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quarta-feira, 29 de junho de 2022

MR-8 no Chile ou Jango no Uruguai?

Ivan Pinheiro*

 

"Os olhos de Jango marejavam, sobretudo quando se pronunciava a palavra Brasil. Dava vontade de botá-lo na mala do carro e trazê-lo de volta!".

  

Crédito: https://www.carlosromero.com.br/

Em julho de 1972, eu e meu amigo Francílio fomos ao Chile, com nossas companheiras, em uma viagem que misturava passeio e política. Allende era o Presidente chileno e a luta de classes no país atingia seu patamar mais alto. Eram momentos decisivos para o êxito da Unidade Popular. Era também uma grande oportunidade para revermos grandes amigos exilados em Santiago. 

Na ida, fomos de carro, passeando, do Rio a Montevidéu. Lá, deixamos o veículo em uma garagem e partimos para a capital portenha, no navio a vapor Ciudad de Buenos Aires, onde pegamos um avião para Santiago. 

A permanência no Chile foi emocionante. Reencontramos nossos amigos e conhecemos um pouco a experiência por que passava o país. Participamos da Marcha por los Cambios, uma imensa manifestação com mais de um milhão de pessoas no centro de Santiago, em apoio às mudanças que o governo Allende tentava implementar, em meio ao boicote da burguesia. 

Na volta ao Rio de Janeiro, fomos de avião até Montevidéu, onde pegamos o carro e nos colocamos na estrada, sem saber que algumas surpresas nos aguardavam no caminho. Passamos em Punta del Este, com muita fome, por volta das 14 horas. Como era inverno, parecia uma cidade fantasma. Depois de muita procura, descobrimos um restaurante aberto, que nos pareceu o melhor do mundo, apesar de simples. Só uma das mesas estava ocupada, por um homem bebendo vinho. 

Enquanto meu amigo ia ao banheiro, ocupamos uma mesa e descobrimos que as especialidades da casa eram sopas e vinhos. Nada melhor para famintos, no rigoroso inverno uruguaio. 

De repente, meu amigo volta esbaforido e sussurra: “Sabem quem está ali naquela mesa? O Presidente João Goulart!”. Pensei com meus botões: “Esse cara está louco; imagina o Jango aqui nesta espelunca!” Aproveitei para ir ao banheiro e conferir. Quando cheguei perto do homem, não tive dúvida: estávamos diante do nosso ex-presidente, deposto pela ditadura militar. E nós chegando do Chile, onde a burguesia, com a indefectível ajuda da CIA, tentava derrubar outro Presidente! 

Imediatamente, mudamo-nos para uma mesa próxima a Jango e tentamos conversar sobre política brasileira, mostrar-lhe as possibilidades de sua volta triunfal, com a derrubada da ditadura! Ele logo mostrou que este tema seria de mau tom. Parecia muito deprimido e desesperançado. 

A conversa acabou girando sobre cultura e futebol. Os olhos de Jango marejavam, sobretudo quando se pronunciava a palavra Brasil. Dava vontade de botá-lo na mala do carro e trazê-lo de volta! 

Não era uma época de ouro para a cultura brasileira. Ao mesmo tempo, havia a ofensiva ufanista da ditadura, o “Brasil: ame-o ou deixe-o”, o “milagre brasileiro”. Na América Latina, a esquerda avançava e a direita articulava grande ofensiva: ditaduras militares, torturas, desaparecimento de militantes. 

Perdi a noção de quanto tempo ficamos com Jango, até que seu filho João Vicente chegasse ao restaurante para levá-lo. 

Dois dias depois, na fronteira Brasil/Uruguai, fomos parados em um posto do exército por militares que já nos esperavam com armas no acostamento e olhavam, fixamente, a placa do carro. Habilmente, levaram-nos a uma sala, a pretexto de verificar documentos, enquanto o carro permaneceu fora de nossas vistas. Logo, desconfiei: descobriram nossa ligação com o MR-8 e nos pegaram. O que fariam de nossas companheiras, que não compartilhavam nossa militância? Para onde nos levariam para iniciar a tortura? 

Algum tempo depois, fomos liberados pelos militares, que devolveram a chave do carro e autorizaram nossa partida. Começamos a desconfiar que tudo havia sido revistado. A primeira coisa que percebemos foi o sumiço de vários rolos de filmes fotográficos, que guardávamos no porta-luvas, ainda virgens. 

A desconfiança nos acompanhou a viagem toda. Será que nos pegariam mais à frente, para evitar um incidente na fronteira? 

