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quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

A “Transição Longa” ou a Reabilitação do Reformismo

Francisco Martins Rodrigues

Novembro/1998 

A propósito das opiniões de Samir Amin

Transição longa ou capitalismo eterno?


Na entrevista que publicamos no número anterior desta revista, Samir Amin deduz do fracasso das revoluções na União Soviética e na China que o mundo caminha para uma “transição longa” do capitalismo ao socialismo, durante a qual os fatores de mudança social ganharão gradualmente preponderância no seio das instituições, segundo uma via muito diferente da daquelas revoluções.

Não pretendendo colocar em causa o conjunto dos pontos de vista de Samir Amin, justamente prestigiado pela sua longa militância anti-imperialista, parece-me necessário contudo comentar as ideias que desenvolveu na entrevista referida.

Em si, a ideia de que será necessário um período relativamente longo (um, dois séculos ou até mais) para passar do capitalismo ao socialismo presta-se a muita discussão, dada a rapidez com que o capitalismo processa a sua marcha para a catástrofe global. Mas é uma hipótese que não pode ser excluída e nem sequer é o que mais importa para os que lutam pela revolução social.

Muito mais contestável é, a meu ver, a perspectiva que Amin associa a este conceito de “transição longa” e que desenvolveu na citada entrevista. Diz ele que o socialismo pode desenvolver-se no seio do capitalismo, através de “um conflito permanente entre a lógica da acumulação do capital e lógicas não capitalistas, anticapitalistas, lógicas sociais, culturais, mais ou menos totais, mais ou menos parciais, mais ou menos radicais de recusa da alienação mercantil…”. E mais explicitamente: “Ponho em causa a convicção de que o socialismo não se pode desenvolver no seio do capitalismo, de que é preciso previamente tomar o poder”.

Eis uma afirmação assombrosa, partindo de quem parte. A nós parece-nos indiscutível, pelo contrário, que o socialismo não pode desenvolver-se no seio do capitalismo, justamente porque é a sua negação. O capitalismo pôde desenvolver-se no seio da sociedade feudal, invadir gradualmente as instituições e o aparelho de Estado, ao longo de séculos, antes de tomar o poder, porque era uma forma de exploração moderna em competição com uma outra arcaica (a servidão). Mas como poderia o socialismo, supressão do trabalho assalariado e da propriedade privada, conviver numa mesma sociedade com o capitalismo? Basta colocarmos a hipótese para nos apercebermos do seu absurdo.

Demais, quando se conhece o caráter totalitário das relações capitalistas, que invadem todos os recantos da vida social e aniquilam ou assimilam qualquer outro tipo de relações (tenha-se em vista a experiência das cooperativas), só pode causar-nos estupefação este ponto de vista de Samir Amin. É como se recuássemos 150 anos e voltássemos ao tempo dos socialismos utópicos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Das Disputas Interburguesas à Luta de Classes

 Por Editorial Ande 

Há pouco mais de dois anos, em 15 de novembro de 2020, as lutas interburguesas fechavam um ciclo. Com a destituição do governo de Manuel Merino, que acabava de substituir Martín Vizcarra, os representantes políticos da burguesia no Estado restabeleceram a ordem da capital. Os mártires deste processo, assassinados pela polícia, foram Inti Sotelo (24 anos) e Jack Pintado (22 anos). Francisco Sagasti tomou o poder e trouxe tranquilidade à burguesia peruana. Instantaneamente, as lutas do proletariado do setor agroexportador estouraram nas regiões de Ica e La Libertad. A CONFIEP emitiu um comunicado em 30 de novembro que dizia: "o protesto deve ser pacífico e não afetar o estado de direito". Sagasti cumpriu sua função como representante da grande burguesia: implantou a repressão policial. Reynaldo Reyes Ulloa (28 anos) foi assassinado em Virú pelo suboficial Víctor Bueno, com um tiro na cabeça. Jorge Yener Muñoz Jiménez (20 anos) foi assassinado pelo suboficial superior José Hoyos Agip. Kauner Niller Rodríguez De la Cruz (16 anos) também foi vítima do ataque policial. O papel de Sagasti foi claro: proteger os interesses do grande capital agroexportador. As estradas foram liberadas para que a mercadoria circulasse, os trabalhadores voltaram a ser explorados nas fazendas de produção. A ordem do capital impôs-se a sangue e fogo, a liberdade de compra e venda e a acumulação de capital prevaleceram sobre a vida dos trabalhadores e, com isso, continuaram as disputas interburguesas.


O presente é análogo, mas se reconfigura de maneira muito distinta. A mudança fundamental é a radicalização da luta dos trabalhadores contra os representantes da grande burguesia peruana: o Estado. Agora os trabalhadores não reconhecem este governo e declaram, com razão, em insurgência. Como uma chama num campo, a luta incendiou todos os cantos do Peru. As rodovias Panamericana Sur em La Joya e em Ica foram fechadas quase permanentemente nestes dias de combate, isso ocorreu de forma mais intermitente em Majes.

Na quinta-feira, dia 8, a cidade de Canchis, em Cusco, não reconheceu o governo e declarou uma insurreição popular. Em Cajamarca e Cusco, as praças de armas foram ocupadas por milhares de trabalhadores, situação que se repetiu em várias regiões do país nos dias seguintes. A CURROCAP (Central Única Regional de Rondas Campesinas de Puno) e a CUNARC (Central Única Nacional de Rondas Campesinas) se declararam em mobilização. Na sexta-feira, 9, Espinar pediu a dissolução do Congresso e a renúncia do governo, que não reconheceram; Nesse mesmo dia houve protestos em Chumbivilcas, Arequipa, Alto Siguas, Huaraz, Huánuco e Huancavelica e outras cidades. No sábado, dia 10, Apurímac declarou insurgência e convocou greve para segunda-feira, dia 12. A Convenção, em Cusco e Ilave, em Puno, também anunciou greve por tempo indeterminado para o mesmo dia. Hoje, domingo 11, a rodovia nacional que liga as regiões de Ayacucho e Andahuaylas acordou bloqueada. A rodovia do distrito de Chicmo, setor Moyabamba Baja, também está bloqueada.

Por sua vez, o Centro Populacional Secocha  se dirigiu para o distrito de Ocoña, em Arequipa, para bloquear estradas. A FENATE (Federação Nacional de Trabalhadores em Educação do Peru) anunciou uma greve nacional para 15 de dezembro. Em Chanchamayo, comunidade localizada na Selva Central, foi anunciado o bloqueio da ponte Pichanaki e a convocação de 5.000 moradores para marchar até Lima. Em Azangaro, Puno, reservistas das Forças Armadas se juntaram aos protestos dos moradores. Em Yuramayo, Arequipa, trabalhadores fecharam o túnel Vitor.

Além disso, nestes quatro dias (de 8 a 11) um número considerável de comitês de luta, organizações de base, sindicatos, etc. aderiram à luta. Por que está ocorrendo a radicalização do protesto popular? Uma explicação fundamental encontra-se no agravamento da crise do capital, suas expressões na escalada militar mundial e sua manifestação mais clara na guerra russo-ucraniana, que levou ao aumento dos preços globalmente, tornando mais precária a vida de milhões de trabalhadores no mundo. O Estado pouco fez para neutralizar os impactos desses choques externos sobre as famílias trabalhadoras, seu papel tendeu a ser o de salvaguardar os interesses burgueses, enquanto a crise foi lançada diretamente sobre os ombros dos trabalhadores, que sofrem diariamente com o aumento dos preços, a escassez de materiais para a produção agrícola (como fertilizantes), o alto preço do combustível, etc. Problemas que, somados às secas violentas (SENAMHI) e ao surto de Covid-19, agravam a condição do campesinato e encarecem os alimentos.

