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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Estado e a Ditadura do Proletariado

Nos 103 anos da Revolução Bolchevique. 

Najeeb Amado*

 

     Reivindicar a Ditadura do Proletariado em 2020, provavelmente gera um certo descrédito ou sentimento de total anacronismo, dogmatismo ou sacralização da teoria marxista-leninista para quem lê este breve texto.

"Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária."


     No entanto, tentar demonstrar sua validade no século XXI, persegue uma intenção totalmente oposta, cujo objetivo é continuar aprendendo a criar, realizando o esforço de abordar a história do ponto de vista do materialismo e com o método dialético, buscando tirar lições de um dos os processos mais importantes da humanidade, como foi a Revolução Bolchevique e contribuindo para o saudável debate tão necessário para ajustar nossas organizações à medida das exigências da atualidade.

    A chamada nova esquerda e vários progressismos, cavalgaram sobre os erros do chamado “socialismo real”, quando não no emaranhado de meias verdades e falácias que os “tanques do pensamento” hegemônico se encarregaram de disseminar por todo o mundo, através dos seus múltiplos aparatos ideológicos, atordoando as massas trabalhadoras para manietá-las e lograr que concentrem sua repulsa nas deficiências das primeiras experiências de Poder Operário, com maior força do que nas misérias inerentes ao metabolismo social do capital e a mesquinha na mesquinha liderança dos patrões.

     Diz-se que um jornalista que estava na Rússia no alvorecer da revolução, quando questionado sobre os bolcheviques, disse que se tratava de um grupo de cientistas, conspiradores, agitadores e organizadores das massas.

    Foi isso e algumas coisas mais. Os bolcheviques souberam fundir a tradição operária revolucionária de Marx com o conspirativismo radical dos "narodniki" (os populistas revolucionários russos do século XIX), para enfrentar o czarismo e enganar a Okhrana russa (a polícia secreta do czarismo).

    Lenin, como militante revolucionário e líder da Revolução de Outubro, conseguiu compreender o processo de transição para o capitalismo monopolista, ou seja, para o imperialismo, e a necessidade de desenhar uma estratégia revolucionária de caráter socialista, atendendo ao processo progressivo de subordinação das capitais locais aos monopólios dos países capitalistas centrais.

    Em conversações sobre o Partido de Novo Tipo, com o professor Jorge Beinstein, chegamos a identificar algumas questões que quero compartilhar, a respeito da complexa organização de organizações que os bolcheviques conseguiram desenvolver para organizar a revolução.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Vladimir Lenin, Fundador da URSS.

Vladimir Ilyich Ulianov, o Lenin,  herói do proletariado, inimigo mortal da burguesia e do imperialismo.
(22 de abril de 1870 – Gorki, 21 de janeiro de 1924)

   Foi o principal dirigente do Partido Bolchevique e da Revolução Socialista na Rússia em 1917, idealizador do Estado Soviético, fundador da  Terceira Internacional Comunista e destacado líder teórico político marxista. Sua obra, para desespero dos lacaios da burguesia, dos reformistas e oportunistas de todos os matizes, reveste-se de grande atualidade e serve de guia para a luta dos trabalhadores contra a exploração capitalista em todo o mundo.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

O MARCO POLÍTICO – MILITAR DO MUNDO CONTEMPORÂNEO

ELISEOS VAGENAS

Secretário de Relações Internacionais do CC do KKE*

   As "estradas de paz e prosperidade" prometidas aos povos por todos os tipos de oponentes do socialismo depois de sua queda na União Soviética e em outros países do Leste Europeu nunca foram "abertas". Três décadas depois, "nosso mundo contemporâneo", apesar do avanço da tecnologia, tornou-se mais cruel e desumano para os trabalhadores de todo o mundo. Nele as conquistas históricas da classe trabalhadora foram "decapitadas", enquanto as sucessivas crises capitalistas aumentaram ainda mais os impasses sociais e econômicos dos povos. Os desastres ambientais continuaram, muitas vezes sob o pretexto de "desenvolvimento verde". Os sistemas de saúde pública e assistência social, segurança, educação foram cada vez mais desvalorizados, aumentando as barreiras de classe para atender às necessidades sociais contemporâneas. Todos os anos, dezenas de milhões de pessoas são obrigadas a abandonar as suas casas devido à exploração, intervenções militares e guerras, nas quais morrem milhares de pessoas.

