenhado pelos dirigentes das grandes empresas, pelos dirigentes dos trustes soviéticos, pelos dirigentes da Comissão do Plano e do Conselho Superior da Economia Nacional. Estamos na presença de um conjunto de forças sociais que agem sobre o curso e a forma de industrialização, e que agem também sobre as transformações pelas quais passa a formação ideológica bolchevique. Contudo, essas transformações agem também em resposta às lutas de classe na URSS, à ideologia do partido bolchevique e – tendo em vista o papel decisivo desempenhado por este partido na Terceira Internacional – às lutas de classes em todos os países onde estão presentes seções da Terceira Internacional. 

No volume 2 de A Luta de Classes na URSS, procurei precisamente mostrar a articulação entre contradições sociais objetivas, transformações sociais e transformações da formação ideológica bolchevique. A análise concreta revela o papel desempenhado por estas últimas transformações na medida em que elas conduzem a uma interpretação determinada da realidade soviética e ao desenvolvimento de uma linha política. 

De modo geral, algumas das concepções que dominam cada vez mais o partido bolchevique durante os anos 1930 refletem uma prática (por exemplo, a da “revolução pelo alto” iniciada em 1929), mas, por sua vez, essas concepções permitem consolidar-se e mostrar-se como “teoricamente justificadas”. 

Novamente, se a teoria e as formas ideológicas não desempenhassem o papel que jogam nas lutas reais, a luta ideológica da classe – que é um dos aspectos essenciais da prática leninista – não teria a importância que merece na história do movimento revolucionário. 

É analisando a articulação das lutas sociais e fazendo um balanço dos seus efeitos, bem como do papel desempenhado pelas formas ideológicas dominantes, que podemos tirar lições e trazer à luz as consequências positivas ou negativas, da perspectiva da revolução proletária, deste ou daquele conjunto de posições teóricas. 

Assim, a análise concreta permite definir melhor como uma forma particular de marxismo historicamente constituído pode ser enriquecida através das lutas de classes e contribuir para o desenvolvimento do marxismo revolucionário. Este marxismo é susceptível de se desenvolver porque não é constituído apenas por tomadas de posições que seriam úteis ao proletariado apenas numa dada conjuntura: ele é também constituído por um conjunto de conhecimentos de alcance universal. Negar a capacidade de desenvolvimento do marxismo revolucionário é reduzir ao mínimo a experiência histórica e sua apropriação teórica; é supor que é quase sempre necessário “começar do zero”, porque só existiriam situações concretas particulares, e não conceitos que permitissem analisá-las. Rejeitar a ideia – confirmada pela experiência – de uma teoria marxista capaz de se desenvolver e de se enriquecer, é questionar o caráter científico do marxismo, sua capacidade de produzir conhecimentos de alcance universal, e assim reduzir o marxismo a um “ponto de vista” e a um “método”. 

Se a análise concreta da formação ideológica bolchevique e de suas transformações nos permite compreender melhor as condições nas quais o marxismo revolucionário foi capaz de se desenvolver, essa análise também nos permite compreender as regressões pelas quais passou a formação ideológica bolchevique, regressões que acabariam por transformar o bolchevismo em seu contrário, o que também comporta consequências internacionais. 

O problema da ruptura entre Lênin e Stálin deve ser colocado desta forma. Essa ruptura não se manifesta apenas no plano teórico (por exemplo, como transformação do marxismo de um instrumento crítico em um instrumento apologético), mas também, e acima de tudo, no plano prático. Neste plano, o que caracteriza a ruptura entre Lênin e Stálin é a tentativa efetuada, a partir de 1929, de impor “pelo alto” às massas transformações sociais que elas não estão dispostas a aceitar, de modo que o conteúdo das transformações realizadas (por exemplo, o desenvolvimento dos kolkhozes) é radicalmente diferente do que seria obtido com base num verdadeiro movimento de massas, com inúmeras consequências para a formação social soviética. 

