Índice de Seções

quinta-feira, 28 de abril de 2022

A Luta de Classes e os Sempre Enganados

Lenin em: As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo

1913

[...]Nenhuma vitória da liberdade política sobre a classe feudal foi alcançada sem uma resistência desesperada. Nenhum país capitalista se formou sobre uma base mais ou menos livre, mais ou menos democrática, sem uma luta de morte entre as diversas classes da sociedade capitalista.

O gênio de Marx está em ter sido o primeiro a ter sabido deduzir daí a conclusão implícita na história universal e em tê-la aplicado consequentemente. Tal conclusão é a doutrina da luta de classes.



Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprendem a descobrir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de uma ou de outra classe. Os partidários de reformas e melhoramentos ver-se-ão sempre enganados pelos defensores do velho, enquanto não compreenderem que toda a instituição velha, por mais bárbara e apodrecida que pareça, se mantém pela força de umas ou de outras classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam — e, pela sua situação social, devam — formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo.

Só o materialismo filosófico de Marx indicou ao proletariado a saída da escravidão espiritual em que vegetaram até hoje todas as classes oprimidas. Só a teoria econômica de Marx explicou a situação real do proletariado no conjunto do regime capitalista.

Edição: Página 1917

Fonte: V.I.Lenine, Obras Escolhidas, Vol. 1, pag. 38, Editora Alfa-Omega, 1986.

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

As “Classes Médias” no “Verão Quente”

Francisco Martins Rodrigues* (1927-2008)

2005

Registrando os 48 anos da “Revolução dos Cravos” em Portugal, o Página 1917 reproduz a instigante análise de Francisco Martins Rodrigues, escrita por ocasião do 30º aniversário da Revolução, onde ele comenta sobre seus desdobramentos, descaminhos e possibilidades no enfrentamento com o poder burguês.

 

Operários da Lisnave no "verão quente" de 1974.

 

Neste 30º aniversário, as evocações do “Verão quente” trocaram o tradicional papão do “terror anarcopopulista” pelo anedótico e o folclórico. Para a opinião dominante, agora tranquila, essa é a única abordagem que merecem aqueles meses de susto; com a distância, o pesadelo vai tomando tons de farsa.

A esquerda, pela sua parte, tirando uma ou outra recordação nostálgica das “conquistas”, não fez qualquer tentativa para reivindicar a data como patrimônio do proletariado na longa marcha para o socialismo. E esta diferença entre a chacota dos vencedores e o silêncio envergonhado dos vencidos diz tudo sobre o que aconteceu.

O “Verão quente” foi uma daquelas raras “horas da verdade” da luta de classes, que só de longe em longe emergem na pesada normalidade das instituições. Passada a bebedeira da grande confraternização democrática nacional pela queda da ditadura, o país começara a dividir-se em dois campos antagônicos quanto ao regime a instaurar: transição ordeira para uma democracia representativa, no respeito pela propriedade e pela “livre iniciativa”, ou busca (tateante, instintiva, tumultuosa) de uma “democracia popular” que impusesse restrições severas à exploração capitalista?

Tirando partido da surpresa e desconcerto causados pela sua ação direta nas ruas e empresas, o proletariado obrigara a legalizar comissões, ocupações, saneamentos, distribuição dos latifúndios, melhorias salariais, direitos e garantias. Mas as eleições para a Constituinte vieram mostrar à burguesia que dispunha de reservas para passar à contra-ofensiva. De fato, alarmados com a “revolução”, largos contingentes de pequenos patrões, agricultores, comerciantes, profissões liberais e intelectuais, tinham vindo engrossar o bloco “democrático”. E atrás deles, muitos empregados, funcionários públicos, proletários, temerosos e vacilantes, pendiam para o lado do mais forte.

