Aos trabalhadores só resta lutar coletivamente!
Coletivo Victor Meyer
Sindicato é a definição que os trabalhadores dão a si mesmos quando negociam as condições de aluguel de sua força de trabalho (salário, jornada, ritmo de trabalho, etc.) para o capital. Essas condições variam, porém, de acordo com as relações de força na economia em decorrência da fase do ciclo da economia capitalista (expansão, retração e crise, estagnação) e, na política, em função dos programas de governo sustentados pelos partidos do grande capital, em coalização no parlamento.
As
medidas de controle da pandemia intensificaram a exploração
Em fins de 2019 e início de
2020, a economia mundial – igualmente no Brasil, apesar da alegação em
contrário do ministro da Economia – estava em desaceleração quando sobreveio a
pandemia do novo coronavírus. A pandemia, ao exigir medidas de isolamento
social, implicou a suspensão generalizada de atividades do setor de serviços e
precipitou a crise econômica; ao lado do desemprego houve continuidade do
trabalho principalmente no setor industrial, sujeitando os trabalhadores a
difíceis condições.
No dia 3 de fevereiro o
governo ultraliberal e de extrema direita de Jair Bolsonaro declarou
oficialmente a epidemia do novo coronavírus como Emergência de Saúde Pública no
Brasil. Em março, ao mesmo tempo em que liberava 1,216 trilhões de reais ou
cerca de 16,7% do Produto Interno Bruto para o setor financeiro como um
“orçamento de guerra” para lidar com a pandemia, autorizava o Banco Central a
comprar e vender títulos conhecidos como “podres” por implicar um grande risco
aos investidores. Enquanto o crédito fluía para o grande capital, os
trabalhadores enfrentavam a realidade de reduzir as jornadas e os salários,
suspendendo o recolhimento do FGTS e medidas de proteção à saúde e segurança no
trabalho em sucessivas edições das Medidas Provisórias 927 e 936/2020.
De acordo com o Ministério
da Economia, até meados de 2020 havia acordos de redução de salário ou de
suspensão de contrato para 11,7 milhões de trabalhadores ou 36% dos empregados
do mercado formal de trabalho, grande parte dos quais acordos individuais. A
maioria dos desempregados que viviam no limiar da miséria social abrangia o
impressionante número de 13 milhões de pessoas; elas receberam em 2020 um
auxilio emergencial no valor de 600 reais durante três meses, depois prorrogado
com menos da metade deste valor por igual período.
Mesmo em situação tão
difícil, os trabalhadores resistiram durante o ano passado desencadeando greves
prolongadas por empresa (caso da Renault em São José dos Pinhais, Paraná) ou
categoria, de abrangência nacional como foi o caso dos trabalhadores nos
Correios.
Estamos em 2021, no segundo
ano desde a decretação da pandemia: em abril o governo encaminha a Medida
Provisória 1.405 para apreciação no Congresso Nacional. O objetivo alegado é o
de “…garantir a preservação de empregos e a continuidade das atividades
empresariais para atenuar o impacto econômico das medidas de isolamento”
(Câmara dos Deputados, 28/04/2021: Medida provisória retoma acordos para
redução salarial ou suspensão de contratos) Pode-se afirmar que a necessidade é
uma inverdade, pois praticamente não há mais isolamento social nas cidades,
restando o uso das máscaras e a campanha de vacinação que avançou lentamente ao
longo do ano, atingindo no momento, com a primeira dose, 59,19% da população e
somente 26,83% com a segunda dose. Certamente o aparecimento de uma nova
variante do coronavírus representa uma ameaça, porém a recomendação do
isolamento é uma letra morta.
A MP 1045 reedita à medida
anterior de redução de salário e jornada e suspensão de contrato pelo
empregador, mas traz a “inovação” de permitir (artigos 7º e 8º. da MP)
introduzir esse programa de forma setorial, departamental, parcial ou na
totalidade dos postos de trabalho. Ao deixar nas mãos das empresas o que fazer
sob a pandemia, legaliza a exploração ainda mais arbitrária dos trabalhadores.
E importante: faculta o aprendizado patronal de como reduzir custos e postos de
trabalho permitindo que, no futuro, um número menor trabalhe mais. E, ainda
mais importante, introduz uma mudança em relação à MP 936/2020: a medida agora
deixa de possuir natureza transitória e é convertida em permanente podendo ser
adotada em qualquer situação de “calamidades públicas” em âmbito municipal,
estadual ou nacional admitida pelo governo federal. A lei é, portanto, mais um
instrumento para a exploração dos trabalhadores pelo capital.