Em toda uma série de domínios, podemos registrar tais rupturas entre as posições de Lênin e Stálin. É o caso, por exemplo, das relações entre grande e pequena indústria, do problema da diferenciação salarial, do abandono ou manutenção do partmax (ou seja, da proibição de um membro do partido receber um salário superior ao de um operário). De fato, tanto no plano prático como no plano teórico, observamos o desenvolvimento, durante a década de 1930, de um conjunto de concepções que irão contribuir maciçamente para as derrotas subsequentes do proletariado soviético. Há lições a serem tiradas daqui, e estas lições têm um alcance universal. 

Edição: Página 1917 

Fonte: https://cemflores.org/2022/07/15/sobre-o-marxismo-e-o-leninismo-debate-com-charles-bettelheim-e-robert-linhart/

 

 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Líbia, Pequenas Tragédias Diárias

Guadi Calvo*

04/07/2022 

Imigrantes mortos no deserto líbio.


É difícil encontrar termos para definir a encenação da reunião de cúpula da OTAN, que acaba de terminar em Madrid, à qual, obviamente, todos os participantes compareceram com o roteiro feito pelos Estados Unidos, pelo que, sem fugir uma vírgula, concordaram de bom grado em continuar gerando ações contra a Rússia, aproximando o mundo de uma guerra nuclear, da qual, se conseguirmos nos livrar, teremos que agradecer a Deus. 

Hipócritas é um termo muito leve para definir a cúpula dos genocidas, que puxam as barbas diante da contra-ofensiva russa na Ucrânia, que foi instigada por eles mesmos ao encurralar Moscou a ponto de não deixar outro caminho, e agora , quando descobrem que a coisa é grave, como se fossem membros de uma colônia Menonita, apontam com espanto e indignação para o presidente Vladimir Putin, como se Putin tivesse sido aquele que destruiu o Iraque, a Síria, a Líbia, o Líbano, o Afeganistão, Iêmen, Iugoslávia e tantas outras nações. 

Não satisfeito com a situação na Ucrânia (onde eles precisavam de um servil como Volodymyr Zelensky, que ao preço de milhares de mortes e a devastação de seu país, segue a prolongar uma guerra sabendo que é impossível para ele sair vitorioso dela), Washington, pastoreando toda a OTAN com uma vara, começa a fazer piruetas na borda, também ameaçando a China, como se o presidente Xi Jinping fosse um pequeno e fofinho urso panda. 

Embora o que é realmente importante é que enquanto Biden estava descansando na Espanha, naquele mesmo país, parece mentira! Do "No Pasaran" e "El Alcanzar não se rende", Pedrito Sánchez, como a melhor mão, o cumprimenta devotadamente e fica alegre por ter o mestre em casa, executando um exercício de genuflexão ritual raramente visto. 

A cerca de três mil quilômetros da cidade de Oso e do Madronoo, exatamente a sudeste de Kufra, no deserto da Líbia, a uns 120 quilômetros da fronteira com o Chade, um caminhoneiro que transita regularmente por aquele setor pouco povoado e com temperaturas acima de quarenta graus centígrados, onde o menor passo em falso pode precipitar uma morte tão monstruosa quanto a das vinte pessoas que o transportador encontrou. 

Segundo a equipe de resgate, todos morreram de sede depois de ficarem encalhados no meio do deserto, após a quebra do veículo com o qual aspiravam chegar a um dos portos líbios, para de lá tentar chegar na Europa. Acredita-se que as vítimas tenham se perdido há duas semanas, pois uma última ligação foi gravada em um dos celulares encontrados em 13 de junho. 

Dois dos mortos são de origem líbia, provavelmente traficantes, enquanto os demais parecem ser todos chadianos. Jamais nos lembraremos de seus nomes ou dos motivos que os levaram a embarcar em tal aventura, embora não seja preciso ser um adivinho e para saber exatamente esses motivos. 