Numa sociedade longamente habituada à ordem, aqueles meses de “indisciplina social”, com o povo miúdo a desafiar a autoridade, tinham sido suficientes para curar a pequena burguesia das euforias unitárias do 25 de Abril. A crua realidade era que, a continuar sem freio a “loucura” popular, se abriria um vazio de poder por onde irromperia a subversão social. Só o reforço da ordem e do aparelho de Estado poderia garantir os seus interesses vitais, e isso significava alinhar com a campanha da direita: a histeria divisionista, a sabotagem econômica, as manigâncias golpistas, o bombismo.

Por muitas razões de queixa que a pequena burguesia tivesse do grande capital e do imperialismo estrangeiro, o seu interesse de classe exigia que fosse contida a ameaça de revolução. A deslocação à direita das “classes médias” é assim o fator de viragem que permite ao PS e aos restantes partidos burgueses, ao “grupo dos Nove”, à Igreja, passar ao ataque.

Mas reconhecer que a pequena burguesia passara ao campo contra-revolucionário e agir em conformidade era um tabu para as forças que se reivindicavam do “avanço do processo revolucionário”. O PCP, que exprimia de forma mais elaborada as concepções políticas do campo popular, decretara há muito que a pequena burguesia, e com ela o conjunto das “classes médias”, eram aliadas do proletariado; se estavam a voltar-se contra ele era apenas por estar a ser vítimas da manipulação da direita. Urgia demonstrar-lhes que nada tinham a temer e, para isso, era essencial pôr termo aos “excessos” e ao “aventureirismo”, que isolavam perigosamente o movimento de massas. Para o PCP, as greves “descontroladas”, os saneamentos “selvagens”, as ocupações “anárquicas”, a marcha da Lisnave, a Rádio Renascença, o República, o assalto à embaixada de Espanha eram exemplos do “radicalismo” que ameaçava provocar uma catastrófica ruptura política entre proletariado e pequena burguesia.

Teimando em conceber a “revolução” como um processo bem ordenado de gradual amordaçamento legalista do capitalismo e de passagem indolor ao socialismo, o PCP apostou até ao fim, apesar dos desmentidos diários da experiência, na busca de uma aliança entre o proletariado e a pequena burguesia (e mesmo de boa parte da burguesia média!). Para demonstrar o seu espírito “responsável”, deixou cair o quinto Governo, avalizou com a sua presença (sob protesto!) o reacionário sexto Governo, desconvocou o cerco operário à Assembleia, deitou água na fervura, apelou sem descanso ao Presidente da República, até propiciar o fácil triunfo do golpe de 25 de Novembro – ou seja: para evitar o “isolamento” do movimento popular, sufocou-o.

O isolamento do processo revolucionário não era resultado dos seus “excessos” mas da sua fraqueza. O proletariado erguia-se numa espiral nunca vista de contestação da ordem, mas o arsenal político à sua disposição era de uma pobreza franciscana: “aliança Povo-MFA”, confiança filial nos governos provisórios, “Revolução democrática e nacional” e um partido de colaboração de classes como guia… A timidez das perspectivas políticas fazia um contraste brutal com a audácia das ações espontâneas das massas. Mesmo a extrema-esquerda (marxistas-leninistas, trotskistas, basistas, anarco-sindicalistas), apesar dos seus apelos ao “poder popular” e ao “socialismo”, não ousava dizer que o avanço passava por uma luta de classes “no seio do povo”. E, sem isto, só ficavam apelos nebulosos, insuficientes para descolar uma ala esquerda segura de si, capaz de impactar a direção geral do movimento.

Se o proletariado avançado tivesse conseguido formular claramente os seus objetivos, criticar sem contemplações a deslocação à direita da pequena burguesia, demonstrar às grandes massas proletárias e semiproletárias que era do seu interesse juntar-se aos operários – teria podido consolidar o seu campo, neutralizar ou ganhar para o seu lado grande parte dessa massa intermédia, isolar o campo da burguesia. Se soubesse para onde queria ir, o movimento revolucionário poderia ter ganho a maioria da população.

