Francisco Martins Rodrigues (1927-2008)
"Agitando o espantalho do trotskismo sempre que são criticados pela esquerda, estes arrojados “marxistas-leninistas” conseguem dois resultados, qual deles mais brilhante. Primeiro, desarmam a vigilância de classe nas suas fileiras, legitimam todas as concessões ao democratismo pequeno-burguês e refazem a trajetória que há meio século encaminhou os partidos comunistas para o revisionismo."
Março/Abril de 1986
A primeira injúria que
ocorre aos chefes da chamada corrente marxista-leninista, quando criticamos o
seu oportunismo, é chamarem-nos trotskistas.
Condena-se o seguidismo
dos acordos com a pequena burguesia e as burguesias nacionalistas? Isso seria
uma objecção trotskista. Demonstra-se que a política das frentes populares e a
estratégia da “revolução democrático-popular” do 7.° Congresso da Internacional
Comunista abriram as portas à colaboração de classes e à desagregação do
movimento comunista? Trotskismo, também. Stalin afastou-se do bolchevismo a
partir dos anos 30? A dissolução da Internacional foi uma concessão ao
imperialismo? O corte dos anos 60 com o revisionismo soviético ficou a meio
caminho? A noção de um partido comunista “monolítico” é antileninista? Em
Portugal não pode haver outra revolução que não seja uma revolução socialista?
Tudo isto estaria fora de discussão por ser trotskismo.
Agitando o espantalho do
trotskismo sempre que são criticados pela esquerda, estes arrojados
“marxistas-leninistas” conseguem dois resultados, qual deles mais brilhante.
Primeiro, desarmam a vigilância de classe nas suas fileiras, legitimam todas as
concessões ao democratismo pequeno-burguês e refazem a trajetória que há meio
século encaminhou os partidos comunistas para o revisionismo. O que se está a
passar neste aspecto com o PC do Brasil e com o seu fiel discípulo, o PC(R)
português, é suficientemente elucidativo. Segundo, obscurecem por tal forma as
fronteiras entre leninismo e trotskismo que acabam por levar comunistas
desorientados a procurar no trotskismo a coerência de classe que não encontram
nos seus partidos. A recente fusão duma parte do KPD alemão com um grupo
trotskista é a este respeito muito significativa e não está excluído que o fenômeno
se repita noutros partidos da convulsionada corrente M-L.
Está assim reaberta a
questão, a que nem o maoísmo nem o “enverismo” albanês deram resposta
satisfatória e, pelo contrário, baralharam de forma execrável: pode-se levar
até às últimas consequências a crítica ao revisionismo sem cair no terreno do
trotskismo? Será que, para se demarcarem do trotskismo, os comunistas estão
condenados a conformar-se com a tacanhez popular-democrática, à Dimitrov, e a
desistir de uma perspectiva revolucionária estrita?
As teses e resoluções do
último congresso da IV Internacional(1) parecem-nos uma boa oportunidade para
abordar a discussão do tema, que esperamos venha a ser debatido de forma mais
ampla em futuros artigos na nossa revista. Para já, neste primeiro comentário,
gostaríamos de pôr em confronto a nossa concepção de partido com a que ressalta
daquele congresso trotskista. Mas não sem primeiro chamar a atenção para a
natureza contraditória do trotskismo, que o aparenta, por estranho que à
primeira vista pareça, aos seus ardorosos inimigos “marxistas-leninistas”.
Revolta
Ajoelhada
Vale a pena discutir o
trotskismo? É um fato que, como corrente política, os trotskistas não são
levados muito a sério. Já tiveram meio século para mostrar do que são capazes e
a desculpa da “perseguição implacável dos stalinistas” não dura sempre. As
confusas lutas de frações em que sempre estão envolvidos, o gosto doentio pelas
picuinhas de doutrina e a incapacidade para intervir de forma autônoma na luta
de classes retiram-lhes credibilidade, sobretudo junto dos operários.