Guerra na Líbia: destruição e genocídio.


     Nosso "mundo contemporâneo" é o mundo onde as relações capitalistas de produção dominam universalmente, onde as empresas gigantes - monopólios, desempenham um papel decisivo na vida econômica de cada país capitalista, e que na base do poder econômico - político e militar de cada país, integra-se e ocupa o seu próprio lugar no sistema mundial do imperialismo, formando assim relações interdependentes desiguais com o resto dos países. Na verdade, este lugar pode mudar devido ao desenvolvimento desigual, " ... já que sob o capitalismo o desenvolvimento igual de diferentes empresas, fundos, ramos industriais e países é impossível. " [1] E, é claro, nem por um segundo você pode parar a luta dos capitalistas pela lucratividade, que é a força motriz de qualquer economia capitalista. Há uma luta feroz entre os capitalistas sobre como dividir participações de mercado em todos os ramos, em todos os países, todas as regiões, globalmente, em uma busca implacável por quem vai assumir o controle dos depósitos de energia, riqueza mineral e rotas. transporte de mercadorias.

    Essa luta "abarca" todos os aspectos das economias capitalistas, incluindo vacinas e medicamentos, como caracteristicamente vemos neste momento com a evolução da pandemia. Se estende a todos os cantos do mundo. Na Eurásia e no Mediterrâneo Oriental, no Golfo Pérsico e no Pacífico Sul, na África e na América Latina, no Ártico e na Ásia Central, monopólios poderosos, estados capitalistas e suas alianças colidem em todos os lugares. A escalada desta luta, quando as “guerras” comerciais e econômicas e os diversos meios político-diplomáticos não são suficientes, leva ao uso de meios militares.

  Nos últimos anos, o epicentro permaneceu na região do Mediterrâneo Oriental, com as guerras na Síria e na Líbia, os planos de guerra dos Estados Unidos e de Israel contra o Irã. Ao mesmo tempo, a intervenção dos Estados Unidos na América Latina contra Cuba, Venezuela e Bolívia, as reivindicações chinesas contra o Vietnã e outros países do Pacífico com o envolvimento dos Estados Unidos no Mar da China Meridional e Taiwan, a guerra na Arábia Saudita. contra o Iêmen. Além disso, a situação na região da Ucrânia Oriental (Donbass) e da Crimeia, do Cáucaso e dos Balcãs Ocidentais continua perigosa, enquanto os planos imperialistas são aplicados contra os povos de Chipre e da Palestina, que vivem sob ocupação estrangeira há décadas. .

   Nessas condições, é importante destacar novos elementos e tendências, bem como responder, na medida do possível, no contexto deste artigo, algumas opiniões errôneas e confusões que estão circulando nas forças burguesas e oportunistas.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Banco do Brasil e Ford: Capitalismo Sem Disfarces

 Ney Nunes*

    Os anúncios, na mesma semana, de mais um plano de reestruturação do Banco do Brasil (leia-se plano de desmonte para privatizar) e do fechamento de todas as fábricas da Ford no país, trouxeram à tona o que os “maquiladores” do capitalismo tanto esforço fazem para ocultar, ou seja, na atual fase desse sistema econômico caduco não existe possibilidade para devaneios reformistas.

Protesto contra fechamento da Ford em São Bernardo, 2019.
.    
   As duas iniciativas, uma do governo Bolsonaro e a outra da direção da multinacional norte-americana, vão no mesmo sentido: aumentar a exploração dos trabalhadores e concentrar capital para fazer frente a crise crônica do capitalismo.

