Índice de Seções

quinta-feira, 29 de abril de 2021

A DERROTA DO “MAIOR EXÉRCITO DO MUNDO”

Ernesto Germano Parés

Falar sobre a guerra do Vietnã e do seu povo é tarefa difícil e precisaria de um texto muito longo. Vamos tentar resumir, mas é preciso considerar que aquele povo enfrentou o colonialismo japonês, depois o colonialismo francês e, por fim, o imperialismo estadunidense.

Pulando uma parte da história, sobre as lutas e guerras internas até a unificação do país, podemos dizer que a consolidação de uma política independente teve início em 1941, com a criação do Viet Minh – um movimento de ideologia de esquerda e nacionalista. Seu grande líder e criador foi Ho Chi Minh, antigo resistente contra a dominação francesa e contra o colonialismo japonês.

Retirada e derrota desmoralizante no Vietnã.


No dia 02 de setembro de 1945 o exército japonês foi derrotado e Ho Chi Minh ocupou Hanói, proclamando o governo provisório unificado e a independência nacional. Mas o colonialismo não dava tréguas e exército francês inicia uma luta interna para derrubar o governo. O período foi chamado de Primeira Guerra da Indochina e durou até julho de 1954, com a derrota dos franceses. A chamada “Indochina Francesa” chegou ao fim.

Desde o início da década de 1950 o governo dos EUA já tinha interesse na região e havia enviado “assessores militares” para “ajudar” as tropas francesas. O envolvimento estadunidense nos conflitos locais aumentou nos anos 60, com o número de tropas estacionadas no Vietnã triplicando de tamanho em 1961 e de novo em 1962.

Em 1964 os “especialistas” da CIA forjaram o Incidente do Golfo de Tonkin. Usando a mesma tática que já tinham usado para justificar a luta contra a Espanha pelo domínio de Cuba (episódio conhecido como o afundamento do Maine), um contratorpedeiro estadunidense foi supostamente atacado por embarcações norte-vietnamitas. E, com facilidade, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma resolução que deu autorização ao presidente para aumentar a presença militar.

Tropas ianques começaram a chegar em massa, a partir de 1965, e a guerra cresceu em proporções, atingindo o Laos e o Camboja, que passaram a ser intensamente bombardeados pela aviação estadunidense a partir de 1968. E foi nesse mesmo ano que os comunistas lançaram a grande Ofensiva do Tet.

Crimes de guerra dos EUA no Vietnã.


A iniciativa, que visava derrubar o governo sul-vietnamita e iniciar uma revolução socialista, falhou, mas é hoje estudada como um momento em que a guerra começou a virar. A opinião pública nos EUA começou a desconfiar que seus filhos estavam morrendo diante de um inimigo capaz de lançar grandes ataques mesmo após anos de derramamento de sangue. Os jornais estadunidenses falavam uma coisa e o governo falava outra. Isso deu início a um movimento de oposição à guerra e vários artistas se engajaram exigindo o fim das mortes. Imagens nos noticiários mostravam centenas de caixões chegando no país, cobertos com a bandeira, mas trazendo seus jovens mortos!

Em 16 de março de 1968 acontece o “massacre de My Lai”, uma pequena aldeia vietnamita onde 504 civis (sendo 182 mulheres e 173 crianças) foram executados por soldados dos EUA. As fotografias chocaram o mundo e a luta dos vietcongues redobrou de força.

Tudo isso ia enfraquecendo a imagem do então presidente estadunidense, Lyndon B. Johnson, que desistiu de disputar as eleições daquele ano.

Os Vietcongues, ou Frente Nacional de Libertação, já tinham uma larga experiência nas guerrilhas e esse foi o método adotado. Mesmo o Vietnã do Sul tendo mais poder de fogo e armas modernas, cedidas pelos EUA, não conseguiam fazer frente às tropas vietcongues. Em 1969 Washington começa a ampliar a “ajuda” para fortalecer o exército do sul, seu aliado, e tentava se envolver menos nos combates. Mas só em 1973, depois de manifestações populares em grandes cidades estadunidenses, a ajuda militar foi “oficialmente” encerrada.

