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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Com a Medida Provisória 1.045 o capital amplia e aprofunda a exploração da força de trabalho.

Aos trabalhadores só resta lutar coletivamente!

Coletivo Victor Meyer

Sindicato é a definição que os trabalhadores dão a si mesmos quando negociam as condições de aluguel de sua força de trabalho (salário, jornada, ritmo de trabalho, etc.) para o capital. Essas condições variam, porém, de acordo com as relações de força na economia em decorrência da fase do ciclo da economia capitalista (expansão, retração e crise, estagnação) e, na política, em função dos programas de governo sustentados pelos partidos do grande capital, em coalização no parlamento.



As medidas de controle da pandemia intensificaram a exploração

Em fins de 2019 e início de 2020, a economia mundial – igualmente no Brasil, apesar da alegação em contrário do ministro da Economia – estava em desaceleração quando sobreveio a pandemia do novo coronavírus. A pandemia, ao exigir medidas de isolamento social, implicou a suspensão generalizada de atividades do setor de serviços e precipitou a crise econômica; ao lado do desemprego houve continuidade do trabalho principalmente no setor industrial, sujeitando os trabalhadores a difíceis condições.

No dia 3 de fevereiro o governo ultraliberal e de extrema direita de Jair Bolsonaro declarou oficialmente a epidemia do novo coronavírus como Emergência de Saúde Pública no Brasil. Em março, ao mesmo tempo em que liberava 1,216 trilhões de reais ou cerca de 16,7% do Produto Interno Bruto para o setor financeiro como um “orçamento de guerra” para lidar com a pandemia, autorizava o Banco Central a comprar e vender títulos conhecidos como “podres” por implicar um grande risco aos investidores. Enquanto o crédito fluía para o grande capital, os trabalhadores enfrentavam a realidade de reduzir as jornadas e os salários, suspendendo o recolhimento do FGTS e medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho em sucessivas edições das Medidas Provisórias 927 e 936/2020.

De acordo com o Ministério da Economia, até meados de 2020 havia acordos de redução de salário ou de suspensão de contrato para 11,7 milhões de trabalhadores ou 36% dos empregados do mercado formal de trabalho, grande parte dos quais acordos individuais. A maioria dos desempregados que viviam no limiar da miséria social abrangia o impressionante número de 13 milhões de pessoas; elas receberam em 2020 um auxilio emergencial no valor de 600 reais durante três meses, depois prorrogado com menos da metade deste valor por igual período.

Mesmo em situação tão difícil, os trabalhadores resistiram durante o ano passado desencadeando greves prolongadas por empresa (caso da Renault em São José dos Pinhais, Paraná) ou categoria, de abrangência nacional como foi o caso dos trabalhadores nos Correios.

Estamos em 2021, no segundo ano desde a decretação da pandemia: em abril o governo encaminha a Medida Provisória 1.405 para apreciação no Congresso Nacional. O objetivo alegado é o de “…garantir a preservação de empregos e a continuidade das atividades empresariais para atenuar o impacto econômico das medidas de isolamento” (Câmara dos Deputados, 28/04/2021: Medida provisória retoma acordos para redução salarial ou suspensão de contratos) Pode-se afirmar que a necessidade é uma inverdade, pois praticamente não há mais isolamento social nas cidades, restando o uso das máscaras e a campanha de vacinação que avançou lentamente ao longo do ano, atingindo no momento, com a primeira dose, 59,19% da população e somente 26,83% com a segunda dose. Certamente o aparecimento de uma nova variante do coronavírus representa uma ameaça, porém a recomendação do isolamento é uma letra morta.

A MP 1045 reedita à medida anterior de redução de salário e jornada e suspensão de contrato pelo empregador, mas traz a “inovação” de permitir (artigos 7º e 8º. da MP) introduzir esse programa de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho. Ao deixar nas mãos das empresas o que fazer sob a pandemia, legaliza a exploração ainda mais arbitrária dos trabalhadores. E importante: faculta o aprendizado patronal de como reduzir custos e postos de trabalho permitindo que, no futuro, um número menor trabalhe mais. E, ainda mais importante, introduz uma mudança em relação à MP 936/2020: a medida agora deixa de possuir natureza transitória e é convertida em permanente podendo ser adotada em qualquer situação de “calamidades públicas” em âmbito municipal, estadual ou nacional admitida pelo governo federal. A lei é, portanto, mais um instrumento para a exploração dos trabalhadores pelo capital.

Novas medidas agravam a exploração

O projeto de lei (PLV) aprovada pela Câmara aprova e acrescenta, na MP 1.045 encaminhada pelo governo, outras formas que agravam a exploração dos trabalhadores e nada mais tem a ver com a justificativa da pandemia. Uma destas é o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) para jovens de 18 a 29 anos que estejam trabalhando em primeiro emprego ou maiores de 55 anos fora do mercado de trabalho: o teto salarial fixado não deve ser superior a 2 salários mínimos (R$2.200,00), para os quais se estabelece redução percentual do FGTS (inclusive da multa). O tempo de duração do contrato é de até 2 anos. Outra forma é o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip) para jovens entre 18 e 29 desempregados há mais de dois anos ou vindos de famílias de baixa renda participantes de programas sociais. Com jornada máxima de 22 horas semanais e sem vínculo trabalhista (férias, INSS, 13º salário, etc.) esses jovens receberão, se a medida for aprovada no Senado, uma bolsa de até 550 reais.

