Eliseos Vagenas
Membro do CC do KKE,
Diretor da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE
Prossegue o debate sobre os resultados do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários em Havana.
Algumas
forças, e inclusive jornais burgueses, buscaram interpretar os resultados do
Encontro Internacional dos Partidos Comunistas sob seu próprio prisma. Assim, o
jornal russo “Nezavisimaya Gazeta” falou de uma “ruptura no movimento de
esquerda internacional” em Havana, devido à “operação militar especial” russa,
como a mídia russa chama a guerra na Ucrânia. A primeira coisa que se nota é a
evidente pressa do referido jornal em substituir até mesmo o título do
“Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários” (EIPCO) pelo
título incolor e insípido “movimento de esquerda internacional”.
No
entanto, na realidade, o periódico burguês russo “está empurrando portas
abertas”, pois como o KKE destacou várias vezes, no movimento comunista internacional
(MCI) se desenvolve um duro confronto ideológico-político sobre várias questões
importantes. Já temos falado da crise político-ideológica nas fileiras do MCI, assim
como da necessidade de seu reagrupamento revolucionário.
O
debate no seu interior, como o KKE já mostrou várias vezes, tem muitas
dimensões, por exemplo:
Entre
os partidos que se posicionam a favor da diluição dos partidos comunistas em
“alianças de esquerda progressista mais amplas” e os partidos que lutam pela
preservação da independência político-ideológica dos partidos comunistas e pelo
fortalecimento de seus vínculos com a classe trabalhadora e as camadas
populares.
Entre
os partidos que permanecem atrelados à antiga estratégia das “etapas para o
socialismo” e apoiam a participação em governos burgueses de “esquerda”,
“antineoliberal”, “progressista”, “centro-direita” no terreno do capitalismo, e
os partidos que rejeitaram a participação nos governos burgueses e a lógica das
etapas e lutam para derrubar a barbárie capitalista.
Entre
os partidos que identificam o imperialismo exclusivamente com os EUA ou mesmo
com alguns países capitalistas fortes da Europa, ou com uma política externa
agressiva, e os partidos que sustentam a percepção leninista de que o
imperialismo é o capitalismo monopolista, a fase superior e última desse
sistema de exploração.
Entre
os partidos que consideram que a luta pela paz está indissociavelmente ligada a
um “mundo multipolar” que supostamente “domará” os EUA, difundindo ilusões
sobre uma “arquitetura internacional para a paz” cultivada por
social-democratas e oportunistas, e, por outro lado, aqueles partidos que
acreditam que o mundo capitalista não pode ser “democratizado”, não pode acabar
com as guerras, por mais “polos” que tenha e é imprescindível intensificar a
luta pela derrubada do capitalismo, pela construção da nova sociedade
socialista.
Entre
os partidos que consideram a China como um país que "está construindo o
socialismo com características chinesas" e os partidos que consideram que
o socialismo tem princípios e que na China esses princípios foram violados e já
predominam as relações capitalistas de produção, que é um país do mundo
capitalista contemporâneo, que é um país que compete com os EUA ameaçando sua
supremacia no sistema imperialista.
Poderíamos
mencionar outros temas graves em torno das quais se desenvolve um forte debate
ideológico no EIPCO, entre os quais, após a inaceitável invasão russa na
Ucrânia, a questão da guerra imperialista na Ucrânia foi adicionada. Portanto, o “ouro” do “Nezavisimaya Gazeta” de que acaba de haver uma “ruptura no
movimento de esquerda internacional”, tem se mostrado apenas “carvão”. Quanto à posição
dos partidos que se autodenominam de "esquerda", deve-se destacar que
apenas o SYRIZA de "esquerda" votou no Parlamento Europeu juntamente
com o direitista ND e o social-democrata PASOK a favor da formação de um
"mecanismo de ajuda militar para a Ucrânia” da mesma forma que havia
apoiado anteriormente a expansão das bases dos EUA-OTAN na Grécia, ou a adesão
de novos países à OTAN, questões em que o KKE votou contra.
O
que aconteceu em Havana?