No dia 29 de abril de 1975 o “mais poderoso exército do planeta” sofre a derrota. Tropas vietcongues, sob o comando do general sênior Văn Tiến Dũng, começam o ataque final em Saigon, que era comandado pelo general Nguyen Van Toan. Primeiro com um violento bombardeio de artilharia pesada, minando as forças estadunidenses e seus aliados. Na tarde do dia seguinte, as tropas norte-vietnamitas tinham ocupado os pontos importantes dentro da cidade e levantaram a bandeira sobre o palácio presidencial sul-vietnamita. O Vietnã do Sul capitulou pouco depois. A cidade foi rebatizada de Cidade de Ho Chi Minh. A queda da cidade foi precedida pela retirada de quase todo o pessoal civil e militar dos Estados Unidos em Saigon, juntamente com dezenas de milhares de civis estrangeiros e sul-vietnamitas. A evacuação culminou na Operação Vento Constante, que foi a maior evacuação com helicópteros na história.

É uma cena linda de ver e vários vídeos estão disponíveis na Internet, em especial no Youtube. Merece ser vista a imagem de soldados estadunidenses e sul-vietnamitas tentando desesperadamente embarcar em helicópteros que os levariam a um porta-aviões.

Acabou a guerra com um custo muito alto, em vidas. O total de vietnamitas mortos, civis ou militares, varia de 966 000 a 3,8 milhões, dependendo da fonte. Entre 240 000 e 300 000 cambojanos, e 20 000 a 62 000 laocianos perderam a vida também. Já os estadunidenses calculam que perderam 58 000 soldados mortos, mais de 300 mil feridos e 1 626 ainda desaparecidos.

Na década de 1970 ganhei de um companheiro o livro que anexo abaixo. Foi escrito em 1968, ou seja, os capítulos finais ainda não tinham acontecido. Mas o livro é impressionante pelos relatos das lutas daquele povo. Seu segundo capítulo e intitulado “Dos milenios de lucha por la independencia”.



VIVA O VITORIOSO POVO DO VIETNAM!

PELA LIBERTAÇÃO DE TODOS OS POVOS DO IMPERIALISMO


Edição: Página 1917.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

É Melhor nos Prepararmos: Covid-19 Vai Persistir Mesmo Após a Vacinação

Marc Vandepitte

Quando a campanha de vacinação começou, no final de 2020, esperava-se que eles pudessem retomar uma vida normal dentro de um tempo razoável. Mas não houve novas variantes preocupantes. Hoje, o sucesso de uma campanha de vacinação não é mais garantia de derrota do vírus. Provavelmente ainda teremos que aprender a viver com a covid por um tempo.

Imunidade de rebanho

A perspectiva favorável que tínhamos no final do ano passado baseava-se na esperança de que pudéssemos criar imunidade de grupo muito rapidamente graças às vacinas, seja por vacinação, seja por exposição anterior ao vírus (1). A imunidade do rebanho faz o vírus desaparecer. A princípio pensava-se que bastaria imunizar entre 60% e 70% da população para isso, mas com as novas variantes e com base em novos conhecimentos, esse percentual terá que ser bem maior e até a possibilidade é cogitada que nunca alcançamos imunidade de rebanho.

Ganância e descaso agravaram a crise. 

Primeiro, a imunidade induzida por infecção diminui com o tempo. Este também é o caso para os outros coronavírus. Vários estudos mostram que a imunidade atual induzida pela infecção é mantida por pelo menos seis meses e em pessoas que tiveram sintomas graves a duração é de pelo menos oito meses, após os quais a imunidade pode diminuir e desaparecer. Por outro lado, os resultados obtidos na África do Sul e no Brasil mostraram que uma infecção anterior oferece uma imunidade fraca contra as novas variantes. Isso significa que a vacinação permanece como meio de obter imunidade grupal duradoura. Mas para isso temos que superar pelo menos cinco obstáculos.

Os limites da vacinação

Primeiro, algumas variantes se comportam quase como novos vírus, contra os quais as vacinas oferecem proteção apenas parcial. A má gestão dos governos, especialmente no Ocidente, já causou a infecção de 143 milhões de pessoas até o momento. Essa disseminação descontrolada favorece o possível surgimento de novas mutações contra as quais as vacinas atuais não protegem.

Em segundo lugar, a proteção que as vacinas oferecem não deve ser permanente. Ainda sabemos pouco sobre isso, mas os especialistas presumem que as vacinas proporcionam imunidade protetora por um período de seis meses a dois anos, então já foi dito que você terá que ser vacinado novamente após seis meses para garantir proteção duradoura. Em Israel, o passaporte da vacina também é válido por seis meses.