Isto, dizem alguns, é pura loucura porque daria lugar a um confronto violento quando não havia condições para o triunfo revolucionário. É o mesmo que dizer que o movimento de massas estava errado, e que estas não se deviam ter posto em movimento – opinião curiosa para quem se pretende revolucionário. O levantamento das massas exploradas era um fato; a nossa obrigação (que não cumprimos) era traçar-lhe um programa político. E mesmo que a revolução não chegasse às suas últimas consequências, a afirmação independente do proletariado teria criado um polo de atração na sociedade, ensinado as massas médias a perder a reverência pelo capitalismo, abalando o caduco sistema de poder montado pela burguesia nacional, banido o ranço da obediência fatalista e do obscurantismo, conquistado outras liberdades.

Incapaz de se desenredar da pequena burguesia e de fazer política para si própria, a classe operária desperdiçou há 30 anos uma oportunidade rara de completar a sua formação revolucionária. “Ao menos poupamos uma derrota!”, alegam ainda hoje os reformistas. De fato! A insolente impunidade exibida pela burguesia e a obscura apatia e descrença em que vegetam os trabalhadores, descrentes de si próprios por se terem deixado esbulhar pacificamente, não serão provas mais que suficientes de que sofremos uma derrota pesadíssima?

* Militante revolucionário de longa data, Francisco Martins Rodrigues foi membro do CC do Partido Comunista Português e viria a romper com o seu reformismo por altura da polêmica sino-soviética, fundando a FAP e o CMLP, a primeira organização marxista-leninista portuguesa. Foi o primeiro a introduzir em Portugal de uma forma organizada as lições da revolução chinesa e o exemplo de Mao Tsétung. Preso várias vezes e barbaramente torturado pela PIDE, manteve-se ao longo de toda a sua vida do lado da revolução e empenhado na organização de uma corrente comunista revolucionária. O 25 de Abril de 1974 encontrou o camarada "Chico" na prisão e os militares "democratas" do MFA tentaram mantê-lo preso. Só a forte vontade popular e grandes manifestações à porta da prisão o conseguiram libertar. A partir de 1985 e até morrer em 2008 foi diretor da revista "Política Operária", que também fundou. É em nome da prioridade do papel do operariado que, em 1984, abandona o PCP (R) e a UDP, acusando os outros dirigentes de cedências à pequena burguesia. Escreve então o livro "Anti-Dimitrov. 1935-1985 meio-século de derrotas da Revolução" (1985), onde sistematiza a sua crítica ao dimitrovismo, ao estalinismo e ao maoismo. Funda a "Política Operária", a sua última revista, que manteve praticamente até à morte.

Edição: Página 1917

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/ano/mes/classes.htm

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.

terça-feira, 19 de abril de 2022

“A Rússia é um País Imperialista?”

Essa Não é a Pergunta Certa a Fazer

Greg Godels

 

Lenin ironicamente nota a tendência reformista pequeno-burguesa de separar o imperialismo do capitalismo, de negar “o vínculo indissolúvel entre o imperialismo e os trustes e, portanto, entre o imperialismo e os próprios fundamentos do capitalismo…” Sem reconhecer o capitalismo como a fonte do imperialismo e da guerra, o anti-imperialismo continua a ser “um desejo piedoso'”

 



A obra de V.I.Lenin, Imperialismo, continua a ser a principal elaboração do conceito de imperialismo para os marxistas. É o ponto de partida para qualquer discussão sobre a dinâmica global do capitalismo desde o final do século XIX até hoje.

Embora o capitalismo tenha dado voltas, reviravoltas e até sofrido desvios desde a época de Lenin, o objetivo permanece o mesmo – a exploração do trabalho com fins lucrativos, onde quer que trabalhadores e recursos possam ser encontrados. A evolução, concentração, crescimento e desenvolvimento desigual do capitalismo são as condições necessárias para o imperialismo. O imperialismo não respeita fronteiras sociais ou políticas.