Novas
medidas agravam a exploração
O projeto de lei (PLV)
aprovada pela Câmara aprova e acrescenta, na MP 1.045 encaminhada pelo governo,
outras formas que agravam a exploração dos trabalhadores e nada mais tem a ver
com a justificativa da pandemia. Uma destas é o Programa Primeira Oportunidade
e Reinserção no Emprego (Priore) para jovens de 18 a 29 anos que estejam
trabalhando em primeiro emprego ou maiores de 55 anos fora do mercado de
trabalho: o teto salarial fixado não deve ser superior a 2 salários mínimos
(R$2.200,00), para os quais se estabelece redução percentual do FGTS (inclusive
da multa). O tempo de duração do contrato é de até 2 anos. Outra forma é o
Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva
(Requip) para jovens entre 18 e 29 desempregados há mais de dois anos ou vindos
de famílias de baixa renda participantes de programas sociais. Com jornada
máxima de 22 horas semanais e sem vínculo trabalhista (férias, INSS, 13º
salário, etc.) esses jovens receberão, se a medida for aprovada no Senado, uma
bolsa de até 550 reais.
Tais medidas irão
necessariamente ampliar (e muito) o chamado setor “informal” da economia que,
ao contrário de estar apenas constituído de “empreendedores” e trabalhadores
por conta própria como alegam os ideólogos do capital, compreende um amplo
conjunto das micro e pequenas empresas capitalistas, com a característica de
desconhecer a legislação trabalhistas, sonegar impostos e impedir a organização
dos trabalhadores empregados. Segundo a
PNAD contínua do IBGE, a taxa de informalidade atual é de 40% quando havia
atingido de 39,5% em dezembro de 2020. A taxa de desemprego aberto aproxima-se
de 15%. Ou seja, 15 milhões de desempregados e 40 milhões de “informais”. É
importante destacar que a informalidade cresce para atender as necessidades
produtivas do capital e seu necessário exército industrial de reserva.
A Câmara também aprovou o
aumento da jornada de trabalho de inúmeras categorias de trabalhadores como,
por exemplo, a dos bancários e reduz o valor das horas extras. Para os mineiros
(em subsolo), o projeto permite passar a jornada diária de 6 horas para até 12
horas. Além disso, o projeto aprovado incluiu ainda restrições para gratuidade
para os trabalhadores à Justiça do Trabalho e a proibição dos fiscais na
primeira visita aplicarem multas às empresas que descumprem direitos
trabalhistas: a multa somente pode ser aplicada na segunda fiscalização.
O sentido geral desses
programas governamentais é claro: reduzir salários, provocar perda de direitos,
enfraquecer a organização coletiva e facilitar os contratos individuais de
trabalho. Os programas podem até perdurar e não mais passar pelo Congresso,
contando apenas com anuência do governo federal. Ampliam e aprofundam a
exploração em condições tais que fazem lembrar a situação dos trabalhadores no
início do século XX, os quais viviam numa situação de semiescravidão.
A
posição e atitude das centrais sindicais
As centrais sindicais
responderam a esta situação com uma Carta alegando que o objetivo da MP é
apenas o de reeditar a redução de jornada e salários e a suspensão de
contratos, que vão tentar barrar as “matérias estranhas”, como o Priore e o
Requip, no Senado e, caso percam na votação, pretendem entrar com recurso no
STF. Se todo esse malabarismo de respeito supersticioso ao Estado burguês der
errado, esperam pela eleição de 2022.
Portanto, o não questionamento
ao texto original da MP chancela a possibilidade de adoção pelas empresas do
programa de redução de jornada e de salário e suspensão de contrato durante a
pandemia e em qualquer momento nos casos de situação de “calamidades pública”
municipal, estadual ou nacional reconhecida pelo governo federal. A posição de
“pressionar” o Senado e em último caso recorrer ao STF alega que a “prática de
inserção de matéria estranha” foi julgada inconstitucional em 2016. No
Relatório do Deputado Christino Áureo sustenta-se a constitucionalidade das
medidas. Mas o que de fato se pode esperar da justiça?
O
histórico recente das decisões do STF é amplamente favorável ao aumento da
exploração dos trabalhadores pelo capital e o desmonte da já enfraquecida e
cambaleante proteção social, suas deliberações inclusive
anteciparam várias das medidas posteriormente incluídas na reforma trabalhista
como o fim da ultratividade (isto é, quando uma lei é aplicada posteriormente
ao fim de sua vigência) das convenções e acordos coletivos, a quitação geral em
demissão por PDV, a prevalência do negociado sobre a lei e vários entraves ao
direito de greve. Durante a pandemia validou os acordos individuais incluídos
nas MPs. Cenário favorável ao capital
também observado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como a
decisão, em resposta à greve dos trabalhadores dos Correios de 2020, de
extinguir 50 cláusulas do acordo coletivo com direitos conquistados ao longo de
mais de 30 anos, medida que beneficia a privatização da ECT pelo governo
federal.
No caso do projeto aprovado
pela Câmara, o pronunciamento do procurador geral do Ministério Público do
Trabalho de que vai negociar com os senadores já deixa entrever concessões. E
mesmo que posteriormente o poder judiciário venha desaprovar programas e
medidas como as estipuladas no Priore e no Requipe não impedirá o
encaminhamento destas pelo capital, a começar pelo setor “informal” das
pequenas e microempresas.