Tais medidas irão necessariamente ampliar (e muito) o chamado setor “informal” da economia que, ao contrário de estar apenas constituído de “empreendedores” e trabalhadores por conta própria como alegam os ideólogos do capital, compreende um amplo conjunto das micro e pequenas empresas capitalistas, com a característica de desconhecer a legislação trabalhistas, sonegar impostos e impedir a organização dos trabalhadores empregados.  Segundo a PNAD contínua do IBGE, a taxa de informalidade atual é de 40% quando havia atingido de 39,5% em dezembro de 2020. A taxa de desemprego aberto aproxima-se de 15%. Ou seja, 15 milhões de desempregados e 40 milhões de “informais”. É importante destacar que a informalidade cresce para atender as necessidades produtivas do capital e seu necessário exército industrial de reserva.

A Câmara também aprovou o aumento da jornada de trabalho de inúmeras categorias de trabalhadores como, por exemplo, a dos bancários e reduz o valor das horas extras. Para os mineiros (em subsolo), o projeto permite passar a jornada diária de 6 horas para até 12 horas. Além disso, o projeto aprovado incluiu ainda restrições para gratuidade para os trabalhadores à Justiça do Trabalho e a proibição dos fiscais na primeira visita aplicarem multas às empresas que descumprem direitos trabalhistas: a multa somente pode ser aplicada na segunda fiscalização.

O sentido geral desses programas governamentais é claro: reduzir salários, provocar perda de direitos, enfraquecer a organização coletiva e facilitar os contratos individuais de trabalho. Os programas podem até perdurar e não mais passar pelo Congresso, contando apenas com anuência do governo federal. Ampliam e aprofundam a exploração em condições tais que fazem lembrar a situação dos trabalhadores no início do século XX, os quais viviam numa situação de semiescravidão.

A posição e atitude das centrais sindicais

As centrais sindicais responderam a esta situação com uma Carta alegando que o objetivo da MP é apenas o de reeditar a redução de jornada e salários e a suspensão de contratos, que vão tentar barrar as “matérias estranhas”, como o Priore e o Requip, no Senado e, caso percam na votação, pretendem entrar com recurso no STF. Se todo esse malabarismo de respeito supersticioso ao Estado burguês der errado, esperam pela eleição de 2022.

Portanto, o não questionamento ao texto original da MP chancela a possibilidade de adoção pelas empresas do programa de redução de jornada e de salário e suspensão de contrato durante a pandemia e em qualquer momento nos casos de situação de “calamidades pública” municipal, estadual ou nacional reconhecida pelo governo federal. A posição de “pressionar” o Senado e em último caso recorrer ao STF alega que a “prática de inserção de matéria estranha” foi julgada inconstitucional em 2016. No Relatório do Deputado Christino Áureo sustenta-se a constitucionalidade das medidas. Mas o que de fato se pode esperar da justiça?

O histórico recente das decisões do STF é amplamente favorável ao aumento da exploração dos trabalhadores pelo capital e o desmonte da já enfraquecida e cambaleante proteção social, suas deliberações inclusive anteciparam várias das medidas posteriormente incluídas na reforma trabalhista como o fim da ultratividade (isto é, quando uma lei é aplicada posteriormente ao fim de sua vigência) das convenções e acordos coletivos, a quitação geral em demissão por PDV, a prevalência do negociado sobre a lei e vários entraves ao direito de greve. Durante a pandemia validou os acordos individuais incluídos nas MPs. Cenário favorável ao capital também observado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como a decisão, em resposta à greve dos trabalhadores dos Correios de 2020, de extinguir 50 cláusulas do acordo coletivo com direitos conquistados ao longo de mais de 30 anos, medida que beneficia a privatização da ECT pelo governo federal.

No caso do projeto aprovado pela Câmara, o pronunciamento do procurador geral do Ministério Público do Trabalho de que vai negociar com os senadores já deixa entrever concessões. E mesmo que posteriormente o poder judiciário venha desaprovar programas e medidas como as estipuladas no Priore e no Requipe não impedirá o encaminhamento destas pelo capital, a começar pelo setor “informal” das pequenas e microempresas.

Os auditores e inspetores do trabalho teriam de fiscalizar de fato a saúde e segurança do trabalho nas empresas, mas isto praticamente não acontece: dados da página do Portal de Inspeção do Trabalho do governo federal apontam, para o caso de São Paulo, com 23.201 autos de infração, o maior em todo o país, a prevalência da fiscalização para arrecadação fiscal. Em 2020 os autos de infração trabalhista relativos ao FGTS representavam 48,5% (9.364), enquanto a fiscalização da NR-18 (segurança do trabalho na construção civil) apenas 2,5% (490) e autos em torno da jornada de trabalho somente 2,2% (436).

Aos trabalhadores só resta lutar

A aprovação pela Câmara do PLV expressa a unidade das correntes de extrema-direita, da direita e democratas liberais quando se trata de aprofundar a exploração dos trabalhadores pelo capital. Ou em outros termos, a unidade de ação da burguesia no Estado, uma vez a conjunção de interesses entre os poderes executivo, legislativo e judiciário em termos de ampliar a exploração da classe operária e reduzir a proteção social para a acumulação de capital.

A verdadeira mobilização dos deputados do Centrão para aprovar um fundo eleitoral de 4 bilhões de reais, o dobro do valor usado na eleição de 2018 constitui o outro lado da vil moeda, destinada a manter ou ampliar seus “currais eleitorais”.

