1977
É
evidente que não se pode explicar as transformações de uma formação social
dando centralidade às concepções teóricas daqueles que protagonizam as lutas
ocorridas no âmbito desta formação social, mas também não se pode ignorar essas
concepções. De modo geral, o curso e o resultado das lutas sociais são
determinados pelas formas ideológicas no seio das quais as massas e as
organizações políticas travam sua luta. De fato, como Marx aponta no Prefácio
de 1859, é sempre através de determinadas formas ideológicas que as lutas
sociais são travadas, e o resultado dessas lutas depende das formas ideológicas
e representações que dominam a ação daqueles que lutam. Daí a importância da
luta ideológica de classe: daí a atenção dada por Lênin à luta no front
teórico, compreendendo aqui o front filosófico.
Para voltar à formação social soviética do final da década de 1920 (que analiso no volume 2 de A Luta de Classes na URSS), são certamente as contradições sociais objetivas que desempenham um papel determinante nas transformações pelas quais esta formação social passa. Essas contradições são constituídas, notadamente, pela forma das relações entre o proletariado e o poder soviético, de um lado, e as massas camponesas, de outro; pela forma das relações entre a indústria e a agricultura, etc. No entanto, o tratamento dessas contradições pelo partido bolchevique não é um simples reflexo dessas contradições. Esse tratamento assinala uma linha política que é em si mesma o produto de uma ampla luta de classes, de uma luta de classes que também se desenvolve no plano teórico. O resultado do conjunto dessas lutas exerce uma ação decisiva sobre o movimento subsequente de contradições. É claro que a luta ideológica de classes não se desenrola no domínio das “ideias”. Ela se articula com as práticas sociais concretas, com as relações de forças entre as classes. Assim, a forma de industrialização com a qual a União Soviética se engajara em 1929-1930 não pode ser separada do papel desempenhado pelos dirigentes das grandes empresas, pelos dirigentes dos trustes soviéticos, pelos dirigentes da Comissão do Plano e do Conselho Superior da Economia Nacional. Estamos na presença de um conjunto de forças sociais que agem sobre o curso e a forma de industrialização, e que agem também sobre as transformações pelas quais passa a formação ideológica bolchevique. Contudo, essas transformações agem também em resposta às lutas de classe na URSS, à ideologia do partido bolchevique e – tendo em vista o papel decisivo desempenhado por este partido na Terceira Internacional – às lutas de classes em todos os países onde estão presentes seções da Terceira Internacional.
No volume 2 de A Luta de Classes na URSS, procurei precisamente mostrar a articulação entre contradições sociais objetivas, transformações sociais e transformações da formação ideológica bolchevique. A análise concreta revela o papel desempenhado por estas últimas transformações na medida em que elas conduzem a uma interpretação determinada da realidade soviética e ao desenvolvimento de uma linha política.
De modo geral, algumas das concepções que dominam cada vez mais o partido bolchevique durante os anos 1930 refletem uma prática (por exemplo, a da “revolução pelo alto” iniciada em 1929), mas, por sua vez, essas concepções permitem consolidar-se e mostrar-se como “teoricamente justificadas”.
Novamente, se a teoria e as formas ideológicas não desempenhassem o papel que jogam nas lutas reais, a luta ideológica da classe – que é um dos aspectos essenciais da prática leninista – não teria a importância que merece na história do movimento revolucionário.
É analisando a articulação das lutas sociais e fazendo um balanço dos seus efeitos, bem como do papel desempenhado pelas formas ideológicas dominantes, que podemos tirar lições e trazer à luz as consequências positivas ou negativas, da perspectiva da revolução proletária, deste ou daquele conjunto de posições teóricas.
Assim, a análise concreta permite definir melhor como uma forma particular de marxismo historicamente constituído pode ser enriquecida através das lutas de classes e contribuir para o desenvolvimento do marxismo revolucionário. Este marxismo é susceptível de se desenvolver porque não é constituído apenas por tomadas de posições que seriam úteis ao proletariado apenas numa dada conjuntura: ele é também constituído por um conjunto de conhecimentos de alcance universal. Negar a capacidade de desenvolvimento do marxismo revolucionário é reduzir ao mínimo a experiência histórica e sua apropriação teórica; é supor que é quase sempre necessário “começar do zero”, porque só existiriam situações concretas particulares, e não conceitos que permitissem analisá-las. Rejeitar a ideia – confirmada pela experiência – de uma teoria marxista capaz de se desenvolver e de se enriquecer, é questionar o caráter científico do marxismo, sua capacidade de produzir conhecimentos de alcance universal, e assim reduzir o marxismo a um “ponto de vista” e a um “método”.
Se a análise concreta da formação ideológica bolchevique e de suas transformações nos permite compreender melhor as condições nas quais o marxismo revolucionário foi capaz de se desenvolver, essa análise também nos permite compreender as regressões pelas quais passou a formação ideológica bolchevique, regressões que acabariam por transformar o bolchevismo em seu contrário, o que também comporta consequências internacionais.
O problema da ruptura entre Lênin e Stálin deve ser colocado desta forma. Essa ruptura não se manifesta apenas no plano teórico (por exemplo, como transformação do marxismo de um instrumento crítico em um instrumento apologético), mas também, e acima de tudo, no plano prático. Neste plano, o que caracteriza a ruptura entre Lênin e Stálin é a tentativa efetuada, a partir de 1929, de impor “pelo alto” às massas transformações sociais que elas não estão dispostas a aceitar, de modo que o conteúdo das transformações realizadas (por exemplo, o desenvolvimento dos kolkhozes) é radicalmente diferente do que seria obtido com base num verdadeiro movimento de massas, com inúmeras consequências para a formação social soviética.
Em toda uma série de domínios, podemos registrar tais rupturas entre as posições de Lênin e Stálin. É o caso, por exemplo, das relações entre grande e pequena indústria, do problema da diferenciação salarial, do abandono ou manutenção do partmax (ou seja, da proibição de um membro do partido receber um salário superior ao de um operário). De fato, tanto no plano prático como no plano teórico, observamos o desenvolvimento, durante a década de 1930, de um conjunto de concepções que irão contribuir maciçamente para as derrotas subsequentes do proletariado soviético. Há lições a serem tiradas daqui, e estas lições têm um alcance universal.
Edição: Página 1917
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