Os auditores e inspetores do
trabalho teriam de fiscalizar de fato a saúde e segurança do trabalho nas
empresas, mas isto praticamente não acontece: dados da página do Portal de
Inspeção do Trabalho do governo federal apontam, para o caso de São Paulo, com
23.201 autos de infração, o maior em todo o país, a prevalência da fiscalização
para arrecadação fiscal. Em 2020 os autos de infração trabalhista relativos ao
FGTS representavam 48,5% (9.364), enquanto a fiscalização da NR-18 (segurança
do trabalho na construção civil) apenas 2,5% (490) e autos em torno da jornada
de trabalho somente 2,2% (436).
Aos
trabalhadores só resta lutar
A aprovação pela Câmara do
PLV expressa a unidade das correntes de extrema-direita, da direita e
democratas liberais quando se trata de aprofundar a exploração dos
trabalhadores pelo capital. Ou em outros termos, a unidade de ação da burguesia
no Estado, uma vez a conjunção de interesses entre os poderes executivo,
legislativo e judiciário em termos de ampliar a exploração da classe operária e
reduzir a proteção social para a acumulação de capital.
A verdadeira mobilização dos
deputados do Centrão para aprovar um fundo eleitoral de 4 bilhões de reais, o
dobro do valor usado na eleição de 2018 constitui o outro lado da vil moeda,
destinada a manter ou ampliar seus “currais eleitorais”.
Os patrões podem então
dormir tranquilamente, sem a insônia provocada pelo pesadelo da luta de
classes. As ameaças de golpe militar brandidas pelo capitão soam neste momento
mais como bravatas, jogo de cena para as bases bolsonaristas continuarem
arregimentadas em torno dele, apesar do reforçamento constante das forças
repressivas e da crescente influência nos seus comandos.
É a verdadeira orgia do
capital, a comemoração sem limites do seu poder de submeter os trabalhadores
para explorá-los até quebrar sua energia, deixá-los exaustos e sem condições de
trabalhar intensivamente, muitos doentes ou incapacitados, para deles desfazer-se
em seguida, como o bagaço da cana moída enquanto ficam com o açúcar, o produto
do trabalho. Sem limites porque os
trabalhadores aparentemente conformados, não conseguem resistir de modo
espontâneo. A atitude da maioria dos sindicatos como a Carta das centrais
revela, abandonou o caminho da luta para defender o emprego em protestos
verbais e na mobilização dos sindicalistas para pressionar a Câmara dos
deputados, enquanto na prática negociam programas de demissão voluntária
impostos pelas empresas. Tal comportamento, ao mesmo tempo em que os transforma
em força auxiliar das instituições do capital, os poderes legislativos e o
judiciário do Estado burguês, torna a relação de exploração capitalista normal
e aceitável nas circunstâncias. Abandonados a sua sorte, os trabalhadores vivem
então como classe oprimida, sem perspectiva, acreditando no destino: como diz a
música, vida de gado marcado, povo feliz.
Contudo as aparências
enganam. Conformidade não é aceitação. Mais ainda: onde há exploração sempre haverá
resistência. Os conflitos diários para obrigar ao pagamento de horas-extras,
abono salarial ou de reajustes salariais não pagos nas empresas significam a
tentativa de manter o valor da força de trabalho negociada com os capitalistas,
tratando-se sempre de uma questão de sobrevivência. Nesses conflitos os
operários aprendem a se organizar, mas percebem também que necessitam a
solidariedade ativa dos trabalhadores de outras empresas, de fazer, assim, um
enfrentamento mais amplo, coletivo, inclusive para além de uma categoria
profissional.
Por enquanto, sem condições
de reverter a MP 1405, os ativistas devem esclarecer os companheiros de
trabalho nas fábricas sobre o caráter político dessa medida, voltada para
ampliar e aprofundar a exploração dos trabalhadores e ajudá-los a se preparar
para as próximas lutas, a levantar-se do chão das fábricas com a cabeça
erguida. Tal deve ser o sentido de preparar a greve geral lançada em vários
manifestos recentes. Ensinamentos como
os da importante greve geral dos operários metalúrgicos, têxteis, vidreiro e
gráficos paulistas em outubro de 1963, deixam evidente a importância da
mobilização nas fábricas mediante uma plataforma de luta comum dirigida ao
conjunto dos capitalistas. Mas a dependência da atuação por meio de delegados
sindicais sempre ficou dentro dos limites do atrelamento dos sindicatos ao
Estado burguês, representado no Ministério do Trabalho.
A constante intervenção
praticada pelos sucessivos governos dos patrões ao longo de nossa história
mostra que a organização pela base precisa sustentar a luta e transformar a
união surgida num momento específico em união permanente; mas é essencial que
esta seja independente do sindicato, organizadas nas comissões de fábrica como
apontaram as greves dos metalúrgicos de São Paulo (capital) e do ABC em 1978.
Edição: Página 1917
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