Trotsky
Setembro, 1924.
Trotsky, fundador e comandante do Exército Vermelho. |
O
Partido é o instrumento essencial da Revolução proletária. A nossa experiência
de um ano (de fevereiro de 1917 a fevereiro de 1918) e as experiências
complementares da Finlândia, Hungria, Itália, Bulgária e Alemanha, quase
permitem erigir-se em lei a inevitabilidade de uma crise no Partido, quando
este passa do trabalho de preparação revolucionária à luta direta pelo poder.
Regra geral, as crises no Partido surgem a cada mudança importante, como
prelúdio ou consequência. É que cada período de desenvolvimento do Partido tem
os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos e métodos de trabalho.
Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos
e métodos: aí reside a causa direta dos choques e das crises: "A uma mudança brusca da história -
escrevia Lenin em Julho de 1917 - acontece
muito frequentemente, até aos partidos avançados, não se chegarem a habituar à
nova situação num maior ou menor espaço de tempo, repetindo as palavras de
ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido: coisa que
sucede tão "subitamente" como a mudança histórica". Daí um
perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o período
posterior tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo
nos órgãos dirigentes do Partido, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção
no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos.
O Partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento processar-se-á sem objetivo,
preparando a derrota.
Um partido revolucionário está submetido à
pressão de outras forças políticas. Em cada período do seu desenvolvimento
elabora os meios para lhes resistir e as recalcar. Nas mudanças táticas, que
comportam reagrupamentos e fricções interiores a sua força de resistência
diminui. Daí a possibilidade constante de se desenvolverem consideravelmente os
reagrupamentos do partido, formados pela necessidade de mudança tática, e se
tornarem uma base de diferentes tendências de classes.
Se, a cada mudança tática importante, a
observação que acabamos de fazer é justa, tanto mais o é no que toca às grandes
mudanças estratégicas. Em política, entende-se por tática, por analogia com a
ciência da guerra, a arte de orientar operações isoladas; por estratégia, a
arte de vencer, isto é, conquistar o poder. Não fazíamos vulgarmente esta
distinção antes da guerra, na época da II Internacional, limitando-nos à
concepção da tática social-democrática. E não era por obra do acaso: a
social-democracia tinha uma tática parlamentar, sindical, municipal;
cooperativa, etc. A questão da combinação de todas as forças e recursos, de
todas as armas para alcançar a vitória sobre o inimigo, não se levantava na
época da II Internacional, pois esta não fixava como tarefa prática a luta pelo
poder. Depois de um longo interregno, a Revolução de 1905 pôs novamente na
ordem do dia as questões essenciais, as questões estratégicas da luta
proletária, garantindo com isto enormes vantagens aos social-democratas
revolucionários russos, quer dizer, aos bolcheviques. Em 1917 começa a grande
época da estratégia revolucionária, primeiro para a Rússia depois para toda a
Europa. É evidente que a estratégia não impede a tática: as questões do
movimento sindical, da atividade parlamentar, etc., longe de desaparecerem do
nosso campo visual, adquirem agora uma importância diferente, como métodos
subordinados da luta combinada pelo poder. A tática está subordinada à
estratégia.
Se, habitualmente, as mudanças táticas
produzem rachas interiores no Partido, com mais forte razão as mudanças
estratégicas devem provocar abalos muito mais profundos. Ora, a mudança mais
brusca é aquela em que o Partido do proletariado passa da preparação,
propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição
armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e
capitulacionista no interior do Partido, ergue-se contra a insurreição, busca
fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários
de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter de observar muitas vezes este
fenômeno.
No período de fevereiro a outubro, ao
levar a efeito um largo trabalho de agitação e organização das massas, o
Partido fez um último exame, uma última escolha de sua arma antes da batalha
decisiva. Durante e após Outubro, verificou-se o valor desta arma numa operação
de ampla envergadura. Dedicarmo-nos agora a analisar os diferentes pontos de
vista sobre a Revolução em geral e a Revolução russa em particular, passando em
silêncio sobre a experiência de 1917, seria ocuparmo-nos com uma escolástica
estéril e não com uma análise marxista da política. Seria agir à laia dessas
pessoas que discutem as vantagens dos diferentes métodos de natação, mas se
recusam obstinadamente a encarar o rio onde estes métodos são aplicados pelos
nadadores. Assim como é quando o nadador mergulha na água, que melhor se pode
verificar o método de natação, também para a verificação dos pontos de vista
sobre a Revolução não há nada que chegue à sua aplicação durante a própria
Revolução.
* Trecho do Livro “As Lições
de Outubro”.
Edição: Página 1917
Fonte: As Lições de Outubro;
Leon Trotsky; Global Editora; 1979.
Nenhum comentário:
Postar um comentário