Praticamente, só paramos para nos alimentar, botar gasolina e nos revezarmos ao volante. Passaram o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Chegando à fronteira com o Rio de Janeiro, veio outra paranóia. Será que, por razões táticas, resolveram nos prender no Rio, já que éramos todos cariocas? Chegamos incólumes. O tempo foi passando e a desconfiança também. 

Uns sete anos depois, quando eu já militava clandestinamente no PCB e era candidato a Presidente do Sindicato dos Bancários do RJ, chego ao trabalho no Banco do Brasil e um colega me entrega um envelope apócrifo, deixado por um homem de terno. Quando abri, eram as fotos daquela viagem, sem os negativos e, por norma de segurança, sem que, em nenhuma delas, aparecessem camaradas com os quais estivemos em Santiago. 

Só podia ser um recado da repressão: “fomos nós; continuamos de olho!” A única dúvida, que perdurou por dez anos, era a razão de nos terem parado na fronteira. Teria sido o contato com dirigentes do MR-8 exilados no Chile ou o encontro fortuito com Jango no Uruguai, já que em ambos os países o SNI seguia brasileiros? 

O tempo passou mais um pouco até que, em 1982, fui preso, com cerca de 80 camaradas, quando a Polícia Federal desmontou um Congresso clandestino do PCB, em São Paulo. A invasão do local se deu de forma espalhafatosa, com dezenas de jovens agentes armados, tensos, gritando, mandando-nos botar as mãos para o alto. Na sede da Polícia Federal, dividiram-nos em pequenos grupos. No meu grupo, lembro-me do Armando Ziller, do Lourenço e do Takao Amano, que tinha fama de grande atirador e lutador de artes marciais, o único que ficou algemado. 

O responsável pelo meu interrogatório era o delegado Veronezi, que mais tarde veio a ser diretor da Polícia Federal em SP. Depois das costumeiras preleções ameaçadoras, o delegado, com minha ficha na mão, finalmente, faz a primeira pergunta: 

— Quer dizer que você era homem de ligação com o João Goulart no Uruguai? 

Ainda bem que ele não perguntou nada sobre o MR-8. Talvez por isso é que eu e Francílio ainda estivéssemos vivos. E ainda bem que, em 1982, a repressão já não tinha mais condições de torturar presos políticos, com a ditadura enfraquecida pela resistência democrática. Além do mais, a notícia da nossa prisão correra o mundo e, na porta da Polícia Federal, havia uma vigília de solidariedade, por onde passaram inúmeras personalidades, inclusive um sindicalista chamado Luiz Inácio da Silva, cujo irmão, Frei Chico, era um dos presos. 

Apesar de ser a mais pura verdade, minha resposta poderia parecer provocação. Disse ao delegado que devia haver algum engano do informante, pois meu único encontro com Jango foi casual, em uma adega uruguaia, onde bebemos vinho e conversamos apenas sobre música e futebol. 

Por sorte, era 1982. 

— Você acha que eu tenho cara de babaca? – aos berros, irado, perguntou o delegado e deu um murro forte na mesa. Em seguida, levantou-se para tomar café e se acalmar. Louco para me dar uma porrada! 

Fonte: “68 – A geração que queria mudar o mundo”, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, 2011. 


*Ivan Pinheiro era diretor do Grêmio Estudantil no Colégio Pedro II no começo dos anos 60, após o golpe de 1964 foi diretor do Centro Acadêmico Luiz Carpenter (CALC) da Universidade Estadual da Guanabara e militante do MR-8. Em 1975 ingressa no Partido Comunista Brasileiro (PCB), é eleito presidente do Sindicato dos Bancários em 1978. Foi dirigente e secretário geral do PCB.

Edição: Página 1917

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sábado, 25 de junho de 2022

Algumas Lições da Greve da CSN

Cem Flores *

22.06.2022 

Estamos fartos, cansamos de ser escravos!

Operário da CSN

 

Greve geral,1917.

A mobilização e a greve dos/as operários/as da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de Volta Redonda, realizada em abril, praticamente não teve divulgação e muito menos debate entre o movimento sindical e na “esquerda”, preocupados que estão exclusivamente com as próximas eleições. Esse levante operário, um dos vários exemplos recentes de reação espontânea de trabalhadores e trabalhadoras ao aumento da exploração, tem sido abafado em toda sua força e exemplo, pois se trata de uma luta que a “esquerda” reformista e pelega foi incapaz de enquadrar.