Nos
Encontros Internacionais de Partidos Comunistas, busca-se chegar a posições
comuns que se expressam através da aprovação do “Documento Final”, quando isso
é possível. No entanto, este documento é fruto de um debate e de uma
confluência de opiniões, mas quem ler este documento específico do 22ª EIPCO
(ver http://www.solidnet.org/article/22nd-IMCWP-Final-
Declaração-do-22º-Encontro-Internacional-dos-Partidos-Comunistas-e-Trabalhadores/)
perceberá que nele não há análises problemáticas sobre as “etapas”, de apoio a
“governos de esquerda e progressistas”, de “luta contra o neoliberalismo” que encubra
a luta contra o capitalismo, sobre um “mundo multipolar” etc., mas, ao
contrário, promove-se a linha comum de luta dos partidos comunistas contra o
capitalismo, em apoio às lutas operárias e populares, como via de construção da
nova sociedade socialista.
Ao
mesmo tempo, no EIPCO cada parte tem a oportunidade de contribuir com o seu
discurso e levantar ou apoiar resoluções respectivas sobre diversos temas.
Assim,
apesar dos diferentes enfoques expressos nos discursos dos partidos no EIPCO
sobre a guerra na Ucrânia, no “Documento Final” do 22º EIPCO existe uma
referência particular à situação na Ucrânia, à qual o Departamento de Relações
Internacionais do CC do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) evita mencionar em resposta ao “Nezavisimaya
Gazeta”. Esta é a referência feita no Documento Final do EIPCO:
"3.
Como consequência da crescente agressividade do imperialismo e da
recomposição geopolítica em curso, enfrentamos uma nova espiral da corrida
armamentista, o reforçamento e expansão da OTAN, o surgimento de novas alianças
militares, o acirramento de tensões e conflitos militares, como o da Ucrânia, o
ressurgimento do fascismo em várias partes do mundo e a “guerra fria” e a
ameaça de uma conflagração nuclear, que devemos rechaçar”.
Além
deste posicionamento comum, foram apresentadas duas resoluções: uma do Partido
Comunista dos Trabalhadores da Rússia (PCOR), do Partido Comunista da Federação
Russa e do Partido Comunista da Ucrânia que justificava e apoiava a invasão
russa reproduzindo pretextos “antifascistas” que a burguesia russa utiliza para
esconder suas aspirações. A outra resolução foi apresentada pela União dos
Comunistas da Ucrânia (e não pelo KKE, como afirma D.Novikov, o vice-presidente
do Comitê Central do PCFR, no artigo da “Nezavisimaya Gazeta”). Esta resolução,
que revela a natureza imperialista da guerra, condena tanto o governo
reacionário da Ucrânia quanto os objetivos da burguesia russa, e foi apoiada
pelo KKE.
Sobre
o ataque ao KKE
A
Seção de Relações Internacionais do PCFR, na tentativa de minimizar a
importância dessa resolução, que demonstra o caráter imperialista da guerra,
alinha-se com o autor do artigo de "Nezavisimaya Gazeta" e recorre
com ele ao argumento "conveniente" de que as partes signatárias
"quase nenhuma delas exerce influência em seu Estado". Alguns dias
antes, em entrevista à rádio “Aurora”, G.Afonin, o vice-presidente do Comitê
Central do PCFR, referiu-se com desdém ao KKE, dizendo que ele tem apenas 10
deputados, que nas eleições alcança 5- 6%, e questiona-se “qual é a sua
influência na sociedade?”, acrescentando que “perdeu muitas oportunidades de
unir as forças de esquerda e as forças progressistas” na Grécia.
O
exposto demonstra que o PCFR parece medir a "influência" dos demais
partidos comunistas com base em critérios puramente parlamentares como o número
de deputados ou o percentual eleitoral, enquanto é sabido que para um partido
revolucionário que luta para derrubar o capitalismo, alcançar um percentual
eleitoral requer um árduo esforço nas condições da ditadura do capital. Além
disso, diríamos que tanto a trajetória histórica quanto os acontecimentos
recentes deveriam ter ensinado que os partidos comunistas que não estão enraizados
na classe trabalhadora, no movimento sindical, nas lutas da classe trabalhadora
do país e sua ação se limita dentro das paredes do parlamento podem desaparecer
do dia para a noite, e isto independentemente da sua alta porcentagem eleitoral
ou do grande número de deputados.