Piquetes, bloqueios de estradas e marchas são as respostas legítimas e espontâneas da classe trabalhadora ao reposicionamento dos partidos burgueses que dirigem o Estado. As lutas, até agora, podem ser divididas de acordo com sua composição e objetivos principais: enquanto em Lima é formada por grupos de esquerda, organizações tradicionais, coordenadores, etc., e pouquíssima base operária, nas demais regiões a composição é majoritariamente trabalhadores autoconvocados. Enquanto em Lima prevalece como palavra de ordem a libertação de Pedro Castillo, nas províncias prevalece o fechamento do Congresso; ambos concordam com a renúncia do Executivo, as novas eleições e o pedido de mudança da Constituição.

Nas regiões radicalizadas da serra sul, se evidencia uma crítica mais além do mero ato de reivindicação do governo anterior, o qual é acusado de traidor. As razões são claras, Castillo não representava a classe trabalhadora, mas sim a uma burguesia nacional emergente. Nesse sentido, o grosso das lutas lideradas pelos trabalhadores autoconvocados se mobiliza contra o decadente pacto intercapitalista que mantém a oportunista Dina Boluarte na presidência. Tal luta marca uma mudança no cenário político peruano: passamos das disputas interburguesas para a luta de classes. Embora ainda apareça como uma manifestação concreta incipiente da contradição capital-trabalho, os trabalhadores começam a tomar medidas para lutar contra os representantes da classe capitalista no Estado. Também, é verdade que ainda é uma mobilização contra uma fração dos representantes dos capitalistas, e que as principais palavras de ordem se restringem a mudanças democratizantes. Conscientes disso, não subestimamos o poder dessas ações, pois podem levar a um processo de radicalização que permita à classe intervir defendendo seus interesses históricos contra a ordem do capital. Já está mencionado nas palavras de ordem que o Congresso representa apenas a CONFIEP, órgão máximo de organização da grande burguesia peruana.

Eles também ameaçam tomar os corredores de mineração do sul, que são atualmente os maiores e mais importantes do Peru. Além disso, eles chamaram a parar a produção em Las Bambas, Compañía Minera Antapaccay, etc., além disso, eles começam a direcionar suas ações contra corporações peruanas como CORPAC  no Aeroporto de Andahuaylas.

É provável que amanhã, segunda-feira, 12 de dezembro, as lutas se tornem muito mais radicais. Um grande número de trabalhadores se autoconvocou em todas as regiões do Peru, aumentando as expectativas. Os trabalhadores de Andahuaylas não puderam esperar mais e se tornaram o centro e o exemplo da luta nacional. Desde o dia 10, pelo menos 5.000 trabalhadores fizeram sentir sua força e sua insatisfação com a ordem dominante; a tarde, os trabalhadores de Huancabamba ocuparam o aeroporto de Andahuaylas. Um avião das Forças Armadas chegou de Lima com mais contingentes militares. Hoje, 11 de dezembro, descem helicópteros cheios de contingentes policiais para continuar reprimindo e salvaguardando os interesses capitalistas. Em consequência, a morte de David Arequipa Quispe (15 anos) com uma bala alojada na cabeça e de Atoche Bekam Romário Quispe Garfias (18 anos) como resultado do impacto de uma bomba de gás lacrimogêneo na cabeça. A forma como o capital faz prevalecer sua ordem demonstra o desprezo vil que seus representantes têm pela classe trabalhadora.

A radicalização do protesto nesta província pode ser explicada por sua forte tradição de luta pela terra no século XX e por representar a situação geral de crise e empobrecimento da população camponesa. Enquanto, do lado político, temos a rejeição das instituições corruptas, a centralização de Lima e o racismo generalizado, aspectos mais midiáticos. Do lado econômico, fator essencial, encontramos uma província que é o grande centro de abastecimento agrícola e uma importante área comercial da região de Apurima. Os trabalhadores camponeses e comerciantes sofrem os estragos da alta geral de preços causada pela crise capitalista e pela guerra; a produção agrícola tornou-se insustentável devido ao aumento de fertilizantes, enquanto a dinâmica comercial desacelerou pela própria precariedade dos trabalhadores, que sofreram demissões e nenhum reajuste salarial. Por seu lado, a grande exploração mineira na região de Apurímac em nada contribui para o seu desenvolvimento, pois não representa um fator determinante de emprego, pelo contrário, com a tão elogiada mineração em grande escala, os níveis de pobreza aumentaram. A maior parte da população trabalhadora de Apurima (70%) continua trabalhando como autônomo ou dentro da pequena atividade agrícola, são eles que mantêm uma renda de 816 e 714 soles, respectivamente, salários que não chegam para cobrir o mínimo para sua sobrevivência. Esta é uma figura que se repete em outras regiões baluartes da penetração imperialista saqueando nossos recursos. Mais miséria para o povo a custa da exploração dos trabalhadores e da devastação da natureza.

Enquanto a luta se radicalizava, os parlamentares se reuniram em seus confortáveis ​​assentos hoje às 18h. Longe de dar atenção às lutas, os representantes do capital manifestam seu desprezo pela classe trabalhadora convocando a imposição violenta da ordem democrática burguesa. Esdras Medina Minaya, congressista de Somos Perú, destaca que: "A culpa é de Castillo, ele cometeu o crime de rebelião que foi flagrante". Gladys Echaiz, deputada da Renovação Popular, é mais intransigente: “[...] Eles nos chamam de golpistas como se tivéssemos feito isso. […] Há terroristas lá fora”. Juan Bartolome Burgos Oliveros, sem partido, disse: "manifestações violentas típicas de bandas de militantes de Pedro Castillo." A laia desses políticos só enfurece mais o clamor das lutas. Enquanto isso, uma das mídias mais reacionárias, conclama a polícia para disparar na cabeça dos manifestantes.

Por outro lado, no sábado, dia 10, a não reconhecida presidente Dina Boluarte evidenciou o pacto interburguês na posse de seu ministério; chama a atenção a eleição de Pedro Angulo Arana como primeiro-ministro, personagem ligado à máfia do Colarinho Branco e ex-candidato à presidência pelo partido liberal Contigo, além de ser denunciado por assédio sexual.

Se o verdadeiro gatilho da mobilização proletária é o descontentamento com a decadência burguesa e o agravamento da crise (em suas dimensões políticas e econômicas), a solução não pode passar por mudanças dentro do sistema. As palavras de ordem que pedem o fechamento do Congresso e a convocação de novas eleições só podem dar uma pausa em um processo corrosivo que só pode tender a mais miséria. O mesmo vale para outras medidas aparentemente radicais. Nem os partidários da Assembleia Constituinte, nem o pseudo-radicalismo etnocacerista se propõem a questionar as relações sociais de produção e de dominação do capital, que estão na origem da miséria que nos aflige. E mais, limitando as lutas às reivindicações institucionalistas, servem de freio a alguma proposta mais radical da classe trabalhadora.

Diante de um problema que finca suas raízes no sistema, só restam opções radicais: a própria emancipação dos trabalhadores. Apostamos na continuidade da mobilização dos proletários do campo e da cidade, bem como sua proposta de radicalizar seus métodos de luta. Já conhecemos os procedimentos repressivos do braço armado do Estado. Querer dialogar com eles só enfraquecerá as lutas empreendidas. Somente essas ações podem garantir e fazer frente a crise. O governo dos capitalistas (com Castillo ou sem ele) mostrou-se incapaz de resolver os problemas básicos dos trabalhadores: o aumento do custo de vida, a falta de fertilizantes ou o aumento dos preços dos combustíveis. Estes problemas cotidianos não se podem solucionar sem uma luta ferrenha contra os capitalistas que se servem da riqueza produzida pelos trabalhadores através do controle do Estado.

