Francisco Martins Rodrigues
Lenin durante o congresso de fundação da Terceira Internacional Comunista |
São muito comuns teses que
afirmam que a viragem para o revisionismo na União Soviética começou somente no
XX Congresso do PCUS, em 1956, ou que esse mesmo processo, na China, teria tido
seu início na disputa de poder após a morte de Mao, em 1976. Para essas teses —
e para as organizações que as defendem — tudo se passaria como se, subitamente,
a política justa se tivesse tornado o seu oposto. Recusamos essas teses como
dogmáticas, simplistas e antidialécticas, pretensamente marxistas, subjetivistas
ou idealistas; é preciso ir buscar as origens do revisionismo moderno no
período anterior a esses dois marcos. Para isso, devemos concentrar-nos em
detalhe na história do movimento comunista internacional, as teses que se
passou a defender, a prática dos partidos comunistas, bem como as bases
sociais, classistas, da viragem de política no movimento comunista
internacional.
O centrismo teria, portanto,
tomado corpo de forma plena, tanto teórica quanto como linha política dos
partidos comunistas, a partir do 7º Congresso da Internacional Comunista, em
1935, com a adoção das teses contidas no relatório apresentado pelo secretário-geral
do Comitê Executivo da IC, George Dimitrov. Esse relatório e suas teses não
foram, obviamente, apenas frutos das convicções pessoais de Dimitrov. Não se
poderia, de forma alguma, explicar a repercussão que teve, com a adoção
praticamente universal de suas teses pelo movimento comunista, sem analisar as
bases materiais de suas posições, a conjuntura do período.
O 7º Congresso da IC é
realizado, em 1935, já com o nazismo no poder na Alemanha e com partidos
fascistas registando importante crescimento em diversos países, situação
diferente da do Congresso anterior, de 1928, no qual fora aprovada a política
de “classe contra classe”. Em 1935 não somente a perspectiva de auge
revolucionário parecia haver desaparecido, como a depressão capitalista, a ascensão
do nazifascismo e a iminência da guerra colocavam o movimento operário na
defensiva. Só continuava igual, ou mesmo se ampliara, a reação encarniçada da
burguesia mundial contra a União Soviética e o socialismo.
Esses fatos, de enorme
importância para as condições concretas da luta de classes, evidentemente
exigiam da IC uma retificação na sua tática. Modificação essa que
aglutinasse ao redor do proletariado o maior número possível de forças contra o
fascismo, sem abandonar, entretanto, as teses fundamentais de que a ditadura
fascista é uma ditadura burguesa, de que o caminho para abolir essas ditaduras
é a revolução e de que esse processo revolucionário deve ser encabeçado pelo
proletariado e seu partido. A luta contra o fascismo não poderia deixar de ser
uma luta revolucionária.
Economicamente, aquela
conjuntura foi marcada pela crise de 1929. Crise que é fruto das contradições
do sistema capitalista que se acumularam nas décadas anteriores, então vistas
como de estabilização do sistema. O que devemos reter é que esse período, no
entanto, possibilitou a ascensão de uma importante camada pequeno-burguesa nos
países imperialistas, bem como o reforço de uma aristocracia operária. Nos
países dominados, houve o fortalecimento de uma burguesia nacional. Em todos
esses casos, classes ou camadas sociais com interesses próprios e diferenciados
em relação aos do proletariado. Esses setores constituíram as bases sociais
do oportunismo, que passou a ter crescente importância na atuação e na
formulação dos partidos comunistas.
A defensiva do movimento
operário, o fortalecimento da base social do oportunismo penetrando a fundo em
vários partidos comunistas e a incapacidade de continuar desenvolvendo a teoria
marxista às novas condições concretas, esse conjunto de fatores permitiu uma
crítica pela direita à linha anterior da IC, qualificada como sectarismo,
aventureirismo e esquerdismo.
A esses elementos, no
entanto, precisa ser acrescentado outro, o de “uma nova luta de classes” na
União Soviética, com o surgimento de uma nova “burguesia”, composta pela camada
de quadros técnicos, científicos, intelectuais, que assumia, de maneira
crescente, a direção das empresas estatais e dos organismos de Estado
soviéticos. Precisamente no período em que Stalin e a direção do PCUS
declaravam eliminadas as antigas classes proprietárias e, com isso, “abolidos
os conflitos de classe”. Os rumos do socialismo na União Soviética passaram,
de forma crescente, a ser tratados como questão meramente economicista, de
desenvolvimento das forças produtivas, de gestão, reduzindo o peso das questões
políticas e da luta de classes. Essa postura desarma ideologicamente o
partido, afasta-o das massas e deixa-o vulnerável a posições oportunistas.
Ou seja, o centrismo é uma
inflexão na linha política seguida pelo movimento comunista internacional, uma
inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo
predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições
pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do
capital sobre a classe operária.
A política do centrismo caracterizou-se pelas seguintes teses principais, que definem a “estrutura política” do relatório de Dimitrov:
- “Primeira, a unidade de ação com a
social-democracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido
revolucionário.
- Segunda, o apoio político do
proletariado à pequena burguesia, a fim de ‘elevar sua consciência
revolucionária’.
- Terceira, a identidade de interesses
da nação perante o fascismo.
- Quarta, os governos de coligação com
a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.
- Quinta, por último, a criação do
‘partido operário único’ pela fusão entre o PC e o PSD“.
Em todos esses aspectos foram deixados
espaços, para um (ou vários) passo(s) atrás em relação às formulações
leninistas e às anteriores resoluções da IC. Note-se que a nova conjuntura exigia da IC uma reformulação da sua tática. No entanto, não
escapa a nenhum de nós, hoje, que várias dessas teses tornaram-se estratégias
dos partidos revisionistas, em formulações mais atrasadas, nas quais não há
mais qualquer menção revolucionária e o fascismo foi substituído por um inimigo
mais fluído, como “as elites”, ou parcial/fragmentário, como “os banqueiros”
(”contra os juros altos e em defesa da produção” ) ou os latifundiários
“improdutivos”.
A mais importante das linhas de corte
entre as posições leninistas e o reformismo e o revisionismo, a mais geral, é a
que opõe o conceito leninista de hegemonia do proletariado às posições oportunistas, seguidistas da burguesia. Hegemonia do
proletariado absolutamente indispensável, pois “preparar a revolução,
dissera Lenin, “é em última análise levar o proletariado a
diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses”, assegurando
a “independência política do proletariado”.
Em nada diferente do “princípio
estabelecido por Marx e Engels no ‘Manifesto
Inaugural da Internacional’, de que a emancipação da classe operária deve
ser obra da própria classe operária.
Contra essa política leninista,
revolucionária, opõe-se a adesão à política de frentes nacionais (ou
democráticas), nas quais a hegemonia do proletariado não mais está presente, e
cujos aspectos centrais passam a ser a sua direção pela social-democracia ou
pela burguesia (especialmente nos países dominados) e a conciliação com
objetivos comuns às classes envolvidas, descartando os objetivos próprios do
proletariado. Esquece-se da lição de Lenin sobre a necessidade de uma
“distinção muito nítida entre os interesses das classes oprimidas, dos
trabalhadores, dos explorados, e a ideia geral dos interesses populares em
geral, que não passa de uma expressão dos interesses das classes dominantes”.
Ou, dito de outra forma, esquece-se que a
ideologia geral numa sociedade de classes é a ideologia de sua classe
dominante. [...]
Edição: Página 1917
Fonte: https://anabarradas.com/category/centrismo/page/6/
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