Assim,
o vice-presidente de um partido, que em seus 29 anos de existência não deu
nenhuma contribuição substancial para o desenvolvimento do movimento operário sindical
na Rússia e, de fato, no momento em que os sindicalistas são presos por sua
ação sindical, como o presidente do sindicato dos carteiros de Moscou, Kirill
Ukrayinchev, deveriam ser menos vaidosos e estudar a rica experiência e ação do
KKE, que está liderando as lutas da classe trabalhadora, camponeses pobres,
pequenos empresários e juventude, que era conhecido pelos quadros do PCFR no
período anterior.
Como
o PCFR realmente mede sua influência, que embora tenha dezenas de deputados,
esqueceu a luta de classes ou ainda não conseguiu dizer uma única palavra de
crítica ao presidente russo C. Putin, que repetidamente tem atacado o líder da
Revolução de Outubro, V.I.Lenin e os bolcheviques? Como é possível que não
tenha notado que V.Putin em todos os discursos importantes usa trechos dos
livros do filósofo russo e fundador do fascismo russo, I.Ilin?
Calúnia
contra o KKE sobre “anti-russianismo”
Em
diversas meios de comunicação, que apoiam o PCFR, a realidade é ainda mais
brutalmente distorcida. Assim, afirma-se que no 22º EIPCO foram apresentadas
duas resoluções, uma “pró-Rússia” apresentada pelos dois partidos russos e uma
“anti-Rússia” apoiada pelo KKE.
De
onde se deduz que uma resolução era "pró-russa" e outra
"anti-russa"? O único critério para esta distinção é se cada uma
destas resoluções apoia ou não os pretextos e opções da burguesia russa na
guerra imperialista e na defesa dos seus próprios interesses.
Mas
se pode caracterizar “pró-russa”uma resolução que aceita que os filhos do povo
russo se convertam em buchas para os canhões da guerra imperialista, para
melhor servir aos interesses dos monopólios russos, que se chocam com os
monopólios euro-atlânticos na Ucrânia, sobre a repartição de matérias-primas,
terras férteis, recursos naturais, infraestrutura industrial, mão de obra e
mercados?
Apesar
de que falar de “pró-Rússia” e “anti-Rússia” seja um truque enganoso, pode-se
logicamente dizer que “pró-Rússia” - segundo a terminologia do PCFR - é
precisamente a resolução que revela e apoia a interesses da classe
trabalhadora, das camadas populares da Rússia, em oposição aos interesses da
burguesia do país, suas alianças e a guerra imperialista.
Uma
resolução pode ser descrita como "anti-russa" porque se choca com os
interesses da burguesia russa?
Essa
lógica não é nada sólida. Pensem numa coisa: o KKE em suas declarações e no EIPCO
se posiciona em primeiro lugar contra todos os planos e a atitude dos governos
burgueses gregos, da ND atualmente, e do SYRIZA e do PASOK antes, que para
servir aos interesses dos armadores, banqueiros, industriais e outros setores
da burguesia, aprisionaram o país nos planos das organizações imperialistas da
OTAN e da UE. Alguém, além dos nacionalistas, poderia denunciar o KKE por ter
uma “postura anti-helênica” por se opor e condenar as escolhas dos partidos e
governos burgueses gregos?
Quando
o KKE se mobiliza contra as bases dos EUA, o acordo estratégico com os EUA, não
se mobiliza contra o povo norte-americano e a classe trabalhadora dos EUA,
cujas lutas os comunistas gregos honram e contribuíram através dos imigrantes
que chegaram a este país.
Quando
o KKE se mobiliza contra a compra de armas francesas, o acordo estratégico
entre a Grécia e a França, o faz porque considera que iss0 envolve o país em novas intervenções e
guerras imperialistas, por exemplo na zona do Sahel, e não porque tenha “
sentimentos anti-franceses”. Pelo contrário, o KKE louva a contribuição
histórica das lutas da classe trabalhadora francesa, desde a Comuna de Paris
até os dias atuais.
Quando
o KKE se mobiliza ao lado dos trabalhadores do porto de Pireu, controlado pelo
monopólio chinês COSCO, não é que tem sentimentos “anti-chineses”, mas sua
“bússola” é a necessidade de apoiar a luta dos trabalhadores por condições
seguras de trabalho, salários decentes e acordos coletivos de trabalho, etc.