Terceiro, não se sabe se ou em que medida as próprias vacinas previnem a infecção. Eles deveriam prevenir o contágio em grande medida, mas ainda não foi categoricamente estabelecido. Não é um detalhe trivial. “A imunidade de grupo só é relevante se tivermos uma vacina que bloqueie a propagação. Se este não for o caso, a única maneira de obter imunidade coletiva é vacinar todos ”, disse o professor Bansal, da Georgetown University, em Washington DC.

Quarto, muito poucas pessoas estão sendo vacinadas. Com as variantes atuais, pelo menos 80% da população deve ser vacinada para ter imunidade de grupo. Atualmente, apenas alguns países chegam a esses 80%. Além disso, todas as pessoas com menos de 18 anos devem ser descontadas porque provavelmente não poderão ser vacinadas antes de 2022, no mínimo. Eles representam pelo menos um quinto da população.

Por fim, a taxa de vacinação é lenta e caótica. Dada a urgência, poderíamos e deveríamos ter posto as empresas para trabalhar, como numa economia de guerra, mas em vez disso, a produção foi confiada a alguns gigantes farmacêuticos e, por conseguinte, as campanhas de vacinação têm sido muito mais lentas.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Agonia e Morte Lenta de um Revolucionário nas Prisões Fascistas

Em 2021 lembramos os 130 anos do nascimento do revolucionário e dirigente comunista italiano Antonio Gramsci (22/01/1891 - 27/04/1937).

A Vida de Antonio Gramsci*

 Começava o ano de 1933, finalizando para Gramsci um ano de tormentos e prenunciando um outro, igualmente aterrador. Ele o pressentia. A 2 de janeiro escreveu algumas linhas, a título de balanço do ano de 1932:

“O ano que passou não foi exatamente cheio de recordações agradáveis para mim; foi o pior ano que passei na prisão. Nem o ano-novo se apresenta com perspectivas animadoras; se 1932 foi ruim, creio que 1933 será pior. Estou desgastado e ao mesmo tempo as aflições aumentam. A relação entre as forças disponíveis e o esforço a ser mantido é ainda mais aterradora. Todavia, não me sinto desmoralizado. Ao contrário, minha vontade se alimenta justamente do realismo com que analiso os elementos da minha existência e a capacidade de resistir.”



   Desde então, Gramsci já começava a morrer lentamente. Continuava a sofrer de insônia, sentia-se às vezes “como se suspenso no ar, sem equilíbrio físico, como quando se tem vertigem e tontura ou se está bêbado”. Com a queda dos dentes, Gramsci fora atacado de sérios distúrbios gástricos. E ao lado desses tormentos, para completar a catástrofe do corpo, a tuberculose, a arteriosclerose e o mal de Pott (em que as vértebras vão pouco a pouco sendo destruídas, ao mesmo tempo em que se formam abcessos nos músculos dorsais) progrediam.

   Mas, ao menos, no início de 1933, as faculdades críticas e a vontade mantinham-se como que separadas do corpo doente, externas a este e em nada condicionadas pelo sofrimento físico. Continuavam lúcidas, mesmo no máximo de tensão: “Eu atravessei maus momentos em que me senti fisicamente fraco, mas nunca cedi a fraqueza física, e, até onde é possível afirmar tais coisas, creio que não me deixarei abater. Contudo, não posso me ajudar muito. Quanto mais me dou conta de que tenho de suportar maus momentos, divido à fraqueza e ao agravamento das dificuldades, mais me animo na contensão de toda a minha força de votade.” (30 de janeiro de 1933). Era uma vida sofrida e insuportável, mais ainda assim, Gramsci queria vivê-la.

“A cerca de um ano e meio entrei em uma fase de minha vida que posso definir, sem exagero, como catastrófica. Não consigo mais reagir ao mal físico e cada vez mais sinto as forças me abandonando. Por outo lado, não quero me deixar levar pela corrente, isto é, não quero perder nada que, mesmo abstratamente, possa me oferecer uma possiblidade de pôr fim a esse sofrimento. Acho que se deixasse passar alguma possibilidade, isto equivaleria, em um certo sentido, a um suicídio. Estou cheio de contradições, é verdade, mas não a ponto de não compreender estas coisas elementares...”¹

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Já é Tempo de Tirar a Camisa Suja, Já é Tempo de Vestir Roupa Limpa.*

Lenin (Abril de 1917)




Como Deve Ser o Nome do Nosso Partido Para Ser Cientificamente Exato e Contribuir Politicamente Para Esclarecer a Consciência do Proletariado?