Os patrões podem então dormir tranquilamente, sem a insônia provocada pelo pesadelo da luta de classes. As ameaças de golpe militar brandidas pelo capitão soam neste momento mais como bravatas, jogo de cena para as bases bolsonaristas continuarem arregimentadas em torno dele, apesar do reforçamento constante das forças repressivas e da crescente influência nos seus comandos.

É a verdadeira orgia do capital, a comemoração sem limites do seu poder de submeter os trabalhadores para explorá-los até quebrar sua energia, deixá-los exaustos e sem condições de trabalhar intensivamente, muitos doentes ou incapacitados, para deles desfazer-se em seguida, como o bagaço da cana moída enquanto ficam com o açúcar, o produto do trabalho.  Sem limites porque os trabalhadores aparentemente conformados, não conseguem resistir de modo espontâneo. A atitude da maioria dos sindicatos como a Carta das centrais revela, abandonou o caminho da luta para defender o emprego em protestos verbais e na mobilização dos sindicalistas para pressionar a Câmara dos deputados, enquanto na prática negociam programas de demissão voluntária impostos pelas empresas. Tal comportamento, ao mesmo tempo em que os transforma em força auxiliar das instituições do capital, os poderes legislativos e o judiciário do Estado burguês, torna a relação de exploração capitalista normal e aceitável nas circunstâncias. Abandonados a sua sorte, os trabalhadores vivem então como classe oprimida, sem perspectiva, acreditando no destino: como diz a música, vida de gado marcado, povo feliz.

Contudo as aparências enganam. Conformidade não é aceitação. Mais ainda: onde há exploração sempre haverá resistência. Os conflitos diários para obrigar ao pagamento de horas-extras, abono salarial ou de reajustes salariais não pagos nas empresas significam a tentativa de manter o valor da força de trabalho negociada com os capitalistas, tratando-se sempre de uma questão de sobrevivência. Nesses conflitos os operários aprendem a se organizar, mas percebem também que necessitam a solidariedade ativa dos trabalhadores de outras empresas, de fazer, assim, um enfrentamento mais amplo, coletivo, inclusive para além de uma categoria profissional.

Por enquanto, sem condições de reverter a MP 1405, os ativistas devem esclarecer os companheiros de trabalho nas fábricas sobre o caráter político dessa medida, voltada para ampliar e aprofundar a exploração dos trabalhadores e ajudá-los a se preparar para as próximas lutas, a levantar-se do chão das fábricas com a cabeça erguida. Tal deve ser o sentido de preparar a greve geral lançada em vários manifestos recentes.  Ensinamentos como os da importante greve geral dos operários metalúrgicos, têxteis, vidreiro e gráficos paulistas em outubro de 1963, deixam evidente a importância da mobilização nas fábricas mediante uma plataforma de luta comum dirigida ao conjunto dos capitalistas. Mas a dependência da atuação por meio de delegados sindicais sempre ficou dentro dos limites do atrelamento dos sindicatos ao Estado burguês, representado no Ministério do Trabalho.

A constante intervenção praticada pelos sucessivos governos dos patrões ao longo de nossa história mostra que a organização pela base precisa sustentar a luta e transformar a união surgida num momento específico em união permanente; mas é essencial que esta seja independente do sindicato, organizadas nas comissões de fábrica como apontaram as greves dos metalúrgicos de São Paulo (capital) e do ABC em 1978.

Fonte: http://centrovictormeyer.org.br/fatos-critica-no-31-com-a-medida-provisoria-1-045-o-capital-amplia-e-aprofunda-a-exploracao-da-forca-de-trabalho-aos-trabalhadores-so-resta-lutar-coletivamente/#more-10326

Edição: Página 1917

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Roberto Morena*

 Circular da CGTB (26/03/1930)

Roberto Morena


     [...]A situação presente exige de nós, companheiros, essa perfeita união, essa troca de ideias. A burguesia nacional, conservadora ou liberal, faz frente única feroz contra as massas laboriosas. Vendida aos tubarões imperialistas, sobretudo ingleses e norte-americanos, a burguesia nacional vai entregando a esses tubarões todo o país, reduzindo os trabalhadores às piores condições de escravidão e de miséria.

     Por causa da venda do país aos tubarões estrangeiros, originou-se a crise do café, que acarretou uma tremenda crise econômica em todo o país. E a burguesia nacional, fiel lacaia dos imperialistas, procura resolver essa crise nas costas dos trabalhadores, conforme vos salientamos e explicamos na circular passada.

     Ao lado da ofensiva econômica da burguesia contra o proletariado (dispensas em massa, diminuição de salários, aumento de horas de trabalho, etc.), o Estado burguês toma a ofensiva política contra as massas (prisões, perseguições, esboroamento de operários quer por conservadores, quer por liberais; fechamento dos sindicatos, dos jornais proletários; repressão violenta das greves mais pacíficas do proletariado, dissolução de comícios a bengaladas a tiros; intervenção nas eleições dos sindicatos; luta para transformar todos os sindicatos em organismos simplesmente beneficentes; etc.).

     Mas, oprimida, atirada na miséria, a massa proletária dos campos e das cidades se levanta em movimentos de rebeldia cada vez mais tenazes e decididos. Sente-se que as massas querem a luta, para se salvarem da fome e da escravidão.