Mas também é verdade que
as suas posições são em muitos aspectos um caso à parte entre os que atualmente
se reivindicam do marxismo. Os materiais deste XII congresso da IV Internacional
desenham um sugestivo quadro de conjunto da luta de classes internacional que
não tem paralelo com as recozidas “análises” com que nos brindam os
revisionistas das escolas soviética ou chinesa e os adeptos da corrente
albanesa.
Não admira a atração que
exercem sobre camadas da juventude intelectual, enjoada da salada
democrático-humanista que lhes é servida como o “marxismo-leninismo da época atual”
e seduzidas pelo aparente rigor de classe dos trotskistas, pela força
persuasiva dos seus raciocínios, pelo ardor das suas convicções.
Péssimos táticos, os
trotskistas seriam, porém, bons teóricos. Afinal foram eles que apontaram,
antes que ninguém, a degeneração do socialismo na União Soviética; insistiram
em acreditar na revolução proletária mundial, contra as miragens das
“democracias populares e nacionais”; tomaram para si a bandeira do regime dos
sovietes instituído pela revolução de Outubro; puseram as maiores reservas à
moda do maoísmo; mantiveram a tradição perdida da visão unificadora do marxismo.
Neste sentido, uma boa
parte das críticas dirigidas aos trotskistas pela corrente revisionista e pelas
correntes maoísta, albanesa, etc., têm sido efetivamente críticas pela direita,
que só têm ajudado a prolongar em certos setores estudantis o crédito do
trotskismo como o herdeiro do marxismo revolucionário.
Só que o “rigor marxista”
dos trotskistas para quando se encontram diante das questões-chave da
revolução: a hegemonia do proletariado, o partido comunista, a conquista do
poder, a ditadura do proletariado. Aí oscilam, recuam e derivam por uma série
de fintas palavrosas para os preconceitos socialdemocratas, acabando por
defender, com a postura mais revolucionária deste mundo, a colaboração de
classes entre proletariado e pequena burguesia.
O documento a que nos
estamos referindo é disso uma prova exuberante:
— “luta pela revolução
proletária nos países imperialistas” – mas partindo do princípio de que os socialdemocratas,
eurocomunistas, “stalinistas”, são partidos “operários”;
— “revolução permanente
nos países dependentes, sem contar com pausas democrático-burguesas” – e
portanto, apoio à “ditadura do proletariado” que já estaria instituída em Cuba,
Vietnã, Nicarágua;
— “revolução (meramente)
política” na União Soviética, China, etc. – ou seja, apenas meia-revolução, porque
nesses “estados operários” já não haveria verdadeira luta de classes;
— “luta encarniçada pela
construção de organizações marxistas-revolucionárias de massa” – mas assentes
no “pluralismo das forças revolucionárias”.
Peritos em desfibrar os
dogmas e compromissos dos “burocratas stalinistas”, elevados ao papel de
consciência crítica da revolução, os trotskistas perdem toda a ousadia quando
chega a hora de separar o caminho do proletariado do da pequena burguesia. A
sua misteriosa impotência tática deriva desta impotência estratégica.
Não por acaso Lenin
classificou no seu tempo Trotski como centrista e caracterizou o trotskismo
como a “combinação da fraseologia de esquerda com uma atuação prática
moderada”, o recurso às “frases empoladas para justificar o oportunismo”, uma
“revolta ajoelhada”(2).
O aparente enigma da teia
de contradições que forma a substância do trotskismo entende-se melhor se
tivermos em conta a sua base social estudantil e pequeno-burguesa, que nem os
próprios trotskistas podem negar. O pequeno-burguês, disse Marx, “não é mais do
que a contradição social em ação”.(3) Tinha assim que aparecer uma facção
pequeno-burguesa que exprimisse as suas contradições desta forma original:
levar “até às últimas consequências” a aceitação do marxismo, proclamar-se
“bolchevique-leninista”, mas para logo em seguida se evadir, com mil e um
floreados, perante as questões que decidem do alinhamento de campos. E acabar
por refugiar-se num terreno movediço, entre a socialdemocracia e o revisionismo
moderno.
