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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Lula, Alckmin e a Canalha Oportunista

Ney Nunes 

     Tem repercutido bastante o noticiário sobre a indicação do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para ser o vice do Lula na próxima eleição presidencial. Mas o que nos chama a atenção é o esperneio cínico da canalha oportunista, expresso em diversos sites e redes sociais por esse amálgama pós-moderno composto de revisionismo, reformismo e oportunismo. Segundo um desses choramingas inveterados, a presença de Alckmin na chapa indicaria um “giro ao centro”, uma “aliança com a sombra da burguesia”. Quer dizer, o cinismo desse pessoal não tem mesmo limites! 




     Sombras da burguesia foram os governos Lula e Dilma durante seus longos treze anos de gestão, nos quais, por exemplo, não foram revogadas nenhuma das privatizações de Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Sombras da burguesia são, até hoje, as bancadas parlamentares, prefeituras, os governos estaduais do PT e dos seus aliados, que aplicam em seus estados e municípios a reforma da previdência, corte de gastos sociais e desoneração de impostos para grandes empresas.

     A que interesses de classe estavam vinculados os vices de Lula e Dilma, José de Alencar e Michel Temer? Por acaso diferem de Geraldo Alckmin nesse quesito essencial? A possível indicação do ex-governador de São Paulo não representaria qualquer novidade, pelo contrário, seria a continuidade da política de conciliação de classes, a única possível para as correntes reformistas, traidoras históricas das lutas do proletariado.

     Na verdade, o objetivo desses oportunistas rastejantes é pressionar Lula e o PT a buscarem um nome menos explícito, que seja mais “limpinho”, que não tenha o currículo medonho de Alckmin no governo paulista, recheado de ataques aos trabalhadores, aos professores e ao funcionalismo em geral, além das privatizações e da repressão violenta contra as lutas populares, como na desocupação do Pinheirinho em São José dos Campos. Ou seja, querem é melhor enganar o proletariado e atraí-lo assim para a armadilha do jogo eleitoral burguês, vendendo esse como se fosse “luta de classes”, quando, na verdade, é um terreno controlado pela burguesia, suas instituições apodrecidas e seus monopólios econômicos.

     Procuram ocultar de todas as formas que nos processos eleitorais das democracias burguesas o máximo que se disputa é o governo, ou seja, a gestão do Estado burguês. O poder, qualquer que seja o resultado eleitoral, continua nas mãos da classe dominante. Tanto é assim, que não se conhece na história nenhuma transformação social efetiva, ou seja, mudança de classe no poder, através das eleições. Ao menor sinal de ameaça, a burguesia e o imperialismo não hesitam em apelar para o golpe de força. Por isso mesmo, qualquer estratégia que priorize o terreno eleitoral só poderá visar a colaboração com a gestão política burguesa, nada além disso.

     As alianças da candidatura Lula com setores burgueses já estão sendo costuradas de forma explícita há muitos meses e independem de qual político burguês irá ocupar o posto de vice na chapa presidencial. São acordos firmados que, na hipótese de vitória eleitoral, resultarão, outra vez, num governo de colaboração de classes, subalterno às classes dominantes. Essa incômoda verdade não pode ser ocultada pelos que, se intitulando “marxistas”, cumprem o nefasto papel de linha auxiliar da quinta coluna da burguesia no seio do proletariado.

     A necessidade obriga o proletariado a lutar cotidianamente pela sobrevivência em condições cada vez mais difíceis e precárias resultantes do desenvolvimento capitalista. Estará, portanto, fadada ao fracasso, qualquer estratégia que procure desviar o proletariado da centralidade da luta de classes para o pântano do eleitoralismo pequeno-burguês, que se limite a fazer oposição ao neofascismo na política e ao neoliberalismo na economia. Neofascismo e neoliberalismo são duas facetas do capitalismo imperialista na sua fase de putrefação, antessala da barbárie. Isso nos reafirma, ao contrário da verborragia usada pela canalha oportunista, que a única estratégia anticapitalista efetiva na atualidade continua sendo o poder proletário e a revolução socialista.


Edição: Página 1917    



quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O Impacto da “AUKUS” na Conjuntura Internacional e a Posição dos Comunistas*

KKE (Partido Comunista da Grécia)

A aliança de "segurança" trilateral entre os EUA, Austrália e Reino Unido sob a sigla "AUKUS", anunciada em 15 de setembro de 2021, foi um acontecimento significativo na estrutura de alianças imperialistas.

Mas o que significa esse acontecimento e que tarefas adicionais surgem para o movimento comunista?

 


A importância da região do Indo-Pacífico

 

Embora este novo acordo tenha sido concluído entre três potências não asiáticas, ao mesmo tempo é óbvio que se concentra na ação dessas potências na Ásia e mais amplamente na região do Indo-Pacífico, onde se produz 60% do PIB mundial e estima-se que nos próximos anos absorva 70% da demanda de energia. É uma região que já constitui um importante “canal” de navegação comercial mundial e cabe assinalar que com base nos dados de 2017, 40% do comércio mundial de gás natural liquefeito (GNL) foi realizado através desta região.

Uma grande parte da Marinha e da Força Aérea dos EUA já se encaminhou para o Pacífico. Novas bases militares dos EUA estão sendo construídas e são realizados exercícios militares em grande escala na região.

Na mesma região estão em curso disputas por fronteiras marítimas e terrestres, onde está claro que a China pretende questionar o Direito Internacional do Mar e os direitos soberanos da região, como o Vietnã. Falando no início deste ano na 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU, o presidente do Vietnã Nguyen Xuan Phuc pediu aos países da região para evitar ações unilaterais no mar do Leste (ou Mar do Sul da China) assinalando a Lei do Mar [1] . Poucos dias antes, a porta-voz da Chancelaria do Vietnã, Le Thi Thu Hang, havia enfatizado que o Vietnã protegerá as ilhas dos arquipélagos Hoang Sa e Truong As, cuja soberania é disputada pela China [2] .

Não foi por acaso, então, a visita da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ao Vietnã e outros países da região. Recorde-se que a partir de 2016, após um recurso unilateral das Filipinas, existe uma resolução do Tribunal de Haia que rejeita as reivindicações chinesas, o que, no entanto, não é reconhecido pela China sob o pretexto de que se trata de uma questão de soberania nacional sobre a qual o referido tribunal não tem jurisdição.

Os EUA voltam a buscar registrar-se como “autoproclamado protetor” dos povos, desta vez dessa região específica, diante dos planos de expansão dos monopólios chineses e das aspirações da China no Sudeste Asiático. Está ficando claro que o conflito não deixará os meios de guerra “fora de cena”. De qualquer modo, os EUA são atualmente a força militar mais poderosa, enquanto a China, com seu alto ritmo de gastos militares, busca preencher essa lacuna. A recente retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e dos sistemas “Patriot” da Arábia Saudita visa, entre outras coisas, redistribuir as forças militares dos Estados Unidos na direção de fortalecer a presença dos Estados Unidos no Indo-Pacífico.