A obra Imperialismo, capta as características do capitalismo moderno – monopolista. No entanto, muitos, aparentemente, não conseguem ler o subtítulo de Lenin: A fase superior do capitalismo. Não conseguem entender que Lenin está a escrever, a elaborar, a explicar uma fase particular do capitalismo, e não a atribuir características a Estados individuais. Está a descrever um período historicamente limitado, um período em que o capital na sua forma madura, financeiramente organizada e monopolista passa a dominar o mundo inteiro através das conquistas das “grandes potências”. Nas palavras de Lenin: “devemos dizer que o traço característico desse período [o imperialismo] é a divisão final do globo – não no sentido de que uma nova divisão é impossível – pelo contrário, novas divisões são possíveis e inevitáveis – mas no sentido de que a a política colonial dos países capitalistas completou a tomada dos territórios desocupados do nosso planeta... no futuro só é possível a redivisão” (p. 76)

Como o método de Marx exige, Lenin está a abordar processos, tendências – neste caso, uma tendência do capital não apenas para dominar Estados-nação, até regiões, mas o mundo inteiro. É o completar ou redividir que define o imperialismo como uma era histórica, um processo que – por meio da concorrência – cria alianças e blocos em constante mudança. Em última análise, é a intensa competição transportada para além das fronteiras nacionais que pode acabar por ser resolvida com as armas, pelas guerras.

Esses processos que Lenin associa ao imperialismo ocorrem de forma desigual e de diferentes formas. Após a revolução bolchevique, a dominação do capitalismo monopolista de todo o mundo foi interrompida pela existência da União Soviética. Seguiu-se uma cruzada anticomunista por parte das grandes potências capitalistas, mas o processo subjacente permaneceu o mesmo: entregar cada trabalhador e camponês nos braços do capital monopolista e financeiro.

Mais uma vez, após a Segunda Guerra Mundial, o crescente poder e a influência de uma comunidade socialista foram decisivos na libertação de quase todas as que antes eram colônias das grandes potências. Novos países “independentes” surgiram na Ásia e na África. Mas a tendência subjacente identificada por Lenin expressou-se novamente através de uma nova expressão do imperialismo: o neocolonialismo.

O neocolonialismo manteve as antigas vantagens econômicas para as grandes potências dominantes, mas sem o ónus da ocupação e administração. “Esferas de influência”, um termo mais benigno cunhado no século XIX, captou a tendência do capital de penetrar em todos os cantos do mundo, enquanto mascarava a subjugação crua implícita nas “colônias”. Assim nasceu uma “independência” dependente, cimentada mais pela necessidade econômica do que pela coerção nua.

Com a queda da União Soviética, o andaime econômico mais viável para o desenvolvimento independente fora do sistema imperialista foi eliminado. Comentaristas ocidentais celebraram vigorosamente a perspectiva de penetração capitalista desimpedida em todos os países, sem exceção. Enormes mercados de trabalho entraram no sistema capitalista da Europa Oriental e da Ásia, reduzindo drasticamente os custos de bens, serviços e, mais importante, mão de obra.

O capitalismo ganhou um segundo fôlego, desfrutando de taxas de crescimento e lucro mais altas e mais estáveis.

Os capitalistas correram a abrir novos mercados, remover impedimentos ao comércio, acelerar investimentos estrangeiros, garantir a reciprocidade de uma maneira nunca vista desde as primeiras décadas do imperialismo moderno. De fato, as últimas décadas do século XX assemelharam-se àquele período anterior do imperialismo clássico para muitos marxistas.

Ironicamente, o triunfalismo capitalista serviu para sublinhar a atualidade da teoria do imperialismo de Lenin. Mais uma vez, a economia global foi dominada pela mobilização das grandes potências, à procura de vantagens econômicas (exploração) e esferas de influência.

Com os EUA, tal como a Grã-Bretanha na sua glória do século XIX, reivindicando o direito de determinar os termos da atividade econômica e do comércio para o mundo, previa-se um período de cooperação e paz. Nessa visão, os vínculos econômicos capitalistas e a dependência mútua serviriam para cimentar as relações sociais e políticas e assegurar a estabilidade nas relações internacionais. Uma nova ordem mundial seria bem-vinda por todos e garantida pelos EUA.

sábado, 16 de abril de 2022

O Papel Histórico da Ditadura do Proletariado

Charles Bettelheim (1913 – 2006)


"A existência da ditadura do proletariado e de formas estatais ou coletivas de propriedade não determinam necessariamente a “abolição” das relações de produção capitalistas nem o “desaparecimento” das classes antagônicas"

 


     A primeira tese com a qual é preciso romper é a que estabelece uma identificação “mecanicista” entre formas jurídicas de propriedade e as relações de classes, particularmente no decorrer da transição socialista.