O
Partido-Frente
“A crise de direção
revolucionária, declarou o congresso, é mais do que nunca o obstáculo principal
na via do socialismo”. “Prosseguimos encarniçadamente a construção de
organizações marxistas-revolucionárias de massa”.(4)
Alguma coisa deve, porém,
estar mal nesta luta “encarniçada”, já que os frutos à vista são uma grande
profusão de grupos e pequenos partidos, arrastando uma existência isolada, como
o próprio congresso teve que reconhecer no decurso da polêmica surgida com o
partido dissidente norte-americano.
Por muito que os
trotskistas escrevam sobre a “construção do partido revolucionário do
proletariado”, o modelo-tipo de partido trotskista é o de um pequeno grupo de
pressão, marginal ao movimento operário, tão ambicioso nas manobras táticas
quanto impotente na ação. Uma ou outra exceção, sempre ocasional, só confirma a
regra.
E, no entanto, à primeira
vista, dir-se-ia que ninguém é menos sectário do que os trotskistas nesta
questão do partido. As seções, indicou mais uma vez o congresso, devem mostrar
“aptidão para convergir e fundir-se com correntes que evoluam para posições
marxistas-revolucionárias, a partir da experiência da luta de classes nos seus
próprios países”. O “pluralismo das forças revolucionárias” é expressamente
reconhecido. A secção mexicana, o PRT, é louvada por encarar a “construção de
um partido das diversas correntes revolucionárias anticapitalistas”.(5)
Toda a existência dos
trotskistas é consumida a sonhar com a almejada “união dos revolucionários”. Como
diz a facção rival desta IV Internacional, a Liga Internacional dos
Trabalhadores (LIT), trata-se de criar uma “frente única revolucionária como
degrau transitório para um partido revolucionário de massas”.(6)
Parece ainda não ter
ocorrido aos trotskistas que esta sua abertura unitária seja precisamente a
origem da incapacidade para constituírem qualquer coisa que se assemelhe ao
partido leninista. Na realidade, eles transferiram para este terreno a
concepção frentista que tanto criticam aos “stalinistas”. Condenam o
oportunismo de se amarrar o partido operário às plataformas populares, democráticas
e nacionais… e, em contrapartida, propõem um partido feito da convergência das
diversas “correntes revolucionárias”. Abaixo as frentes interclassistas, viva o
partido da “frente proletária”!
Mas esta “frente
proletária” o que é senão a fusão das mais variadas posições pequeno-burguesas
que se exprimem no seio do movimento operário? Lenin demonstrou no seu tempo,
da forma mais “sectária” possível, que a construção da vanguarda operária para
a revolução obriga a uma demarcação minuciosa, implacável, não apenas com os
partidos da burguesia, mas, precisamente com as tendências e sensibilidades
intermediárias que se manifestam no campo do marxismo, nas fileiras do
movimento operário, com vistas a revelar o seu caráter pequeno-burguês e a
excluí-las do partido.
Coisa que Trotski nunca
compreendeu, como se sabe. Trotski rebelava-se contra o insuportável
“sectarismo” dos bolcheviques, considerava-o suicida, cobria-o de sarcasmos.
Queria um grande partido das diversas correntes “proletárias e marxistas”… E
acabou por chegar a 1917 à frente de um pequeno grupo a que não restou outra
alternativa, senão incorporar-se no grande partido bolchevique que Lenine
construíra, graças à sua intransigência de princípios.
