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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Trajetória de um Heroi

Jacob Gorender - 2005

Filho de general, não seria de estranhar que o jovem Apolonio de Carvalho¹ também seguisse a carreira militar. Assim, no começo da década de 30 do século passado, vestia a farda de tenente do Exército brasileiro. Manifestou, porém, desde cedo, simpatia pelas forças políticas da esquerda brasileira e, em 1935, ingressou, clandestinamente, na Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente das correntes unidas para combater o governo de Getúlio Vargas.

 

Apolonio de Carvalho

Integrado numa unidade militar em Bagé, no Rio Grande do Sul, participou dos levantes armados da ANL em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Mas, envolvido na conspiração aliancista, foi preso em janeiro de 1936 e, em abril, expulso do Exército. Mas logo encontrou campo apropriado para sua combatividade. 

Na Espanha, iniciara-se a guerra civil que fez o governo legal republicano se enfrentar com a insurgência do general Francisco Franco, apoiado pela Alemanha nazista e pela Itália fascista. Em defesa do governo republicano espanhol, formou-se, com amplitude mundial, uma legião que convocou militantes do mundo inteiro à luta antifascista no solo ibérico. Apolonio atende ao apelo e viaja para a Espanha. Sua formação militar permite que assuma o comando de uma bateria de artilharia do Exército republicano, no posto de capitão, em oposição ao avanço franquista. 

A derrota dos antifranquistas, em 1939, o levou, com milhares de companheiros, a atravessar a fronteira e passar para o território francês. Ali, foi internado num campo de prisioneiros. Inconformado e seguindo o impulso incessante de lutador, foge do campo e, em 1942, vincula-se à Resistência dos franceses contra o ocupante nazista. A destacada atuação na luta clandestina, que contribuiu para a libertação da região de Toulouse, levou o comando da Resistência a promovê-lo ao posto de coronel e motivou o governo francês, após a libertação do país, a conferir-lhe a condecoração da Legião de Honra. 

Na França, Apolonio vem a conhecer Renée, também militante, e com ela se casa, tornando-se seu companheiro até o fim da vida. O casal tem dois filhos (René Louis e Raul). 

Em 1946, Apolonio e família se transferem para o Brasil e o combatente das guerras na Espanha e na França se integra ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Torna-se presidente da União da Juventude Comunista e se dedica a tarefas de ensino doutrinário, inclusive escrevendo artigos para a imprensa partidária. 

Militante incansável, Apolonio se faz presente e atuante em todas as campanhas e lutas do PCB, de 1947, quando o partido tem o registro legal cassado, a 1964, quando um golpe militar, apoiado nas forças civis de direita e, particularmente, nas correntes conservadoras da Igreja Católica, derruba o governo de João Goulart e instaura uma ditadura militar que se prolongaria durante 21 anos. 

Mais uma vez na clandestinidade, atuando no estado do Rio de Janeiro, Apolonio, inconformado com a passividade da direção do PCB, desliga-se do partido em 1967, juntamente com Carlos Marighella, Mário Alves e outros dirigentes. Em 1968, acompanha Mário Alves na fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que pretende desenvolver uma ação armada apoiada nas lutas de massas, diferenciando-se das numerosas organizações que praticavam assaltos e atentados sem nenhuma repercussão no movimento operário e popular.

Para desenvolver lutas de massas, em condições sumamente desfavoráveis, Apolonio permanece no posto de combate, assumindo riscos temerários. 

Em janeiro de 1970 é preso por agentes policiais. Submetido a torturas, comporta-se com firmeza exemplar e não cede a mínima informação aos torturadores. Não se verga nem se quebra. Sua prisão duraria poucos meses. Em junho do mesmo ano um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) sequestra o embaixador da Alemanha e exige, em troca de seu resgate, a libertação de quarenta presos políticos, fornecendo uma lista na qual figura o nome de Apolonio. O governo Médici cede à exigência e Apolonio viaja para a Argélia, seguindo dali para a França. Dedica-se a dar conferências em vários países europeus, nas quais desmascara a propaganda da ditadura militar brasileira e revela as condições de feroz repressão policial, que resultam em torturas e assassinatos de centenas de cidadãos brasileiros. 