Além disso, nos últimos anos, a cooperação entre os EUA, Índia, Japão e Austrália tem se reforçado na forma do “Diálogo Quadrilateral de Segurança” (QUAD), claramente visando a China, algo que foi visto nos exercícios militares desses países sob o nome Malabar nos últimos dois anos. Esses exercícios foram promovidos como o pilar da chamada “versão asiática da OTAN” e o objetivo de confrontar a influência militar e política da China na região foi claramente definido.

O foco está no Estreito de Taiwan, que visa expandir as alianças de ambos os lados, enquanto se utilizam as construções ideológicas de "democracia", "autodeterminação" e integridade territorial. A estratégia da OTAN para 2030 reforça a orientação contra a China.

Nesse contexto se formou o acordo “AUKUS”.

 

O confronto pela supremacia no sistema imperialista

 

A nova aliança construída pelos EUA aponta claramente contra a China, que objetivamente está criando as condições prévias para ameaçar a primazia dos EUA no sistema imperialista mundial nos próximos anos.

Não é por acaso que a CIA criou um centro especial de vigilância da China. Sua dinâmica se reflete no aumento significativo da participação da China no Produto Mundial no período 2000-2020, bem como no aumento espetacular do déficit comercial dos Estados Unidos no comércio bilateral com a China (durante o período 1985-2019). Nesta base, durante este período houve uma série de "guerras" comerciais, com os EUA dando peso especial para manter sua supremacia ao nível das novas tecnologias e ao mesmo tempo limitar a expansão da China em todo o setor, o que ao mesmo tempo, significaria expandir sua influência política (por exemplo, o esforço intensificado para excluir a China das redes 5G na Europa). Além disso, o governo dos EUA aproveitando a enorme redução de impostos sobre o capital, chamou os monopólios norte-americanos de novas tecnologias que operam na China a repatriar suas plataformas de produção. Está promovendo seus próprios interesses e fazendo esforços para impedir a expansão chinesa que implementa o projeto “Rota da Seda”, aumenta a exportação de capitais e realiza grandes investimentos em outros países, na Ásia, África e outras regiões.

domingo, 28 de novembro de 2021

A DITADURA DO PROLETARIADO*

Marta Harnecker e Gabriela Uribe

 

1 - A necessidade de construir um Estado proletário

     No primeiro caderno desta série dissemos que os donos dos meios de produção, ao mesmo tempo que detêm o poder econômico, controlam graças a ele, outros aspectos da sociedade.



     O Estado, por exemplo, não é um aparelho neutro, a serviço de toda a sociedade, como pretendem fazer-nos crer os capitalistas. O Estado tem defendido sempre os interesses de quem detém o poder econômico. Os governos capitalistas no nosso país utilizaram e continuam a utilizar frequentemente as forças policiais para reprimir os trabalhadores quando as suas lutas põem em perigo o sistema dominante. Disto são testemunhos gritantes as lutas em que a classe operária viu morrer os seus filhos. Por outro lado, todos os trabalhadores sabem que não existe uma justiça igual para todos os brasileiros. Existe a lei do pobre e a lei do rico. Se um pobre mata outro, mesmo por razões de fome e miséria é condenado a longos anos de prisão; se um rico mata outro consegue com dinheiro calar o processo, e se é julgado, o castigo é muito pequeno e geralmente é posto em liberdade sob fiança.

     Se o latifundiário rouba a terra ao lavrador, passam-se anos sem que a justiça faça alguma coisa para devolvê-la. Se o lavrador recupera a terra que lhe foi roubada, intervém a polícia para colocar ordem, isto é, para impedir que os interesses dos latifundiários sejam prejudicados.

     O Estado capitalista, que diz ser o Estado mais democrático do mundo, é de fato uma democracia para uma minoria. Democracia para que poucos tenham casas luxuosas em vários pontos do pais, carros luxuosos, viagens ao estrangeiro, enquanto a maior parte do povo vive em povoações afastadas dos seus locais de trabalho, em "vilas", em bairros da lata e têm de andar quilômetros para chegar ao trabalho, muitas vezes sem terem dinheiro sequer para o transporte. Democracia para que uma minoria possa mandar estudar os filhos nas universidades, enquanto a maior parte das crianças do país não passa das primeiras letras. Democracia para que poucos possam exprimir publicamente opiniões e ideias, porque têm bastante dinheiro para comprar programas de rádio e de televisão, jornais e revistas, enquanto a voz da maioria, que não tem nem influência, isto é poder político, nem dinheiro, não se pode fazer ouvir. Democracia para que uma minoria se dê ao luxo de escolher o trabalho que quer realizar, enquanto a maioria tem de aceitar todo e qualquer trabalho para não morrer de fome.

     Trata-se de uma democracia muito limitada, porque o povo tem que submeter-se às decisões tomadas por uma pequena minoria: os capitalistas. Trata-se de uma democracia para esta classe social, mas uma ditadura para o povo, já que tudo o que põe em perigo aquela minoria é reprimido, usando-se todos os meios disponíveis incluindo a força física, a tortura e muitas vezes a morte.

     Por isso, é porque o Estado capitalista defende os interesses da classe capitalista, (a minoria), contra os interesses do povo a maioria), este se quer pôr fim à exploração, se quer conseguir uma verdadeira liberdade e democracia, se quer pôr os meios de produção a seu serviço deve destruir o Estado capitalista e construir um novo: um Estado proletário.

 2. Como está constituído e como funciona o Estado proletário.

     Este Estado deve ser dirigido pela vanguarda do proletariado, e ser formado por todo o povo que toma nas suas mãos o poder do Estado, passando a constituir ele mesmo as instituições desse poder.

     “Necessitamos de um Estado, mas não como o que a burguesia necessita, com os órgãos do poder - tomando a forma de polícia, exército, burocracia - separados do povo e virados contra ele".(17)

     A máquina do Estado que está constituída, e que serve a burguesia para os seus próprios fins, é substituída totalmente por outra, que serve o proletariado e cujas instituições estão fundidas com o próprio povo. É ele que passa agora a exercer estas funções duma forma direta e em condições de impô-las pela força à burguesia, se necessário, por não existir separação entre o exército permanente e o povo armado. O poder generalizado do povo em todos os aspectos da vida social é o único que pode impedir a minoria, ainda poderosa, de tomar novamente o poder durante este período em que o proletariado vai criando as condições que farão desaparecer a burguesia como classe.

     A este novo tipo de Estado, que se estabelece desde a tomada do poder pelo proletariado é o que se chama a ditadura do proletariado.

3. A ditadura do proletariado não é a negação da democracia.

     Se perguntarmos o que se entende por ditadura a maior parte das pessoas nos dirá que se trata dum regime político em que desapareceu a democracia e a liberdade, quer dizer, que se trata de uma tirania.