   No BB, o desmonte do banco público vem acontecendo desde o governo Dilma, foi intensificado por Temer e agora mais ainda pelo fascista Bolsonaro. O objetivo é arrochar os funcionários, transferir para os bancos privados as operações mais rentáveis do BB, reduzir seu espaço no mercado e, finalmente, vender por qualquer ninharia o que restar. Em plena pandemia o plano atual, reduz mais uma vez a rede de agências, corta salários, funções gratificadas e prevê a redução de 5 mil postos de trabalho. Serão fechadas 361 unidades, sendo 112 agências, 7 escritórios e 242 postos de atendimento. Um encolhimento premeditado que vai muito além dos efeitos da automação bancária, feito na medida para favorecer os bancos privados.

   A Ford chegou ao Brasil em 1919, mas, como outras montadoras, cresceu de forma acelerada a partir da metade do século XX, aproveitando-se do rodoviarismo incrementado no país após o fim da Segunda Guerra Mundial, em detrimento do transporte ferroviário. Também se beneficiou dos conhecidos e generosos incentivos fiscais. Depois de um século remetendo milhões de dólares de lucros obtidos graças  a esses incentivos fiscais e, principalmente, explorando a mão-de-obra barata do trabalhador brasileiro, a Ford anunciou o fechamento das suas três fábricas restantes no país (em 2019 já havia fechado a de São Bernardo em SP). Isso faz parte de um processo de reestruturação mundial da empresa para reduzir custos e aumentar a lucratividade, deixando aqui no Brasil um saldo de milhares de desempregados.

   Nesses dois casos, assim como, em inúmeros outros que vêm se sucedendo ao longo das últimas décadas, as decisões dos capitalistas e dos seus prepostos nos governos estão sempre na direção de concentrar o capital e a renda, às custas da superexploração dos trabalhadores. Esses fatos indicam não existirem mais condições para remendos na teia desse sistema, a sua continuidade representa um verdadeiro passaporte para a barbárie.

 Quando reformismo se confunde a luz do dia com neoliberalismo, os disfarces para “embelezar” o capitalismo começam a cair por terra. O caminho da classe trabalhadora é a retomada da consciência de classe, da organização e da unidade para lutar, bases imprescindíveis para os enfrentamentos que tendem a ser cada vez mais radicalizados contra o capital.  Esse caminho é o da revolução.

*Diretor do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e ex-funcionário do Banco do Brasil.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Biden Põe um Criminoso de Guerra à Frente do Pentágono

Biden nomeou como secretário da Defesa o general Lloyd Austin. Será o primeiro negro à frente do Pentágono.

General Austin comandando ocupação no Iraque.


Como bom farsante, durante a campanha eleitoral Biden disse que a Guerra do Iraque havia sido um "erro". Austin ajudou a dirigir o referido "erro". Primeiro dirigiu a invasão e a seguir a ocupação militar.

Em 2010 dirigiu o treino das ISF (Forças de Segurança Iraquianas), que logo se destacaram pelos crimes de guerra que cometeram em Mossul. Uma unidade das ISF foi gravada a golpear e matar iraquianos nus, incluindo uma criança.

Em 2013 foi nomeado comandante do Centcom, oficialmente conhecido como Comando de Combate, que está no comando de todas as tropas dos Estados Unidos no Oriente Médio. É um dos 11 grupos de tropas dos EUA numa região específica do mundo.

Entre as atrocidades mais documentadas cometidas pelas tropas de Austin no Oriente Médio está a destruição de cidades inteiras da Síria, o bombardeio de um hospital no Afeganistão, no qual morreram 42 pessoas e o começo da guerra infame que os EUA desencadearam contra o povo iemenita, juntamente com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

Depois de se retirar do exército, em 2016, Austin uniu-se à empresa Raytheon, o terceiro maior empreiteiro de defesa dos EUA e um dos maiores fabricantes de armas do mundo.

Uma vez que um terço da equipe de transição de Biden provém de empresas da indústria armamentista e de equipes de consultoria, é lógico que os interesses comerciais da Raytheon estejam representados pelo secretário da Defesa.

Austin também faz parte da junta diretiva da Tenet Healthcare, um conglomerado de empresas dedicadas a cuidados de saúde que utilizou o dinheiro dos impostos do seguro médico "Cares" para encher os bolsos durante a pandemia.