A
partir das posições dos princípios do internacionalismo proletário, o KKE está
ao lado dos povos, ao lado da classe trabalhadora de todos os países, contra os
interesses das classes burguesas e das alianças imperialistas. O KKE é a favor
da cooperação mutuamente benéfica entre todos os países e povos, e se opõe a
qualquer manifestação de racismo e todos os tipos de xenofobia.
A
mentira não vive até envelhecer
É
bem conhecida a frase de que "nunca se mente mais do que depois de uma
caçada, durante uma guerra e antes das eleições" e em nosso caso há pelo
menos duas condições, e alguns no nosso país tentam difamar o KKE que com sua
posição de princípios contra a guerra imperialista, supostamente expressa
“anti-russismo”. Porém, tal coisa tem “pernas curtas”, porque o KKE:
Durante
todos estes anos resistiu, destacou e denunciou os perigos da expansão da OTAN
para as fronteiras da Rússia com novos países.
Denunciou o governo anterior do SYRIZA que fez um acordo com a Macedônia
do Norte para poder ingressar na OTAN e na UE. O KKE também denunciou o governo
do ND que levou ao parlamento a adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN, que
também foi aprovada pelos outros partidos euro-atlantistas, supostamente em
nome da chamada “autodeterminação” destes países.
Durante
todos esses anos, o KKE denunciou e se opôs ao cerco da Federação Russa com
novas bases e tropas militares dos EUA e da OTAN, inclusive em nosso país. Enfatizou
que esse cerco acumulou material combustível antes da guerra.
Se
opôs a que a Força Aérea Grega assumisse a vigilância do espaço aéreo dos
países balcânicos, o que seria claramente uma ação de caráter contra a chamada
“ameaça russa”.
Durante
todos esses anos, o KKE denunciou e votou contra a guerra comercial e as
sanções da UE contra a Federação Russa no parlamento nacional e europeu, e
enfatizou que essas sanções afetam em primeiro lugar as camadas populares,
como, por exemplo, os camponeses do nosso país.
O
KKE destacou que a chamada redução da dependência da UE do gás natural russo
leva tanto à dependência da UE do caro gás natural liquefeito dos EUA, assim
como à implementação de impostos verdes relacionados à chamada “transição
verde”.
O
KKE se opôs e condenou a decisão da União Europeia e do governo grego, no
início da guerra imperialista, de proibir o funcionamento da mídia russa em
nosso país.
O
KKE se opôs e condenou a decisão da União Europeia e do governo grego, no
início da guerra imperialista, de impedir eventos com organizações culturais
russas.
É
claro que partidos como o PCFR, que é influenciado por pontos de vistas
nacionalistas e apoiam plenamente as construções ideológicas das classes
burguesas como o chamado “mundo russo”, não podem ver nada mais que
“anti-russismo” no rechaço aos pretextos que usa a burguesia russa, e na clara
posição de condenação tanto do imperialismo euro-atlântico como da burguesia
russa.
Respondemos com o último parágrafo da Resolução da União dos Comunistas da Ucrânia, apoiada pelo KKE: "É vergonhoso e criminoso que os comunistas em todo o mundo se tornem rabo dos governos dos países burgueses e trabalhem pelos interesses de sua burguesia nacional, apoiando um ou outro bloco de países burgueses. Nossa tarefa firme é ajudar os trabalhadores de todo o mundo a perceberem que as guerras imperialistas não levam à emancipação do trabalho, ao contrário, o escravizam ainda mais. Assim como no conflito imperialista, o trabalhador não tem aliados nos círculos dominantes, mas apenas inimigos; que seus amigos são apenas os próprios proletários, qualquer que seja sua nacionalidade. O dever dos comunistas é alcançar o fim do capitalismo como tal, tanto a nível nacional quanto internacional: o fim do capitalismo significa o fim das guerras. Por esta nobre causa, comunistas de todo o mundo, unam-se aos seus proletários!"
Publicado no jornal “Rizospastis” - Órgão do CC do KKE, 26-27/11/22
Edição: Página 1917
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