Nesse sentido, é urgente unificar as lutas de todos os setores explorados com uma agenda que vá além das disputas políticas interburguesas e das mudanças no pessoal que dirige o Estado. Organizar comitês que articulam locais de trabalho e bairros é fundamental, assim como reorientar as organizações já existentes nesse sentido. Frentes de defesa, associações e sindicatos de transportadores devem pautar seus interesses comuns acima das mudanças institucionais. Os proletariados com sua unidade e sua força podem organizar os destacamentos necessários para enfrentar a atual miséria institucional com novas formas de organizar a economia, a política e a cultura. Somente superando as limitações das consignas atuais a partir de uma prática radicalmente nova é que poderemos por um fim as constantes crises que afligem os trabalhadores desde que a república burguesa se constituiu.

Pela unidade da classe trabalhadora do campo e da cidade!

Viva a luta do proletariado em todo o país!

Abaixo as saídas burguesas para a crise política e econômica!

Edição: Página 1917

Fonte: https://www.editorialande.com/post/de-las-disputas-interburguesas-a-la-lucha-de-clases

domingo, 11 de dezembro de 2022

LANÇAMENTO DA REVISTA COMUNISTA INTERNACIONAL

Debate: “A conjuntura mundial e a transição de governo no Brasil”, com abertura de Ivan Pinheiro.

NESTA SEGUNDA FEIRA, 12 de dezembro, às 18 horas, no auditório da Associação Cultural José Marti.

Av. Treze de Maio, 23 (salas 1623/4) – Centro – Rio de Janeiro

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A expansão do levante popular contra a ditadura no poder, o mesquinho “Líder Supremo” do regime e outro novembro sangrento!

Partido Comunista do Irã (Tudeh)

19 de novembro de 2022 

Os gritos de “Morte ao Líder Supremo” e “Morte a Khamenei”, que foram ouvidos em todo o Irã nas últimas semanas, devem, sem dúvida, ser uma reminiscência dos gritos de “Morte ao Xá” que ressoaram em todo o Irã em 1977 e 1978, – [em um movimento] que eventualmente levou à derrubada da polícia do xá e do governo antipopular. Naquela época, assim como agora, os líderes do regime do xá e sua agência de inteligência SAVAK rotularam os muitos milhares daqueles que saíram às ruas para protestar contra a opressão e a injustiça – e que caíram sob as balas do regime – como “terroristas” “estrangeiros”. agentes” e “desordeiros”, mas eventualmente a tempestade de raiva de milhões de pessoas dominou o governo desonrado do xá e seu regime.


Crescem os protestos anti-governo no Irã


A semana passada marcou o terceiro aniversário do levante de novembro de 2019 e a repressão violenta desses protestos populares. Na sexta-feira, 15 de novembro daquele ano, uma série de protestos populares e antiteocráticos irrompeu em todo o Irã após outro súbito racionamento de gasolina no país, acompanhado por um aumento de 200% nos preços da gasolina. Esses protestos ocorreram principalmente em áreas da classe trabalhadora e favelas urbanas, e repercutiram em 29 [das 31 províncias do Irã] e centenas de cidades em todo o país. Centenas de pessoas foram mortas e feridas na repressão sangrenta do regime criminoso a esses protestos populares, com milhares de pessoas presas e jogadas nas masmorras do regime ou desaparecidas à força.

Nos últimos dias, em meio à onda de protestos populares em massa que entrou em sua décima semana, confrontos sangrentos e violentos ocorreram em vários campi universitários e cidades de todo o país – inclusive em Teerã, Shiraz, Arak, Ardabil, Marivan, Oshnavieh, Piranshahr , Malekan, Paveh, Sardasht, Kermanshah, Abadan, Mahabad, Bukan, Saqqez, Divandarreh e Khoy. Especialmente em Mahabad, os protestos foram recebidos com um ataque sangrento das forças da República Islâmica. A Rede de Direitos Humanos do Curdistão relatou a morte de 25 curdos durante o aniversário que marca os massacres de novembro de 2019 nos dias 15, 16 e 17 de novembro.

Milhares do aparato repressivo da República Islâmica foram mobilizados para atacar os manifestantes em Mahabad em um movimento coordenado, de acordo com vários relatos publicados nas redes sociais à medida que o evento se desenrolava. Tiros pesados ​​podiam ser ouvidos por toda a cidade. Relatórios iniciais [e filmagens] indicam que vários manifestantes foram mortos e feridos no ataque do regime contra civis em Mahabad e quedas de energia generalizadas foram causadas, afetando muitas áreas da cidade. [Todas as indicações apontam para uma resposta militar por parte do IRGC e outras forças do regime adotadas em Mahabad.]

Antes do ataque sangrento do regime contra o povo, realizado por seus mercenários repressores, Ali Khamenei, em seus últimos comentários, chamou os manifestantes de “mesquinhos” e afirmou que seus protestos não poderiam “prejudicar o regime”. No entanto, claramente temeroso com a potencial propagação dos protestos – especialmente a participação ativa da classe trabalhadora no movimento popular de protesto – ele acrescentou: “Até esta hora, o inimigo foi derrotado, mas o inimigo tem uma manobra todos os dias. E com a derrota de hoje, é possível [para se espalhar] para diferentes estratos da sociedade, como trabalhadores e mulheres - embora a dignidade de nossas honradas mulheres e trabalhadores seja tal que eles não irão capitular facilmente aos mal-intencionados e não ser enganado por eles.”

Antes de Khamenei fazer seus comentários, seu representante em Mashhad, Ahmad Alam al-Huda, reiterou a alegação do regime de um relacionamento entre os manifestantes e os EUA e afirmou que “o plano dos americanos em suas conspirações recentes é, por um lado, , matar o povo com assassinos e bandidos e, por outro lado, infectá-lo com prostitutas”. Ele acrescentou: “Aqueles que removem seus lenços de cabeça e revelam seu hijab para agradar aos EUA devem saber que os EUA os olham da mesma forma que fizeram com as prostitutas do golpe de estado de 19 de agosto [1953].” É claro que Alam al-Huda omite convenientemente a menção de que uma parte significativa do clero da época, incluindo os aiatolás Kashani e Behbahani, juntamente com Sha'ban Jafari [Sha'ban “Bi-mokh”;

Ali Khamenei nas suas declarações, que indicavam o desespero e inferioridade do regime, mais do que nunca, na repressão dos protestos populares em várias cidades do país, destacou essencialmente a maior preocupação do regime – nomeadamente a adesão dos trabalhadores e trabalhadoras a estes protestos. O regime tem plena consciência de que já enfrenta um grande número de mulheres e jovens que, parafraseando Marx e Engels, nada têm a perder a não ser suas correntes!

Protestos e greves de curto prazo, específicos da indústria e locais em áreas dependentes de mão-de-obra – como a greve de dois dias dos metalúrgicos de Esfahan e, antes disso, as greves de fome e protestos dos trabalhadores permanentes da indústria petrolífera do país – podem ser considerados sinais de um deslocamento da classe trabalhadora para um confronto decisivo com a ditadura, apesar de todas as dificuldades e riscos envolvidos. A ligação entre esses crescentes protestos trabalhistas e as possíveis greves de pequenas e médias empresas é uma das principais preocupações dos líderes do regime atualmente.