Se ignorarmos detalhes geográficos, circunstâncias e quantidades, podemos garantir que o evento seja o mesmo que aconteceu em San Antonio, Texas, perto da fronteira com o México, onde na segunda-feira, 27, em um caminhão abandonado, cerca de cinquenta pessoas foram encontradas mortas por calor, sede e o desespero de saber que estão trancados e indefesos. 

Seria um exagero dizer que as vítimas dos dois eventos vieram do mesmo lugar de pobreza, desesperança e tentavam voar para esse estado de bem-estar do qual as democracias do mundo tanto se orgulham? Então, neste caso, ao contrário do que se vê nos filmes, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. 

O "incidente" de Kufra não é o primeiro a ocorrer no deserto da Líbia. Embora nunca venhamos a conhecer todo este tipo de tragédias dada a ilegalidade da atividade, o desinteresse por parte da comunidade internacional em conhecer os números e o gigantesco movimento de pessoas que tentam chegar aos portos do sul do Mediterrâneo para cruzar para a Europa, arriscando tudo, pois estima-se que mais de um milhão de pessoas estão constantemente esperando nos portos líbios, pessoas que vêm não apenas de todos os cantos da África, mas também do Oriente Médio, Ásia Central e Sudeste Asiático. 

Com a recente tragédia em Melilla,  se verificou que a maioria dos que estão em Marrocos com a intenção de saltar as cercas e ir para os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla são originários do Sudão, a mais de 4.300 quilômetros de puro deserto do reino alauíta . A maioria dos trinta e sete mortos na última sexta-feira, dia são de origem sudanesa, mas bom, já faz muito tempo deste acontecimento, então está praticamente esquecido. 

A OTAN não paga pelos seus crimes 

Após a destruição da Líbia pelas mãos dos Estados Unidos e da OTAN, o país do Coronel Kadafi tornou-se um estado falido e todas as articulações que tentam armar tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto a União Européia (UE) falharam constantemente e de maneira trágica. 

A guerra civil latente, mas já crônica, mergulhou o antigo Estado das Massas  do Coronel Kadafi num território dominado por bandos armados que não conseguem se articular em um verdadeiro exército, associados a pequenas cidades-estados como Trípoli, Bengasi ou Tobruk, sustentado por diferentes países "amigáveis". 

É a anarquia prevalecente que possibilitou que inúmeros cartéis de drogas, traficantes de armas e pessoas, geralmente apoiados por alguma milícia, se instalassem no país e até pressionassem o poder político, supondo que exista algum, para continuar nessa situação. São estas organizações de tráfico de seres humanos que se encarregam de transferir os milhares de refugiados que todos os dias tentam chegar a um porto líbio para seguir rumo à Europa, depois de entrarem pelas fronteiras com o Chade, o Níger e o Sudão. Diferentes organizações internacionais têm apontado que, com o fim das restrições estabelecidas pela pandemia, os números referentes ao tráfico de refugiados voltaram a disparar. 

Destes grandes focos no sul da Líbia, o Níger é o maior centro de irradiação; Apesar do transporte de imigrantes estrangeiros ter sido proibido em 2016, Niamey tolera o tráfico de nacionais. 

Por sua vez, diferentes organizações humanitárias denunciam constantemente em fóruns internacionais o sofrimento que os refugiados devem suportar nas mãos das redes de contrabando: tortura, estupro e, se necessário, assassinato quando o “cliente” fica muito chateado. Não é segredo para ninguém que muitos são leiloados como escravos, para diversos fins, trabalho ou prostituição, na maioria dos casos, como é o caso da cidade líbia de Sabha, capital da província de Fezzan; em muitos casos, eles também são mantidos em campos diferentes, como Tazirbu em Kufra ou Bani Walid, este último na Cirenaica, esperando que o resgate seja pago por eles. 

Mais além da verdadeira vontade do Ocidente, todos agora sabem que ninguém pode controlar a situação na Líbia, onde a tentativa de chegar a um acordo para realizar eleições nacionais falhou mais uma vez. 

