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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

É JUSTA A IRA POPULAR


Ney Nunes


       A magnitude da crise brasileira parece que está atordoando muitas cabeças pensantes, principalmente, algumas que se reivindicam de esquerda e, até mesmo, comunistas. Entre outras novidades desse período turbulento, estamos vendo grandes empresários e políticos sendo investigados, após décadas de quase total impunidade, muitos deles processados e alguns até mesmo sendo presos por crimes de corrupção. Tudo isso feito sob o mesmo arcabouço legal que, até então, fora utilizado para protegê-los.

     Assustados diante da aprovação dos populares, que se regozijam pela prisão dos figurões, sabidamente saqueadores dos recursos públicos, essas ditas cabeças pensantes começam a passar reprimendas naqueles que reagem positivamente a cada nova investida do aparelho repressivo burguês contra os elementos da sua própria classe burguesa ou dos seus serviçais políticos. Eles chegam ao ponto de considerar um “espetáculo de sadismo” a prisão, por exemplo, do senhor Paulo Maluf, por ele contar mais de oitenta anos e alegar estar doente. O curioso é que quando recentemente compareceu à Câmara dos Deputados para votar pela não investigação do seu comparsa Michel Temer, o deputado Maluf, muito sorridente, parecia esbanjar saúde.

Maluf na CCJ da Câmara, em outrubro de 2017.
     
     Será que desconhecem que os canalhas e criminosos também envelhecem? O Maluf, esse pobre octogenário, é um político burguês que fez fortuna sob a ditadura empresarial-militar instaurada com o golpe de 64, da qual foi um apoiador entusiasta. A forma como este senhor fez fortuna é conhecida faz muito tempo, mas a justiça burguesa levou mais de vinte anos para reconhecer apenas parte dos seus crimes e determinar a sua prisão. Se algum reparo pode ser feito na justa alegria popular pela condenação e encarceramento desses meliantes da classe burguesa, deveria ser para alertar de que são processos injustos no sentido de que não vão fundo na reparação dos crimes cometidos. E não poderia ser de outra forma, porque esses criminosos estão sendo julgados pelos seus pares da classe exploradora, da burguesia. Seus bens e dos seus laranjas não são todos expropriados, as penas de prisão são muito leves quando comparadas as que são aplicadas aos criminosos comuns, os denominados ladrões “pés de chinelo”. Quando, na verdade, deveriam ser penas muito maiores, porque os bilhões que eles subtraíram aos cofres públicos, já esvaziados pela gestão capitalista, provocaram carências em serviços essenciais para a população mais necessitada, cujas consequências, muitas vezes fatais, estão estampadas nos noticiários todos os dias.

Maluf ao ser preso, dezembro/2017.
     
      Ao invés de tentar aplacar a justa ira popular contra essas figuras nefastas, o papel dos revolucionários é esclarecer que ainda é pouco, muito pouco. Precisamos dizer que o sistema não faz justiça porque é um sistema de exploração, antidemocrático, onde uma minoria de burgueses determina as regras do jogo. Esclarecer que as prisões atuais só estão acontecendo, por conta da crise política e da divisão entre as frações burguesas, refletidas inclusive no judiciário, caso contrário, esses denominados “criminosos do colarinho branco” continuariam totalmente acobertados, como estiveram todos esses anos. Reafirmar a necessidade da instauração de um novo poder, o poder do povo trabalhador, poder popular, constituído a partir da organização e da luta contra o governo dos grandes empresários e banqueiros.

     Será que as piedosas cabeças pensantes ficariam indignadas diante das prisões, recentemente ocorridas na Alemanha, de alguns ex-oficiais nazistas condenados por crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial? Considerariam um “espetáculo de sadismo” a prisão desses “bons velhinhos”? 


Oskar Groening, 94 anos, ex-guarda da SS, condenado na Alemanha.
     
     O que de pior pode acontecer a um revolucionário, um comunista, é se confundir com a ladainha liberal, reformista, pequeno-burguesa, daqueles que ficam assustados diante da justa ira das massas exploradas, cansadas de tanta injustiça e opressão.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Saudades do Futebol


     Muitos nem sabem que sou torcedor do Tricolor das Laranjeiras, pouco falo e quase nunca escrevo sobre futebol, exceção feita para algumas gozações inevitáveis nas conversas entre amigos. Fiquei mais de vinte anos sem pisar no Maracanã, retornei lá esse ano para assistir a uma partida do brasileirão, por sinal, uma exibição medíocre do meu time. O antigo “Templo do Futebol”, outrora maior estádio do mundo, estava muito mudado. Não reencontrei aquela enorme arena com capacidade de abrigar duzentas mil almas, em que pese o desconforto para os frequentadores da geral e das arquibancadas. Estava agora diante de um pequeno estádio, mais confortável e com boa visibilidade do campo, se bem que acanhado perto do antigo gigante.
 
O Maracanã em dia de FlaFlu (antes das reformas superfaturadas)
      Mas os motivos desse meu afastamento do estádio que desde muito pequeno, levado pelas mãos do meu saudoso pai, me acostumei a frequentar e onde fui contaminado por essa paixão pelo futebol, não estão ligados às obras de reforma do Maracanã, diga-se de passagem, todas elas superfaturadas pelos governantes bandidos. Na verdade, foram duas outras razões que me levaram a esse distanciamento, não só do velho estádio, mas também do próprio futebol.

     A primeira tem a ver com a percepção de que o futebol sofreu uma brutal transformação entre os anos sessenta e noventa do século passado, acabando totalmente engolido pelo sistema, virando muito mais um “negócio” do que um “esporte”. Acabara-se o tempo onde os jogadores eram formados e permaneciam nos seus clubes, onde verdadeiras escolas ou academias de futebol aprimoravam seus estilos, onde uma verdadeira identidade entre torcedores e seus ídolos era construída ao longo de anos. Prevalece agora o transitório, os valores exorbitantes, os interesses escusos, os jogadores por temporada, os times e estilos de se jogar futebol pasteurizados.

     A segunda motivação veio com essa execrável penetração da violência urbana no mundo do futebol. Grupos, na maioria das vezes estimulados e financiados por dirigentes desses clubes empresas, foram se adensando e levando para os estádios e seus entorno a prática do confronto e da agressão, transformando simples adversários em inimigos mortais. As frustrações sociais fomentadas pela crise crônica em que vivemos encontraram aí um perfeito canal de expressão.

  A gota d’água foi quando, lá pelo início dos anos noventa, saíamos do Maracanã, eu e meu compadre, acompanhados dos nossos respectivos filhos, então contando dez ou onze anos de idade, ao final de um jogo entre Fluminense e Vasco. Nós voltávamos para casa quando fomos surpreendidos por um bando de jovens covardes que tentou nos agredir, simplesmente porque nossos filhos vestiam camisas do fluminense. Por pouco não aconteceu uma tragédia, como tantas outras sucedidas ao início, durante e no final dos jogos. Nesse dia resolvi colocar um ponto final na minha relação com o “maraca”. Percebi que não podia fazer como o meu pai, não era mais seguro levar meu filho ao estádio para ver o futebol.

     Passado esse tempo, vejo que a violência se expandiu, contaminando até mesmo as relações de amizade, quando gozações passam rapidamente para as ofensas e xingamentos, provocando divisões artificiais entre aqueles que deveriam estar cada vez mais unidos para enfrentar a verdadeira hecatombe social em que estamos mergulhados por conta da degeneração acelerada desse capitalismo, o sistema econômico que transformou o nosso querido futebol em um mero negócio.      
  

Ney Nunes

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