Para que os civis pudessem controlar melhor o exército, em 1947 os Estados Unidos aprovaram uma lei que proíbe os militares reformados, como Austin, de ocupar cargos no Pentágono quando têm menos de sete anos da data da reforma.

É papel molhado. Trump já a ignorou ao nomear James Mattis como secretário da Defesa. O mesmo vai-se passar com Austin.

Para encobrir o assunto e a biografia de Austin, a mídia capitalista vai iniciar uma campanha de imagem destacando que Austin é negro e que é a primeira vez que um negro é posto à frente do Pentágono. Para subir a essas alturas, os negros têm que cometer tantos crimes como os brancos, pelo menos.

Fonte: https://resistir.info/eua/austin_07jan21.html

Edição: Página 1917.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A Conjuntura Nacional no Começo de 2021: Crise, Pandemia e Resistência.*

08/01/2021

As Crises do Capital Têm Caráter Global e de Luta de Classes


No dia 4 de dezembro de 2020 publicamos nossa avaliação da conjuntura internacional ao final de mais um ano de crise do imperialismo, de pandemia global e de deterioração das condições de vida e de trabalho da classe operária e demais classes dominadas. Àquele texto necessariamente segue este, com nossa avaliação da conjuntura nacional, que agora apresentamos à crítica dos camaradas e leitores. A continuidade entre os dois textos reforça os aspectos comuns da crise do capital – seu caráter mundial – ao tempo em que destaca suas especificidades no Brasil.

Assembleia geral dos operários e operárias da Renault, em agosto de 2020.


O capitalismo sempre busca ultrapassar suas fronteiras nacionais e constituir um “mercado mundial” (Marx). Logo, suas crises tendem a ser crises desse mesmo mercado mundial. Na fase imperialista, a partir do início do século XX, essas crises se agravam, assim como sua tendência de abarcar toda a economia mundial, o sistema imperialista. Dessa forma, a análise da conjuntura (e das suas crises) deve levar em conta esse duplo e contraditório conjunto de determinações globais e nacionais.

As crises, expressões das contradições do capitalismo, são também luta de classes – tanto em relação às suas causas, quanto por modificar as condições em que ocorrem essas lutas. As contradições entre burguesia e proletariado, fundadas na própria esfera da produção, assim como as demais contradições do capitalismo (por exemplo, a concorrência entre capitais), condicionam as formas de produção; o nível de automatização (composição técnica e orgânica do capital) e a intensidade e a jornada de trabalho, portanto a produtividade; os níveis de salários, a repartição do resultado da produção e do excedente entre patrão e operários/as; a demanda de mercado para a realização da produção; as taxas de lucro; e outros aspectos da produção e da circulação capitalistas. As crises no capitalismo também são causadas pela (são expressões da) luta de classes.

As crises também tendem a modificar as condições existentes da luta de classes, fortalecendo uma ou outra das classes antagônicas. Por um lado, as crises podem reforçar a resistência e a solidariedade das classes exploradas, sua organização política e seu sentimento de classe. É o caso, por exemplo, das greves operárias no Brasil do final dos anos 1970 (1978-1980). Partindo desses aspectos, a luta de classes proletária pode avançar ainda mais nas crises e chegar à tomada revolucionária do poder, como nos casos da Comuna de Paris (1871) ou da Revolução Russa (1917). Por outro lado – caso atual – a burguesia pode aproveitar a crise como momento de sua ofensiva na luta de classes contra os/as dominados/as. Com menor organização e mobilização do proletariado, sob predomínio do reformismo e do oportunismo, os patrões aproveitam o desemprego crescente e a piora das condições de vida para atacar as conquistas dos/as trabalhadores/as em prol da retomada dos seus lucros.

Para o capital, a função da crise é exatamente essa: possibilitar a retomada das condições de acumulação e de lucratividade. Isso ocorre de diversas formas, como a redução dos salários e dos custos salariais indiretos, o aumento da jornada e da intensidade do trabalho, etc. Ou seja, mediante o aumento da exploração capitalista, que representa para as classes dominadas o aprofundamento da miséria e da fome – uma barbárie sem fim. Enquanto para a burguesia, para os patrões, significa o acúmulo de riquezas sem fim. Para possibilitar uma constante reprodução dessa situação de agravamento de todas as contradições do capitalismo, torna-se necessária uma ainda maior repressão contra as classes dominadas.