     Nessa situação, o papel de nós outros, militantes sindicais da vanguarda, deve ser unir nossos esforços em todo o país, para assumirmos a direção dessas massas e não deixá-las, desorganizadas e desunidas, praticar atos desorientados e inúteis; deve ser orientá-las, organizá-las num exército formidável e invencível, capaz de derrubar de uma vez as forças coligadas da burguesia!

*Roberto Morena, dirigente sindical e do PCB, (1902/1978).

Fonte: Circular da Confederação Geral do Trabalho do Brasil (CGTB), 1930, assinada por Roberto Morena pela Comissão Executiva.

Edição: Página 1917.


    

domingo, 15 de agosto de 2021

Recusamos Ser Gestores do Capitalismo*

Samora Machel**


     Libertamo-nos. Somos livres. Somos independentes. E não lutamos, não nos sacrificamos para ser novos exploradores. Não sabemos gerir o capitalismo. Recusamos ser gestores do capitalismo, recusamos aprender como explorar o povo. O sangue que nós derramamos durante a luta armada exige que a felicidade e o bem-estar do nosso povo sejam uma realidade. Felicidade que só o socialismo e o comunismo podem edificar. Vocês devem recordar-se o que foram os primeiros anos, talvez longos anos, iniciais da construção do socialismo no vosso país. Uns, porque ainda viveram esse período. Outros por aquilo que lhes foi contado pelos seus país, pelos seus avós. Todos, finalmente, conhecem a história do seu povo, a história da Revolução.”

*Trecho do discurso proferido em visita a União Soviética, 1980.

**Samora Machel (29/09/1933 — 19/10/1986), Dirigente revolucionário de inspiração socialista, que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e foi o primeiro presidente após a sua independência, de 1975 até à sua morte em 1986 num acidente aéreo na África do Sul.

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/machel/1980/11/22.pdf

Edição: Página 1917.


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Frente Popular — Os Comunistas ao serviço da Democracia Burguesa*

 Francisco Martins Rodrigues

"O proletariado só conquistará aliados na medida em que demonstre a sua força e a da sua vanguarda, o Partido Comunista. A pequena burguesia está habituada a respeitar a força."

 Manuilski, 1931


A política de frente popular foi a grande criação histórica do 7º congresso da Internacional Comunista (IC). Surpreendentemente, apenas três páginas do relatório de Dimitrov lhe são dedicadas. Mais estranho ainda, nelas não se encontra qualquer justificação de princípio para a viragem que levou os partidos comunistas a alterar tão radicalmente a sua atitude face ao reformismo e ao democratismo burguês.



Isto não significa, contudo que Dimitrov não tenha justificado à sua maneira a nova política. Ao longo do relatório foi introduzindo, como se se tratasse de evidências indiscutíveis, uma série de pontos de vista novos acerca das relações entre as classes na época do fascismo, as quais conduziam indiretamente à conclusão de que já não tinha validade o conceito leninista de hegemonia do proletariado.

A nossa tarefa consiste, portanto, antes de mais, em pôr a descoberto os pressupostos de classe em que assenta a política dimitrovista de frente popular, para lhes medir a solidez, à luz do leninismo. Pressupostos de classe que só se encontram se passarmos para além da aparência exterior da argumentação, recheada de expressões marxistas-leninistas e de testemunhos de fidelidade aos interesses da classe operária e da revolução, para a lógica interna do raciocínio. Só então estaremos em condições de descobrir porque é que as profissões de fé “bolcheviques”, “leninistas-stalinistas” de Dimitrov se saldaram em soluções políticas tão abertamente oportunistas como os pactos com os partidos burgueses, os governos de coligação, a dissolução da corrente sindical revolucionária, a fusão do partido comunista com a socialdemocracia, o encerramento da luta de classe do proletariado nos limites da democracia burguesa.

Povo e fascismo

"A Europa e o mundo inteiro, inquietos perante o horror da ditadura fascista que tinha mostrado o seu verdadeiro carácter na Alemanha, Itália, Bulgária e Polónia, apercebiam-se dos primeiros passos de uma funesta agressão. Uma grande inquietação apoderou-se das mentes e dos corações dos povos: ‘Para onde caminhamos? Que devemos fazer?' A resposta a estas perguntas de excepcional importância deu-as o histórico 7º Congresso da IC."

É assim que um redator revisionista de serviço introduz, em estilo já tornado clássico, um resumo popular do relatório de Dimitrov. E não há dúvida de que retrata fielmente a nova perspectiva que inspirou esse relatório, o salto de classe que ele contém: o povo como uma entidade face ao fascismo, os comunistas como os servidores do povo na luta comum contra o fascismo, a luta povo-fascismo a tomar o lugar da luta proletariado-burguesia. É este o miolo da política dimitroviana de frente popular, que permite classificá-la como antileninista.

Desfaçamos antes de mais um equívoco que o oportunismo cuida em alimentar, porque é essencial à sua sobrevivência. Aquilo que se põe em causa em Dimitrov não é ter chamado os comunistas a encabeçar a luta antifascista. Nenhum marxista põe em dúvida que o surgimento dessa forma nova e virulenta de reação burguesa que é o fascismo impunha uma mudança radical na tática dos partidos comunistas. Não se podia pôr no mesmo plano democracia burguesa e fascismo. O proletariado era forçado a passar à defensiva e a aceitar compromissos temporários para fazer frente ao inimigo temível que se levantara no campo da burguesia. Tinham que se explorar minuciosamente as contradições que opunham as camadas democrático-burguesas ao Estado terrorista do capital financeiro. Uma política nova, que ampliasse o leque de alianças do proletariado e fizesse convergir o maior número de forças naquilo que tinham de comum contra o fascismo, era uma exigência real da época, que o 7º congresso era chamado a resolver.