O ataque generalizado e sangrento do regime teocrático aos manifestantes nos últimos dias sem dúvida sublinha o esforço coordenado e organizado do regime para intensificar a repressão e silenciar, de uma vez por todas, os protestos populares que assolam o país. Com o início de alguns protestos trabalhistas em várias cidades; a solidariedade apaixonada dos iranianos residentes no exterior com a luta corajosa de seus compatriotas; bem como a adesão de outros grupos sociais, incluindo professores, trabalhadores da educação e aposentados [ao movimento]; há sinais positivos de um movimento em direção a uma greve geral nacional que poderia desempenhar um papel crucialmente importante na oposição ao plano do regime de reprimir sangrenta os protestos populares. Em 18 de novembro, o Conselho de Coordenação das Associações de Professores Iranianos (CCITTA) condenou veementemente o assassinato de pessoas inocentes – especialmente o de quatro estudantes inocentes, um trabalhador educacional aposentado em Saqqez e todos os que foram mortos na busca por “liberdade e igualdade” – e reiterou sua solidariedade com uma nova onda de greves de protesto de trabalhadores, estudantes, empresas, comerciantes de bazares e público em geral em todo o país. A CCITTA convocou todos os professores, atuais e aposentados, e seus alunos a fecharem as escolas no domingo, 20 de novembro e na segunda-feira, 21 de novembro, e se absterem de assistir às aulas, para comemorar as recentes – e de fato todas – vítimas do massacre [dos manifestantes ] nos últimos dois meses. e todos aqueles que lutam pela “liberdade e igualdade” – e reiterou sua solidariedade com uma nova onda de greves de protesto de trabalhadores, estudantes, empresas, bazares e público em geral em todo o país. A CCITTA convocou todos os professores, atuais e aposentados, e seus alunos a fecharem as escolas no domingo, 20 de novembro e na segunda-feira, 21 de novembro, e se absterem de assistir às aulas, para comemorar as recentes – e de fato todas – vítimas do massacre [dos manifestantes ] nos últimos dois meses. e todos aqueles que lutam pela “liberdade e igualdade” – e reiterou sua solidariedade com uma nova onda de greves de protesto de trabalhadores, estudantes, empresas, bazares e público em geral em todo o país. A CCITTA convocou todos os professores, atuais e aposentados, e seus alunos a fecharem as escolas no domingo, 20 de novembro e na segunda-feira, 21 de novembro, e se absterem de assistir às aulas, para comemorar as recentes – e de fato todas – vítimas do massacre [dos manifestantes ] nos últimos dois meses.

Enquanto isso, nas últimas semanas, o governo de Ebrahim Raisi continuou a implementar agressivamente um programa de liberalização econômica às custas dos interesses da maioria do povo iraniano comum. O resultado de tais programas – e, em geral, das políticas econômicas e sociais do regime teocrático – tem sido o crescimento maciço da taxa de inflação junto com uma lacuna cada vez maior entre as despesas [básicas de vida] e as rendas dos trabalhadores e todos aqueles que compõem a força de trabalho intelectual e manual do país. Além disso, a maioria das pequenas e médias empresas [no Irã] foram prejudicadas por essas políticas.

Ao condenar os crimes contínuos do regime teocrático contra as ondas de protestos de mulheres, jovens, trabalhadores e trabalhadores do país, o Partido Tudeh do Irã acredita que os estratos trabalhadores da nação, dos trabalhadores e outros trabalhadores ; a esmagadora maioria das mulheres de nossa pátria que foram alvo de opressão e humilhação por parte dos líderes do regime, e cujas vidas e destinos foram impostos pelas leis medievais desumanas e obsoletas do regime por décadas; assim como as fileiras de milhões de desempregados, geralmente compostas pela juventude sofredora do país, podem finalmente jogar o governo mais enfraquecido dos juristas islâmicos na lata de lixo da história - assim como fizeram com aquele de seus predecessores imperiais, e abrir caminho para o estabelecimento de um governo nacional e democrático. Ao lado de outras forças patrióticas e progressistas da pátria, o Partido Tudeh do Irã se posiciona com esta grande revolta popular e enfrentará, com todas as suas forças, quaisquer desígnios de intervenção externa e de imposição de alternativas reacionárias às exigidas pelo movimento popular de nossa nação.

O Partido Tudeh do Irã convoca todas as forças progressistas e defensoras da paz e da liberdade no mundo, especialmente os partidos comunistas e operários e defensores do socialismo, a declarar sua solidariedade com a luta do povo iraniano e apoiar seus objetivos legítimos enviando cartas de protesto às embaixadas do governo iraniano em todos os países, bem como aos chefes do judiciário, exigindo o fim dos ataques criminosos aos manifestantes, bem como apelando abertamente aos líderes e agentes do regime para libertar todos os presos nos últimos três meses de protestos.

Liberdade para todos os presos políticos, sindicais e de consciência!

Trabalhadores e trabalhadores do Irã, fortaleçam o levante popular por meio de uma ampla ação unida e organização de greves!

Avante para a ligação do movimento de protesto dos trabalhadores com as greves de pequenas e médias empresas, protestos estudantis e as lutas das mulheres unidas e determinadas do Irã!

Avante para a preparação e organização de greves trabalhistas e uma greve geral!

Avançamos para a construção de uma ampla frente anti-ditadura para estabelecer a liberdade, a paz, a independência, a justiça social e a instauração de uma república nacional e democrática!

 

domingo, 4 de dezembro de 2022

OUTROS SINTOMAS, A MESMA DOENÇA!

 Nota dos Editores: 

Em sua recente primeira entrevista coletiva à imprensa lusitana (em 15-11-2022), o novo Secretário Geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, fez um convite público à volta ao partido dos chamados “renovadores”, que no final do século passado foram excluídos do PCP, após uma crise na qual se debateram em luta interna contra os dirigentes tidos por eles como “ortodoxos”.

Na ocasião, o atual Secretário Geral declarou que “uma parte das pessoas que saíram do PCP, incluindo os chamados renovadores, faz cá muita falta porque as suas opiniões são válidas para construir um partido que nós queremos mais forte”.

O texto que aqui divulgamos (“Outros sintomas, a mesma doença!”), publicado de forma anônima no blog português “Que Fazer?”, em maio de 2019, é premonitório, ao analisar o processo de social-democratização do PCP então em curso. Ei-lo: 


“Os militantes que ousam dar uma opinião franca divergente da cartilha oficial, são ostracizados e perseguidos através de métodos eticamente condenáveis”.

 

“Os militantes e quadros assim educados reproduzem no Partido a hierarquia da sociedade, vendo os dirigentes como chefes e vendo-se a si mesmos como os que têm de obedecer ao “chefe”, independentemente de estarem ou não de acordo com ele e sem discussão, esperando com isso “cair nas suas boas graças”.



A política de quadros, a par da linha política, é a pedra de toque de um partido revolucionário. Sabemos pela história do nosso próprio Partido e pela história de outros partidos comunistas que, se existe uma linha política desviada, logo se instalam métodos e estilos de trabalho erróneos. Assim aconteceu com o desvio de direita que precedeu o VI Congresso do Partido (1965), que corrigiu ambos. Os métodos de trabalho eram liberais e introduziam perigos que facilitavam a ação da polícia política, enquanto a linha política defendia uma rutura pacífica com o fascismo. 

Hoje, os desvios dos métodos e estilos de trabalho assumem características um pouco diferentes: existem métodos antidemocráticos misturados com liberalismo, ao mesmo tempo que se defende uma passagem pacífica, etapista, do capitalismo para o socialismo. 

O camarada Álvaro Cunhal, no seu livro O Partido com paredes de vidro, define o que é um quadro do Partido, noção bastante ampla, que abrange não só os dirigentes e funcionários do Partido como todos os militantes que assumem uma tarefa e a desenvolvem com regularidade. Todos os militantes que conviveram com aquela geração de homens e mulheres que entregaram a sua vida à causa do socialismo e, consequentemente, à luta contra o fascismo, aprenderam com eles como deve ser um militante, um quadro, um dirigente (a qualquer nível). 

Os militantes, mesmo os desconhecedores do que era o Partido, era dentro dele que aprendiam. Como? Nas reuniões e na prática das tarefas. Nas reuniões discutia-se a situação política numa perspetiva materialista, marxista-leninista, o que proporcionava que o militante nunca perdesse a perspetiva da luta pelo socialismo, consolidasse a sua confiança nessa causa e elevasse o seu nível político e ideológico, mesmo que nunca tivesse lido as obras dos clássicos. 