A anistia de 1979 permite que Apolonio e família regressem ao Brasil no ano seguinte. O combatente de sempre não interrompe a militância e dá contribuições importantes para a história política brasileira. Em 1980, faz parte dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, no qual milita até o fim da vida. Em 1977 escreve o livro Vale a Pena Sonhar, editado pela Rocco, no qual expõe uma visão do socialismo organicamente democrático e esclarece várias questões relacionadas com sua trajetória de lutador. 

Apolonio de Carvalho era um homem sempre cordial, sempre amável, com os companheiros e com as pessoas amigas, conhecidas e desconhecidas. Nunca se exaltava nas discussões nem ofendia quem divergisse de suas posições. Era, mais que tudo, por convicção e temperamento, um otimista. Nas piores circunstâncias e diante de derrotas graves, sempre encontrava algum aspecto que podia ser considerado positivo, que podia significar um ganho para as organizações empenhadas na vitória da democracia e do socialismo. Uma ocasião, em sua casa no Rio de Janeiro, permiti-me dizer-lhe, com uma ponta de humor, que ele era um otimista profissional.


¹Apolonio de Carvalho (Corumbá, 9 de fevereiro de 1912 — Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2005), tenente do exército brasileiro, militante do PCB, participou de levante militar da ALN em 1935, foi preso pelo governo Getúlio, combatente das Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola e herói da Resistência Francesa, durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do golpe militar de 1964, Apolonio rompe com PCB e participa da fundação do PCBR ao lado de Mario Alves e Jacob Gorender, preso pela ditadura, é libertado junto com outros 39 presos políticos brasileiros, trocados pelo embaixador da Alemanha Ocidental, Ehrenfried von Holleben, sequestrado no Rio de Janeiro, numa ação conjunta da Ação Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), na volta do exílio, em 1979, participa da fundação do PT.

Edição: Página 1917

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/gorender/2005/11/01.htm



China e a "Prosperidade Comum"

Michael Roberts -14/09/21


Gigante  do  mercado imobiliário chinês balança.

Em maio, o governo chinês estabeleceu uma zona especial para implementar a "prosperidade comum" na província de Zhejiang, onde também estão localizadas as sedes de várias grandes empresas de Internet, incluindo a Alibaba. E no mês passado, o presidente chinês Xi Jinping anunciou planos para espalhar "prosperidade comum", anunciando uma dura  repressão às elites ricas , incluindo  crescente grupo de bilionários de tecnologia da China. Em sua reunião de agosto, o Comitê Econômico e Financeiro Central, presidido por Xi, confirmou que a "prosperidade comum" era "um requisito essencial do socialismo" e deveria ser acompanhada de um crescimento de alta qualidade. 

Nas últimas duas semanas, a administração tributária prometeu reprimir os sonegadores e multou Zheng Shuang, uma das atrizes mais populares do país, em US $ 46 milhões por sonegação de impostos. A Suprema Corte proibiu a semana de trabalho de 72 horas, comum em muitas empresas do setor privado. E o Ministério da Habitação disse na terça-feira que limitará os aumentos anuais dos aluguéis residenciais em 5 por cento. E uma nova camada de funcionários foi presa por corrupção.

Além disso, o governo está se movendo para restringir as empresas nacionais de listar nas bolsas de valores dos EUA, uma medida que ameaça restringir o crescimento de empresas de tecnologia que passaram a simbolizar as taxas recordes de crescimento econômico da China e o surgimento de líderes de empresas ricas. Os anos de especulação desenfreada por empresas privadas multibilionárias em parceria com algumas autoridades locais e nacionais para fazer o que quiserem, incluindo a usurpação do controle estatal do sistema bancário de varejo, acabaram.  

Bilionários em geral, e os mega-ricos beneficiários da indústria de tecnologia em particular, agora lutam para apaziguar o partido com doações de caridade e mensagens de apoio. O site de comércio eletrônico listado na Nasdaq, Pinduoduo, prometeu no início deste ano doar seus ganhos do segundo trimestre e todos os ganhos futuros para ajudar o desenvolvimento agrícola da China até que as doações atinjam pelo menos US $ 10 bilhões de yuans (US $ 1,5 bilhão). A mudança fez com que suas ações subissem 22%. A Tencent, listada em Hong Kong, lendo os mesmos sinais de Pequim, reservou 50 bilhões de yuans para programas de bem-estar que apoiam comunidades de baixa renda, elevando os compromissos filantrópicos deste ano para um total de 15 bilhões de dólares.