Agora sim, para grande pesar da Europa e dos Estados Unidos, que só estão interessados ​​em ajustar as margens de produção de petróleo, para suplantar a grave escassez, dadas as sanções russas no quadro da contra-ofensiva na Ucrânia. 

*Guadi Calvo, escritor e jornalista argentino, analista internacional especializado na África, Oriente Médio e Ásia Central.

Edição: Página 1917

Fonte: Rebelion

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Crime, Castigo e Passagem de Pano Preventiva

André Lavinas* 


O oportunismo tem a goela larga.

O oportunismo de certa esquerda, realmente, não tem limites. 

Estas organizações tem produzido verdadeiras pérolas no afã de manter ao seu lado a militância honesta que ainda tem ilusões de que o PT e seus satélites ainda vislumbram o que Elias Jabour chama de "programa máximo", que no contexto só podemos supor que sejam reformas sociais em prol dos trabalhadores. 

Jabour já está dando uma desculpa para a provável manutenção, num futuro governo Lula, de todos os ataques perpetrados durante estes quase sete anos Temer / Bolsonaro. 

Nas suas palavras, “enquanto não tivermos no horizonte a transição socialista no Brasil, o programa máximo vai se adequando às tarefas estratégicas que comportam cada momento histórico...”. 

Quais seriam as tais “tarefas estratégicas que comportam cada momento histórico”, ele não revelou. 

Mas, deixando de lado a verborragia pseudomarxista e diversionista de Jabour, vamos ao que é revelado e compreensível do seu texto. 

Diante da afirmação de que o “programa máximo” deve ir se “adequando” ao “momento histórico” cabe a pergunta: 

 O “momento histórico” de hoje é o mesmo de 19 anos atrás, quando Lula assumiu e o PT iniciou o seu governo de mais de 14 anos ? 

Lembremo-nos que o PT não reverteu nenhuma privatização da "era" FHC, privatizou usinas elétricas, grandes aeroportos, leilooou a maior parte das reservas do Pré-sal, deu mais de 10 trilhões de dólares para banqueiros e grandes corporações via dívida pública, doou mais de um bilhão para a constituição do oligopólio da JBS, financiou a ocupação militar de favelas no RJ, foi cúmplice de Sérgio Cabral e Pezão durante todo o tempo que esses governos duraram, enfim, a lista é grande, vou parar por aqui. 

Este foi o resumo do PT no governo de 2002 à 2016. 

 Obviamente era outra conjuntura, diga-se de passagem, muito mais favorável em termos econômicos e de apoio popular para as ações do governo petista, só para citar dois aspectos. 

Se no "momento histórico" de 20 anos atrás o PT não foi capaz de mobilizar os trabalhadores para a “luta de classes em alta intensidade” necessária para reverter os retrocessos da era FHC, estará agora à altura desta tarefa? 

A resposta óbvia é não. 

A explícita operação “passa-pano preventiva” já nos diz que pouco ou nada se pode esperar do PT em termos de reverter os ataques sofridos durante o binomio Temer/Bolsonaro. 

Que dirá então avançar na reforma agrária, estatização dos bancos e das grandes corporações capitalistas, estatização do sistema de saúde e da universalização da educação pública e gratuita em todas as esferas? 

O PT já governou 15 anos em favor do grande capital e não esboçou nenhuma intenção de adotar mesmo reformas sociais dentro dos marcos da sociedade capitalista, como a reforma agrária, por exemplo. 

Esperar alguma iniciativa desta organização e suas adjacências no sentido de mobilizar os trabalhadores para a “luta de classes de alta intensidade” é de uma ingenuidade ímpar. 

Nem mesmo os fanáticos religiosos manteriam tamanha fé nesse tipo de messianismo cujo fracasso já é anunciado de antemão. 

Ou, talvez, Lula seja mesmo o novo messias e, como um outro messias mais famoso, promete uma vida de sofrimento e provações neste mundo, mas o paraíso, post mortem, é claro, para todos aqueles que acreditam nele cegamente e lhe darão seu voto ainda no primeiro turno.