Em suma, a crise do capital deixa ainda mais evidente a impossibilidade de o capitalismo resolver os problemas da vida dos dominados. Diante dessa constatação, a única resposta definitiva por parte do proletariado e das classes dominadas é romper os grilhões que os mantêm explorados e iniciar a construção do seu próprio mundo, o socialismo e o comunismo.

Discurso de Lenin - O que é o Poder Soviético?





quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

A Produção Social de Doenças e de Crises

Cássio Arruda Boechat*


    Até aqui, o agronegócio não parou durante a pandemia de coronavírus e se vangloria de ser responsável por ter evitado uma crise econômica que chegou a ser anunciada como a pior da história, com prognósticos que apontavam para uma queda superior a 8% do PIB no Brasil. Com isso, reforça-se a ideologia vitoriosa do assim chamado "agro", que se coloca como a cura para os males nacionais. É bom lembrar, porém, do phármakon, de onde provém a palavra "farmácia", que pode curar ou intoxicar, sendo ao mesmo tempo remédio e veneno. Ou seja, procuramos uma reflexão de até que ponto a suposta solução é parte da causa dos problemas.




   Visitando recentemente o interior paulista, em meio a uma seca terrível, observei alguns poucos trabalhadores aplicando defensivos num canavial recém-cortado por monstruosas máquinas em terras arrendadas por uma grande usina francesa. O cenário era inóspito, desabitado e soando a desértico. Queimadas despontavam no horizonte. Os homens, irreconhecíveis, caminhavam mascarados sob o sol ardente. Alguns com tubos de PVC na mão jogavam alguma coisa aqui e ali pelo interior dos tubos até o chão; outros, com um recipiente atado às costas, aplicavam um líquido periodicamente. Faziam a chamada "catação": matavam mato e formigas, respectivamente, aplicando produtos químicos na entrada dos formigueiros e nas touceiras de capim–colonião (que tem o hilário nome científico Panicum maximum ). "Inimigos" persistentes da produtividade da lavoura.

   A cena poderia representar a solução para a angústia antediluviana do lavrador, expressa pelo viajante Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que teria afirmado – antes, claro, de ser lembrado por Macunaíma – que "ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil". A bem da verdade, como os próprios mascarados me contaram, não se tratava de acabar com as formigas ou com as ervas daninhas, mas de controlá-las. Independentemente de quanto veneno é posto, elas voltam todo ano. Ingênua pergunta: "Mas e o veneno, para onde vai?". Silêncio… A solução ali dada, desse modo, não parece ser suficiente ou definitiva para acabar com "nossos" problemas, cujas raízes estão muito além das saúvas e podem estar também nas formas de enfrentarmos as doenças e as crises.

  A memória e os estudos nos permitem voltar no tempo para comparar aquela cena da profilaxia recente de formigas e mato com algumas outras profilaxias, inclusive de trabalhadores, de um passado não muito distante, e avaliar a produção social de doenças e de crises no agronegócio.

   Próximo de onde se encontra aquele canavial, vi quando criança, assombrado, uma cena semelhante àquela da chegada dos federais norte-americanos (seriam da Nasa?) para cercar a casa suburbana dos meninos que acolheram o E.T. no filme de Spielberg. Completamente cobertos, técnicos da Fundação de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) vinham isolar um pomar e erradicar laranjeiras num enorme raio para evitar a propagação do cancro cítrico, causado pela bactéria Xanthomonas citri.

   Naquela época, o noroeste de São Paulo tinha mais laranjais do que canaviais. A paisagem era dominada por laranjeiras enfileiradas até onde a vista alcançava. Uma medida tão dura como aquela da erradicação chamava a atenção para a ocorrência de epidemias que afetavam a "população" de árvores. Depois de arrancadas as laranjeiras infectadas e suas vizinhas, a pilha de troncos ainda carregados de laranjas era incinerada em altas fogueiras. A área isolada ficava em quarentena, e os técnicos vestidos de branco da cabeça aos pés rodavam todas as propriedades produtoras em buscas de novos casos. Ao menor indício de cancro, estava dada a sentença.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Zuleide Faria de Melo, uma Revolucionária!