O anúncio dos planos de "prosperidade comum" foi precedido pela prisão do secretário-geral do Partido Comunista de Hangzhou (capital de Zhejiang), Zhou Jiangyong, por funcionários anticorrupção. Há rumores de que seus parentes enriqueceram investindo em ações locais da Internet.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

O povo, enquanto coletivo, não tem solução para os flagelos do capitalismo, do imperialismo, da guerra, porque é um aglomerado de classes com interesses diversos.

 Francisco Martins Rodrigues*


     É sem dúvida louvável este desejo de ver todas as forças antifascistas e anti-imperialistas unidas numa frente comum. Mas os bons desejos em política não são nada. Que objetivos fixar, que relações estabelecer entre as classes populares, para tornar possível uma luta eficaz, vitoriosa, contra a reação e o imperialismo? Esta é a única forma séria de pôr a questão em termos de marxismo.


Francisco Martins Rodrigues


     Raspemos a casca do bom-senso unitário, para lhe procurar o miolo de classe. «Unidade a todo o preço em torno dos objetivos comuns», «valorizar aquilo que une, pôr de lado tudo o que divide», «democracia, paz, independência, primeiro, a revolução virá depois», «democracia popular, um degrau para o socialismo» o que significa? Significa procurar, em cada situação, o máximo divisor comum das forças populares. Ou seja, alinhar o povo pelo nível mais moderado, comum a todos. Ou seja, pôr de lado os objetivos revolucionários da classe operária, que, obviamente, não são comuns.

     Pode objetar-se que a perspectiva unitária de Cunhal, em 1975, com a «batalha da produção pelo socialismo», era de qualquer modo muito mais avançada, do que a «Unidade dos portugueses honrados» de 1949. É certo. O unitarismo democrático e popular não é rígido. Pelo contrário, é extremamente flexível, elástico, criador, o que lhe permite acompanhar as grandes convulsões de massas. É esse outro segredo da sua vitalidade. Mas, por mais elástico que seja, há um limite ideal para que ele parece tender, mas que nunca atingiu e que, pelo contrário, bloqueia: a revolução proletária.

     O apelo para a «unidade a todo o preço contra a reação, a guerra e o imperialismo» veicula, pois, a exigência, não da Unidade, mas de uma certa unidade: unidade em torno das reivindicações limitadas da pequena burguesia, comuns a todo o povo, sacrificando para tal as reivindicações revolucionárias da classe operária. É este o sumo de classe do pensamento dimitroviano. É esta a fonte da sua fácil popularidade, que lhe assegura uma reprodução espontânea e diária em larga escala.

     Assim, a lógica unitária que funciona hoje automaticamente em todos os campos da luta de classes, política, econômica ou ideológica, é fácil de resumir: «Os operários que sacrifiquem (só por agora, claro!) uma parte das suas exigências, se não querem ficar isolados». É um ultimato. Que está presente, sem precisar de ser mencionado, nas manifestações pela liberdade como na negociação de um contrato coletivo, nas marchas da paz como na abstenção tácita de toda a crítica à religião, à família, à nação, à propriedade privada.

     Unidade pelo fim dos monopólios, do fascismo, da guerra, pela independência da nação, por uma democracia popular. Unidade até mesmo pelo socialismo, desde que seja «popular». A revolução proletária é que não tem aí lugar. Como poderia tê-lo, se não é uma questão comum ao povo?