     Mas, para o marxismo a ditadura tem um significado diferente do que se lhe dá geralmente. Sabemos que a sociedade é constituída por diferentes classes sociais, e que umas exploram as outras, exercendo sobre elas o seu domínio econômico, político e ideológico. O que interessa ao marxismo, em relação ao problema da ditadura, é saber qual a classe que se pretende dominar, qual a classe que, como classe, deve finalmente desaparecer?

     A ditadura do proletariado é a “organização centralizada da força”(18) contra a escassa minoria, que enquanto está no poder utiliza todos os mecanismos que tem a seu alcance para explorar e oprimir o povo. É a ditadura exercida pelos trabalhadores e exploradores para esmagar a resistência dos exploradores.

     A ditadura do proletariado, segundo Lenin,(19) une a ditadura com a democracia. A ditadura contra a burguesia, quer dizer, contra a minoria da população, e a democracia, quer dizer, a participação geral e em igualdade de direitos da esmagadora maioria da população em todos os assuntos do Estado e em todos os complexos problemas que a destruição do capitalismo implica.

     A democracia proletária é, portanto, uma democracia muito mais ampla e mais perfeita do que a democracia burguesa. Mas, para sê-lo deve submeter as classes até então dominantes. Sem destruir o poder econômico e político destas classes, não pode existir bem-estar e democracia para o povo.

     O marxismo afirma isto, porque reconhece a existência de interesses antagônicos, entre os grupos da sociedade, e por isso não cai na ilusão de acreditar que estes grupos podem dar as mãos para caminharem juntos para a nova sociedade. Só se a classe dominante estivesse disposta a abandonar os seus privilégios o que é impossível, a ditadura do proletariado não seria necessária.

     Ora, ainda que os Estados burgueses se revistam das mais diversas fachadas (desde o regime democrático parlamentar, até à ditadura militar fascista), a essencial é sempre a mesma: uma ditadura da burguesia. Também a transição do capitalismo para o comunismo se pode fazer de diversas maneiras, conforme as características próprias de cada formação social, de cada país, mas mantendo sempre a sua característica fundamental: a ditadura do proletariado.

     Por exemplo, em determinadas formas de ditadura do proletariado pode manter-se a participação eleitoral da burguesia.

4. O que torna necessária a ditadura do proletariado durante o socialismo?

     Se o proletariado toma o poder na violência e consegue expropriar em pouco tempo os grandes capitalistas, porque é que se torna necessário estabelecer um regime de ditadura do proletariado?

     Porque a burguesia usa as vantagens que ainda conserva sobre o proletariado para se opor violentamente ao novo poder. Estas vantagens criam-lhes esperanças de voltar ao capitalismo, esperanças estas que se transformam em tentativas concretas de o impor novamente. Historicamente os exploradores opuseram sempre uma resistência prolongada e desesperada para impor de novo um regime que defenda os seus interesses.

     Perderam as fábricas e as propriedades latifúndios mas ficou-lhes muito dinheiro (a maior parte guardados em bancos estrangeiros). Ficam em seu poder durante algum tempo numerosos bens mobiliários.(20) Têm muitos amigos, que passam a fazer parte do novo regime no seu começo.

     Os hábitos de organização e direção, o conhecimento dos segredos da administração, a preparação intelectual, dão-lhes uma grande força. Mantêm laços estreitos com o pessoal técnico da hierarquia, que leva uma vida burguesa e tem ideias burguesas. Têm uma experiência infinitamente superior da arte militar. Não são menos importantes as suas relações internacionais. O internacionalismo da burguesia, todos os dias se fortalece mais. Por outro lado, através de todo este poder que continuam a ter nas mãos, podem conquistar as massas exploradas menos politizadas.

     Por todos estes motivos, os exploradores conservam durante longos anos vantagens reais sobre os explorados. Se aquela classe e os seus aliados aceitassem não ter já nenhum papel histórico a jogar, se abandonassem voluntariamente os privilégios que possuíam, a repressão e o controle sobre eles seriam desnecessários. (21)

5. A ditadura do proletariado não consiste só, nem principalmente na violência.

     As tarefas da ditadura do proletariado não são só tarefas destrutivas, repressivas. A característica principal não é a violência. O aspecto principal é a organização e a disciplina da classe operária, como grupo da sociedade que dirige o resto dos trabalhadores na construção da nova sociedade.

     O objetivo do proletariado é destruir as bases em que assenta a exploração do homem pelo homem, transformar todos os elementos da sociedade em trabalhadores, suprimir a divisão da sociedade em classes e estabelecer novas relações de colaboração e solidariedade entre os homens.

     Por isso é necessário empreender a tarefa de reorganizar toda a economia, coisa que não é fácil, que não se consegue dum dia para o outro. Além disso não é só a nível econômico que se devem produzir mudanças fundamentais: estas devem atingir todos os aspectos da vida. Uma tarefa constante é combater a enorme força dos costumes herdados da sociedade capitalista.

     Para realizar estas tarefas, o proletariado deve esforçar-se por puxar para o seu lado a maior parte das pessoas. Dirigindo corretamente este processo, evitando cair em métodos burocráticos, tendo sempre em conta o interesse imediato das massas, o proletariado conseguirá cada vez mais o apoio da maioria dos trabalhadores para avançar.

6. Algumas características da Comuna de Paris: uma forma de ditadura do proletariado.

     A Comuna de Paris é o primeiro caso de governo operário na História. Surge com a tomada do poder político por esta classe social em Paris, e noutros centros industriais da França durante a Primavera de 1871.

     A forma como se organizou a Comuna, as medidas que se tomaram, as instituições que o povo criou, foram e continuam a ser uma grande contribuição para a luta do proletariado.

     Na Comuna, os vereadores eram eleitos por sufrágio universal nas diferentes divisões administrativas da cidade (como por exemplo as juntas de distrito). Não é isto que é novo nos nossos dias, mas sim o fato dos funcionários serem responsáveis perante os eleitores e revogáveis por estes em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram operários ou representantes da classe operária.

     A polícia foi retirado o poder político e convertida num instrumento a serviço da Comuna, também revogável a qualquer momento, tal como se fez com os funcionários dos outros ramos da administração.

     Os juízes eram também eleitos pelo povo e responsáveis perante ele, que podia destitui-los no caso de achar conveniente.

     Todos os que desempenhavam cargos públicos ganhavam salários de operários. Eliminou-se a separação entre os poderes executivo e legislativo. A Comuna passou a ser ao mesmo tempo um organismo de trabalho executivo e legislativo.

     A Comuna eliminou a separação entre 0 exército permanente e o povo armado. Nestas breves referências vemos na prática como a ditadura do proletariado é uma democracia muito mais ampla e efetiva do que a ditadura da burguesia. Trata-se apenas de um exemplo que não pode ser seguido da mesma forma em qualquer pais. De fato, na Rússia que foi o primeiro Estado socialista, na China e outros países socialistas deram-se diferentes formas de ditadura do proletariado.