As declamações abstratas contra o “frentismo antifascista” não passam de inépcias anarquistas, úteis à reação. A luta contra o fascismo tornara-se a direção determinante da luta revolucionária do proletariado.

Mas essa nova orientação tática não podia passar por cima da linha estratégica de diferenciação e antagonismo do proletariado face à sociedade burguesa no seu conjunto. A política de aliança antifascista só serviria os interesses revolucionários do proletariado e, portanto, os de todo o povo trabalhador, na medida em que se inserisse como um instrumento tático auxiliar na sua luta geral e invariável pela independência e hegemonia face a todas as correntes burguesas. Tudo continuava a depender da afirmação do proletariado como classe “para si própria”. E isto porque o fascismo, com todo o seu cortejo de tenebrosas inovações, não era mais do que uma forma nova assumida pela mesma ditadura de classe da burguesia. A luta de classes sob o capitalismo sofrera uma agudização e uma polarização brutal — o seu quadro geral continuava o mesmo.

Ora, Dimitrov, não podendo contestar frontalmente esta posição de princípio que a IC estabelecera desde o seu 5º congresso e referindo-se a ela em diversas passagens do relatório, combinou-a com uma perspectiva que lhe era contrária — a luta contra o fascismo como a fusão das posições de classe contraditórias numa corrente democrática comum.

Esta perspectiva, não assumida de forma expressa em ponto nenhum do relatório, está, no entanto, perfeitamente delineada nas cinco teses novas, que formam a sua estrutura política.

Primeira, a unidade de ação com a socialdemocracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido revolucionário.

Segunda, o apoio político do proletariado à pequena burguesia, a fim de “elevar a sua consciência revolucionária”.

Terceira, a identidade de interesses da nação perante o fascismo.

Quarta, os governos de coligação com a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.

Quinta, e como remate, a criação do “partido operário único” pela fusão entre o PC e o PSD.

Este conjunto de posições, que adiante analisamos, definiu um novo quadro geral, não-confessado, da luta de classes na época do fascismo. Quadro geral que Dimitrov introduziu a coberto da crítica... aos “esquemas gerais’'.

Com efeito, as cinco novas teses de Dimitrov pressupunham uma mudança de fundo nas relações entre as classes. Era como. se o conflito proletariado-burguesia que define o regime capitalista tivesse diminuído de intensidade perante o fenómeno novo do fascismo. Certamente, as contradições de classe não tinham desaparecido, subsistiam as vacilações da pequena burguesia, as diferenças entre partidos, etc. Era impossível negá-lo sem renegar abertamente o marxismo. Mas todo esse universo passara a mover-se dentro de um universo novo, mais vasto — o grande combate histórico dos povos contra o fascismo. Daí a necessidade de impor uma pausa à luta revolucionária do proletariado, para eliminar o obstáculo que se interpusera na luta “normal” das classes. E esta a lógica interna da nova política, que Dimitrov procurou transmitir mais do que formular.

Mas esta lógica “intuitiva” que presidiu ao nascimento da frente popular não era mais, afinal, do que um condensado das teses direitistas, bukarinistas, socialdemocratas, cuja penetração nas fileiras comunistas a IC viera combatendo no período anterior.

A IC não subestimara até aí a ameaça fascista, como geralmente se afirma. Simplesmente, denunciava “a construção liberal dê uma contradição entre fascismo e democracia burguesa, bem como entre as formas parlamentares e as abertamente fascistas de ditadura da burguesia”, como “um reflexo da influência socialdemocrata nos partidos comunistas”. A IC criticava o “contrabando” daqueles que apresentavam o fascismo como “um novo sistema” de relações entre as classes e não simplesmente como uma nova forma de domínio da burguesia.

Foi esse contrabando que Dimitrov introduziu de forma sutil, como vamos ver.

Democracia e fascismo

Aparentemente, Dimitrov não negava que o fascismo era uma nova forma de ditadura da burguesia. O fascismo, disse, era a agressão terrorista da burguesia, que procurava no assalto contra o movimento operário e na preparação da guerra salvar-se da crise. Se manifestava a fraqueza do movimento operário, retratava também a fraqueza da própria burguesia, incapaz de manter a sua ditadura sobre as massas pelos velhos métodos da democracia burguesa e do parlamentarismo, como observara Stalin.

Pago, porém, este testemunho de fidelidade aos princípios, deu de imediato uma abordagem nova à questão. Antes, a IC acentuava sobretudo os pontos comuns, a ligação orgânica entre fascismo e democracia burguesa, porque só isso permitia entender as raízes sociais do fascismo, que a socialdemocracia se empenhava em mistificar como um banditismo gratuito, uma espécie de praga estranha à sociedade.

Dimitrov passou a pôr a tónica precisamente na diferença entre os dois regimes. “A chegada do fascismo ao poder não é a vulgar substituição de um governo burguês por outro, mas a substituição de uma forma estatal de dominação de classe da burguesia — a democracia burguesa — por uma outra forma desta dominação, a ditadura terrorista declarada”. E partiu desta distinção evidente para apagar o essencial, isto é, que o fascismo brotava por todos os poros da sociedade democrática burguesa em crise, como a solução necessária para a burguesia assegurar a continuidade da sua ditadura de classe. Ao concentrar as atenções sobre a diferença entre democracia burguesa e fascismo, diferença tão gritante que a ninguém fazia dúvidas, escamoteou aquilo que era mais necessário mostrar: os laços entre elas.