     No tempo de Lenin, é sabido, a revolução russa fez-se com uma outra lógica. O povo, enquanto coletivo, não tem solução para os flagelos do capitalismo, do imperialismo, da guerra, porque é um aglomerado de classes com interesses diversos. O povo precisa do socialismo, mas só pode encontrá-lo se for arrastado pela dinâmica revolucionária da classe operária. E a classe operária só pode encontrar a via do socialismo e arrastar consigo o povo se for arrastada pela dinâmica revolucionária da sua vanguarda, capaz de assimilar o marxismo. A minoria, avançando para o seu alvo consciente, ganhará a maioria. Os objetivos gerais da luta não têm que ser fixados pelo máximo denominador comum, mas pelo conhecimento das tarefas objetivas que se colocam à sociedade. Cada luta particular, imediata, comum a todo o povo, em si mesma nada vale se não servir para acelerar o alinhamento das forças antagônicas dispostas a bater-se pela direção da sociedade. Por isso, o proletariado tem que se demarcar da pequena burguesia, a revolução tem que crescer à custa do reformismo, etc., etc.

     Porque deixou esta lógica, aparentemente, de servir? Porque «o mundo mudou», ou porque a classe operária foi submergida pela ideologia pequeno-burguesa? A ideia leninista de hegemonia do proletariado foi de fato ultrapassada pela História, ou está soterrada sob uma avalanche de democratismo reformista? Vivemos hoje uma etapa superior, de luta mais vasta contra o imperialismo, ou recuamos para uma plataforma mais estreita, cega, impotente? Há alguma esperança para o combate democrático unitário, ou ele é só um alçapão por onde se escoam continuamente as potencialidades revolucionárias do movimento operário?

     Para todos aqueles que já se libertaram dos «dogmas» marxistas (e que servem alegremente a ditadura «democrática» da burguesia), estas perguntas não passam de extravagâncias doutrinárias, que nem merecem refutação. Mas é instrutivo observar como os ditos «marxistas-leninistas» (revisionistas e anti-revisionistas) resolvem a dificuldade de associar Dimitrov com Lenin.

     Por estranho que pareça, a divisão do movimento comunista em campos antagônicos desde os anos 60 não beliscou o dimitrovismo. Revisionistas da escola soviética e «ortodoxos» da linha chinesa-albanesa, embora travando uma batalha furiosa em torno de Stalin e do «stalinismo», renegado por uns, exaltado pelos outros, mantiveram-se de acordo quanto às ideias políticas de Dimitrov.

     Uns e outros coincidem na opinião de que o 7.º congresso da Internacional Comunista fez uma aplicação criadora do leninismo nas novas condições históricas, deu nova vitalidade ao movimento comunista e proporcionou grandes êxitos aos povos. Uns e outros defendem a política das Frentes Populares, divergindo, quando muito, no que toca à sua aplicação. Uns e outros atacam como «dogmáticas», «sectárias» e «trotskistas» as objecções que eventualmente se manifestam a essa política.

     Existe de fato uma guerra entre revisionistas e anti-revisionistas acerca de Dimitrov, mas apenas para saber a quem pertence de direito a sua herança.

*Francisco Martins Rodrigues (1927 — 2008) 

Fonte: Anti-Dimitrov: 1935-1985 Meio Século de Derrotas da Revolução, Editora Ulmeiro, Portugal, 1985.

Edição: Página 1917

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Assassinato de Lumumba

 Pierre Dorremans  28/01/2012


Lumumba ergue os braços feridos por correntes após sua libertação da prisão em janeiro de 1960. Foto: Wikipedia.

Era uma noite fria aquele 17 de janeiro de 1961 em Katanga, a província rica em cobre do antigo Congo Belga. A ruptura recente do Estado independente do Congo foi financiada por capital belga. Um plano aberto na escura savana é iluminado pelos faróis dos carros da polícia. Um oficial da polícia belga toma pelo braço Patricio Lumumba, anteriormente eleito primeiro-ministro da República do Congo, conduzindo-o para uma grande árvore. O Primeiro-Ministro caminha exausto, foi torturado por horas, talvez dias. Um esquadrão de execução de quatro homens armados com fuzis FAL belgas e armas Vigneron se posicionam, enquanto cerca de 20 soldados, policiais oficiais belgas e ministros de Katanga observam em silêncio. Um capitão belga dá a ordem de fogo e uma chuva de balas acertam Lumumba e dois de seus ex-ministros.

Patrice Lumumba em Bruxelas, 26 de janeiro de 1960. Foto: Coleção Anefo.