7. A ditadura do proletariado: um dos princípios fundamentais do marxismo.

     Depois desta exposição podemos entender melhor porque é que um dos princípios centrais do marxismo, é que para suprimir as classes sociais, para chegar à sociedade comunista é necessário passar por um período de transição política caracterizado pela ditadura do proletariado.

      O mais importante na doutrina de Marx não é a luta de classes, a qual, segundo o próprio autor, já tinha sido descoberta antes por pensadores burgueses.(22) É por isso que Lenin afirmava que quem reconhece apenas a luta de classes não é nenhum marxista, pode manter-se na linha do pensamento burguês e da política burguesa. Supor que o marxismo é apenas a doutrina da luta de classes é limitar o marxismo, deturpá-lo, reduzi-lo a algo que a própria burguesia aceita. Só é um marxista aquele que partindo da luta de classes, aceita a necessidade da ditadura do proletariado.

     E esta distância profunda que separa um marxista de um vulgar pequeno e também do grande burguês. É isto que prova quem tem e quem não tem uma compreensão e um reconhecimento real do marxismo.(23)

*Socialismo e Comunismo; Cadernos de Educação Popular; Global Editora

Notas:

(17) Lenin, 0 Estado e a Revolução. - Hucitec - S. Paulo – Brasil

(18) Lenin: O Estado e a Revolução. - Hucitec - S. Paulo › Brasil.

(19) Lenin: “Resposta a P. Kievsky", Obras Completas, t. 23, pág. 12 citado em Marx, Engels, Lenin: O Socialismo Científico, Ed. Progresso Moscou, 1967.

(20) Chama-se "bens mobiliários" às ações, obrigações e outros títulos de crédito, que são valores de rápida circulação que se compram e vendem na Bolsa, e são a forma em que se expressa o capital financeiro.

(21) Lenin, A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky.

(22) "No que me diz respeito, não é a mim que cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna, nem a luta entre elas. Muito antes de mim, os historiadores burgueses descobriram o desenvolvimento histórico dessa luta de classes, e os economistas burgueses fizeram-lhe a antomia econômica. O que eu fiz de novo foi: 1) demonstrar que a existência de classes está ligada a fases do desenvolvimento histórico da produção; 2) que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta ditadura constitui a transição para a abolição de todas as classes e por uma sociedade sem classes”. Citação de Marx contida em O Estado e a Revolução, Lenin.

(23) O Estado e a Revolução, Lenin. - Hucitec - S. Paulo - Brasil.

Edição: Página 1917

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Para o Quarto Aniversário da Revolução de Outubro

Lenin

14-10-1921

 

Lenin, legado para um futuro livre da exploração capitalista.

     Aproxima-se o quarto aniversário do 25 de Outubro (7 de Novembro).

     Quanto mais se afasta de nós esse grande dia, mais claro se torna o significado da revolução proletária na Rússia e mais profundamente refletimos também sobre a experiência prática do nosso trabalho, tomada no seu conjunto.

     Esse significado e essa experiência poderiam expor-se muito brevemente — e, naturalmente, de forma muito incompleta e imprecisa — da seguinte maneira.

     A tarefa imediata e direta da revolução na Rússia era uma tarefa democrático-burguesa: derrubar os restos do medievalismo, varrê-los definitivamente, limpar a Rússia dessa barbárie, dessa vergonha, desse enorme entrave para toda a cultura e todo o progresso no nosso país. E orgulhamo-nos justamente de ter feito essa limpeza com muito mais decisão, rapidez, audácia, êxito, amplitude e profundidade, do ponto de vista da influência sobre as massas do povo, sobre o grosso dessas massas, do que a grande revolução francesa há mais de 125 anos.

     Tanto os anarquistas como os democratas pequeno-burgueses (isto é, os mencheviques e os socialistas-revolucionários como representantes russos deste tipo social internacional) disseram e dizem uma incrível quantidade de coisas confusas sobre a questão da relação entre a revolução democrático--burguesa e a socialista (isto é, proletária). Os quatro últimos anos confirmaram plenamente a justeza da nossa interpretação do marxismo sobre este ponto, do nosso modo de aproveitar a experiência das revoluções anteriores. Levamos, como ninguém, a revolução democrático-burguesa até ao fim. É de modo perfeitamente consciente, firme e inflexível que avançamos para a revolução socialista, sabendo que ela não está separada da revolução democrático-burguesa por uma muralha da China, sabendo que só a luta decidirá em que medida conseguiremos (em última análise) avançar, que parte da nossa tarefa infinitamente grande cumpriremos, que parte das nossas vitórias consolidaremos. O tempo o dirá.* Mas vemos já agora que fizemos uma obra gigantesca — tendo em conta que se trata de um pais arruinado e atrasado — na transformação socialista da sociedade.

Mas terminemos com o que se refere ao conteúdo democrático-burguês da nossa revolução. Os marxistas devem compreender o que isto significa. Para o explicar, tomemos alguns exemplos eloquentes.

O conteúdo democrático-burguês da revolução significa depuração das relações (ordem, instituições) sociais de um país do medievalismo, da servidão, do feudalismo.

Quais eram as principais manifestações, sobrevivências e vestígios do regime de servidão na Rússia em 1917? A monarquia, o sistema dos estados sociais, as formas de propriedade da terra e o usufruto da terra, a situação da mulher, a religião, a opressão das nacionalidades. Tomai qualquer destes «estábulos de Augias» — que, diga-se de passagem, todos os Estados avançados deixaram em grande parte por acabar de limpar ao realizarem as suas revoluções democrático-burguesas há 125, 250 ou mais anos (em 1649 na Inglaterra) —, tomai qualquer destes estábulos de Augias: vereis que os limpamos a fundo. Numas dez semanas, de 25 de outubro (7 de Novembro) de 1917 até à dissolução da constituinte (5 de janeiro de 1918), fizemos neste domínio mil vezes mais do que os democratas burgueses e liberais (democratas-constitucionalistas) e os democratas pequeno-burgueses (mencheviques e socialistas-revolucionários), durante os oito meses do seu poder.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Reflexão Sobre Histórias Polêmicas do PCUS, da Revolução de Outubro e da URSS

Miguel Urbano Rodrigues*

Outubro/2016

 

Miguel Urbano Rodrigues

     Li em l961, na Guiné Conakri, a tradução francesa da História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS**, revista e aprovada em 1938 pelo Comitê Central do PCUS. Em Portugal, por iniciativa do camarada Carlos Costa, a referida História foi publicada em 2010 com o subtítulo Breve Curso e um prefácio, muito elogioso, de Leandro Martins, então chefe da redação do «Avante!». A iniciativa gerou polémica no PCP.

Olhares incompatíveis sobre a história

     Tenho na minha biblioteca de Gaia a citada História do Partido Comunista (bolchevique), diferentes edições da História da União Soviética, editadas em espanhol pela Editorial Progresso de Moscou, e a tradução portuguesa da História da Grande Revolução Socialista de Outubro da mesma editora, editada em l977.