Os trotskistas, porém, não
aprenderam a lição. Pelo contrário, aferraram-se ao erro do seu patriarca,
teorizaram-no, erigiram-no em princípio. Continuam a lutar, contra ventos e
marés, pelo partido da “unidade proletária” onde deveriam ter lugar todas as
tendências que “aceitam” o marxismo. Mas quando parecem estar à beira de
conseguir um desses partidos, pela esperançosa junção de diversos grupos, em
pouco tempo o veem esfarelar-se de novo pelo reacender das divergências não
resolvidas.
Conclusão: o frentismo que
os trotskistas censuram ruidosamente na política dos partidos “stalinistas”,
praticam-no eles na própria constituição do partido. Criticam os compromissos
de classe para fora do partido, mas praticam-nos para dentro. Dizem-se leninistas
mas são uma sobrevivência caduca do velho social-democratismo. Não é casual a
sua aversão pelo título de “comunistas” e a preferência que mostram pela
designação de “socialistas”.
A
Fração Contra o Partido
A outra face deste
unitarismo partidário dos trotskistas é a sua bem conhecida duplicidade e febre
fracionista. Como é da norma, mais uma vez neste congresso foi defendida a “atividade
de Fração noutros partidos, a unidade de ação privilegiada com outras
organizações revolucionárias, indo até propostas de fusão, ao entrismo,
etc.”(7)
Esta perversão fracionista
e “entrista”, que é um dos traços mais típicos dos trotskistas em qualquer
ponto do mundo, não resulta de um inexplicável “mau caráter” que os
vocacionasse para a espionagem e a desagregação. Não significa também que sejam
pagos pela CIA para isso. É a consequência necessária da sua impotência para
construírem um partido coeso, que seja o representante único dos interesses do
proletariado. Os trotskistas não acreditam (com razão) que o partido da
revolução possa surgir como obra sua. Logo, há que fabricá-lo à custa dos
outros. A impotência gera o parasitismo.
Mas não só isto explica o
cortejo de táticas doentias a que se entregam, com as fusões “para partir”, o
“entrismo”, etc. Se se admite que há “organizações proletárias de diversas
tendências” e que elas devem juntar-se num mesmo partido, resulta daí que todos
os meios são bons para fazer prevalecer a “nossa” tendência. O unitarismo
máximo desemboca no máximo cisionismo.
Nada mais falso, pois, do
que o ponto de honra que os trotskistas fazem do “centralismo democrático
leninista”. Para Lenin, a liberdade de expressão, a necessidade de luta interna
no partido, indo até ao direito de cisão, estavam ao serviço da eliminação das
tendências não-proletárias que nele se manifestam. Para Trotski e para os
trotskistas, a liberdade de tendência é a própria essência da vida do partido.
Comporta ora a guerra, ora a coexistência negociada das diversas correntes de
opinião, todas elas “proletárias”. Para eles, a ferramenta última da revolução
não é o partido mas a tendência, a Fração, o grupo.
Invocar a tese de Marx e
Engels no Manifesto Comunista de que “os comunistas não formam um partido
próprio, oposto aos outros partidos operários” é esquecer que o movimento
operário vivia então a sua infância. A teoria leninista do Partido surgiu como
resposta a uma nova etapa de intervenção política massiva e independente dos
operários, em luta pelo poder. Houve, porém, quem em nome do marxismo ficasse
numa fase ultrapassada.
Foi o caso de Trotski. A
sua passagem pelo partido bolchevique não chegou para fazer dele um homem de
partido. Permaneceu até ao fim da vida como o ideólogo de grupo que sempre fora
antes de 1917. Trotski nunca compreendeu plenamente o papel do partido como uma
arma da classe na luta pelo poder. Tinha uma visão anarquizante da luta
política conduzida diretamente pela própria classe operária, o que o aparentava
ao luxemburguismo. E foi esse desvio que legou aos seus fiéis, sob a bandeira
do “anti-stalinismo”.