Não se perdia o norte quanto ao momento político que se enfrentava e o ponto para que se dirigia a ação, isto é, discutia-se constantemente a tática e a estratégia do Partido. Quando se sofria revezes ou derrotas, a força do coletivo e a perspetiva da vitória final dos trabalhadores dava força e ânimo para a continuação da luta. Quando se tratava de resultados eleitorais insatisfatórios, nenhum comunista se desanimava, porque se sabia que não era a via eleitoral que conduzia ao socialismo. Quando uma luta não era vitoriosa, sabia-se que muitas lutas estariam por vir e havia força para as continuar. 

A prática e a execução das tarefas, quaisquer que fossem, enriqueciam e formavam os militantes. Um camarada tanto podia colar um cartaz, sabendo em que processo de luta esse ato se inscrevia, como redigir um complexo documento para uma assembleia de organização, ou montar estruturas na Festa do Avante.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Sobre o debate ideológico-político no 22º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e o "truque" da posição "anti-russa" e "pró-russa"

Eliseos Vagenas

Membro do CC do KKE,

Diretor da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE

       Prossegue o debate sobre os resultados do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários em Havana.

Algumas forças, e inclusive jornais burgueses, buscaram interpretar os resultados do Encontro Internacional dos Partidos Comunistas sob seu próprio prisma. Assim, o jornal russo “Nezavisimaya Gazeta” falou de uma “ruptura no movimento de esquerda internacional” em Havana, devido à “operação militar especial” russa, como a mídia russa chama a guerra na Ucrânia. A primeira coisa que se nota é a evidente pressa do referido jornal em substituir até mesmo o título do “Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários” (EIPCO) pelo título incolor e insípido “movimento de esquerda internacional”.

No entanto, na realidade, o periódico burguês russo “está empurrando portas abertas”, pois como o KKE destacou várias vezes, no movimento comunista internacional (MCI) se desenvolve um duro confronto ideológico-político sobre várias questões importantes. Já temos falado da crise político-ideológica nas fileiras do MCI, assim como da necessidade de seu reagrupamento revolucionário.

O debate no seu interior, como o KKE já mostrou várias vezes, tem muitas dimensões, por exemplo:

Entre os partidos que se posicionam a favor da diluição dos partidos comunistas em “alianças de esquerda progressista mais amplas” e os partidos que lutam pela preservação da independência político-ideológica dos partidos comunistas e pelo fortalecimento de seus vínculos com a classe trabalhadora e as camadas populares.

Entre os partidos que permanecem atrelados à antiga estratégia das “etapas para o socialismo” e apoiam a participação em governos burgueses de “esquerda”, “antineoliberal”, “progressista”, “centro-direita” no terreno do capitalismo, e os partidos que rejeitaram a participação nos governos burgueses e a lógica das etapas e lutam para derrubar a barbárie capitalista.

Entre os partidos que identificam o imperialismo exclusivamente com os EUA ou mesmo com alguns países capitalistas fortes da Europa, ou com uma política externa agressiva, e os partidos que sustentam a percepção leninista de que o imperialismo é o capitalismo monopolista, a fase superior e última desse sistema de exploração.

Entre os partidos que consideram que a luta pela paz está indissociavelmente ligada a um “mundo multipolar” que supostamente “domará” os EUA, difundindo ilusões sobre uma “arquitetura internacional para a paz” cultivada por social-democratas e oportunistas, e, por outro lado, aqueles partidos que acreditam que o mundo capitalista não pode ser “democratizado”, não pode acabar com as guerras, por mais “polos” que tenha e é imprescindível intensificar a luta pela derrubada do capitalismo, pela construção da nova sociedade socialista.

Entre os partidos que consideram a China como um país que "está construindo o socialismo com características chinesas" e os partidos que consideram que o socialismo tem princípios e que na China esses princípios foram violados e já predominam as relações capitalistas de produção, que é um país do mundo capitalista contemporâneo, que é um país que compete com os EUA ameaçando sua supremacia no sistema imperialista.

Poderíamos mencionar outros temas graves em torno das quais se desenvolve um forte debate ideológico no EIPCO, entre os quais, após a inaceitável invasão russa na Ucrânia, a questão da guerra imperialista na Ucrânia foi adicionada. Portanto, o “ouro” do “Nezavisimaya Gazeta” de que acaba de haver uma “ruptura no movimento de esquerda internacional”, tem se mostrado apenas “carvão”. Quanto à posição dos partidos que se autodenominam de "esquerda", deve-se destacar que apenas o SYRIZA de "esquerda" votou no Parlamento Europeu juntamente com o direitista ND e o social-democrata PASOK a favor da formação de um "mecanismo de ajuda militar para a Ucrânia” da mesma forma que havia apoiado anteriormente a expansão das bases dos EUA-OTAN na Grécia, ou a adesão de novos países à OTAN, questões em que o KKE votou contra.

O que aconteceu em Havana?

Nos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas, busca-se chegar a posições comuns que se expressam através da aprovação do “Documento Final”, quando isso é possível. No entanto, este documento é fruto de um debate e de uma confluência de opiniões, mas quem ler este documento específico do 22ª EIPCO (ver http://www.solidnet.org/article/22nd-IMCWP-Final- Declaração-do-22º-Encontro-Internacional-dos-Partidos-Comunistas-e-Trabalhadores/) perceberá que nele não há análises problemáticas sobre as “etapas”, de apoio a “governos de esquerda e progressistas”, de “luta contra o neoliberalismo” que encubra a luta contra o capitalismo, sobre um “mundo multipolar” etc., mas, ao contrário, promove-se a linha comum de luta dos partidos comunistas contra o capitalismo, em apoio às lutas operárias e populares, como via de construção da nova sociedade socialista.

Ao mesmo tempo, no EIPCO cada parte tem a oportunidade de contribuir com o seu discurso e levantar ou apoiar resoluções respectivas sobre diversos temas.

Assim, apesar dos diferentes enfoques expressos nos discursos dos partidos no EIPCO sobre a guerra na Ucrânia, no “Documento Final” do 22º EIPCO existe uma referência particular à situação na Ucrânia, à qual o Departamento de Relações Internacionais do CC do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) evita mencionar em resposta ao “Nezavisimaya Gazeta”. Esta é a referência feita no Documento Final do EIPCO:

"3. Como consequência da crescente agressividade do imperialismo e da recomposição geopolítica em curso, enfrentamos uma nova espiral da corrida armamentista, o reforçamento e expansão da OTAN, o surgimento de novas alianças militares, o acirramento de tensões e conflitos militares, como o da Ucrânia, o ressurgimento do fascismo em várias partes do mundo e a “guerra fria” e a ameaça de uma conflagração nuclear, que devemos rechaçar”.

Além deste posicionamento comum, foram apresentadas duas resoluções: uma do Partido Comunista dos Trabalhadores da Rússia (PCOR), do Partido Comunista da Federação Russa e do Partido Comunista da Ucrânia que justificava e apoiava a invasão russa reproduzindo pretextos “antifascistas” que a burguesia russa utiliza para esconder suas aspirações. A outra resolução foi apresentada pela União dos Comunistas da Ucrânia (e não pelo KKE, como afirma D.Novikov, o vice-presidente do Comitê Central do PCFR, no artigo da “Nezavisimaya Gazeta”). Esta resolução, que revela a natureza imperialista da guerra, condena tanto o governo reacionário da Ucrânia quanto os objetivos da burguesia russa, e foi apoiada pelo KKE.

Sobre o ataque ao KKE

A Seção de Relações Internacionais do PCFR, na tentativa de minimizar a importância dessa resolução, que demonstra o caráter imperialista da guerra, alinha-se com o autor do artigo de "Nezavisimaya Gazeta" e recorre com ele ao argumento "conveniente" de que as partes signatárias "quase nenhuma delas exerce influência em seu Estado". Alguns dias antes, em entrevista à rádio “Aurora”, G.Afonin, o vice-presidente do Comitê Central do PCFR, referiu-se com desdém ao KKE, dizendo que ele tem apenas 10 deputados, que nas eleições alcança 5- 6%, e questiona-se “qual é a sua influência na sociedade?”, acrescentando que “perdeu muitas oportunidades de unir as forças de esquerda e as forças progressistas” na Grécia.