Como se chegara ao fascismo? A responsabilidade, assinalou Dimitrov, cabia em primeiro lugar aos governos burgueses, cujas medidas reacionárias tinham aberto o caminho e servido de etapas preparatórias ao advento da ditadura. Também os chefes socialdemocratas eram responsáveis, na medida em que tinham escondido o carácter sanguinário do fascismo, não tinham apelado à luta contra ele, não tinham preparado as massas para reconhecer nele o seu inimigo. Eram ainda responsáveis, por último, os partidos comunistas, pela subestimação inadmissível dada ao perigo fascista, entravando a mobilização do proletariado para a luta.

Há quem veja neste balanço uma elevada combinação de intransigência crítica e de autocrítica comunista. Ora, o que Dimitrov ocultou com esta distribuição imparcial de responsabilidades foi o processo de crescimento gradual das forças fascistas no seio da democracia, amamentadas por ela. Ocultou a continuidade e o entrelaçamento entre os dois regimes. Misturando a falta de vigilância assacada aos comunistas com a viragem contra-revolucionária de largos sectores democrático-burgueses, transformou numa banal questão de falta de coerência “democrática” o processo profundo de luta de classes que levara os democratas a fazer-se fascistas. Traçou na realidade, embora tivesse o cuidado de não o dizer, uma linha de separação absoluta entre democracia burguesa e fascismo, para mais facilmente conduzir os comunistas à opção já programada: alistar os comunistas ao serviço do liberalismo.

Usando uma imagem sugestiva, quando ainda era revolucionário, Kuusinen comentara no 13º Pleno do Comitê Executivo da IC, em resposta às objeções direitistas: “Nós não dizemos que a democracia burguesa é o mesmo que o fascismo; também o ovo não é o mesmo que a galinha”. Foi esta relação orgânica entre os dois regimes precisamente o que Dimitrov fez desaparecer. Nele, o fascismo surge como uma degeneração monstruosa, um câncer que devorava o organismo democrático, devido à falta de vigilância dos “democratas”, de todos eles: liberais, socialistas e comunistas.

Câncer tão alheio ao tecido social que nem sequer representava, afinal, os interesses do capital financeiro, mas apenas os de um punhado ínfimo, dos “elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro”, apenas dos ‘‘ultra-imperialistas”; regime tão estranho à sociedade burguesa que era uma “barbárie medieval”.

Esta visão mecanicista, empobrecida, da luta de classes não foi casual. Ela era indispensável a Dimitrov para alicerçar a nova perspectiva da unidade essencial das forças democráticas face ao fascismo, da frente popular como uma alavanca para meter o proletariado no campo democrático-burguês.

Pequena burguesia e fascismo

Toda a política dimitrovista de frente popular repousa sobre uma avaliação nova do alinhamento da pequena burguesia perante o fascismo, a servir de justificação para uma atitude nova também do proletariado face à pequena burguesia. É este o esqueleto de classe oculto que sustenta toda a sua ideologia unitária antifascista.

O fascismo, vincou Dimitrov, não era uma ditadura da pequena burguesia em revolta que se apoderara da máquina do Estado, mas o poder terrorista do próprio capital financeiro. Esta tese, indiscutivelmente justa, pareceria à primeira vista uma mera reafirmação das análises que a IC viera fazendo em polémica com Trotski, Thalheimer, Bauer e outros, que viam no fascismo uma contra-revolução da pequena burguesia. Ao retomar a fórmula da IC, Dimitrov infletiu-a porém num sentido novo, que lhe modificou o alcance.

Até então, a IC sublinhara a natureza social do fascismo como regime do grande capital, mas simultaneamente o papel ativo que nele desempenhava a pequena burguesia e que fazia a sua tremenda força de massas. O fascismo, concluíra o 6º congresso, era a “ofensiva da reação burguesa-imperialista”, “a ditadura terrorista do grande capital”, que se apoiava no desespero das camadas pequeno-burguesas e dos intelectuais, assim como de certos sectores operários, aos quais tratava de corromper. O esqueleto de massas do fascismo, dissera o 11º Pleno, estava nas camadas arruinadas e desclassificadas e na “pequena burguesia urbana, camponeses ricos, uma grande parte dos estudantes, do clero, dos militares, etc.”. Como também já fora acentuado no 5º congresso, “sem dúvida, a pequena burguesia constitui a matéria com que se forjou a ferramenta do fascismo. Mas o decisivo não é a matéria de que é feita a ferramenta e sim os fins que esta serve. Ora, o fascismo está exclusivamente ao serviço da conservação e segurança do domínio de classe da burguesia.

Esta ideia de que a pequena burguesia não era a causa última nem o beneficiário do fascismo, mas era sem dúvida a sua matéria, foi eclipsada no relatório de Dimitrov. A pequena burguesia aparece aí apenas como vítima do fascismo, não como seu detonador ativo.

A pequena burguesia, disse, deixara-se levar a reboque dos fascistas, desorientada pela crise. Nunca os teria seguido se tivesse compreendido o seu real carácter de classe. O fascismo prometera a salvação da nação, jogara com o “sentimento de justiça das massas", com as suas tradições revolucionárias, com tudo o que havia de “sublime e heroico” no passado dos povos. Quem não absolveria as massas pequeno-burguesas e os seus partidos do engano em que se tinham deixado cair?