A mobilização surgiu em um determinado setor da usina da CSN (andaime/manutenção) e contagiou todos os/as trabalhadores/as da metalúrgica, já cansados de sofrer nas costas a crescente exploração dos patrões, sem conseguir ainda esboçar resistência mais eficaz. Afinal, se há algo que os trabalhadores da CSN possuem é tradição de luta, como na emblemática greve de 1988. 

Nesse embate recente, logo após a explosão do movimento no início de abril, foi eleita uma comissão para falar em nome dos/as trabalhadores/as (já que o sindicato, como a imensa maioria hoje no Brasil, não fala pelos/as operários/as). Essa comissão apresentou uma proposta de 30% de aumento salarial (reposição da inflação), 10% do lucro total como PLR (participação nos lucros e resultados), entre outras demandas. Em duas assembleias, a proposta da empresa foi rechaçada pela imensa maioria dos trabalhadores (mais de 95%!). 

A empresa retaliou o movimento com repressão policial e centenas de demissões e a luta dos/as trabalhadores/as retrocedeu. Ajudou nesse retrocesso a insipiente organização dos/as trabalhadores/as, o isolamento em relação à luta em outras plantas da empresa, além do duro período atravessado por todas as categorias, de refluxo das greves e alto desemprego. Mas, também, a proximidade das eleições sindicais no Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, com a cooptação de parte da direção do movimento pelas chapas que concorrem ao pleito no próximo mês. Assim, repressão patronal de um lado, nível baixo de organização, isolamento da luta entre os/as trabalhadores/as dessa e de outras categorias, contexto geral difícil e desvio eleitoral esvaziaram a greve construída pela base e apaziguaram (por enquanto) os riscos que movimentos dessa ordem criam ao ambiente pacato e ordeiro dos acordos negociados entre empresa e sindicato de forma comportada e referendada pelo estado. Ambiente que só serve para aprofundar e consolidar a exploração dos trabalhadores. 

A luta dos/as trabalhadores/as da CSN continua. Essas explosões de insatisfação e resistência, quando se paralisa a produção e os patrões sentem o golpe, deixam gravadas na memória dos/as trabalhadores/as a compreensão (ainda embrionária) de sua força, de sua capacidade de combate e do que é necessário fazer para avançar na luta. Ensina que a luta de classes coloca operários/as e patrões em lados opostos, irreconciliáveis, pois seus interesses concretos são antagônicos. Além de outras razões, só essas já valem a luta! 

sexta-feira, 10 de junho de 2022

A Face Oculta de Volodymyr Zelensky

A Face Oculta de Volodymyr Zelensky

Nota do editor: 

     Nesse artigo de Guy Mettan* é detalhada a verdadeira face do governo Zelensky que transformou a Ucrânia numa marionete da OTAN, arrastando o seu povo para uma carnificina. Está à vista de todos que a guerra na Ucrânia envolve interesses em conflito no interior do sistema imperialista, nela o proletariado Russo e Ucraniano nada têm a ganhar. Sublinhamos que a Rússia de Putin é uma potência capitalista, atua política e militarmente no sentido de proteger e ampliar o domínio dos seus monopólios naquela região. Os dois lados nessa guerra são inimigos do proletariado e da paz, estão a serviço das suas burguesias e da disputa interimperialista. 

Guy Mettan 

“Herói da Liberdade”, “Hero of our time”, “Der Unbeugsame (O indomável)”, “The Unlikely Ukrainian Hero Who Defied Putin and United the World”, “Zelensky, l’Ukraine dans le sang”: os jornalistas e os líderes ocidentais já não sabem que mais superlativos utilizar para cantar louvores ao presidente ucraniano, tão fascinados estão pela “surpreendente resiliência” do ator milagrosamente transformado em “cabo de guerra” e “salvador da democracia”. 

                                                                    Ilustração, Yann Caradec

Há três meses que o chefe de Estado ucraniano vem a encher as primeiras páginas das revistas, a abrir os noticiários, a inaugurar o Festival de Cinema de Cannes, a discursar nos parlamentos, a felicitar e repreender os seus colegas chefes de Estado dez vezes mais poderosos que ele e com uma sorte e um sentido tático que nenhum ator de cinema ou líder político antes dele tinham conhecido. 

