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sábado, 4 de junho de 2022

O Centrismo como Embrião do Revisionismo Moderno

Francisco Martins Rodrigues


Lenin durante o congresso de fundação da Terceira Internacional Comunista


     São muito comuns teses que afirmam que a viragem para o revisionismo na União Soviética começou somente no XX Congresso do PCUS, em 1956, ou que esse mesmo processo, na China, teria tido seu início na disputa de poder após a morte de Mao, em 1976. Para essas teses — e para as organizações que as defendem — tudo se passaria como se, subitamente, a política justa se tivesse tornado o seu oposto. Recusamos essas teses como dogmáticas, simplistas e antidialécticas, pretensamente marxistas, subjetivistas ou idealistas; é preciso ir buscar as origens do revisionismo moderno no período anterior a esses dois marcos. Para isso, devemos concentrar-nos em detalhe na história do movimento comunista internacional, as teses que se passou a defender, a prática dos partidos comunistas, bem como as bases sociais, classistas, da viragem de política no movimento comunista internacional.

     O centrismo teria, portanto, tomado corpo de forma plena, tanto teórica quanto como linha política dos partidos comunistas, a partir do 7º Congresso da Internacional Comunista, em 1935, com a adoção das teses contidas no relatório apresentado pelo secretário-geral do Comitê Executivo da IC, George Dimitrov. Esse relatório e suas teses não foram, obviamente, apenas frutos das convicções pessoais de Dimitrov. Não se poderia, de forma alguma, explicar a repercussão que teve, com a adoção praticamente universal de suas teses pelo movimento comunista, sem analisar as bases materiais de suas posições, a conjuntura do período.

     O 7º Congresso da IC é realizado, em 1935, já com o nazismo no poder na Alemanha e com partidos fascistas registando importante crescimento em diversos países, situação diferente da do Congresso anterior, de 1928, no qual fora aprovada a política de “classe contra classe”. Em 1935 não somente a perspectiva de auge revolucionário parecia haver desaparecido, como a depressão capitalista, a ascensão do nazifascismo e a iminência da guerra colocavam o movimento operário na defensiva. Só continuava igual, ou mesmo se ampliara, a reação encarniçada da burguesia mundial contra a União Soviética e o socialismo.

     Esses fatos, de enorme importância para as condições concretas da luta de classes, evidentemente exigiam da IC uma retificação na sua tática. Modificação essa que aglutinasse ao redor do proletariado o maior número possível de forças contra o fascismo, sem abandonar, entretanto, as teses fundamentais de que a ditadura fascista é uma ditadura burguesa, de que o caminho para abolir essas ditaduras é a revolução e de que esse processo revolucionário deve ser encabeçado pelo proletariado e seu partido. A luta contra o fascismo não poderia deixar de ser uma luta revolucionária.

     Economicamente, aquela conjuntura foi marcada pela crise de 1929. Crise que é fruto das contradições do sistema capitalista que se acumularam nas décadas anteriores, então vistas como de estabilização do sistema. O que devemos reter é que esse período, no entanto, possibilitou a ascensão de uma importante camada pequeno-burguesa nos países imperialistas, bem como o reforço de uma aristocracia operária. Nos países dominados, houve o fortalecimento de uma burguesia nacional. Em todos esses casos, classes ou camadas sociais com interesses próprios e diferenciados em relação aos do proletariado. Esses setores constituíram as bases sociais do oportunismo, que passou a ter crescente importância na atuação e na formulação dos partidos comunistas.

      A defensiva do movimento operário, o fortalecimento da base social do oportunismo penetrando a fundo em vários partidos comunistas e a incapacidade de continuar desenvolvendo a teoria marxista às novas condições concretas, esse conjunto de fatores permitiu uma crítica pela direita à linha anterior da IC, qualificada como sectarismo, aventureirismo e esquerdismo.

      A esses elementos, no entanto, precisa ser acrescentado outro, o de “uma nova luta de classes” na União Soviética, com o surgimento de uma nova “burguesia”, composta pela camada de quadros técnicos, científicos, intelectuais, que assumia, de maneira crescente, a direção das empresas estatais e dos organismos de Estado soviéticos. Precisamente no período em que Stalin e a direção do PCUS declaravam eliminadas as antigas classes proprietárias e, com isso, “abolidos os conflitos de classe”. Os rumos do socialismo na União Soviética passaram, de forma crescente, a ser tratados como questão meramente economicista, de desenvolvimento das forças produtivas, de gestão, reduzindo o peso das questões políticas e da luta de classes. Essa postura desarma ideologicamente o partido, afasta-o das massas e deixa-o vulnerável a posições oportunistas.

     Ou seja, o centrismo é uma inflexão na linha política seguida pelo movimento comunista internacional, uma inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do capital sobre a classe operária.

     A política do centrismo caracterizou-se pelas seguintes teses principais, que definem a “estrutura política” do relatório de Dimitrov:

  • “Primeira, a unidade de ação com a social-democracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido revolucionário.
  • Segunda, o apoio político do proletariado à pequena burguesia, a fim de ‘elevar sua consciência revolucionária’.
  • Terceira, a identidade de interesses da nação perante o fascismo.
  • Quarta, os governos de coligação com a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.
  • Quinta, por último, a criação do ‘partido operário único’ pela fusão entre o PC e o PSD“.

     Em todos esses aspectos foram deixados espaços, para um (ou vários) passo(s) atrás em relação às formulações leninistas e às anteriores resoluções da IC. Note-se que a nova conjuntura exigia da IC uma reformulação da sua tática. No entanto, não escapa a nenhum de nós, hoje, que várias dessas teses tornaram-se estratégias dos partidos revisionistas, em formulações mais atrasadas, nas quais não há mais qualquer menção revolucionária e o fascismo foi substituído por um inimigo mais fluído, como “as elites”, ou parcial/fragmentário, como “os banqueiros” (”contra os juros altos e em defesa da produção” ) ou os latifundiários “improdutivos”.

     A mais importante das linhas de corte entre as posições leninistas e o reformismo e o revisionismo, a mais geral, é a que opõe o conceito leninista de hegemonia do proletariado às posições oportunistas, seguidistas da burguesia. Hegemonia do proletariado absolutamente indispensável, pois “preparar a revolução, dissera Lenin, “é em última análise levar o proletariado a diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses”, assegurando a “independência política do proletariado”.

     Em nada diferente do “princípio estabelecido por Marx e Engels no ‘Manifesto Inaugural da Internacional’, de que a emancipação da classe operária deve ser obra da própria classe operária.

     Contra essa política leninista, revolucionária, opõe-se a adesão à política de frentes nacionais (ou democráticas), nas quais a hegemonia do proletariado não mais está presente, e cujos aspectos centrais passam a ser a sua direção pela social-democracia ou pela burguesia (especialmente nos países dominados) e a conciliação com objetivos comuns às classes envolvidas, descartando os objetivos próprios do proletariado. Esquece-se da lição de Lenin sobre a necessidade de uma “distinção muito nítida entre os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, dos explorados, e a ideia geral dos interesses populares em geral, que não passa de uma expressão dos interesses das classes dominantes”.

     Ou, dito de outra forma, esquece-se que a ideologia geral numa sociedade de classes é a ideologia de sua classe dominante. [...]

 

Edição: Página 1917

Fonte: https://anabarradas.com/category/centrismo/page/6/

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