Quarenta anos mais tarde, uma comissão parlamentar belga iniciou uma investigação sobre esse obscuro capítulo da história colonial belga. A comissão tem um ano para elucidar o assunto. Essa investigação serve a um duplo propósito: por uma lado, restaurar a reputação da Bélgica no exterior, uma reputação que sofreu gravemente devido à enorme quantidade de escândalos que sacudiu o país nos últimos cinco anos (desde os escândalos de corrupção em contratos de vendas de armas em que os líderes do Partido Socialista desempenharam um papel proeminente, passando pelo abuso sexual e assassinato de crianças, até a contaminação de alimentos por dioxinas, para citar só os mais importantes). Esta é uma má situação para um país diminuto que exporta mais de três quartos de sua produção de bens e serviços ao exterior.

Com o objetivo de limpar sua imagem, o novo governo verde-liberal-socialista belga tomou a iniciativa nos procedimentos jurídicos contra Pinochet e o ex-presidente iraniano Rafsanjani, no boicote de Haider e também está procurando sua própria responsabilidade na investigação de sua problemática história colonial.

Uma segunda razão é que o Departamento de Relações Exteriores da Bélgica já compreendeu que Kabila, o novo governante do Congo, veio para ficar por um tempo. E como Kabila se apoia fortemente na herança do nacionalismo de esquerda de Lumumba, a Bélgica tem que limpar sua repugnante reputação como a assassina do mais proeminente líder nacionalista do Congo para voltar aos negócios em Kinshasa.

O fato de os democratas cristãos belgas – que estavam no poder desde a Idade Média – encontrarem-se agora na oposição torna as coisas mais fáceis. Os principais protagonistas na intenção de restaurar o poder colonial belga há 40 anos eram de fato todos os democratas cristãos, com Gaston Eyskens como primeiro-ministro, que se provocou uma greve de dimensões pré-revolucionárias (inverno de 1960-1961) com sua agressiva política de austeridade, e o conde d’Aspremont Linden, representante da antiga burguesia belga e de uma burguesia pré-belga à frente do “Departamento de Assuntos Africanos”. 

A tese de doutorado de Jacques Brassine, “Pesquisa sobre o assassinato de Patrice Lumumba” (Universidade Livre de Bruxelas, 1990) foi considerada durante os últimos 10 anos como a pedra angular da versão oficial acerca dos acontecimentos ocorridos no Congo entre 1960 e 1961. Nesse estudo, Brassine tratou de provar que o assassinato de Lumumba foi um assunto puramente interno, em que a Bélgica não desempenhou absolutamente papel algum. Seu trabalho é de grande conhecimento nos círculos políticos da direita belga.

Contudo, com seu livro “Crise no Congo”, de 1996, o sociólogo belga Ludo De Witte lança uma luz totalmente diferente sobre a luta pela independência no Congo.  Este chegou à conclusão de que o governo Eyscens, no mínimo, esquentou o clima em que eventualmente Lumumba foi assassinado e que as tropas das Nações Unidas no Congo foram “cúmplices por negligência”. Em seu livro mais recente, “O assassinato de Lumumba” (1999), De Witte elabora essa tese em detalhe. Nos primeiros capítulos não deixa um só dos elementos da metodologia de Brassine sem questionamento (entre outras coisas, Brassine esteve envolvido ativamente nos acontecimentos de 1960-1961, portanto dificilmente possa ser considerado um investigador independente).

Retrato oficial do primeiro-ministro Lumumba. Foto: Wikipedia.

Em seguida, De Witte entra numa análise detalhada dos mais de 8 mil telegramas trocados entre os diplomatas da ONU no Congo e o quartel general da ONU em Nova York. De Witte se aproxima muito ao demonstrar claramente a cumplicidade intensa da Bélgica no assassinato. No lugar dos lacaios do presidente de Katanga, Tsjombe, foram os belgas que inventaram, criaram, dirigiram e financiaram o Estado fantoche de Katanga como um baluarte do colonialismo belga na África. Foi em Bruxelas e não em Leopoldville (hoje Kinshasa) ou Elisabethville (agora Lubumbashi, capital de Katanga ou Shaba, como a província é conhecida atualmente) que a transferência de Lumumba de uma prisão do Exército Congolês para o Estado sem lei de Katanga foi desenhada e ordenada. Enquanto estava atrás das grades, Lumumba inclusive conseguiu liderar o exército congolês para muito perto de uma revolta anticolonial contra o regime instalado pelo famoso coronel Mobutu.