     A História do PCUS publicada em 1938 e aprovada pelo Comitê Central do Partido foi traduzida em 67 línguas e dela foram vendidos mais de 42 milhões de exemplares. Mas, após o XX Congresso, foi retirada das livrarias e bibliotecas soviéticas.

     Não foi sem uma sensação de mal-estar que decidi expressar a minha opinião sobre essa obra, a da Revolução de Outubro e uma das Histórias da Rússia e da URSS, a elaborada pelos historiadores A. Fadeiev, Bridsov, Chermensky, Golikov e A. Sakharov, membros da Academia das Ciências da União Soviética. Foi editada em espanhol, também pela Progresso, em 1960.

Por que o mal-estar?

     Por estar consciente da extrema dificuldade de estabelecer fronteiras entre o positivo e o negativo, entre a evocação da História e a deturpação da História que, por vezes no mesmo capítulo, ora coincidem ora se fundem ou cruzam em confusão labiríntica.

     Na História do Partido Comunista (bolchevique) os primeiros três capítulos são dedicados ao combate pela criação de um partido operário revolucionário (o futuro Partido Operário Social Democrata da Rússia - POSDR, inicialmente marxista), à luta dos bolcheviques contra os mencheviques e à primeira revolução russa (1904/1907). A narrativa é interessante, com destaque para o papel decisivo que Lenin desempenhou nessa fase histórica.

     Os capítulos 4, 5 e 6 incidem sobre o período que vai da reação stolypiana à Revolução de Fevereiro de 1917 que derrubou a autocracia czarista. Uma informação muito rica e inédita para os leitores do Ocidente valoriza essas páginas que iluminam a ascensão e o fortalecimento contínuo do Partido bolchevique e a importância da obra teórica de Lenin como ideólogo. As Teses leninistas de Abril, que implicaram uma mudança decisiva na linha do Partido, merecem atenção especial. Ao exigir «todo o Poder aos Sovietes», Lenin sepultou a ideia da longa duração da revolução democrático-burguesa, mobilizando o Partido e os trabalhadores contra o Governo Provisório da Rússia, esboçando a estratégia da revolução proletária rumo ao socialismo.

     No capítulo 7 os autores da História do Partido evocam os acontecimentos que precederam a Revolução de Outubro e a preparação desta, com muitas citações de Lenin que facilitam a compreensão das lutas travadas contra o Governo de Kerenski e no próprio Soviete de Petrogrado.

     Mas a linguagem do livro, a partir do 4º capítulo, dedicado à reação stolypiana no período que precedeu o início da guerra de 1914/18, muda muito e distancia-se do rigor, da serenidade e isenção exigíveis a historiadores responsáveis, como são acadêmicos soviéticos de prestígio mundial como Evgueni Tarlé.

Para caracterizar o oportunismo dos mencheviques, dos economicistas, dos empiriocriticistas e denunciar e criticar os erros de Kamenev, Zinoviev, Rikov, Preobrazhensky, Trotsky e demonstrar a sua incompatibilidade com o leninismo, os autores da História do Partido Comunista (bolchevique) da URSS recorrem a uma adjetivação agressiva e insultuosa e deturpam grosseiramente a História.¹

     Repetidamente, Stalin começa a aparecer em muitas páginas, sendo-lhe atribuídas decisões e iniciativas importantes numa época em que era ainda um dirigente pouco destacado do Partido, embora próximo de Lenin.

     Não é verdade que Trotsky tenha aderido ao Partido para o minar por dentro, com o objetivo de o destruir.

     Kamenev e Zinoviev assumiram nas vésperas da insurreição de Outubro posições que levaram Lenin a qualificá-los de traidores, mas a atitude de Trotsky, que era presidente do Soviete de Petrogrado, não suscitou então qualquer crítica de Lenin.

     Relativamente às negociações de Brest Litovsk os autores da História do Partido Comunista deturpam também os acontecimentos. Lenin censurou Trotsky, que era o chefe da delegação soviética, por não ter cumprido as instruções para assinar a paz com os alemães, mas nunca chamou traidores a ele e a Bukharin, que assumira uma posição ultraesquerdista, nem a Radek e Piatakov. Afirmam os referidos historiadores que eles formavam um grupo anti bolchevique que travou «no seio do partido uma luta furiosa contra Lenin». É falso que planeavam «prender V.I. Lenin, J.V. Stalin e I.M. Sverdlov, assassiná-los e formar um novo governo de bukharinistas, trotskistas e sociais revolucionários de esquerda».

É falso que Trotsky, tendo «como lugar tenentes na luta Kamenev, Zinoviev e Bukharin, tentava «criar ma URSS uma organização politica da nova burguesia, partido da restauração capitalista».

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Outubro Deve Ser Estudado*

 Trotsky

Setembro, 1924.

 

Trotsky, fundador e comandante do Exército Vermelho.

     O Partido é o instrumento essencial da Revolução proletária. A nossa experiência de um ano (de fevereiro de 1917 a fevereiro de 1918) e as experiências complementares da Finlândia, Hungria, Itália, Bulgária e Alemanha, quase permitem erigir-se em lei a inevitabilidade de uma crise no Partido, quando este passa do trabalho de preparação revolucionária à luta direta pelo poder. Regra geral, as crises no Partido surgem a cada mudança importante, como prelúdio ou consequência. É que cada período de desenvolvimento do Partido tem os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos e métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos e métodos: aí reside a causa direta dos choques e das crises: "A uma mudança brusca da história - escrevia Lenin em Julho de 1917 - acontece muito frequentemente, até aos partidos avançados, não se chegarem a habituar à nova situação num maior ou menor espaço de tempo, repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido: coisa que sucede tão "subitamente" como a mudança histórica". Daí um perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o período posterior tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo nos órgãos dirigentes do Partido, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O Partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento processar-se-á sem objetivo, preparando a derrota.

     Um partido revolucionário está submetido à pressão de outras forças políticas. Em cada período do seu desenvolvimento elabora os meios para lhes resistir e as recalcar. Nas mudanças táticas, que comportam reagrupamentos e fricções interiores a sua força de resistência diminui. Daí a possibilidade constante de se desenvolverem consideravelmente os reagrupamentos do partido, formados pela necessidade de mudança tática, e se tornarem uma base de diferentes tendências de classes.

