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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Estado e a Ditadura do Proletariado

Nos 103 anos da Revolução Bolchevique. 

Najeeb Amado*

 

     Reivindicar a Ditadura do Proletariado em 2020, provavelmente gera um certo descrédito ou sentimento de total anacronismo, dogmatismo ou sacralização da teoria marxista-leninista para quem lê este breve texto.

"Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária."


     No entanto, tentar demonstrar sua validade no século XXI, persegue uma intenção totalmente oposta, cujo objetivo é continuar aprendendo a criar, realizando o esforço de abordar a história do ponto de vista do materialismo e com o método dialético, buscando tirar lições de um dos os processos mais importantes da humanidade, como foi a Revolução Bolchevique e contribuindo para o saudável debate tão necessário para ajustar nossas organizações à medida das exigências da atualidade.

    A chamada nova esquerda e vários progressismos, cavalgaram sobre os erros do chamado “socialismo real”, quando não no emaranhado de meias verdades e falácias que os “tanques do pensamento” hegemônico se encarregaram de disseminar por todo o mundo, através dos seus múltiplos aparatos ideológicos, atordoando as massas trabalhadoras para manietá-las e lograr que concentrem sua repulsa nas deficiências das primeiras experiências de Poder Operário, com maior força do que nas misérias inerentes ao metabolismo social do capital e a mesquinha na mesquinha liderança dos patrões.

     Diz-se que um jornalista que estava na Rússia no alvorecer da revolução, quando questionado sobre os bolcheviques, disse que se tratava de um grupo de cientistas, conspiradores, agitadores e organizadores das massas.

    Foi isso e algumas coisas mais. Os bolcheviques souberam fundir a tradição operária revolucionária de Marx com o conspirativismo radical dos "narodniki" (os populistas revolucionários russos do século XIX), para enfrentar o czarismo e enganar a Okhrana russa (a polícia secreta do czarismo).

    Lenin, como militante revolucionário e líder da Revolução de Outubro, conseguiu compreender o processo de transição para o capitalismo monopolista, ou seja, para o imperialismo, e a necessidade de desenhar uma estratégia revolucionária de caráter socialista, atendendo ao processo progressivo de subordinação das capitais locais aos monopólios dos países capitalistas centrais.

    Em conversações sobre o Partido de Novo Tipo, com o professor Jorge Beinstein, chegamos a identificar algumas questões que quero compartilhar, a respeito da complexa organização de organizações que os bolcheviques conseguiram desenvolver para organizar a revolução.

     Ter profundas raízes russas era um dos elementos, sobre tudo o conspirativismo narodnik, além, é claro, do alcance universal do projeto emancipador. A organização celular compartimentada resultou altamente eficaz no confronto com a Okhrana. Envolvia, entre outras coisas:

1º: Uma organização clandestina totalmente autónoma quanto às margens legais ou institucionais, da quais às vezes se aproveitou, mas às quais nunca se “adaptou”.

2º: Uma organização cujo objetivo era a derrubada revolucionária do regime, ou seja, a destruição do Estado vigente e não sua conquista ou penetração, nem sua reforma.

3º: Uma organização que via a sociedade russa como se fosse um campo de batalha, tratando de desestabilizar, isolar e finalmente quebrar o inimigo, desencadeando uma ofensiva insurrecional das massas populares com o eixo na classe trabalhadora industrial, sobretudo - mas não só - de Petrogrado.

4º: Uma organização que buscava a insurreição das massas como elas eram e como eventualmente poderiam evoluir no processo de luta. Eles não pensavam em "massas" idealizadas pelo manual, nem subestimadas como fazem os politiqueiros pseudo-realistas.

     A essência da revolução bolchevique é a estratégia revolucionária de acordo com o tempo e a organização geral do inimigo, enfatizando a capacidade repressiva, antecipatória e destrutiva do mesmo, atendendo à necessidade de disputar o poder para derrubar a classe hegemônica que o dita suas normas organizativas a partir das posições de dominação.

     Esta estratégia revolucionária baseia-se na correta caracterização do modo de produção e sua projeção. Nesse caso, como já mencionei, está relacionado às motivações da Primeira Guerra Mundial, relacionadas à inevitável expansão do capitalismo e sua passagem para a fase monopolista, imperialista.

    Assim, a necessidade de uma aliança social operário-camponesa estava intimamente ligada ao desenvolvimento do capitalismo em geral e da Rússia czarista em particular.

     Há documentos da Okhrana que dão conta de informes policiais referindo que, há meses da revolução, em 1917, a polícia secreta identificava os bolcheviques como um grupo minoritário, mas com uma organização e disposição de combate fortemente temperada no desenvolvimento do fator subjetivo revolucionário. 