A maneira meticulosa com que De Witte descreve e analisa os meses, dias e horas antes do assassinato, os detalhes lúgubres sobre a tortura, o assassinato e sobre a eliminação do corpo, não fazem de “O assassinato de Lumumba” um livro muito divertido. Contudo, é uma clara descrição da maneira com que a burguesia de um país denominado “democrático” como a Bélgica atua quando seus interesses fundamentais estão em jogo. Uma leitura cuidadosa deste livro colocará as investigações da comissão parlamentar – supondo que realmente queiram descobrir a verdade – no caminho correto. De Witte assinala vários pontos obscuros (reuniões, pessoas, entre outros) que devem esclarecer se o panorama completa será enxergado. A comissão deveria se concentrar nestes. Por exemplo, o papel que desempenhou o gabinete belga fantasma localizado no edifício Immokat, em Elisabethville.

O assassinato de Lumumba e de dois de seus ministros, Mpolo e Okito, abriu o caminho para o esmagamento dos levantes anti-imperialistas no Congo e, consequentemente, assentou as bases para o regime “simpático e amável” de Mobutu. O Congo, rico em minerais (um geólogo descreveu uma vez a antiga colônia belga como um “escândalo geológico”), foi saqueado durante 30 anos da maneira mais brutal pelo imperialismo belga, francês e estadunidense e pela cleptocracia em torno de Mobutu. Enquanto isso, o país serviu de bastião militar contra a emergente Revolução Africana dos anos 1960 e 1970.

Igualmente às Nações Unidas, a liderança do movimento operário belga também é “cúmplice por negligência” por sua indiferença para com a revolução colonial. Inclusive o Partido Comunista da Bélgica foi um partidário da presença belga no Congo, devido ao fato de que o “socialismo em um só país” não seria possível na Bélgica por causa da falta de matérias-primas. E os stalinistas em Moscou somente apoiaram o regime nacionalista de Lumumba na medida em que poderia ser utilizado e sacrificado no jogo de xadrez internacional da “coexistência pacífica” com o ocidente imperialista.

Essencialmente, Lumumba era um democrata burguês que, entretanto, se radicalizou rapidamente por meio de sua oposição às descaradas ambições coloniais belgas. Se houvesse vivido mais tempo, provavelmente se moveria na mesma direção que Fidel Castro fez em Cuba. Lumumba se converteu no símbolo de um movimento independentista muito jovem e rapidamente radicalizado que por desgraça estava muito desorganizado para sobreviver à morte e/ou aprisionamento de seus líderes mais destacados. No entanto, hoje Lumumba vive como um revolucionário genuíno e honesto para muitos milhares de trabalhadores e jovens africanos que tratam de encontrar uma saída ao mortal beco sem saída do imperialismo no continente negro.

Lumumba preso pelos golpistas a serviço do imperialismo


Portanto, enquanto se assinalam as deficiências de um programa nacionalista e a necessidade do internacionalismo socialista em toda a África e o resto do mundo, a herança de Lumumba tem que ser tomada com cautela e com respeito.

Na atualidade, o regime de Kabila em Kinshasa flerta com a retórica anti-imperialista do lumumbismo e, portanto, pode contar com certo nível de apoio entre as forças progressistas no Congo e na diáspora. O Ocidente está tomando seriamente essa nova ameaça e está cuidando de manter Kabila sob pressão financiando algumas revoltas artificiais no leste do Congo.

Selo comemorativo da URSS, 1961. Fonte: Wikipedia.

 

Mas os tempos mudaram desde 1960, quando o imperialismo ocidental se encontrava mais ou menos unido em sua luta contra o “comunismo” na África. Hoje em dia a situação no continente é mais similar àquela nos tempos da Conferência de Berlim de 1885, quando a África se converteu em uma arena de luta entre as potências imperialistas europeias. Até agora, Kabila conseguiu como um hábil bonapartista o equilíbrio entre esses diferentes interesses. Isto o mantém no poder, mas não conduz para a posterior libertação e emancipação dos povos africanos. Pelo contrário, a África Central está mergulhada em guerras civis intermináveis e devastadoras.