O exposto demonstra que o PCFR parece medir a "influência" dos demais partidos comunistas com base em critérios puramente parlamentares como o número de deputados ou o percentual eleitoral, enquanto é sabido que para um partido revolucionário que luta para derrubar o capitalismo, alcançar um percentual eleitoral requer um árduo esforço nas condições da ditadura do capital. Além disso, diríamos que tanto a trajetória histórica quanto os acontecimentos recentes deveriam ter ensinado que os partidos comunistas que não estão enraizados na classe trabalhadora, no movimento sindical, nas lutas da classe trabalhadora do país e sua ação se limita dentro das paredes do parlamento podem desaparecer do dia para a noite, e isto independentemente da sua alta porcentagem eleitoral ou do grande número de deputados.

Assim, o vice-presidente de um partido, que em seus 29 anos de existência não deu nenhuma contribuição substancial para o desenvolvimento do movimento operário sindical na Rússia e, de fato, no momento em que os sindicalistas são presos por sua ação sindical, como o presidente do sindicato dos carteiros de Moscou, Kirill Ukrayinchev, deveriam ser menos vaidosos e estudar a rica experiência e ação do KKE, que está liderando as lutas da classe trabalhadora, camponeses pobres, pequenos empresários e juventude, que era conhecido pelos quadros do PCFR no período anterior.

Como o PCFR realmente mede sua influência, que embora tenha dezenas de deputados, esqueceu a luta de classes ou ainda não conseguiu dizer uma única palavra de crítica ao presidente russo C. Putin, que repetidamente tem atacado o líder da Revolução de Outubro, V.I.Lenin e os bolcheviques? Como é possível que não tenha notado que V.Putin em todos os discursos importantes usa trechos dos livros do filósofo russo e fundador do fascismo russo, I.Ilin?

Calúnia contra o KKE sobre “anti-russianismo”

Em diversas meios de comunicação, que apoiam o PCFR, a realidade é ainda mais brutalmente distorcida. Assim, afirma-se que no 22º EIPCO foram apresentadas duas resoluções, uma “pró-Rússia” apresentada pelos dois partidos russos e uma “anti-Rússia” apoiada pelo KKE.

De onde se deduz que uma resolução era "pró-russa" e outra "anti-russa"? O único critério para esta distinção é se cada uma destas resoluções apoia ou não os pretextos e opções da burguesia russa na guerra imperialista e na defesa dos seus próprios interesses.

Mas se pode caracterizar “pró-russa”uma resolução que aceita que os filhos do povo russo se convertam em buchas para os canhões da guerra imperialista, para melhor servir aos interesses dos monopólios russos, que se chocam com os monopólios euro-atlânticos na Ucrânia, sobre a repartição de matérias-primas, terras férteis, recursos naturais, infraestrutura industrial, mão de obra e mercados?

Apesar de que falar de “pró-Rússia” e “anti-Rússia” seja um truque enganoso, pode-se logicamente dizer que “pró-Rússia” - segundo a terminologia do PCFR - é precisamente a resolução que revela e apoia a interesses da classe trabalhadora, das camadas populares da Rússia, em oposição aos interesses da burguesia do país, suas alianças e a guerra imperialista.

Uma resolução pode ser descrita como "anti-russa" porque se choca com os interesses da burguesia russa?

Essa lógica não é nada sólida. Pensem numa coisa: o KKE em suas declarações e no EIPCO se posiciona em primeiro lugar contra todos os planos e a atitude dos governos burgueses gregos, da ND atualmente, e do SYRIZA e do PASOK antes, que para servir aos interesses dos armadores, banqueiros, industriais e outros setores da burguesia, aprisionaram o país nos planos das organizações imperialistas da OTAN e da UE. Alguém, além dos nacionalistas, poderia denunciar o KKE por ter uma “postura anti-helênica” por se opor e condenar as escolhas dos partidos e governos burgueses gregos?

Quando o KKE se mobiliza contra as bases dos EUA, o acordo estratégico com os EUA, não se mobiliza contra o povo norte-americano e a classe trabalhadora dos EUA, cujas lutas os comunistas gregos honram e contribuíram através dos imigrantes que chegaram a este país.

Quando o KKE se mobiliza contra a compra de armas francesas, o acordo estratégico entre a Grécia e a França, o faz porque considera que  iss0 envolve o país em novas intervenções e guerras imperialistas, por exemplo na zona do Sahel, e não porque tenha “ sentimentos anti-franceses”. Pelo contrário, o KKE louva a contribuição histórica das lutas da classe trabalhadora francesa, desde a Comuna de Paris até os dias atuais.

Quando o KKE se mobiliza ao lado dos trabalhadores do porto de Pireu, controlado pelo monopólio chinês COSCO, não é que tem sentimentos “anti-chineses”, mas sua “bússola” é a necessidade de apoiar a luta dos trabalhadores por condições seguras de trabalho, salários decentes e acordos coletivos de trabalho, etc.

A partir das posições dos princípios do internacionalismo proletário, o KKE está ao lado dos povos, ao lado da classe trabalhadora de todos os países, contra os interesses das classes burguesas e das alianças imperialistas. O KKE é a favor da cooperação mutuamente benéfica entre todos os países e povos, e se opõe a qualquer manifestação de racismo e todos os tipos de xenofobia.

A mentira não vive até envelhecer

É bem conhecida a frase de que "nunca se mente mais do que depois de uma caçada, durante uma guerra e antes das eleições" e em nosso caso há pelo menos duas condições, e alguns no nosso país tentam difamar o KKE que com sua posição de princípios contra a guerra imperialista, supostamente expressa “anti-russismo”. Porém, tal coisa tem “pernas curtas”, porque o KKE:

Durante todos estes anos resistiu, destacou e denunciou os perigos da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia com novos países.  Denunciou o governo anterior do SYRIZA que fez um acordo com a Macedônia do Norte para poder ingressar na OTAN e na UE. O KKE também denunciou o governo do ND que levou ao parlamento a adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN, que também foi aprovada pelos outros partidos euro-atlantistas, supostamente em nome da chamada “autodeterminação” destes países.

Durante todos esses anos, o KKE denunciou e se opôs ao cerco da Federação Russa com novas bases e tropas militares dos EUA e da OTAN, inclusive em nosso país. Enfatizou que esse cerco acumulou material combustível antes da guerra.

Se opôs a que a Força Aérea Grega assumisse a vigilância do espaço aéreo dos países balcânicos, o que seria claramente uma ação de caráter contra a chamada “ameaça russa”.

Durante todos esses anos, o KKE denunciou e votou contra a guerra comercial e as sanções da UE contra a Federação Russa no parlamento nacional e europeu, e enfatizou que essas sanções afetam em primeiro lugar as camadas populares, como, por exemplo, os camponeses do nosso país.

O KKE destacou que a chamada redução da dependência da UE do gás natural russo leva tanto à dependência da UE do caro gás natural liquefeito dos EUA, assim como à implementação de impostos verdes relacionados à chamada “transição verde”.

O KKE se opôs e condenou a decisão da União Europeia e do governo grego, no início da guerra imperialista, de proibir o funcionamento da mídia russa em nosso país.

O KKE se opôs e condenou a decisão da União Europeia e do governo grego, no início da guerra imperialista, de impedir eventos com organizações culturais russas.

É claro que partidos como o PCFR, que é influenciado por pontos de vistas nacionalistas e apoiam plenamente as construções ideológicas das classes burguesas como o chamado “mundo russo”, não podem ver nada mais que “anti-russismo” no rechaço aos pretextos que usa a burguesia russa, e na clara posição de condenação tanto do imperialismo euro-atlântico como da burguesia russa.