     Porém, com clareza estratégica e outros atributos, em 1917, os bolcheviques lideraram a revolução que deu início à primeira experiência de um Estado operário que, sem referência anterior, sem ter espelhos onde olhar-se, se lançou genuinamente a construir a ditadura do proletariado projetando progressivas revoluções em escala mundial para enterrar as ditaduras dos patrões e construir o que o comandante Fidel Castro chamou de a verdadeira história da civilização humana, superando a pré-história marcada pela exploração dos seres humanos.

     E em grande parte da experiência de construção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o socialismo com o planejamento central da economia demonstrou sua superioridade sobre o modo de produção capitalista. De fato, na grande crise capitalista de 1929, a URSS continuou a crescer e a superar as injustas limitações impostas pela lei do valor do capitalismo, emancipando as mulheres e criando condições para que as filhas e filhos da classe trabalhadora pudessem desenvolver seus talentos. Assim a URSS teve grandes cientistas, artistas, atletas, uma diversidade de profissões qualificadas e garantias de desenvolvimento para o conjunto da população em termos de habitação, trabalho, educação, saúde, transporte, alimentação, vestuário e lazer.

     Claro que teve problemas, desde as limitações da falta de experiência que marca o ritmo do desenvolvimento teórico do socialismo-comunismo, tendo em conta a preeminência da experimentação por não haver referência prévia, até as fragilidades próprias da condição humana envolta na hegemonia cultural capitalista, ou na provocação permanente e ataques diretos, guerras civis (que geraram perdas quantitativas e qualitativas significativas de quadros revolucionários), bem como o fato de ser um dos cenários da Segunda Guerra Mundial com milhões de soldados mortos (incluindo grandes quadros políticos), ao que podemos acrescentar a morte prematura do camarada Lênin, em 1924.

     Neste quadro, a reforma constitucional de 1936, embora necessária para reorganizar o processo produtivo - com a sua consequente expressão política - em resposta a emergência do nazi-fascismo e ao iminente confronto bélico, acabou por instalar uma ordem que foi reduzindo a força do Poder Operário dos Sovietes. Ou a decisão de liquidar a Terceira Internacional em 1943 sem levar a cabo um processo de crítica e autocrítica que permita superar os limites e erros que nela se reproduziam, reduzindo força ao essencial e estratégico conteúdo internacionalista da revolução socialista em a face do avanço do imperialismo e da cosmovisão burguesa no mundo capitalista. Também podemos localizar as limitações que impediram uma revisão e reforço do sistema de planejamento central da economia, e introduziram lógicas produtivas que incluíam, de volta, a lei do valor nos processos produtivos.

     É claro que, à luz do tempo e da revisão dos processos históricos, podemos fazer críticas ao desenvolvimento do socialismo na URSS, sem deixar de levar em conta seu caráter inédito e todas as condições que surgiram em seu desenvolvimento.

     Hoje, 103 anos depois dessa criação revolucionária, construir a organização das organizações como um Partido Novo Tipo, com os atributos revolucionários apropriados à capacidade do inimigo de classe, se constitui numa incontornável necessidade daqueles que lutam pela liberação plena das capacidades de todas as pessoas.

     E, neste quadro, a necessidade de construir um Estado à imagem e semelhança da aliança social operária, camponesa e popular, com uma proposta contemporânea de planificação central da economia capaz de dar conta do grande potencial de auto-organização que os povos têm, assumindo com altivez e com orgulho a instalação da ditadura revolucionária do proletariado, para levar a diante a transição do socialismo ao comunismo, desafia-nos em termos de debate e práxis transformadora que reivindica o marxismo-leninismo e a necessidade-possibilidade de construir o socialismo- comunismo.

     Neste esforço, cuja síntese é a prática revolucionária, a paciente e firme explicação da ditadura do proletariado como expressão do domínio da classe trabalhadora sobre as minorias exploradoras, é de grande importância na formação do fator subjetivo para o combate transformador. Por exemplo, o capitalismo se sustenta pela ditadura dos patrões. Esta ditadura pode ter uma organização política democrático-burguesa, ou na forma de um regime autoritário, fascista, ditatorial. Da mesma forma, a ditadura do proletariado, sendo a expressão do domínio da maioria trabalhadora da cidade e do campo, será essencialmente democrática.

     A destruição do Estado burguês neste século XXI e a instalação da ditadura revolucionária do proletariado, assumindo as lições da história e ajustadas a estes tempos, continuam a ter a imponente vigência que o desenvolvimento do capitalismo e a sua possibilidade efetiva de superação humanista nos exigem, assim como, a estratégia revolucionária capaz de superar o capitalismo deve conjugar os aspectos comuns que a luta à escala mundial nos exige, com a criação heroica cujas particularidades brotarão do talento ao ritmo dos povos e da sua condições históricas. E me refiro a cada povo concreto, não aos povos dos "manuais".

* Secretário-Geral do Comitê Central do Partido Comunista Paraguaio, membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai (SEPPY) e da Sociedade de Economia Política Latino-Americana (SEPLA).

Edição: Página 1917.

 

 


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