Como não cair no encanto deste improvável Mr. Bean que, depois de ter conquistado o público com as suas caretas e as suas extravagâncias (por exemplo, a andar nu numa loja e a imitar um pianista a brincar com o seu pênis), soube numa só noite trocar as suas ousadas travessuras e trocadilhos por uma camiseta verde-acinzentada, uma barba de uma semana e palavras sérias para galvanizar as suas tropas cercadas pelo malvado urso russo? 

Desde 24 de fevereiro, Volodymyr Zelensky deu, sem dúvida, a prova de que é um artista da política internacional com um grande talento. Aqueles que acompanharam a sua carreira de comediante não ficaram surpresos porque conheciam o seu sentido inato de improvisação, as suas faculdades miméticas, a sua audácia de atuação. A forma como conduziu a campanha e em poucas semanas, entre 31 de dezembro de 2018 e 21 de abril de 2019, arrasou duros adversários como o ex-presidente Poroshenko, ao mobilizar a sua equipe de produção e os seus generosos oligarcas doadores, já havia demonstrado a amplitude dos seus talentos. Mas faltava ainda transformar esse teste. O que agora está feito. 

Talento para o jogo duplo 

No entanto, como muitas vezes acontece, a fachada raramente se assemelha aos bastidores. Os holofotes escondem mais do que mostram. E aí, fica claro que o quadro é menos cor-de-rosa: tanto as suas realizações como chefe de Estado como a sua atuação como defensor da democracia deixam seriamente a desejar. 

Esse talento para o jogo duplo, Zelensky mostrou-o assim que foi eleito. Recorde-se que foi eleito com um resultado máximo de 73,2% dos votos, prometendo acabar com a corrupção, conduzir a Ucrânia no caminho do progresso e da civilização e, sobretudo, fazer a paz com os russófonos do Donbass. Assim que foi eleito, traiu todas as suas promessas com um zelo tão intempestivo que o seu índice de popularidade caiu para 23% em janeiro de 2022, ao ponto de ser superado pelos seus dois principais adversários. 

A partir de maio de 2019, para satisfazer os oligarcas seus patrocinadores, o recém-eleito lançou um programa massivo de privatização de terras incidindo sobre 40 milhões de hectares de boas terras agrícolas sob o pretexto de que a moratória sobre a venda dessas terras teria feito perder bilhões de dólares ao PIB do país. Dando continuidade aos programas de “descomunização” e “desrussificação” iniciados desde o golpe pró-americano de fevereiro de 2014, lançou uma vasta operação de privatização dos bens estatais, de austeridade orçamental, de desregulamentação das leis do trabalho e de desmantelamento dos sindicatos, o que exasperou a maioria dos ucranianos que não compreendiam o que seu candidato queria dizer com “progresso”, “ocidentalização” e “normalização” da economia ucraniana. Num país que em 2020 tinha um rendimento per capita de 3.726 US $ contra 10.126 US $ do adversário russo, quando em 1991 o rendimento médio da Ucrânia superava o da Rússia, a comparação não é lisonjeira. E entende-se que os ucranianos não tenham aplaudido essa enésima reforma neoliberal. 

Quanto ao caminho para a civilização, tomou forma com outro decreto que, em 19 de maio de 2021, garantiu o domínio da língua ucraniana e excluiu o russo em todas as áreas da vida pública, administrações, escolas e empresas, com grande satisfação dos nacionalistas e a estupefação dos russófonos no sudeste do país. 

sábado, 4 de junho de 2022

Os 10 Homens Mais Ricos do Mundo Têm a Mesma Riqueza que 3,1 Bilhões de Pessoas

Igor Barradas

 

Capitalismo: concentração de renda e aumento da miséria

INTERNACIONAL – De acordo com a Organização Não Governamental Oxfam, os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres ainda mais pobres. O relatório “Lucrando com a dor”, divulgado este mês, mostra que 573 novos bilionários surgiram desde o início da pandemia, 40 deles vindos da indústria farmacêutica.

Enquanto essa oligarquia leva uma vida luxuosa, 99% da população mundial perde renda, vive em situações desumanas de fome, miséria, dor e falta de habitação.

De fato, nos últimos dois anos, a renda dos bilionários cresceu 42%, enquanto os 40% mais pobres perderam 6,7% dos seus ganhos.

O estudo também revela que várias empresas lucraram com a morte das pessoas na pandemia. A rede de supermercados WalMart, as empresas petrolíferas Shell, Total Energies, BP, Exxon e Chevron, as de tecnologia Apple, Microsoft, Tesla, Amazon e Alphabet e as farmacêuticas Pfizer e Moderna foram algumas que aumentaram suas riquezas enquanto milhões de seres humanos morreram por falta de vacina e condições dignas de vida.