     Essa tese foi explicitamente desenvolvida por Stalin em seu relatório – apresentado a 25 de novembro de 1936 ao VII Congresso dos Sovietes da URSS (1) – sobre o projeto de constituição da União Soviética.

     [...] “Não há mais capitalistas na indústria, nem Kulaks na agricultura, ou comerciantes e especuladores no comércio. De modo que todas as classes exploradoras estão liquidadas (2).

     [...] A aceitação dessa tese impedia a análise das contradições que continuavam de fato a se manifestar na União Soviética. Ela torna incompreensível a ideia de que o proletariado possa perder o poder para a burguesia, pois esta parece não ter mais condições de existir, salvo se for “restaurada” a propriedade privada capitalista. Semelhante tese desarma o proletariado, persuadindo-o de que a luta de classes terminou.

      [...]A existência da ditadura do proletariado e de formas estatais ou coletivas de propriedade não determinam necessariamente a “abolição” das relações de produção capitalistas nem o “desaparecimento” das classes antagônicas: o proletariado e a burguesia. Esta pode apresentar formas de existência modificadas e assumir o aspecto de uma burguesia de Estado.

     O papel histórico da ditadura do proletariado não consiste apenas em transformar as modalidades de propriedade, mas também – e essa é uma tarefa complexa e demoradaem transformar o processo social de apropriação, e, dessa maneira destruir as antigas relações de produção e organizar novas relações de produção, afim de assegurar a passagem do modo de produção capitalista ao modo de produção comunista, sendo a transição socialista a etapa que permite a destruição das relações sociais burguesas e da burguesia enquanto classe. Tal formulação não constitui nenhuma novidade, pois trata-se, literalmente, de um “retorno” a Marx e Lenin.

     Marx concebia a ditadura do proletariado como ponto de transição necessário para alcançar a supressão das diferenças de classe em geral (3), enquanto Lenin costumava lembrar que “as classes subsistem e subsistirão na etapa da ditadura do proletariado”, acrescentando que “cada uma delas se modifica...”, de modo que suas relações também se modificam e que a luta de classes prossegue revestindo-se “de outras formas(4).

     O Fato de que a tarefa da revolução socialista não se limita à transformação das relações jurídicas de propriedade e de que o fundamental é a transformação do conjunto das relações sociais e, inclusive, as relações de produção, levou Lenin a insistir com frequência na ideia essencial de que é relativamente “fácil começar a revolução socialista”, mas particularmente difícil “continuá-la e levá-la a bom termo(5).

     Assim, a transição socialista abrange necessariamente um longo período histórico e não pode ser “concluída” em alguns anos (6).

 

Notas:

(1)   Cf. Stalin, Les questions du léninisme, Editions Norman Béthune, Paris, 1969, tomo 2, pág. 748 e segs.

(2)   Ibid., pág. 755.

(3) Ver a primeira formulação dessa ideia na carta de Marx a Weidemeyer de 5 de março de 1852, in Correspondence Marx-Engels, tomo 3, Éditions Sociales, Paris, 1972, pag.79.

(4) Cf. Lenin, L’Économic et la politique à l’époque de la dictadure du proletariat, 7 de novembro de 1919, in O.C., tomo 30, pág. 111.

(5) Lenin, O.C., tomo 31, pág. 59.