O caso é, porém, que este quadro não tem nada a ver com a realidade. Dimitrov omitiu deliberadamente o papel da pequena burguesia da Alemanha, Itália, Áustria, Polónia, etc., como motor de arranque e força de choque aguerrida da escalada fascista, fanatizada pelo desejo rancoroso de meter na ordem a todo o preço o movimento operário ameaçador, de se vingar nos operários das frustrações da crise, de banir o espectro do bolchevismo. Procurou fazer esquecer que o fascismo nascera como movimento pequeno-burguês, só depois capitalizado pela grande burguesia, como era inevitável. Transformou o movimento contra-revolucionário da pequena burguesia numa ingénua aspiração de justiça que a levara a cair na esparrela armada pelos fascistas (como se os fascistas não fossem eles próprios militantes pequeno-burgueses, mais tarde assoldadados pelos grupos financeiros). Esvaziou todo o rico processo social que dera nascimento ao fascismo, para poder apresentar a pequena burguesia ilibada de culpas, do lado do proletariado e apenas vítima da sua boa-fé.

Assim branqueada a pequena burguesia quanto a responsabilidades no surgimento do fascismo, Dimitrov passou à operação seguinte, que consistiu em estabelecer o carácter revolucionário da oposição pequeno-burguesa, carácter revolucionário que competiria ao proletariado fazer vir ao de cima, mediante o seu apoio político.

"Essas massas (do campesinato e da pequena burguesia urbana) é preciso aceitá-las tal como são e não como gostaríamos que fossem. É apenas no decorrer da luta que ultrapassarão as suas dúvidas e hesitações, só se tomarmos uma atitude de paciência face às suas inevitáveis hesitações e se o proletariado lhes der o seu apoio político é que se elevarão a um grau superior de consciência revolucionária e de atividade."(18)

Com esta posição, Dimitrov escamoteou o facto de que a oposição pequeno-burguesa ao fascismo, que se começava a levantar à medida que ela era marginalizada do novo poder e que sobre ela recaía uma parte da pilhagem e do terror da ditadura, era essencialmente diferente da do proletariado, porque apontava para outros objetivos. Era a oposição inconsistente das camadas burguesas intermédias, arrependidas da aventura em que se tinham metido, temerosas dos demónios que tinham libertado, mas de nenhum modo interessadas em abrir as portas à “aventura”, pior ainda, que seria a insurreição revolucionária antifascista.

Dispondo-se a lutar contra o fascismo, na medida em que ele a encostava à parede e não lhe deixava outra alternativa, a pequena burguesia visava apenas o retorno ao liberalismo. Fazia parte da sua lógica de classe atrelar o proletariado a esse objetivo com promessas difusas de maior justiça social e mais democracia, e sobretudo com muitas exigências de Unidade. Os chefes mais clarividentes da democracia burguesa podiam já entrever, para lá da queda controlada do regime fascista, uma nova época de esplendor da democracia, com os operários mais dóceis no acatamento das regras do jogo liberal, depois de terem feito a experiência do chicote impiedoso do fascismo. Há males que vêm por bem...

Era precisamente esta dualidade de vias antifascistas que se impunha desvendar perante a classe operária, para a elevar à compreensão das suas tarefas de classe e lhe permitir fazer um uso revolucionário da aliança antifascista. Só se os operários, e em primeiro lugar os comunistas, fossem prevenidos acerca da diferença entre o seu antifascismo e o antifascismo da burguesia democrática, poderiam intervir com independência neste novo terreno de luta, manobrar e fazer compromissos, de forma a utilizarem e não serem utilizados, e poderem fazer desembocar o movimento antifascista numa insurreição revolucionária contra o poder do capital e não numa miserável reedição “melhorada” do liberalismo.

Dimitrov, porém, em vez de se ocupar da elevação da consciência revolucionária dos operários, preferiu pôr estes a tratar de “elevar a consciência revolucionária” da pequena burguesia, ou seja, porem-se a reboque dela e ganhar-lhe as boas graças. Citemos:

— “explicar-lhe pacientemente de que lado estão os sem interesses"

— Desenvolver “uma ação resoluta do proletariado revolucionário pela defesa das: reivindicações destas camadas sociais";

— “acabar com o desdém e a atitude de indiferença “para com os partidos da pequena burguesia e “abordá-los de maneira justa”(19).

Apoio político do proletariado à pequena burguesia, defesa das suas reivindicações, cooperação com os seus partidos — eis, em termos crus de classe, a essência do projeto dimitrovista de frente popular. Justificava-se plenamente a objecção então levantada de que se tratava de um “bloco sem princípios com as organizações pequeno-burguesas”.

Fonte: Anti-Dimitrov: 1935-1985 Meio Século de Derrotas da Revolução, Editora Ulmeiro, Portugal, 1985.

Edição: Página 1917.


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

A Função do Reformismo*

Antonio Gramsci


[...] Precisamente para sabotar a revolução, isto é, para salvar a burguesia do avanço da classe operária, os reformistas têm conduzido, de traição em traição, os trabalhadores italianos para a derrota, criando assim as condições favoráveis ao desenvolvimento e ao sucesso do fascismo. Antes da guerra, os reformistas exerceram no Partido Socialista a função de contra-revolucionários, fazendo aceitar às massas que seguiam este Partido, ainda que em minoria, a sua ideologia social-pacifista. Permanecendo no Partido Socialista no pós-guerra e conservando nas suas mãos as maiores organizações operárias, os reformistas puderam, através de desvios de toda espécie, continuar a sua obra contra-revolucionária, com a sistemática sabotagem de todos os movimentos que podiam desembocar na luta do proletariado para a conquista do poder. Exemplo típico: a ocupação das fábricas¹.