Naturalmente, se esta
ideologia de fração pôde mascarar-se de “leninista” durante tantos anos, isso
deveu-se ao desvio inverso introduzido por Stalin na vida dos partidos
comunistas. Em nome da luta contra a desagregação trotskista e da necessidade
de um partido “monolítico”, para estar à altura de conduzir a luta do
proletariado, Stalin transformou as restrições temporárias adotadas pelo X
Congresso do partido bolchevique em lei absoluta e universal da edificação do
partido.
Em busca da máxima
eficácia revolucionária, forjou-se uma unanimidade fictícia, “de aço”,
desfigurou-se ou suprimiu-se a luta ideológica interna. Assim, sob a capa da
intolerância total para com o oportunismo se criou o terreno mais propício para
o desenvolvimento subterrâneo do oportunismo. O monolitismo queria “matar” o
oportunismo: multiplicou-lhe a capacidade para estrangular o movimento operário.
Nessa longa guerra entre o
monolitismo stalinista e o fracionismo trotskista, que ocupa todo o último meio
século, o que se perdeu foi a própria concepção leninista de partido
proletário: partido continuamente unificado e renovado, não pelo despotismo iluminado
de um Bureau Político, mas pela luta ideológica aberta ativada por um centro
único, dotado de autoridade mas não isento à crítica.
Neste aspecto, como nos
demais, a corrente trotskista e a chamada corrente marxista-leninista são duas
variantes extremas, dois desvios opostos da teoria leninista.
Seita
Internacional
Como de costume, o
congresso teve que se debruçar sobre uma cisão, desta vez a provocada pelo SWP
norte-americano. Cisão que se veio a somar ao impressionante rol que fica para
trás. Como se sabe, o apelo do congresso anterior (1979) para a “unificação do
movimento trotskista” saldou-se pela ruptura da IV Internacional em
“mandelistas”, “morenistas” e “lambertistas”, além de outras facções menores.
Uma estranha fatalidade
parece perseguir este “partido mundial dos trabalhadores”, sucessivamente
desagregado, reunificado, dividido. A IV Internacional é uma verdadeira fábrica
de cisões. Dir-se-ia que o internacionalismo marxista, de que os trotskistas se
proclamam os mais fiéis seguidores, já não tem lugar nos dias de hoje.
O mistério, porém, não é
difícil de decifrar. Primeiro, porque, sob a aparência de rigor marxista
ortodoxo, a IV Internacional está edificada sobre uma flutuação ideológica
extrema, que comporta todas as nuances e alimenta a dispersão em correntes e
contracorrentes; é o que veremos num próximo artigo. Segundo, e é o que nos
interessa agora, é a própria concepção trotskista de partido mundial dos
trabalhadores, alheia às tradições do marxismo, que a desagrega.
Denunciando o parcelamento
nacionalista que viria a conduzir a Internacional Comunista à dissolução e o
movimento comunista à desagregação, Trotski contrapôs-lhe, com a sua habitual
lógica mecanicista, exatamente o inverso: decretou uma nova Internacional,
formada pela cúpula com um punhado de seguidores seus e pôs-se a inventar diretivas
políticas rigorosas para cada país, sem base em qualquer movimento.
O resultado deste
“ultra-internacionalismo” foi o aparecimento de uma seita internacional,
incapaz de ganhar raízes no proletariado de qualquer país, mais vocacionada
para a elaboração de grandes visões planetárias do que para a luta de classes
real, terreno fértil para a proliferação de charlatães e aventureiros que têm
consumido a boa-fé de algumas gerações de revolucionários sinceros. A IV
Internacional ficou condenada a vegetar como uma triste caricatura da grande
Internacional Comunista que pretendia substituir.
Trotski não entendia que,
depois de Marx e Engels terem propagado as ideias revolucionárias através da
AIT, a existência de um partido mundial dos trabalhadores passava a depender do
suporte de experiências concretas de aplicação do marxismo à luta de classes
nos diferentes países.