Ivan Pinheiro

5 de janeiro de 2021

   A querida amiga e camarada Zuleide completa, em 6 de janeiro de 2021, 89 anos de uma vida digna e generosa, tendo dedicado à Revolução Socialista seus melhores e mais intensos esforços.

Professora Zuleide Faria de Melo

   

   Zuleide reúne as principais qualidades que distinguem a militância comunista: firmeza ideológica, referência nos fundamentos do marxismo-leninismo, exercício do internacionalismo proletário, respeito ao centralismo democrático, nenhuma ilusão na possibilidade de humanizar e democratizar o capitalismo ou de superá-lo gradualmente pelas vias institucionais.

   Zuleide tem outras qualidades que valorizo: nunca deixou de expor francamente suas opiniões nas instâncias partidárias, mesmo quando as sabia minoritárias. Nunca desqualificou nem desrespeitou qualquer camarada, mesmo nos debates mais duros e difíceis. Como militante e dirigente comunista e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, nunca fez qualquer concessão às muitas facetas do reformismo, do oportunismo e do academicismo. Zuleide é a melhor definição de intelectual orgânico comunista.

   Em termos de contribuição teórica e prática, de exemplo, coragem e doação pessoal, Zuleide foi a principal referência do Movimento Nacional em Defesa do PCB que, em 25 de janeiro de 1992, derrotou os que queriam acabar com o Partido, dando início à sua reconstrução revolucionária. Durante quase quatro anos – antes, durante e depois dessa vitória – sua residência foi na prática a sede nacional, primeiro do Movimento de Defesa do PCB e depois do próprio Partido, até superarmos as dificuldades materiais para termos nossa primeira e modesta sede pública, depois da cisão que chamamos de “racha”, em que fomos o lado que saiu com a roupa do corpo, mas com muita firmeza ideológica, garra e determinação política, apesar dos escombros da contrarrevolução na União Soviética, que só caíam sobre nossas cabeças.

   Com a contribuição decisiva e generosa da sua querida mãe, Dona Dolores, quase camarada, ali se davam as articulações e reuniões do núcleo duro da resistência ao reformismo e ao liquidacionismo: recebíamos camaradas e amigos, entre os quais Álvaro Cunhal, Miguel Urbano Rodrigues, dirigentes do PC cubano e de outros partidos irmãos, muitas vezes com a presença querida e inestimável do saudoso Horácio Macedo. Para quem não sabe, Zuleide é uma verdadeira dama, uma elegante anfitriã que se preocupa com os mínimos detalhes.

   O escritório da sua ainda atual residência funcionou como a sede do secretariado político e de organização da resistência e, depois do “racha”, da direção do PCB que comandou a reconstrução. O escritório ainda é o mesmo, como uma espécie de museu de parte da história do PCB. Estão lá, quase intactos, sua mesa de trabalho, o fax, o telefone, os símbolos soviéticos, as imagens de Lenin, a biblioteca, os arquivos e uma histórica máquina de escrever IBM 82, em que, além de redigir fluentemente, ela datilografava com maestria panfletos, atas, correspondências, circulares, o que fosse necessário. E ainda ia para as ruas agitar e panfletar. Zuleide carregava e tocava o piano!

   Não era só no trabalho intelectual e de organização que ela se superava. Na luta em defesa do PCB e em sua reconstrução, foi a mais eficiente na captação de finanças, agitação e propaganda, no contato com simpatizantes, nas relações internacionais, na formação política e ideológica da militância, sobretudo da juventude. Foi Presidente Nacional (¹) do PCB por mais de dez anos, a partir de 1985, sucedendo o camarada Horácio Macedo, por razões de saúde.