Operários armados ocupam fábricas no Biênio Vermelho 1919-20.


[...] Os reformistas, depois de terem sabotado o movimento revolucionário, não conquistaram bastantes títulos de glória aos olhos da classe burguesa para lhe merecerem confiança. Devem mostrar agora que não só estão dispostos a sabotar o movimento operário revolucionário, mas também a combate-lo; isto é, devem assegurar à burguesia de que sua tática e o seu programa de governo não são diversos da tática e do programa dos trabalhistas ingleses e dos sociais-democratas alemães. Como os trabalhistas ingleses, os reformistas italianos seriam, no momento próprio, bons monárquicos e bons administradores dos banqueiros italianos, como os sociais-democratas alemães (republicanos com grande pesar, confessou-o o presidente Ebert) saberiam, em caso de necessidade, fazer funcionar as metralhadoras contra os comunistas, seguindo nada mais nada menos o exemplo de Hamburgo².

* Trechos do artigo “A Função do Reformismo em Itália”; L’Unitá, 05/02/1925.

¹  Movimento de greves e ocupações de fábrica, o Biênio Vermelho de 1919-1920 na Itália, que deslanchou com a ocupação da fábrica da Fiat em Turim. Em outubro de 1919, mais de 50 mil trabalhadores já estão organizados em Conselhos, em cerca de trinta fábricas. Mas isso provoca a reação não só dos empresários, mas também dos sindicatos e da direção do PSI. A Federação dos Metalúrgicos acusa Gramsci e seus camaradas de serem “sindicalistas revolucionários”, “anarco-sindicalistas” e de sabotarem o papel e a ação dos sindicatos tradicionais.

² Gramsci refere-se a insurreição comunista de setembro de 1923, reprimida duramente pelo governo social-democrata alemão.

Edição: Página 1917.

 

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

A Cortina de Fumaça

Ney Nunes (04/08/2021) 

          As forças políticas burguesas (fascistas, liberais e reformistas) agem no sentido de canalizar todas as atenções para o pleito eleitoral de 2022. Fazem alarde em torno do “voto impresso”, da “terceira via” ou da “frente ampla”, procurando, assim, desviar o foco da gravíssima crise econômica e social que vem devastando o país. Enquanto isso, o proletariado sofre e luta, muitas vezes em situações desesperadoras, para garantir as mínimas condições de sobrevivência. Que o digam os milhões de desempregados e subempregados, quando se deitam à noite, não sabem como na manhã seguinte vão alimentar suas famílias. Em desespero, muitos resolvem por deixar o país de qualquer jeito.


Imigrantes detidos na fronteira México-EUA.


     Movidos por essa falta de perspectivas e pela miséria crescente, milhões de brasileiros se arriscam como imigrantes ilegais, principalmente nos EUA e na Europa, correndo o risco de serem deportados a qualquer momento, submetendo-se, na maioria das vezes, a condições de trabalho e de vida precárias.

     Entre maio e junho deste ano foram contabilizadas 2.857 crianças brasileiras, com até 6 anos, tentando fazer a travessia ilegal da fronteira do México para os EUA, superando a quantidade somada nos sete meses anteriores.  Essa disparada acompanha a evolução do número de brasileiros adultos detidos, passaram de 472 em 2011, para 29.500 em 2021, recorde desde 2007. O Brasil está em sétimo lugar na lista dos países com mais imigrantes ilegais aprisionados nos EUA, deixando para trás, entre outros, Colômbia, Venezuela, Cuba, Nicarágua e o Haiti.¹

     São números significativos, porque não se trata aqui da emigração legalizada, daqueles que saem do país com alguma estrutura, tendo perspectiva de estudo e trabalho no exterior, mas sim, do êxodo forçado dos sem emprego, dos sem esperança e que, acossados pela miséria crescente, reúnem suas últimas economias para se arriscar a toda sorte de infortúnios. Esses números nos revelam o retrato de um país que afunda na decadência capitalista, dirigido por uma burguesia historicamente subalterna ao capital multinacional, desprovida de qualquer projeto de desenvolvimento soberano e independente, cujo único objetivo é acumular capital explorando ao máximo o proletariado e atrelando o país aos ditames das potências imperialistas.

     É justamente essa realidade, a de uma crise crônica que vai nos empurrando em direção a barbárie, que os políticos burgueses e seus ventríloquos, sejam eles fascistas, liberais ou reformistas, tentam encobrir através da cortina de fumaça eleitoral. O atual governo Bolsonaro, antro de facínoras reacionários e vendilhões da pátria, nada mais é do que o resultado deprimente da crise burguesa.

     De nada servem ao proletariado saídas desesperadas ou ilusórias, ambas só conduzem ao fracasso e maiores sofrimentos. Uma nova classe dirigente, a proletária, em oposição aos exploradores burgueses e seus lacaios, necessita afirmar sua independência política e sua determinação em lutar pela revolução socialista como única alternativa possível frente a barbárie capitalista.

¹  https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57939676

Edição: Página 1917

 

 

    

    

      

    

 

 

 

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