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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Saudades do Futebol


     Muitos nem sabem que sou torcedor do Tricolor das Laranjeiras, pouco falo e quase nunca escrevo sobre futebol, exceção feita para algumas gozações inevitáveis nas conversas entre amigos. Fiquei mais de vinte anos sem pisar no Maracanã, retornei lá esse ano para assistir a uma partida do brasileirão, por sinal, uma exibição medíocre do meu time. O antigo “Templo do Futebol”, outrora maior estádio do mundo, estava muito mudado. Não reencontrei aquela enorme arena com capacidade de abrigar duzentas mil almas, em que pese o desconforto para os frequentadores da geral e das arquibancadas. Estava agora diante de um pequeno estádio, mais confortável e com boa visibilidade do campo, se bem que acanhado perto do antigo gigante.
 
O Maracanã em dia de FlaFlu (antes das reformas superfaturadas)
      Mas os motivos desse meu afastamento do estádio que desde muito pequeno, levado pelas mãos do meu saudoso pai, me acostumei a frequentar e onde fui contaminado por essa paixão pelo futebol, não estão ligados às obras de reforma do Maracanã, diga-se de passagem, todas elas superfaturadas pelos governantes bandidos. Na verdade, foram duas outras razões que me levaram a esse distanciamento, não só do velho estádio, mas também do próprio futebol.

     A primeira tem a ver com a percepção de que o futebol sofreu uma brutal transformação entre os anos sessenta e noventa do século passado, acabando totalmente engolido pelo sistema, virando muito mais um “negócio” do que um “esporte”. Acabara-se o tempo onde os jogadores eram formados e permaneciam nos seus clubes, onde verdadeiras escolas ou academias de futebol aprimoravam seus estilos, onde uma verdadeira identidade entre torcedores e seus ídolos era construída ao longo de anos. Prevalece agora o transitório, os valores exorbitantes, os interesses escusos, os jogadores por temporada, os times e estilos de se jogar futebol pasteurizados.

     A segunda motivação veio com essa execrável penetração da violência urbana no mundo do futebol. Grupos, na maioria das vezes estimulados e financiados por dirigentes desses clubes empresas, foram se adensando e levando para os estádios e seus entorno a prática do confronto e da agressão, transformando simples adversários em inimigos mortais. As frustrações sociais fomentadas pela crise crônica em que vivemos encontraram aí um perfeito canal de expressão.

  A gota d’água foi quando, lá pelo início dos anos noventa, saíamos do Maracanã, eu e meu compadre, acompanhados dos nossos respectivos filhos, então contando dez ou onze anos de idade, ao final de um jogo entre Fluminense e Vasco. Nós voltávamos para casa quando fomos surpreendidos por um bando de jovens covardes que tentou nos agredir, simplesmente porque nossos filhos vestiam camisas do fluminense. Por pouco não aconteceu uma tragédia, como tantas outras sucedidas ao início, durante e no final dos jogos. Nesse dia resolvi colocar um ponto final na minha relação com o “maraca”. Percebi que não podia fazer como o meu pai, não era mais seguro levar meu filho ao estádio para ver o futebol.

     Passado esse tempo, vejo que a violência se expandiu, contaminando até mesmo as relações de amizade, quando gozações passam rapidamente para as ofensas e xingamentos, provocando divisões artificiais entre aqueles que deveriam estar cada vez mais unidos para enfrentar a verdadeira hecatombe social em que estamos mergulhados por conta da degeneração acelerada desse capitalismo, o sistema econômico que transformou o nosso querido futebol em um mero negócio.      
  

Ney Nunes

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