Jacob Gorender - 2005
Filho de general, não seria
de estranhar que o jovem Apolonio de Carvalho¹ também seguisse a carreira
militar. Assim, no começo da década de 30 do século passado, vestia a farda de
tenente do Exército brasileiro. Manifestou, porém, desde cedo, simpatia pelas
forças políticas da esquerda brasileira e, em 1935, ingressou,
clandestinamente, na Aliança Nacional Libertadora (ANL), frente das correntes
unidas para combater o governo de Getúlio Vargas.
Apolonio de Carvalho |
Integrado numa unidade militar em Bagé, no Rio Grande do Sul, participou dos levantes armados da ANL em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Mas, envolvido na conspiração aliancista, foi preso em janeiro de 1936 e, em abril, expulso do Exército. Mas logo encontrou campo apropriado para sua combatividade.
Na Espanha, iniciara-se a guerra civil que fez o governo legal republicano se enfrentar com a insurgência do general Francisco Franco, apoiado pela Alemanha nazista e pela Itália fascista. Em defesa do governo republicano espanhol, formou-se, com amplitude mundial, uma legião que convocou militantes do mundo inteiro à luta antifascista no solo ibérico. Apolonio atende ao apelo e viaja para a Espanha. Sua formação militar permite que assuma o comando de uma bateria de artilharia do Exército republicano, no posto de capitão, em oposição ao avanço franquista.
A derrota dos antifranquistas, em 1939, o levou, com milhares de companheiros, a atravessar a fronteira e passar para o território francês. Ali, foi internado num campo de prisioneiros. Inconformado e seguindo o impulso incessante de lutador, foge do campo e, em 1942, vincula-se à Resistência dos franceses contra o ocupante nazista. A destacada atuação na luta clandestina, que contribuiu para a libertação da região de Toulouse, levou o comando da Resistência a promovê-lo ao posto de coronel e motivou o governo francês, após a libertação do país, a conferir-lhe a condecoração da Legião de Honra.
Na França, Apolonio vem a conhecer Renée, também militante, e com ela se casa, tornando-se seu companheiro até o fim da vida. O casal tem dois filhos (René Louis e Raul).
Em 1946, Apolonio e família se transferem para o Brasil e o combatente das guerras na Espanha e na França se integra ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Torna-se presidente da União da Juventude Comunista e se dedica a tarefas de ensino doutrinário, inclusive escrevendo artigos para a imprensa partidária.
Militante incansável, Apolonio se faz presente e atuante em todas as campanhas e lutas do PCB, de 1947, quando o partido tem o registro legal cassado, a 1964, quando um golpe militar, apoiado nas forças civis de direita e, particularmente, nas correntes conservadoras da Igreja Católica, derruba o governo de João Goulart e instaura uma ditadura militar que se prolongaria durante 21 anos.
Mais uma vez na clandestinidade, atuando no estado do Rio de Janeiro, Apolonio, inconformado com a passividade da direção do PCB, desliga-se do partido em 1967, juntamente com Carlos Marighella, Mário Alves e outros dirigentes. Em 1968, acompanha Mário Alves na fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que pretende desenvolver uma ação armada apoiada nas lutas de massas, diferenciando-se das numerosas organizações que praticavam assaltos e atentados sem nenhuma repercussão no movimento operário e popular.
Para desenvolver lutas de massas, em condições sumamente desfavoráveis, Apolonio permanece no posto de combate, assumindo riscos temerários.
Em janeiro de 1970 é preso por agentes policiais. Submetido a torturas, comporta-se com firmeza exemplar e não cede a mínima informação aos torturadores. Não se verga nem se quebra. Sua prisão duraria poucos meses. Em junho do mesmo ano um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) sequestra o embaixador da Alemanha e exige, em troca de seu resgate, a libertação de quarenta presos políticos, fornecendo uma lista na qual figura o nome de Apolonio. O governo Médici cede à exigência e Apolonio viaja para a Argélia, seguindo dali para a França. Dedica-se a dar conferências em vários países europeus, nas quais desmascara a propaganda da ditadura militar brasileira e revela as condições de feroz repressão policial, que resultam em torturas e assassinatos de centenas de cidadãos brasileiros.
A anistia de 1979 permite que Apolonio e família regressem ao Brasil no ano seguinte. O combatente de sempre não interrompe a militância e dá contribuições importantes para a história política brasileira. Em 1980, faz parte dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, no qual milita até o fim da vida. Em 1977 escreve o livro Vale a Pena Sonhar, editado pela Rocco, no qual expõe uma visão do socialismo organicamente democrático e esclarece várias questões relacionadas com sua trajetória de lutador.
Apolonio de Carvalho era um homem sempre cordial, sempre amável, com os companheiros e com as pessoas amigas, conhecidas e desconhecidas. Nunca se exaltava nas discussões nem ofendia quem divergisse de suas posições. Era, mais que tudo, por convicção e temperamento, um otimista. Nas piores circunstâncias e diante de derrotas graves, sempre encontrava algum aspecto que podia ser considerado positivo, que podia significar um ganho para as organizações empenhadas na vitória da democracia e do socialismo. Uma ocasião, em sua casa no Rio de Janeiro, permiti-me dizer-lhe, com uma ponta de humor, que ele era um otimista profissional.
Edição: Página 1917
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/gorender/2005/11/01.htm
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