Capitalismo é lucro para poucos e pobreza para muitos

Nenhum desses bilionários trabalhou duro para conseguir suas fortunas. Ao contrário, eles acumulam riqueza por meio da exploração da mais-valia dos operários e do saque dos recursos naturais dos países pobres. Ou seja, são ricos porque roubam o excedente de valor que os trabalhadores criam e exploram povos e nações dependentes. Essa fonte de lucro é o que os transforma em verdadeiros parasitas da sociedade.

No outro extremo, 263 milhões de pessoas estão em situação de pobreza crônica. A desigualdade social produzida pelo capitalismo é tão profunda, que uma pessoa que está entre os 50% mais pobres demoraria cerca de 112 anos para ter o que um integrante dos 1% mais ricos recebe em apenas um ano.

Esses números revelam que a burguesia é a maior inimiga da Humanidade e mantém seu domínio à custa de guerras, repressão e violência. Mas o capitalismo não é eterno. Os trabalhadores, os povos explorados e a juventude podem – e devem – acabar com essa farra dos super-ricos e demolir este sistema decadente, derrotar os bilionários e construir uma nova sociedade, o socialismo, primeira etapa para um mundo sem ricos nem pobres, o comunismo.

 

Edição: Página 1917

Fonte: https://averdade.org.br/2022/05/estudo-revela-que-os-10-homens-mais-ricos-do-mundo-tem-a-mesma-riqueza-que-31-bilhoes-de-pessoas/

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O Centrismo como Embrião do Revisionismo Moderno

Francisco Martins Rodrigues


Lenin durante o congresso de fundação da Terceira Internacional Comunista


     São muito comuns teses que afirmam que a viragem para o revisionismo na União Soviética começou somente no XX Congresso do PCUS, em 1956, ou que esse mesmo processo, na China, teria tido seu início na disputa de poder após a morte de Mao, em 1976. Para essas teses — e para as organizações que as defendem — tudo se passaria como se, subitamente, a política justa se tivesse tornado o seu oposto. Recusamos essas teses como dogmáticas, simplistas e antidialécticas, pretensamente marxistas, subjetivistas ou idealistas; é preciso ir buscar as origens do revisionismo moderno no período anterior a esses dois marcos. Para isso, devemos concentrar-nos em detalhe na história do movimento comunista internacional, as teses que se passou a defender, a prática dos partidos comunistas, bem como as bases sociais, classistas, da viragem de política no movimento comunista internacional.

     O centrismo teria, portanto, tomado corpo de forma plena, tanto teórica quanto como linha política dos partidos comunistas, a partir do 7º Congresso da Internacional Comunista, em 1935, com a adoção das teses contidas no relatório apresentado pelo secretário-geral do Comitê Executivo da IC, George Dimitrov. Esse relatório e suas teses não foram, obviamente, apenas frutos das convicções pessoais de Dimitrov. Não se poderia, de forma alguma, explicar a repercussão que teve, com a adoção praticamente universal de suas teses pelo movimento comunista, sem analisar as bases materiais de suas posições, a conjuntura do período.

     O 7º Congresso da IC é realizado, em 1935, já com o nazismo no poder na Alemanha e com partidos fascistas registando importante crescimento em diversos países, situação diferente da do Congresso anterior, de 1928, no qual fora aprovada a política de “classe contra classe”. Em 1935 não somente a perspectiva de auge revolucionário parecia haver desaparecido, como a depressão capitalista, a ascensão do nazifascismo e a iminência da guerra colocavam o movimento operário na defensiva. Só continuava igual, ou mesmo se ampliara, a reação encarniçada da burguesia mundial contra a União Soviética e o socialismo.

     Esses fatos, de enorme importância para as condições concretas da luta de classes, evidentemente exigiam da IC uma retificação na sua tática. Modificação essa que aglutinasse ao redor do proletariado o maior número possível de forças contra o fascismo, sem abandonar, entretanto, as teses fundamentais de que a ditadura fascista é uma ditadura burguesa, de que o caminho para abolir essas ditaduras é a revolução e de que esse processo revolucionário deve ser encabeçado pelo proletariado e seu partido. A luta contra o fascismo não poderia deixar de ser uma luta revolucionária.