Ivan Pinheiro e Zuleide
   

   Embora sempre muito afinados nas questões estratégicas e ideológicas, eu e Zuleide tivemos algumas divergências na tática, em discussões reservadas ou no âmbito do Comitê Central e de Congressos partidários. Nenhuma delas afetou o carinho, o respeito e a confiança que sempre marcaram nossa relação. Na formação de minha consciência política e ideológica, a revolucionária Zuleide Faria de Melo foi uma das principais referências.

domingo, 3 de janeiro de 2021

Carta aos Comunistas*

1980


Luiz Carlos Prestes (Porto Alegre, 3 de janeiro de 1898 – Rio de Janeiro, 7 de março de 1990)

(...) Na verdade, a justa preocupação da maioria dos comunistas com a unidade do PCB vem sendo utilizada pela atual direção como um biombo para tentar ocultar a falta de princípios reinante nessa direção, o apego aos cargos e postos, o oportunismo dos que mudam de posição política para atender a interesses pessoais, a tradicional conciliação em torno de formulações genéricas que nada definem e que visam apenas a manutenção do status quo, deixando, ao mesmo tempo, as mãos livres para que cada dirigente faça o que bem entenda. Citarei apenas um exemplo: o mesmo Comitê Central que em outubro de 1978 aprovara e distribuíra ao Partido um documento político, contra o qual votaram apenas dois membros da direção, poucos meses depois, no começo de 1979, se propunha a aprovar um novo documento com orientação política oposta ao primeiro, sem antes ter feito um balanço da aplicação e dos resultados obtidos com a política apresentada em outubro de 78. O meu repúdio, na qualidade de Secretário Geral do PCB, a tal tipo de procedimento levou a que a maioria do CC, revelando mais uma vez sua verdadeira face oportunista e total falta de princípios, recuasse e se chegasse à aprovação de um documento de conciliação, anódino e inexpressivo, em maio do ano passado.

Luiz Carlos Prestes
   O oportunismo, o carreirismo e compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção, os métodos errados de condução da luta interna, que é transformada em encarniçada luta pessoal, em que as intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária adquiriram tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas. Não posso admitir que meu nome continue a ser usado para dar cobertura a uma falsa unidade, há muito inexistente. Reconhecendo que sou o principal responsável pela atual situação a que chegaram o PCB e sua direção, assumo a responsabilidade de denunciá-la a todos os companheiros, apelando para que tomem os destinos do movimento comunista em suas mãos.

   Quero lembrar ainda que, para cumprir o papel revolucionário de dirigir a classe operária e as massas trabalhadoras rumo ao socialismo, é necessário um partido revolucionário que baseado na luta pela aplicação de uma orientação política correta conquiste o lugar de vanguarda reconhecida da classe operária. Um partido operário pela sua composição e pela sua ideologia, em que a democracia interna, a direção coletiva e a unidade ideológica, política e orgânica seja uma realidade construída na luta. Somos obrigados a reconhecer que este não é o caso do PCB. Por isso mesmo, tornou-se imperioso para todos os comunistas tomar consciência da real situação existente e começar a reagir, formulando novos métodos de vida partidária realmente democráticos e efetivamente adequados às tarefas que a luta revolucionária coloca diante de nós; é necessário reagir às arbitrariedades e deformações que já atingem proporções alarmantes e dar início a um processo de discussão realmente democrático, que venha tornar possível a eleição, em todos os níveis partidários, de direções que realmente sejam a expressão democrática da vontade da maioria dos comunistas. É necessário lutar por um outro tipo de direção, inteiramente diferente da atual, com gente nova, com comunistas que efetivamente possuam as qualidades morais indispensáveis aos dirigentes de um partido revolucionário. Não é mais admissível a perpetuação da atual direção que está levando o PCB à falência em todos os terrenos.