     Se, a cada mudança tática importante, a observação que acabamos de fazer é justa, tanto mais o é no que toca às grandes mudanças estratégicas. Em política, entende-se por tática, por analogia com a ciência da guerra, a arte de orientar operações isoladas; por estratégia, a arte de vencer, isto é, conquistar o poder. Não fazíamos vulgarmente esta distinção antes da guerra, na época da II Internacional, limitando-nos à concepção da tática social-democrática. E não era por obra do acaso: a social-democracia tinha uma tática parlamentar, sindical, municipal; cooperativa, etc. A questão da combinação de todas as forças e recursos, de todas as armas para alcançar a vitória sobre o inimigo, não se levantava na época da II Internacional, pois esta não fixava como tarefa prática a luta pelo poder. Depois de um longo interregno, a Revolução de 1905 pôs novamente na ordem do dia as questões essenciais, as questões estratégicas da luta proletária, garantindo com isto enormes vantagens aos social-democratas revolucionários russos, quer dizer, aos bolcheviques. Em 1917 começa a grande época da estratégia revolucionária, primeiro para a Rússia depois para toda a Europa. É evidente que a estratégia não impede a tática: as questões do movimento sindical, da atividade parlamentar, etc., longe de desaparecerem do nosso campo visual, adquirem agora uma importância diferente, como métodos subordinados da luta combinada pelo poder. A tática está subordinada à estratégia.

     Se, habitualmente, as mudanças táticas produzem rachas interiores no Partido, com mais forte razão as mudanças estratégicas devem provocar abalos muito mais profundos. Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o Partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do Partido, ergue-se contra a insurreição, busca fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter de observar muitas vezes este fenômeno.

     No período de fevereiro a outubro, ao levar a efeito um largo trabalho de agitação e organização das massas, o Partido fez um último exame, uma última escolha de sua arma antes da batalha decisiva. Durante e após Outubro, verificou-se o valor desta arma numa operação de ampla envergadura. Dedicarmo-nos agora a analisar os diferentes pontos de vista sobre a Revolução em geral e a Revolução russa em particular, passando em silêncio sobre a experiência de 1917, seria ocuparmo-nos com uma escolástica estéril e não com uma análise marxista da política. Seria agir à laia dessas pessoas que discutem as vantagens dos diferentes métodos de natação, mas se recusam obstinadamente a encarar o rio onde estes métodos são aplicados pelos nadadores. Assim como é quando o nadador mergulha na água, que melhor se pode verificar o método de natação, também para a verificação dos pontos de vista sobre a Revolução não há nada que chegue à sua aplicação durante a própria Revolução.

* Trecho do Livro “As Lições de Outubro”.

Edição: Página 1917

Fonte: As Lições de Outubro; Leon Trotsky; Global Editora; 1979.

domingo, 7 de novembro de 2021

Revolução Soviética

     Há 124 anos os Bolcheviques tomaram o poder na Rússia, derrotando a burguesia, os latifundiários e o imperialismo. A Revolução Soviética de 1917 foi precedida de anos de experiência das massas nas lutas contra a exploração e a ditadura czarista. Sua vitória só foi possível graças à constituição no seio dessas lutas de uma vanguarda proletária dirigida pelo Partido Bolchevique e do combate sem tréguas desse partido contra a quinta coluna reformista a serviço da burguesia.
Seu legado é o maior patrimônio político do proletariado internacional.



Viva o Sete de Novembro!
Viva a Revolução Soviética!
Abaixo a Exploração Capitalista!
Pelo Poder Proletário!
Pelo Socialismo!


Vídeo: A Revolução Russa de 1917

                                            
 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Carta aos Membros do CC¹

Lenin

6 de Novembro de 1917




     Camaradas!

     Escrevo estas linhas na noite de 24, a situação é extremamente crítica. É claríssimo que agora, na verdade, a demora na insurreição equivale à morte.

     Tento com todas as forças convencer os camaradas de que agora tudo está pendente por um fio, de que na ordem do dia estão questões que já não se resolvem com conferências nem com congressos (ainda que sejam mesmo congressos dos Sovietes), mas exclusivamente com os povos, com as massas, com a luta das massas armadas.

     A investida burguesa dos kornilovistas, a destituição de Verkhóvski mostram que não se pode esperar. É necessário, custe o que custar, hoje à noite, hoje de madrugada, prender o governo, depois de ter desarmado os cadetes (depois de os vencer, se resistirem), etc.

     Não se pode esperar!! Pode-se perder tudo!!

     Valor da tomada do poder imediatamente: defesa do povo (não do congresso, mas do povo, do exército e dos camponeses em primeiro lugar) contra o governo kornilovista, que despediu Verkhóvski e urdiu uma segunda conspiração kornilovista.

     Quem deve tomar o poder?

     Isto agora não é importante: que o tome o Comitê Militar Revolucionário² «ou outra instituição» que declare que só entregará o poder aos verdadeiros representantes dos interesses do povo, dos interesses do exército (proposta de paz imediata), dos interesses dos camponeses (deve-se tomar a terra imediatamente, abolir a propriedade privada), dos interesses dos famintos.

     É necessário que todos os bairros, todos os regimentos, todas as forças sejam imediatamente mobilizadas e que enviem sem demora delegações ao Comitê Militar Revolucionário, ao CC dos bolcheviques, exigindo insistentemente: não deixar em caso algum o poder nas mãos de Kérenski e Cia até 25, de modo nenhum; decidir a questão obrigatoriamente hoje à noite ou de madrugada.

     A história não perdoará a demora aos revolucionários, que podem vencer hoje (e seguramente vencerão hoje), arriscando-se a perder muito amanhã, arriscando-se a perder tudo.

     Tomando o poder hoje, não o tomaremos contra os Sovietes, mas para eles.

     A tomada do poder é a obra da insurreição; o seu objetivo político esclarece-se depois da tomada.

     Seria a ruína ou um formalismo esperar a votação indecisa de 25 de outubro, o povo tem o direito e é obrigado a resolver tais questões não por votações, mas pela força; o povo tem o direito e é obrigado, nos momentos críticos da revolução, a dirigir os seus representantes, mesmo os seus melhores representantes, e não a esperar por eles.

     Assim o demonstrou a história de todas as revoluções, e seria um crime imenso dos revolucionários se perdessem o momento, sabendo que deles depende a salvação da revolução, a proposta da paz, a salvação de Petrogrado, a salvação da fome, a entrega da terra aos camponeses.

     O governo vacila. É preciso acabar com ele custe o que custar! A demora na intervenção equivale à morte.

Notas:

¹ Esta carta aos membros do Comitê Central do POSDR (b) foi escrita por Lenin ao fim da tarde de 24 de Outubro (6 de Novembro). Na noite do mesmo dia, Lenin chegou clandestinamente ao Smólni e assumiu a direção imediata da insurreição armada.