*André Lavinas é bancário, poeta e diretor do Centro Cultural Octavio Brandão. 


 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Declaração Conjunta

Declaração conjunta dos secretários-gerais do Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha, do Partido Comunista da Grécia, do Partido Comunista do México e do Partido Comunista da Turquia

Em 8 de julho de 2022, uma reunião quadripartida entre o KKE, o PCTE, o PCM e o TKP ocorreu em Atenas, na sede do Comitê Central do KKE. 


Após o término da reunião, foi emitida a seguinte Declaração Conjunta dos Secretários Gerais dos quatro partidos comunistas: 

“Durante nosso encontro, realizado em Atenas em 8 de julho de 2022, tivemos a oportunidade de trocar opiniões sobre os acontecimentos em escala internacional e nacional, sobre a situação que está se desenvolvendo por causa da guerra imperialista na Ucrânia, bem como sobre o multifacetado ataque antioperário-antipopular, nas condições da chamada “transição verde”, da crise energética e, possivelmente, alimentar; em essência, da nova recessão econômica e crise iminente. 

As condições exigem que os partidos comunistas e operários de todo o mundo intensifiquem seus esforços de fortalecimento organizacional e ideológico-político para desenvolver sua luta comum sobre os princípios do comunismo científico, ou seja, o marxismo-leninismo e o internacionalismo proletário, a fim de avançar na o reagrupamento revolucionário do movimento comunista internacional. Em primeiro lugar, buscamos que nossos partidos, e os demais partidos comunistas, estreitem os laços com a classe trabalhadora e as camadas populares, deem passos e desempenhem um papel protagonista na luta de classes e, ao mesmo tempo, estabeleçam as bases por uma estratégia revolucionária única do movimento comunista internacional, na linha de ruptura com o sistema capitalista e todos os tipos de gestores do capital, na perspectiva de sua derrubada. Nossa época é a época de transição revolucionária do capitalismo para o socialismo. 

Nesse sentido, rejeitamos o apoio ou a participação em governos burgueses, combatendo tanto os partidos liberais quanto os socialdemocratas, em todos os tipos de governos burgueses que sirvam aos interesses dos monopólios. 

Nossos partidos consideram que o imperialismo não é apenas uma política agressiva, mas é o capitalismo monopolista, o capitalismo em sua era mais reacionária, ou seja, em sua fase superior. Essencialmente inerente a ela é a estagnação, a grande lacuna entre o potencial produtivo e a satisfação das necessidades contemporâneas dos trabalhadores, devido à exploração de classe, as contradições entre os monopólios e os estados burgueses que conduzem às guerras imperialistas. 

É o caso da guerra na Ucrânia, onde os interesses da Rússia capitalista colidem com os interesses e planos dos EUA, da OTAN, da UE, pelo controle de mercados, matérias-primas e rotas de transporte. 

Existe o risco de generalização da guerra ou de eclosão de novos conflitos imperialistas em países que surgiram após a dissolução da URSS, bem como em outras regiões do planeta, especialmente no Sudeste Asiático, onde se manifesta de maneira mais intensa a confrontação entre os EUA e a China pela primazia no sistema capitalista mundial. 

Tratamos todos os processos de secessão ou unificação dos Estados capitalistas do ponto de vista classista e lutamos contra a OTAN, a UE e todos os tipos de alianças imperialistas. Nos opomos à participação de nossos países em tais organizações antipopulares e intensificamos nosso esforço para que os trabalhadores não fiquem presos sob uma “bandeira alheia”, mas defendam seus próprios interesses em conflito com os exploradores e suas alianças internacionais. 