Por essa experiência não
estar reunida em 1876, Marx e Engels pronunciaram-se pela dissolução da AIT. A
II Internacional pôde formar-se precisamente porque, entretanto, a experiência
de diversos partidos socialdemocratas, sobretudo do alemão, rasgava
perspectivas novas ao movimento internacional. Mesmo assim, Engels considerou-a
prematura.
Da mesma forma, a IC teria
sido impensável sem a projeção explosiva ganha pelo partido bolchevique após a
vitória da revolução russa. As experiências novas dos leninistas na hegemonia
do proletariado, na aliança com o campesinato, na edificação do partido, na
conquista do poder, serviram de alicerce à III Internacional, levando a uma
etapa mais avançada a construção do partido operário mundial.
Quando, por sua vez, a IC
mergulhou na decadência, corroída pelo oportunismo, a tarefa que se colocava (e
ainda hoje continua em aberto) aos comunistas era demonstrar, no seu próprio
país, como se podia fazer, em condições diferentes, uma política operária
revolucionária. Só o confronto entre experiências concretas de partidos ou
grupos comunistas renovados podia servir de polo aglutinador à reconstrução da
Internacional.
A contribuição dos
trotskistas para esta tarefa foi apenas pela negativa. Eles demonstraram o que
não se deve fazer. A sua grande utopia da invenção de uma Internacional “novinha
em folha”, não só não impulsionou como bloqueou a formação de partidos
proletários em cada país e a elaboração de uma nova linha geral. Agora não lhes
resta mais do que adotar nos seus congressos minuciosas “resoluções” sobre a
revolução mundial em cada ponto do mundo e assistir à sua contínua desagregação
e “reconstrução”.
Não menos negativo foi o
contributo dos impropriamente chamados “marxistas-leninistas” a esta questão. A
degenerescência nacionalista burguesa que avassalou o PC da China e que começa
a ser manifesta no PT da Albânia arredaram-nos do papel que lhes cabia, de
unificadores do movimento comunista mundial na nova fase do imperialismo. As
repetidas promessas de um intercâmbio de ideias e experiências que
impulsionasse a reconstrução da Internacional Comunista nunca foram levadas à
prática; foram apenas um engodo para arregimentar apoios.
Por seu lado, a empresa a
que nos últimos anos se lançaram alguns partidos M-L que se reclamam do projeto
de uma nova Internacional é ainda uma caricatura. Eles substituem o debate
público das suas experiências e das questões em aberto no movimento comunista
pelo apoio diplomático mútuo. Julgam poder, com esta pobre imitação de um
centro internacional, tornear a sua incapacidade para se afirmarem como autênticas
vanguardas reconhecidas do proletariado dos seus países. A prosseguir este
falso caminho, só conseguirão acelerar a sua degeneração numa seita
internacional, paralela à IV Internacional trotskista.
A reconstrução da
Internacional que está posta perante os comunistas não pode ser decretada nem
acelerada por meios artificiais. Não passa pela criação de fachadas
internacionais de prestígio nem pelo isolamento nacional. Exige um avanço
paralelo: na intervenção política de cada um dos partidos e grupos comunistas;
no debate internacional, franco, aberto e de princípios, entre eles. Só por
esse caminho passará à história a aberrante experiência da “IV Internacional”.
Notas:
(1) 12.º Congresso da IV
Internacional (Secretariado Unificado), Janeiro 1985, na revista IV
Internacional, n.° especial 17/18, Set. 1985.
(2) Lenine, Obras, tomo
21, pp. 198, 283.
(3) Marx e Engels, Obras
escolhidas, Ed. Avante, 1982, volume 1, p. 554.
(4) 12.° Congresso, id.,
pp. 7 e 25.
(5) Idem, pp. 25, 41 e 15.
(6) Teses do Secretariado
Internacional da LIT sobre a situação mundial, Outubro 1984, p. 17.
(7) 12.° Congresso, p. 10.
Edição: Página
1917
Fonte: https://anabarradas.com/
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