 Respondemos com o último parágrafo da Resolução da União dos Comunistas da Ucrânia, apoiada pelo KKE: "É vergonhoso e criminoso que os comunistas em todo o mundo se tornem rabo dos governos dos países burgueses e trabalhem pelos interesses de sua burguesia nacional, apoiando um ou outro bloco de países burgueses. Nossa tarefa firme é ajudar os trabalhadores de todo o mundo a perceberem que as guerras imperialistas não levam à emancipação do trabalho, ao contrário, o escravizam ainda mais. Assim como no conflito imperialista, o trabalhador não tem aliados nos círculos dominantes, mas apenas inimigos; que seus amigos são apenas os próprios proletários, qualquer que seja sua nacionalidade. O dever dos comunistas é alcançar o fim do capitalismo como tal, tanto a nível nacional quanto internacional: o fim do capitalismo significa o fim das guerras. Por esta nobre causa, comunistas de todo o mundo, unam-se aos seus proletários!" 

Fonte: https://inter.kke.gr/es/articles/Sobre-el-debate-ideologico-politico-en-el-22o-Encuentro-Internacional-de-Partidos-Comunistas-y-el-truco-de-la-postura-antirrusa-y-prorrusa/

Publicado no jornal “Rizospastis” - Órgão do CC do KKE, 26-27/11/22

Edição: Página 1917

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Saudações aos Trabalhadores Franceses no 20º Aniversário da Comuna de Paris

Friedrich Engels*

17 de março de 1891

 


Hoje fazem vinte anos que a Paris trabalhadora se levantou como um só homem contra o ataque criminoso da burguesia e dos ruralistas, liderados por Thiers. Esses inimigos do proletariado tremeram quando viram os trabalhadores de Paris armados e organizados para defender seus direitos. Thiers pensou privá-los das armas que eles haviam gloriosamente usado contra a invasão estrangeira e que eles usariam de forma ainda mais gloriosa contra os ataques dos mercenários de Versalhes. Para esmagar a Paris em revolta, os ruralistas e a burguesia imploraram e obtiveram a assistência da Prússia. Depois de uma luta heroica, Paris foi esmagada pelo peso dos números e desarmada.

Por vinte anos, os trabalhadores de Paris têm estado sem armas, e tem sido assim em toda a parte: em todos os grandes países civilizados o proletariado está privado dos meios materiais de defesa. Em toda a parte, são os adversários e exploradores da classe trabalhadora que têm forças armadas sobre seu controle exclusivo.

Qual o resultado de tudo isso?

Isso significa que hoje, quando todo o homem saudável serve ao exército, esse exército reflete crescentemente o sentimento e as ideias populares, e esse exército, o grande meio de repressão, está se tornando menos seguro a cada dia; os chefes de todos os grandes estados já preveem com terror o dia quando os soldados em armas se recusarão a assassinar seus pais e irmãos. Nós vimos isso em Paris quando o Tonkinense (Jules Ferry]) teve a audácia de reivindicar a presidência da república francesa; nós vemos isso hoje em Berlim, onde o sucessor de Bismarck (Leo Von Caprivi) está pedindo ao parlamento os meios para fortalecer a obediência no exército com mercenários – porque acredita-se haver muitos socialistas entre os recrutas!

Quando tais coisas começarem a acontecer, quando o dia começar a amanhecer no exército, o fim do velho mundo estará se aproximando a olhos vistos.

Que o destino seja cumprido! Que a burguesia em sua decadência abdique ou morra, e vida longa ao Proletariado! Viva a Revolução social internacional!

* 28/11/2022, 202 anos do nascimento de Friedrich Engels (28/11/1820).

Edição: Página 1917


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O Golpe

Avelino Biden Capitani* 

Avelino, liderança dos marinheiros na epóca do golpe.

     [...] Ninguém estava preparado para lutar porque ninguém pensava seriamente em lutar. As forças que apoiavam o governo eram legalistas e imaginavam que as Forças Armadas também fossem. Todos acreditavam que o esquema militar montado pelo Presidente e comandado pelo General Assis Brasil garantiria a legalidade. A possibilidade de conflitos era admitida, mas acreditavam resolver tudo com negociações.

     Chegada a hora, João Goulart não quis derramar sangue, não queria lutar. Nem sequer tentou. Foi embora. Os velhos políticos também não queriam lutar. Na verdade, as classes dominantes brasileiras - inclusive os setores nacionalistas - não queriam disputar o poder entre si pela via das armas. Os sindicalistas tradicionais não mobilizaram suas categorias e convocaram uma greve geral que acabou atrapalhando mais que ajudando. Os sargentos ficaram esperando ordens que nunca chegaram e acabaram sem saber o que fazer, diluindo-se nos acontecimentos.

     Na noite do dia 1º de abril, as embaixadas já estavam cheias dos que deveriam comandar a resistência ao golpe. Entretanto, para muitas categorias de trabalhadores mais esclarecidos a luta tinha sentido. No Rio, consideráveis grupos de trabalhadores se concentraram nos bairros, esperando orientações de suas lideranças que nunca chegaram. Outros, embora a greve tivesse paralisado todo o transporte, foram à Cinelândia e enfrentaram espontaneamente os golpistas a pedradas.

     Para os marinheiros, a luta tinha sentido. Filhos de camponeses pobres ou sem terra e de operários desprovidos, queriam uma vida melhor para a família e para o Brasil. Além das soluções dos problemas internos da Marinha - fazer uma carreira com mais dignidade e justiça - queriam ver realizadass as prometidas reformas de base. Os marinheiros nunca pensaram que sozinhos poderiam responder ao golpe. Tínhamos o compromisso de neutralizar a Marinha mas nenhuma pretensão de comandar as forças populares. Também ficamos esperando ordens, quer seja do Ministro, do Presidente, ou do comando político da resistência. Estas ordens nunca chegaram. [...]



*Avelino Biden Capitani (18/08/1940 - 17/09/2022), teve uma longa trajetória de lutas contra a ditadura empresarial-militar instaurada com o golpe de 1964. Iniciou sua militância em 1962 na Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) recém-fundada e no ano seguinte foi eleito para sua diretoria. Após o golpe participou da guerrilha de Caparaó e militou em divesas organizações, entre elas, MNR, PCBR, MR8 e PCB. Nos anos oitenta se filia ao PT, foi diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SMIC) na gestão do ex-prefeito Olívio Dutra (PT).

Fonte: Avelino Capitani, A Rebelião dos Marinheiros, p.69-70, Artes. e Ofícios Editora, 1ª edição, 1997.

Edição: Página 1917


      

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Sobre a Nossa Revolução

A Propósito das Notas de N. Sukhánov (01)

Lenin

16 e 17 de Janeiro de 1923




Folheei nestes dias as notas de Sukhánov sobre a revolução. O que salta sobretudo à vista é o pedantismo de todos os nossos democratas pequeno-burgueses, bem como de todos os heróis da II Internacional. Sem falar já de que são extraordinariamente covardes e de que mesmo os melhores deles se enchem de reservas quando se trata do menor desvio relativamente ao modelo alemão, sem falar já desta qualidade de todos os democratas pequeno-burgueses, suficientemente manifestada durante toda a revolução, salta à vista a sua servil imitação do passado.

Todos eles se dizem marxistas, mas entendem o marxismo duma maneira extremamente pedante. Não compreenderam de modo nenhum aquilo que é decisivo no marxismo: precisamente a sua dialética revolucionária. Não compreenderam em absoluto nem mesmo as indicações diretas de Marx, dizendo que nos momentos de revolução é necessária a máxima flexibilidade (02), e nem sequer notaram, por exemplo, as indicações de Marx na sua correspondência, referente, se bem me recordo, a 1856, na qual expressava a esperança de que a guerra camponesa na Alemanha, capaz de criar uma situação revolucionária, se unisse ao movimento operário (03) — eludem mesmo esta indicação direta, dando voltas no entorno dela como o gato em volta do leite quente.