     Economicamente, aquela conjuntura foi marcada pela crise de 1929. Crise que é fruto das contradições do sistema capitalista que se acumularam nas décadas anteriores, então vistas como de estabilização do sistema. O que devemos reter é que esse período, no entanto, possibilitou a ascensão de uma importante camada pequeno-burguesa nos países imperialistas, bem como o reforço de uma aristocracia operária. Nos países dominados, houve o fortalecimento de uma burguesia nacional. Em todos esses casos, classes ou camadas sociais com interesses próprios e diferenciados em relação aos do proletariado. Esses setores constituíram as bases sociais do oportunismo, que passou a ter crescente importância na atuação e na formulação dos partidos comunistas.

      A defensiva do movimento operário, o fortalecimento da base social do oportunismo penetrando a fundo em vários partidos comunistas e a incapacidade de continuar desenvolvendo a teoria marxista às novas condições concretas, esse conjunto de fatores permitiu uma crítica pela direita à linha anterior da IC, qualificada como sectarismo, aventureirismo e esquerdismo.

      A esses elementos, no entanto, precisa ser acrescentado outro, o de “uma nova luta de classes” na União Soviética, com o surgimento de uma nova “burguesia”, composta pela camada de quadros técnicos, científicos, intelectuais, que assumia, de maneira crescente, a direção das empresas estatais e dos organismos de Estado soviéticos. Precisamente no período em que Stalin e a direção do PCUS declaravam eliminadas as antigas classes proprietárias e, com isso, “abolidos os conflitos de classe”. Os rumos do socialismo na União Soviética passaram, de forma crescente, a ser tratados como questão meramente economicista, de desenvolvimento das forças produtivas, de gestão, reduzindo o peso das questões políticas e da luta de classes. Essa postura desarma ideologicamente o partido, afasta-o das massas e deixa-o vulnerável a posições oportunistas.

     Ou seja, o centrismo é uma inflexão na linha política seguida pelo movimento comunista internacional, uma inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do capital sobre a classe operária.

     A política do centrismo caracterizou-se pelas seguintes teses principais, que definem a “estrutura política” do relatório de Dimitrov:

  • “Primeira, a unidade de ação com a social-democracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido revolucionário.
  • Segunda, o apoio político do proletariado à pequena burguesia, a fim de ‘elevar sua consciência revolucionária’.
  • Terceira, a identidade de interesses da nação perante o fascismo.
  • Quarta, os governos de coligação com a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.
  • Quinta, por último, a criação do ‘partido operário único’ pela fusão entre o PC e o PSD“.

     Em todos esses aspectos foram deixados espaços, para um (ou vários) passo(s) atrás em relação às formulações leninistas e às anteriores resoluções da IC. Note-se que a nova conjuntura exigia da IC uma reformulação da sua tática. No entanto, não escapa a nenhum de nós, hoje, que várias dessas teses tornaram-se estratégias dos partidos revisionistas, em formulações mais atrasadas, nas quais não há mais qualquer menção revolucionária e o fascismo foi substituído por um inimigo mais fluído, como “as elites”, ou parcial/fragmentário, como “os banqueiros” (”contra os juros altos e em defesa da produção” ) ou os latifundiários “improdutivos”.

     A mais importante das linhas de corte entre as posições leninistas e o reformismo e o revisionismo, a mais geral, é a que opõe o conceito leninista de hegemonia do proletariado às posições oportunistas, seguidistas da burguesia. Hegemonia do proletariado absolutamente indispensável, pois “preparar a revolução, dissera Lenin, “é em última análise levar o proletariado a diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses”, assegurando a “independência política do proletariado”.

     Em nada diferente do “princípio estabelecido por Marx e Engels no ‘Manifesto Inaugural da Internacional’, de que a emancipação da classe operária deve ser obra da própria classe operária.

     Contra essa política leninista, revolucionária, opõe-se a adesão à política de frentes nacionais (ou democráticas), nas quais a hegemonia do proletariado não mais está presente, e cujos aspectos centrais passam a ser a sua direção pela social-democracia ou pela burguesia (especialmente nos países dominados) e a conciliação com objetivos comuns às classes envolvidas, descartando os objetivos próprios do proletariado. Esquece-se da lição de Lenin sobre a necessidade de uma “distinção muito nítida entre os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, dos explorados, e a ideia geral dos interesses populares em geral, que não passa de uma expressão dos interesses das classes dominantes”.

     Ou, dito de outra forma, esquece-se que a ideologia geral numa sociedade de classes é a ideologia de sua classe dominante. [...]

 

Edição: Página 1917

Fonte: https://anabarradas.com/category/centrismo/page/6/

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