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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Outubro Deve Ser Estudado*

 Trotsky

Setembro, 1924.

 

Trotsky, fundador e comandante do Exército Vermelho.

     O Partido é o instrumento essencial da Revolução proletária. A nossa experiência de um ano (de fevereiro de 1917 a fevereiro de 1918) e as experiências complementares da Finlândia, Hungria, Itália, Bulgária e Alemanha, quase permitem erigir-se em lei a inevitabilidade de uma crise no Partido, quando este passa do trabalho de preparação revolucionária à luta direta pelo poder. Regra geral, as crises no Partido surgem a cada mudança importante, como prelúdio ou consequência. É que cada período de desenvolvimento do Partido tem os seus traços especiais, exigindo determinados hábitos e métodos de trabalho. Uma mudança tática acarreta uma ruptura mais ou menos importante nestes hábitos e métodos: aí reside a causa direta dos choques e das crises: "A uma mudança brusca da história - escrevia Lenin em Julho de 1917 - acontece muito frequentemente, até aos partidos avançados, não se chegarem a habituar à nova situação num maior ou menor espaço de tempo, repetindo as palavras de ordem que, embora justas ontem, hoje perderam todo o seu sentido: coisa que sucede tão "subitamente" como a mudança histórica". Daí um perigo: se a mudança tiver sido demasiadamente brusca ou inesperada e o período posterior tiver acumulado demasiados elementos de inércia e de conservadorismo nos órgãos dirigentes do Partido, este revelar-se-á incapaz de assumir a direção no momento mais grave, para o qual se preparou durante anos ou dezenas de anos. O Partido deixar-se-á corroer por uma crise e o movimento processar-se-á sem objetivo, preparando a derrota.

     Um partido revolucionário está submetido à pressão de outras forças políticas. Em cada período do seu desenvolvimento elabora os meios para lhes resistir e as recalcar. Nas mudanças táticas, que comportam reagrupamentos e fricções interiores a sua força de resistência diminui. Daí a possibilidade constante de se desenvolverem consideravelmente os reagrupamentos do partido, formados pela necessidade de mudança tática, e se tornarem uma base de diferentes tendências de classes.

     Se, a cada mudança tática importante, a observação que acabamos de fazer é justa, tanto mais o é no que toca às grandes mudanças estratégicas. Em política, entende-se por tática, por analogia com a ciência da guerra, a arte de orientar operações isoladas; por estratégia, a arte de vencer, isto é, conquistar o poder. Não fazíamos vulgarmente esta distinção antes da guerra, na época da II Internacional, limitando-nos à concepção da tática social-democrática. E não era por obra do acaso: a social-democracia tinha uma tática parlamentar, sindical, municipal; cooperativa, etc. A questão da combinação de todas as forças e recursos, de todas as armas para alcançar a vitória sobre o inimigo, não se levantava na época da II Internacional, pois esta não fixava como tarefa prática a luta pelo poder. Depois de um longo interregno, a Revolução de 1905 pôs novamente na ordem do dia as questões essenciais, as questões estratégicas da luta proletária, garantindo com isto enormes vantagens aos social-democratas revolucionários russos, quer dizer, aos bolcheviques. Em 1917 começa a grande época da estratégia revolucionária, primeiro para a Rússia depois para toda a Europa. É evidente que a estratégia não impede a tática: as questões do movimento sindical, da atividade parlamentar, etc., longe de desaparecerem do nosso campo visual, adquirem agora uma importância diferente, como métodos subordinados da luta combinada pelo poder. A tática está subordinada à estratégia.

     Se, habitualmente, as mudanças táticas produzem rachas interiores no Partido, com mais forte razão as mudanças estratégicas devem provocar abalos muito mais profundos. Ora, a mudança mais brusca é aquela em que o Partido do proletariado passa da preparação, propaganda, organização e agitação para a luta direta pelo poder, à insurreição armada contra a burguesia. Tudo o que há de irresoluto, cético, conciliador e capitulacionista no interior do Partido, ergue-se contra a insurreição, busca fórmulas teóricas para a sua oposição, encontrando-as já preparadas nos adversários de ontem, os oportunistas. Ainda vamos ter de observar muitas vezes este fenômeno.

     No período de fevereiro a outubro, ao levar a efeito um largo trabalho de agitação e organização das massas, o Partido fez um último exame, uma última escolha de sua arma antes da batalha decisiva. Durante e após Outubro, verificou-se o valor desta arma numa operação de ampla envergadura. Dedicarmo-nos agora a analisar os diferentes pontos de vista sobre a Revolução em geral e a Revolução russa em particular, passando em silêncio sobre a experiência de 1917, seria ocuparmo-nos com uma escolástica estéril e não com uma análise marxista da política. Seria agir à laia dessas pessoas que discutem as vantagens dos diferentes métodos de natação, mas se recusam obstinadamente a encarar o rio onde estes métodos são aplicados pelos nadadores. Assim como é quando o nadador mergulha na água, que melhor se pode verificar o método de natação, também para a verificação dos pontos de vista sobre a Revolução não há nada que chegue à sua aplicação durante a própria Revolução.

* Trecho do Livro “As Lições de Outubro”.

Edição: Página 1917

Fonte: As Lições de Outubro; Leon Trotsky; Global Editora; 1979.

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