Consideramos que o reagrupamento ideológico-político e organizacional do movimento comunista internacional não pode ser realizado sem a luta inabalável contra todo tipo de administração burguesa do sistema de exploração, seja liberal ou social-democrata, contra o oportunismo no próprio movimento comunista. Nos opomos ao nacionalismo e ao cosmopolitismo do capital, ao racismo e o fascismo. Ao mesmo tempo, rechaçamos o  “falso” antifascismo e as diversas “frentes antifascistas”, utilizadas por forças políticas burguesas e oportunistas para atrelar as forças operárias e populares  na gestão burguesa, separando o fascismo do sistema capitalista que o engendra e o utiliza quando acha necessário. 

Damos todas as nossas forças para satisfazer as necessidades operárias e populares contemporâneas, através do reagrupamento do movimento operário-sindical, dos demais movimentos populares, na direção da luta contra os monopólios e o capitalismo. 

Nossos partidos destacam a validade e atualidade do socialismo-comunismo como única alternativa para os povos, e defendem a contribuição da Revolução Socialista de Outubro e do primeiro estado socialista, a URSS, enquanto estudam as causas de sua derrocada, que dizem respeito a questões da economia, da superestrutura política e da estratégia do Movimento Comunista Internacional. Acreditamos que o socialismo se rege por princípios e leis científicas: poder operário, socialização dos meios de produção e o planejamento científico central, rejeitamos posições de que se possa construir um socialismo com "mercado", mantendo empresas e mecanismos capitalistas, e o trabalho assalariado pelos proprietários dos meios de produção e da terra. 

Com base no exposto, as quatro partes concordaram com o seguinte: 

- Continuamos nossas iniciativas contra a guerra imperialista que começou formalmente com a inaceitável invasão da Rússia na Ucrânia. Opomo-nos às potências imperialistas, aos planos dos EUA, da OTAN, da UE e de qualquer outra aliança imperialista. 

- Destacamos o caráter imperialista da guerra na Ucrânia, exigimos a retirada de nossos países dos planos e organizações imperialistas. A solução para os povos não está nas ilusões alimentadas pelas forças burguesas de que pode haver uma "melhor arquitetura de segurança", ou uma OTAN "sem planos militares e sistemas de armas ofensivos em seu território" ou uma "UE pela paz", ou um “mundo multipolar pacífico”. A solução está no fortalecimento da luta de classes, pela retirada das alianças imperialistas, contra a guerra imperialista e sua “matriz”, ou seja, o sistema capitalista. 

- Continuamos nossos esforços para trocar experiências da ação de nossos partidos no movimento operário-sindical, nos demais movimentos populares, no movimento pela igualdade e emancipação das mulheres, para que as lutas em curso se tornem mais efetivas e que o os laços de nossos partidos com as forças operárias-populares sejam fortalecidos. 

- Intensificamos os nossos esforços no âmbito da RCI e da ICE para reforçar sua atividade, superar debilidades, lançar bases mais sólidas e enriquecer sua atividade no próximo período. 

- Mantemos nossa solidariedade com os comunistas da Ucrânia e de outros países que sofrem perseguição e proibições anticomunistas, bem como com outros combatentes que sofrem perseguição por sua ação sindical e política na Rússia, Cazaquistão e outros países. 

- Continuamos o esforço contra a difamação das conquistas do socialismo na União Soviética, que foi uma união multinacional de repúblicas socialistas iguais, e ao mesmo tempo destacamos o estudo das causas que levaram à sua dissolução, aproveitando o 100º aniversário de sua fundação. 

- Reforçamos nossa solidariedade com o povo e o Partido Comunista de Cuba, contra o bloqueio e os planos imperialistas dos EUA e da UE e contribuímos participando energicamente para o sucesso do 22º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários a ser realizado em outubro em Cuba”. 

Ástor García, Secretário Geral do CC do Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE) 

Dimitris Koutsoubas, secretário-geral do CC do Partido Comunista da Grécia (KKE) 

Pável Blanco Cabrera, Primeiro Secretário do CC do Partido Comunista do México (PCM) 

KemalOkuyan , secretário-geral do CC do Partido Comunista da Turquia (TKP) 

Atenas, 8 de julho de 2022

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