(6) A pressão que a ideologia burguesa exerce sobre o marxismo (e que se manifesta pela luta entre duas vias, burguesa e proletária, no seio do próprio marxismo) determinou mais de uma vez a tendência a reduzir as relações de produção a simples relações jurídicas. Tal ocorreu na Rússia soviética durante a guerra civil, com a ilusão de que a extensão das nacionalizações e a interdição do comércio privado (substituído por medidas de requisição e de distribuição sem passar pelo mercado) equivalia à “instauração” de relações comunistas, donde a denominação “comunismo de guerra” dada a esse período. Como Lenin reconheceu, as ilusões surgidas então conduziram a “uma derrota mais grave que qualquer uma das que nos foram infligidas por Koltchak, Denikine ou Pilsudski...”. (Lenin, O.C. , tomo 33, pág. 57). 

Fonte: A Luta de Classes na União Soviética, Vol.1, pág. 30, Paz e Terra, 1976. 

Edição: Página 1917.

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.

 

 

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

A Fração Permanente

Francisco Martins Rodrigues (1927-2008)

"Agitando o espantalho do trotskismo sempre que são criticados pela esquerda, estes arrojados “marxistas-leninistas” conseguem dois resultados, qual deles mais brilhante. Primeiro, desarmam a vigilância de classe nas suas fileiras, legitimam todas as concessões ao democratismo pequeno-burguês e refazem a trajetória que há meio século encaminhou os partidos comunistas para o revisionismo."




Março/Abril de 1986

A primeira injúria que ocorre aos chefes da chamada corrente marxista-leninista, quando criticamos o seu oportunismo, é chamarem-nos trotskistas.

Condena-se o seguidismo dos acordos com a pequena burguesia e as burguesias nacionalistas? Isso seria uma objecção trotskista. Demonstra-se que a política das frentes populares e a estratégia da “revolução democrático-popular” do 7.° Congresso da Internacional Comunista abriram as portas à colaboração de classes e à desagregação do movimento comunista? Trotskismo, também. Stalin afastou-se do bolchevismo a partir dos anos 30? A dissolução da Internacional foi uma concessão ao imperialismo? O corte dos anos 60 com o revisionismo soviético ficou a meio caminho? A noção de um partido comunista “monolítico” é antileninista? Em Portugal não pode haver outra revolução que não seja uma revolução socialista? Tudo isto estaria fora de discussão por ser trotskismo.

Agitando o espantalho do trotskismo sempre que são criticados pela esquerda, estes arrojados “marxistas-leninistas” conseguem dois resultados, qual deles mais brilhante. Primeiro, desarmam a vigilância de classe nas suas fileiras, legitimam todas as concessões ao democratismo pequeno-burguês e refazem a trajetória que há meio século encaminhou os partidos comunistas para o revisionismo. O que se está a passar neste aspecto com o PC do Brasil e com o seu fiel discípulo, o PC(R) português, é suficientemente elucidativo. Segundo, obscurecem por tal forma as fronteiras entre leninismo e trotskismo que acabam por levar comunistas desorientados a procurar no trotskismo a coerência de classe que não encontram nos seus partidos. A recente fusão duma parte do KPD alemão com um grupo trotskista é a este respeito muito significativa e não está excluído que o fenômeno se repita noutros partidos da convulsionada corrente M-L.

Está assim reaberta a questão, a que nem o maoísmo nem o “enverismo” albanês deram resposta satisfatória e, pelo contrário, baralharam de forma execrável: pode-se levar até às últimas consequências a crítica ao revisionismo sem cair no terreno do trotskismo? Será que, para se demarcarem do trotskismo, os comunistas estão condenados a conformar-se com a tacanhez popular-democrática, à Dimitrov, e a desistir de uma perspectiva revolucionária estrita?

As teses e resoluções do último congresso da IV Internacional(1) parecem-nos uma boa oportunidade para abordar a discussão do tema, que esperamos venha a ser debatido de forma mais ampla em futuros artigos na nossa revista. Para já, neste primeiro comentário, gostaríamos de pôr em confronto a nossa concepção de partido com a que ressalta daquele congresso trotskista. Mas não sem primeiro chamar a atenção para a natureza contraditória do trotskismo, que o aparenta, por estranho que à primeira vista pareça, aos seus ardorosos inimigos “marxistas-leninistas”.

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.