² O Comitê Militar Revolucionário anexo ao Soviete de Petrogrado foi criado em 12 (25) de Outubro de 1917 por indicação do CC do Partido Bolchevique. Do CMR faziam parte representantes do Comité Central do Partido, do Comité de Petrogrado, do Soviete de Petrogrado, dos comitês de fábrica, dos sindicatos e das organizações militares. O CMR, diretamente dirigido pelo CC do Partido, trabalhava em estreito contato com a Organização Militar bolchevique na formação de destacamentos da Guarda Vermelha e no armamento dos operários. A tarefa principal do CMR era preparar a insurreição armada de acordo com as diretrizes do CC do Partido Bolchevique. O CMR levou a cabo um vasto trabalho para organizar as forças de combate para a vitória da Revolução Socialista de Outubro. O núcleo dirigente do CMR era o Centro Militar Revolucionário, criado na reunião do CC de 16 (29) de outubro de 1917 e cuja atividade era orientada por Lenin. Depois da vitória da Revolução Socialista de Outubro e da formação, no II Congresso dos Sovietes, do Governo Soviético, a tarefa principal do Comitê Militar Revolucionário tornou-se o combate à contra-revolução e a manutenção da ordem revolucionária. À medida que se criava e consolidava o aparelho estatal soviético, o Comité Militar Revolucionário transmitia as suas funções aos comissariados do povo, que se estavam a organizar. No dia 5 (18) de Dezembro de 1917 o Comitê Militar Revolucionário foi extinto.

Edição: Página 1917

domingo, 31 de outubro de 2021

Sem mais mortes por lucros da COSCO!

 KKE (Partido Comunista da Grécia)

Esta frase estava escrita na enorme faixa que os trabalhadores penduraram nos escritórios da empresa na quinta-feira, 28/10, enquanto milhares de trabalhadores e jovens estiveram do lado dos grevistas do monopólio chinês da COSCO. Com a luta, deflagrada após a trágica morte do colega, os portuários exigem a assinatura de um acordo coletivo, o reforço das medidas de segurança no trabalho, uma comissão de saúde e segurança, contratações, etc.




     Cabe assinalar que o monopólio chinês, sem respeitar o aniversário nacional de 28 de outubro de 1940, quando se iniciou a heroica luta antifascista do povo grego contra os invasores fascistas, buscou neste dia declarar ilegal a greve operária. No entanto, este esforço da COSCO não foi aprovado e as medidas judiciais contra a greve foram rejeitadas como inválidas.

Uma grande batalha foi travada e vitoriosa, disse Nikos Xourafis, presidente da Federação Territorial dos Trabalhadores do Pireos, falando no grande comício de trabalhadores na Estação de Contêineres COSCO. “conseguiram unir os trabalhadores e dar uma resposta como um só punho ”, disse ele , explicando que “nossa força” fez lobby para rejeitar a tentativa do empregador de proibir a greve dos trabalhadores da COSCO.

“Saudamos esta grande manifestação, gritando: chega de mortes devido aos lucros da COSCO!”, afirmou Sotiris Poulikogiannis, presidente do Attica Metal Union, em seu discurso. Ele destacou que a morte de trabalhadores “não é nosso destino, nem é má sorte”, e esclareceu que “queremos um trabalho com direitos, com dignidade, para poder viver e criar nossos filhos”.




Centenas de sindicatos de toda a Grécia expressam sua solidariedade com a luta heroica dos trabalhadores no porto de Pireo, contra a postura intransigente do monopólio chinês. A solidariedade transcende fronteiras. Assim, mobilizações de solidariedade foram realizadas por sindicatos em Istambul (Turquia), em Livorno (Itália), enquanto mensagens de solidariedade chegam constantemente de sindicatos de vários países: Chipre, Suécia, Espanha, Cazaquistão, Egito, América Latina, etc.

Edição: Página 1917

Fonte: https://inter.kke.gr/es/articles/No-mas-muertos-por-las-ganancias-de-COSCO/


sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Nem Fascismo nem Revolução*

Francisco Martins Rodrigues 

“Não existe meio termo entre a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado. Todos os sonhos de uma solução intermediária não passam de lamentações reacionárias de pequeno-burgueses.” Lenin(1)

 

Frentes Populares: "vitórias" que resultaram em derrotas.


Aparentemente, a questão da estratégia foi deixada de parte no relatório de Dimitrov e nos debates do congresso. Concentrando-se nas questões políticas imediatas, Dimitrov não poupou críticas aos “apelos sem futuro a favor da luta pela ditadura do proletariado”, às “frases gerais e às palavras de ordem gerais sobre a saída revolucionária da crise”, às “fórmulas gerais que não dizem nada”(2). “Eliminamos — disse no discurso de encerramento — as frases sonoras sobre as perspectivas revolucionárias”, a fim de “desembaraçar os nossos partidos de qualquer tendência para substituir a atividade bolchevique por frases revolucionárias ou discussões estéreis sobre a apreciação da perspectiva”(3).

Na realidade, esta preocupação de eficácia política encobria um propósito deliberado de desacreditar como “doutrinária” a perspectiva da revolução proletária, porque ela era inconciliável com a política de Frente Popular.**

O oportunismo na tática impunha o abandono da estratégia. E, no lugar onde antes estava a meta da conquista revolucionária do poder, surgiu uma espécie de semiestratégia, o governo de frente única proletária ou de frente popular, como “etapa intermediária” entre a ditadura fascista e a ditadura do proletariado. Este foi o embrião da teoria da “revolução democrático-popular”, lançada no ano seguinte por Dimitrov, a propósito da guerra de Espanha. Aos “apelos sem futuro a favor da ditadura do proletariado” iria suceder a luta “realista” pela semi-revolução operário-pequeno-burguesa.

Um governo de novo tipo

Que espécie de governo era o governo de frente única proposto por Dimitrov como coroamento da política de Frente Popular?

A sua posição acerca do assunto apresenta, como todo o relatório, duas faces: de um lado, irrepreensíveis garantias de princípio; do outro lado, soluções políticas concretas, que as comprometem e anulam. Só pondo em confronto estas duas faces compreenderemos como o reformismo e a retórica revolucionária se casam como um todo em Dimitrov, num típico jogo centrista.

Os comunistas, disse Dimitrov, deviam estar preparados sem hesitação para a formação de um governo de frente única proletária ou de frente popular, de luta contra a reação e o fascismo, governo que não tinha que se manter no quadro da democracia burguesa mas devia adotar “medidas resolutas contra os magnatas contra-revolucionários da finança e os seus agentes fascistas”. “Exigimos de cada governo de frente única... que realize reivindicações radicais"... “por exemplo, o controle da produção, o controle dos bancos, a dissolução da polícia, a sua substituição pela milícia operária armada, etc.”. O erro dos comunistas alemães ao entrar no governo de Saxe em 1923 fora justamente não terem utilizado as suas posições “antes de tudo para armar o proletariado”. 

O governo de frente única era, pois, muito claramente um governo a formar quando o aparelho de Estado da burguesia estivesse “suficientemente desorganizado e paralisado”, “na véspera da vitória da revolução soviética”. Era “no fundo, uma questão quase análoga” à palavra de ordem de Governo Operário e Camponês defendida pelo 4º e 5º congressos da IC(4).

Esta a face revolucionária. Passemos agora à concretização.

A formação do governo de frente única dependia da existência de uma “crise política”. Esta expressão, que Dimitrov, não por acaso, usou insistentemente(5), significava uma alteração radical em relação ao passado, cujo alcance é necessário sublinhar, antes de irmos mais longe.