Em toda a sua conduta revelam-se uns reformistas covardes que temem afastar-se da burguesia e, mais ainda, romper com ela, e ao mesmo tempo ocultam a sua covardia com a fraseologia e a jactância mais descarada. Mas, mesmo do ponto de vista puramente teórico, salta à vista em todos eles a sua plena incapacidade de compreender a seguinte ideia do marxismo: viram até agora um caminho determinado de desenvolvimento do capitalismo e da democracia burguesa na Europa Ocidental. E eis que eles não são capazes de imaginar que este caminho só pode ser considerado como modelo mutatis mutandis(*), só com algumas correções (absolutamente insignificantes, do ponto de vista do curso geral da história universal).

Primeiro — uma revolução ligada à primeira guerra imperialista mundial. Numa tal revolução deviam manifestar-se traços novos ou modificados. Precisamente em consequência da guerra, porque nunca houve no mundo tal guerra em tal situação. Vemos que até agora a burguesia dos países mais ricos não pode organizar relações burguesas «normais» depois dessa guerra, enquanto os nossos reformistas, pequenos burgueses que se armam em revolucionários, consideravam e consideram como um limite (além disso insuperável) as relações burguesas normais, compreendendo esta "norma" duma maneira extremamente estereotipada e estreita.

Segundo — é-lhes completamente alheia qualquer ideia de que dentro das leis gerais do desenvolvimento em toda a história mundial não estão de modo nenhum excluídas, mas, pelo contrário, pressupõem-se determinadas etapas de desenvolvimento que apresentam peculiaridades, quer na forma quer na ordem desse desenvolvimento. Nem sequer lhes passa pela cabeça, por exemplo, que a Rússia, situada na fronteira entre os países civilizados e os países que pela primeira vez são arrastados definitivamente por esta guerra para o caminho da civilização, os países de todo o Oriente, os países não europeus, que a Rússia podia e devia, por isso, revelar certas peculiaridades, que naturalmente estão na linha geral do desenvolvimento mundial, mas que distinguem a sua revolução de todas as revoluções anteriores dos países da Europa Ocidental e que introduzem algumas inovações parciais ao deslocar-se para os países orientais.

Por exemplo, não pode ser mais estereotipada a argumentação por eles usada, que aprenderam de memória na época do desenvolvimento da social-democracia da Europa Ocidental, e que consiste no fato de que nós não estamos maduros para o socialismo, de que não existem no nosso país, segundo a expressão de vários "doutos" senhores dentre eles, as premissas econômicas objetivas para o socialismo. E não passa pela cabeça de nenhum deles perguntar: não podia um povo que se encontrou numa situação revolucionária como a que se criou durante a primeira guerra imperialista, não podia ele, sob a influência da sua situação sem saída, lançar-se numa luta que lhe abrisse pelo menos algumas possibilidades de conquistar para si condições que não são de todo habituais para o crescimento ulterior da civilização?

"A Rússia não atingiu um nível de desenvolvimento das forças produtivas que torne possível o socialismo." Todos os heróis da II Internacional, e entre eles, naturalmente, Sukhánov, se comportam como se tivessem descoberto a pólvora. Ruminam esta tese indiscutível de mil maneiras e parece-lhes que é decisiva para apreciar a nossa revolução.

Mas que fazer, se uma situação peculiar levou a Rússia, primeiro à guerra imperialista mundial, na qual intervieram todos os países mais ou menos influentes da Europa Ocidental, e colocou o seu desenvolvimento no limite das revoluções do Oriente, que estão a começar e em parte já começaram, em condições que nos permitiram levar à prática precisamente essa aliança da «guerra camponesa» com o movimento operário sobre as quais escreveu um "marxista" como Marx em 1856 como uma das perspectivas possíveis em relação à Prússia?

Que fazer se uma situação absolutamente sem saída, decuplicando as forças dos operários e camponeses, abria perante nós a possibilidade de passar de maneira diferente de todos os outros países da Europa Ocidental criação das premissas fundamentais da civilização? Alterou-se por isso a linha geral de desenvolvimento da história universal? Alteraram-se por isso as correlações fundamentais das classes fundamentais em cada país que se integra e integrou já no curso geral da história mundial?

Se para criar o socialismo é necessário um determinado nível de cultura (ainda que ninguém possa dizer qual é precisamente esse determinado "nível de cultura", pois ele é diferente em cada um dos Estados da Europa Ocidental), porque é que não podemos começar primeiro pela conquista, por via revolucionária, das premissas para esse determinado nível, e já depois, com base no poder operário e camponês e no regime soviético, pôr-nos em marcha para alcançar os outros povos?

II

Para criar o socialismo, dizeis, é necessária civilização. Muito bem. Mas então, porque não havíamos de criar primeiro no nosso país premissas da civilização como a expulsão dos latifundiários e a expulsão dos capitalistas russos e, depois, iniciar um movimento para o socialismo? Em que livros lestes que semelhantes alterações da ordem histórica habitual são inadmissíveis ou impossíveis? 

Lembro que Napoleão escreveu: "On s'engage et puis . . . on voit." Traduzido livremente para russo isto quer dizer: ."Primeiro lançamo-nos no combate sério e depois logo vemos." E nós, em outubro de 1917, iniciamos primeiro o combate sério e depois logo vimos os pormenores do desenvolvimento (do ponto de vista da história universal trata-se indubitavelmente de pormenores), tais como a Paz de Brest ou a NEP, etc. E hoje não há dúvida de que, no fundamental, alcançámos a vitória. 

Os nossos Sukhánov, sem falar já daqueles sociais-democratas que estão mais à direita, nem sonham sequer que as revoluções em geral não se podem fazer doutra maneira. Os nossos filisteus europeus não sonham sequer que as futuras revoluções nos países do Oriente, com uma população incomparavelmente mais numerosa e que se diferenciam muito mais pela diversidade das condições sociais, apresentarão sem dúvida mais peculiaridades do que a revolução russa. 

Nem é preciso dizer que o manual redigido segundo Kautsky foi, na sua época, uma coisa muito útil. Mas já é tempo de renunciar à ideia de que esse manual tinha previsto todas as formas de desenvolvimento ulterior da história mundial. Àqueles que pensam desse modo é tempo já de os declarar simplesmente imbecis.

Notas: 

(*) "mudando o que deve ser mudado". 

(01) O artigo de Lenin Sobre a Nossa Revolução foi escrito a propósito do terceiro e do quarto livros de Notas Sobre a Revolução, do menchevique N. Sukhánov. O artigo foi entregue à redacção do Pravda por N. K. Krúpskaia sem título; o título foi dado pela redação do jornal. 

(02) Lenin refere-se aparentemente à caracterização da Comuna de Paris como "uma forma política altamente maleável" na obra de K. Marx A Guerra Civil em França e à apreciação feita por Marx da "flexibilidade dos parisienses" na sua carta a L. Kugelmann de 12 de Abril. In Karl Marx und Friedrich Engels, Ausgewãhlte Scbriften in zwei Bänden, Bd. I, Berlin, 1960, S. 494, e Bd. II, Berlin, 1960, S. 435/436.

(03) Lenin refere-se à seguinte passagem da carta de K. Marx a F. Engels de 16 de Abril de 1856: "Tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária por qualquer segunda edição da guerra camponesa. Nesse caso, tudo correrá maravilhosamente." In Karl Marx und Friedrich Engels, Ausgewãhlte Scbriften in zwei Bänden, Bd. II, Berlin, 1960, S. 425/426.

Edição: Página 1917

Fonte: Obras Escolhidas, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso - Moscou.

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