Com o objetivo de alcançar uma verdadeira libertação e desenvolvimento das nações africanas, as lições do lumumbismo terá que ser assimilada e enriquecida com a análise e a compreensão marxistas. Além disso, a classe trabalhadora belga e europeia terá que pôr fim a toda forma de neocolonialismo.

Fonte: https://www.marxismo.org.br/o-assassinato-de-lumumba/

Edição: Página 1917


sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Octavio Brandão - 125 anos

Octavio Brandão*

     O movimento popular em 1930 e as forças armadas fizeram muito bem derrubando o governo falido de Washington Luiz. Infelizmente, não houve nenhuma verdadeira revolução em outubro de 1930.

Octavio Brandão e Minervino de Oliveira.


     A revolução é uma nova classe, progressista, no poder. É a ruptura total, violenta e definitiva com o passado morto. É a mais ampla e a mais profunda transformação econômica e financeira, política e social, moral e ideológica, militar e jurídica. É o mais vasto movimento operário, camponês e popular. Impulsiona o desenvolvimento da sociedade. Cria o novo. Destrói o que é velho, caduco, obsoleto, na própria base, raiz, essência.

     A revolução nunca é estagnação. Nunca é uma volta ou tentativa de volta ao passado historicamente morto. Nunca é um deslocamento de títeres das classes dominantes – os escravistas da Antiguidade, os senhores feudais da Idade Média, os capitalistas na Idade Contemporânea.

* (Viçosa, 12 de setembro de 1896 — Rio de Janeiro, 15 de março de 1980) Foi um dos precursores da luta pela reforma agrária no país, logo após romper, aos 16 anos de idade, com o catolicismo nas Alagoas do início do século XX. Ao escrever o livro Canais e Lagoas, entre 1916 e 1917, sobre o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, também em seu estado natal, poderia ser visto como um dos primeiros ecologistas brasileiros. Em 1923, traduziu da versão francesa preparada por Laura Lafargue a primeira edição do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. Em 1925, participou da criação do jornal A Classe Operária, órgão do Partido Comunista do Brasil (PCB) – que ajudava a construir integrando a sua direção. Ao ser eleito, em 1928, pelo Bloco Operário e Camponês (BOC) para o Conselho Municipal da cidade do Rio de Janeiro, tornou-se um dos primeiros representantes comunistas em um órgão representativo do país. (Marxismo 21)

Fonte: Combates e Batalhas; Editora Alfa-Omega; 1978.

Edição: Página 1917.




terça-feira, 7 de setembro de 2021

Memória Vilipendiada

     A memória dos soldados brasileiros, mortos e feridos na Itália combatendo o nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial, foi vilipendiada 77 anos depois do inicio dos combates travados em 1944 no solo italiano. No dia de hoje, hordas nazifascistas, mascaradas de verde e amarelo, desfilaram pregando a volta da ditadura.


Os nossos soldados contra o nazifascismo na Segunda Guerra.

     
     Para honrar verdadeiramente o sacrifício dos nossos pracinhas da FEB é imprescindível combater sem tréguas o nazifascismo e ir além, liquidando as causas profundas do seu ressurgimento: a permanência do capitalismo e do poder político burguês.
Artilharia da FEB castigou as tropas alemães.



segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Odor Genocida

Ney Nunes

O banditismo burguês, denominado nazifascismo e apelidado por aqui "bolsonarismo", vai exalar seu odor genocida nesse sete de setembro.

     

     Para enganar incautos esconde a bandeira dos EUA e a suástica, mascarando-se de verde e amarelo.

     Fala em patriotismo e liberdade, quando, na verdade, é entreguista e adepto da prisão, tortura e morte.

     Se diz defensor da moral e bons costumes, mas na prática é degenerado, corrupto e narcomiliciano.

     Esse filho do capitalismo apodrecido com a democracia de fachada é lacaio dos exploradores e sementeiro da barbárie.


      Não Passarão!

      


     

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