Até aí, a IC considerara como condição para se poder encarar o apoio ou participação dos comunistas em qualquer governo a existência de uma crise revolucionária, isto é, de uma situação em que o regime burguês no seu conjunto se encontrasse à beira do descalabro. O papel do Governo Operário e Camponês seria precisamente precipitar o colapso do poder burguês, acelerar a instauração do poder soviético.

Ao substituir, de forma aparentemente casual, “crise revolucionária” por “crise política”, Dimitrov deslocava a questão do governo para um terreno inteiramente novo. A entrada dos comunistas para o governo passava a ser admissível e necessária numa situação em que os trabalhadores e os seus sindicatos “se insurjam impetuosamente contra o fascismo e a reação, mas sem estarem ainda prontos a sublevarem-se para lutar sob a direção do partido comunista pela conquista do poder soviético”, quando as forças aliadas exigissem “medidas implacáveis contra os fascistas e os outros reacionários”(6). 

Quer dizer: Onde antes se tinha em vista um governo para acabar com o capitalismo, agora tratava-se de um governo para acabar com o fascismo. Por isso mesmo, seria “um organismo de colaboração da vanguarda revolucionária do proletariado com os outros partidos antifascistas, no interesse de todo o povo trabalhador, um governo de luta contra a reação e o fascismo”, tendo como base uma “plataforma anti-fascista”. Um tal governo, avisou Dimitrov, “não pode trazer a salvação definitiva”, porque “não está à altura de derrubar a dominação de classe dos exploradores”(7). Destinava-se a “esmagar ou derrubar o fascismo, sem passar imediatamente à liquidação da ditadura da burguesia”(8).

Vemos agora porque falou Dimitrov em “crise política” em vez de “crise revolucionária”. Porque estava a introduzir um princípio novo, até então considerado inadmissível: a aceitação das responsabilidades de governo pelos comunistas sem sair do quadro do capitalismo.

O Governo de Frente Popular surge-nos assim em dois cenários inteiramente opostos. O primeiro é o de um governo revolucionário, formado em situação de crise revolucionária (o aparelho de Estado desorganizado e paralisado), que se apoia nos operários armados, expropria os magnatas, estabelece o controle da produção e dos bancos, etc. O segundo é o de um governo antifascista mas não revolucionário, formado em situação de crise política, que se apoia na coligação do partido comunista com os partidos democrático-burgueses e cujo objetivo não é passar à liquidação da ditadura da burguesia.

A contradição entre as duas perspectivas é flagrante. Como é que um governo de “colaboração” do PC com o PS e outros partidos burgueses, que não estaria “à altura de derrubar a dominação dos exploradores”, iria tomar “medidas resolutas” contra os magnatas da finança e os fascistas? Como é que os operários armados, de posse do controle da produção, se iriam manter nos limites de uma mera plataforma antifascista? E se o aparelho de Estado estaria “paralisado e desorganizado” e os operários armados, o que impediria então os comunistas de conduzirem o proletariado à conquista do poder?

Dimitrov deu duas versões antagônicas do governo de Frente Popular, uma revolucionária e outra meramente “democrática”. E, das duas, a que ficava a valer na prática era a segunda. Porque, ao tomar a coligação com os partidos democrático-burgueses como a base do governo, os comunistas transformavam automaticamente em declarações inócuas de intenções todas as “exigências” sobre milícias operárias e controle da produção. Uma via excluía a outra. Ou se apontava a luta antifascista operária e popular para a conquista de um governo revolucionário, capaz de levar de vencida as resistências, vacilações e traições da democracia burguesa, governo que seria, esse sim, o primeiro passo na conquista integral do poder pelo proletariado. Ou se colocava a luta antifascista no quadro de um governo de coligação com a democracia burguesa e, para atingir esse objetivo, teria que se ir renunciando inevitavelmente, passo a passo, a todas as pretensões revolucionárias.

Dizer que o governo de Frente Única estaria garantido contra uma possível degenerescência pelo fato de se apoiar num movimento combativo de massas contra a reação e o fascismo(9) era apenas uma forma de iludir a questão. Os movimentos antifascistas de massas, por muito combativos que fossem, teriam (e tiveram) as pernas cortadas se girassem na órbita de um governo de colaboração proletariado-pequena burguesia, formado para combater só a reação fascista e não o capitalismo.

A pergunta que se coloca é, portanto, a seguinte: o governo de frente única era um governo popular revolucionário ou um governo democrático-burguês? Tinha como função ser a “véspera da revolução soviética” ou promover a restauração da democracia burguesa com a cooperação do proletariado?

E aqui pomos o dedo na ferida das contradições dimitrovianas. O que Dimitrov tentou, com a palavra de ordem de governo de frente única, foi ganhar a social-democracia e as forças democrático-burguesas em geral para a colaboração com os comunistas contra o fascismo, mas sem romper declaradamente com a anterior linha revolucionária da IC. As duas faces contraditórias do seu governo resultam da mistura de dois discursos: “colaboração dos partidos antifascistas sem derrubar a burguesia”, quando falava para a democracia burguesa; “operários armados e controle da produção”, quando se dirigia aos operários. Para uns, plataforma antifascista; para os outros, “véspera da revolução soviética”.

Deste modo, a garantia de Dimitrov de que o governo de frente única seria “fundamentalmente diferente”, “diferente em princípio” de qualquer governo social-democrata(10) (garantia que E. Hoxha repete como um eco sem lhe juntar um único argumento(11) surge-nos na sua verdadeira dimensão. O governo de frente única seria efetivamente diferente dos habituais governos social-democratas porque podia contar agora com o apoio e participação dos comunistas. A diferença consistia em que seria um governo “progressista”, mas também de colaboração de classe, também no quadro do capitalismo. Seria um governo burguês “de novo tipo”, a tapar o caminho à revolução proletária, no preciso momento em que as convulsões do fascismo podiam pôr em risco a própria sobrevivência da sociedade burguesa.

A História pregou uma peça cruel a Dimitrov ao alinhar os seus governos de Frente Popular em duas tristes categorias: todos os que foram formados em período de ascenso da reação fracassaram na tarefa de deter o fascismo e a guerra (Espanha, França, Chile); todos os que foram formados em período de ascenso da revolução (no fim da guerra mundial, na Europa oriental) fracassaram na tarefa de fazer a passagem ao socialismo e não conseguiram mais do que instaurar o capitalismo de Estado.

* Trecho do cap. III do livro Anti-Dimitrov.

** Grifos do editor.

Notas: 

1) Lenine, no 1° Cong. da IC. 

(2) Dimitrov, 52,103,116. 

(3) Id, 163. 

(4) Id., 86-93. 

(5) Id., 88, 89, 93. 

(6) Id., 88. 

(7) Id., 90, 93.

(8) Id., 129.

(9) Id., 91.

(10) Id., 90. 

(11) E. Hoxha, Eurocomunismo, cap. II.

Edição: Página 1917. 


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