   A convocação do VII Congresso do PCB, dentro dessa perspectiva, deve ser transformada no início de um processo de ampla discussão, por parte de todos os comunistas, não só das linhas gerais de nossa política, como de uma série de aspectos da atividade da direção. Esta é a oportunidade de cobrar da direção tudo que aconteceu nos últimos anos: a falta de preparação para enfrentar a repressão fascista e o consequente desmantelamento de todo o aparelho partidário; as prisões e os desaparecimentos de tantos companheiros e amigos; a ausência de democracia interna, o arbítrio, a falta de planejamento e controle das tarefas decididas; o comportamento dos dirigentes diante do inimigo de classe; a execução prática do chamado "desafio histórico" aprovado no VI Congresso e a falta de empenho em organizar o partido na classe operária; a atividade política da direção nas diferentes frentes de trabalho; a orientação política seguida na Voz Operária; e muitos outros aspectos do trabalho de direção.

   Considero imprescindível destacar que o VII Congresso só cumprirá um papel realmente renovador, tanto no que diz respeito à elaboração de uma orientação política correta e adequada às novas condições existentes no País e verdadeiramente representativa da vontade da maioria dos comunistas, como no que concerne à eleição de um novo tipo de direção à altura dessa nova orientação, se os debates preparatórios e todos os procedimentos de sua realização forem realmente democráticos. Não posso admitir, nem concordar com a volta ao "arrudismo", à utilização de métodos discricionários e autoritários na condução da luta interna, à manipulação dos debates, à rotulação das pessoas com as mais variadas etiquetas do tipo "esquerdista", "eurocomunista", "ortodoxo", "duro", etc. Não é admissível que se continue a usar de expedientes, como a nomeação de delegados a conferências partidárias, para as quais deveriam ser democraticamente eleitos pelas organizações a que pertencem.

   A democracia no processo de realização do VII Congresso precisa ser defendida com empenho por todos os comunistas. É necessário que todos – e em particular os dirigentes – falem abertamente o que pensam; devemos repudiar o comportamento dos que calam de público para falarem pelas costas ou transmitirem informações sigilosas à imprensa burguesa sem ter sequer a coragem de se identificar.

   Quero ainda dizer que tenho conhecimento do quanto estou sendo caluniado e atacado pelas costas. Isso é mais uma prova dos métodos falsos a que me referi acima. Devo deixar claro que, não obstante ser o primeiro a achar que, inclusive pela minha idade já avançada, deveria deixar a direção do PCB, só poderei concordar com a minha substituição num Congresso realmente democrático. Não aceitarei meu afastamento decidido por algum tipo de Congresso farsa, manipulado e antidemocrático, em que os próprios destinos do PCB e de nossa causa revolucionária corram perigo. 

(...) Nós, comunistas, não podemos abdicar de nossa condição de lutadores pelo socialismo, restringindo-nos à suposta "democracia" que nos querem impingir agora os governantes, nem às conquistas muito limitadas alcançadas pela atual "abertura", que na prática exclui as grandes massas populares. Não podemos concordar com uma situação que assegure liberdades apenas para as elites, em que a grande maioria da sociedade continua na miséria e sem a garantia dos mais elementares direitos humanos.

(...) É importante ainda chamar a atenção dos comunistas para o fato de nas fileiras do PCB ter-se convertido a luta justa contra os desvios "esquerdistas" e "golpistas" numa obsessão quase cega, que nos tem levado frequentemente a identificar qualquer atitude ou posição combativa pelas causas justas dos trabalhadores com um suposto "esquerdismo" ou "golpismo".

(...) No que diz respeito ao PCB, sou de opinião de que, tendo sido correto combater os desvios "esquerdistas" e "golpistas", após o golpe de 1964, caímos do outro lado, em posições próximas do reboquismo e da passividade. Devemos reconhecer, inclusive, que o PCB não teve a capacidade de apresentar uma alternativa (principalmente uma estratégia) correta de luta contra a ditadura, contribuindo, assim, para que muitos revolucionários honestos, particularmente os jovens que não queriam-se conformar com o arbítrio instaurado no País, enveredassem pelo caminho de ações individuais ou desligadas das massas e que só poderiam conduzir a sucessivas derrotas.

*Edição: Página 1917, trechos selecionados, grifos nossos.

Fonte: https://ceppes.org.br/biblioteca/biblioteca-marxista/luiz-carlos-prestes/carta-aos-comunistas



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