Passo à questão final, ao nome do nosso partido. Devemos chamar-nos Partido Comunista, como se chamavam Marx e Engels.

Devemos repetir que somos marxistas e que nos baseamos no Manifesto Comunista, deturpado e traído pela social-democracia em dois pontos principais:

1- Os operários não têm pátria: a «defesa da pátria» na guerra imperialista é uma traição ao socialismo;

2- A teoria marxista do Estado foi deturpada pela II Internacional.

O nome «social-democracia» é cientificamente inexato, como, aliás, Marx demonstrou repetidas vezes nomeadamente na Crítica do Programa de Gotha, em 1875, e como Engels repetiu, em linguagem mais popular, em 1894. Do capitalismo a humanidade só pode passar diretamente ao socialismo, isto é, à propriedade social dos meios de produção e à distribuição dos produtos segundo o trabalho de cada um. O nosso partido vê mais longe: o socialismo deverá inevitavelmente transformar-se de modo gradual em comunismo, em cuja bandeira figura este lema: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades

Tal é o meu primeiro argumento.

O segundo: a segunda parte da denominação do nosso partido (social-democrata) também é cientificamente inexata. A democracia é uma das formas do Estado. Entretanto nós, marxistas, somos inimigos de qualquer Estado.

Os dirigentes da II Internacional (1889-1914), o Sr. Plekhánov, Kautsky, e quejandos aviltaram e adulteraram o marxismo.

O marxismo distingue-se do anarquismo por reconhecer a necessidade do Estado para a passagem ao socialismo, mas (e isto é o que o distingue de Kautsky e C.a) não de um Estado como a república democrática burguesa parlamentar corrente, mas de um Estado como a Comuna de Paris de 1871, como os Sovietes de deputados operários de 1905 e 1917.

O meu terceiro argumento: A vida criou, a revolução criou já de fato no nosso país, ainda que em forma precária, embrionária, precisamente este novo «Estado», que não é um Estado no sentido próprio da palavra.

Isto já é uma questão da prática das massas, e não apenas uma teoria dos chefes.

O Estado, no sentido próprio da palavra, é o comando sobre as massas, exercido por destacamentos de homens armados separados do povo.

O nosso novo Estado nascente é também um Estado, pois necessitamos de destacamentos de homens armados, necessitamos da ordem mais severa, necessitamos de reprimir impiedosamente pela violência todas as tentativas da contra-revolução, tanto tsarista como burguesa gutchkovista.

Mas o nosso novo Estado nascente não é já um Estado no sentido próprio da palavra, pois numa série de lugares da Rússia estes destacamentos de homens armados são a própria massa, todo o povo, e não alguém colocado acima dele, separado dele, dotado de privilégios e praticamente inamovível.

Não se deve olhar para trás mas para a frente, não para a democracia de tipo burguês corrente, que consolidava a dominação da burguesia por meio dos velhos órgãos de administração monárquicos, da polícia, do exército e do funcionalismo.

É preciso olhar para a frente, para a nova democracia nascente, que deixa já de ser uma democracia, pois democracia significa dominação do povo, e o próprio povo armado não pode exercer uma dominação sobre si próprio.

A palavra democracia, aplicada ao partido comunista, não é só cientificamente inexata. Agora, depois de Março de 1917, significa uns antolhos postos nos olhos do povo revolucionário, e que o impedem de construir livremente, corajosamente e por sua própria iniciativa o novo: os Sovietes de deputados operários, camponeses e outros como único poder dentro do «Estado», como precursor da «extinção» de qualquer Estado.

O meu quarto argumento: é preciso ter em conta a situação objetiva do socialismo no mundo inteiro.

Ela não é a que existia de 1871 a 1914, quando Marx e Engels conscientemente se resignaram ao termo inexato e oportunista: «social-democracia». Porque então, depois de derrotada a Comuna de Paris, a história tinha colocado na ordem do dia um trabalho lento de organização e educação. Não havia outro. Os anarquistas não só estavam (e estão) totalmente errados teoricamente, mas também econômica e politicamente. Os anarquistas apreciavam erradamente o momento, não compreendendo a situação internacional: o operário da Inglaterra corrompido pelos lucros imperialistas, a Comuna de Paris esmagada, o movimento nacional-burguês que acabava de triunfar (1871) na Alemanha, a Rússia semifeudal dormindo um sono secular...

Marx e Engels tiveram em conta corretamente o momento, compreenderam a situação internacional, compreenderam as tarefas da aproximação lenta do começo da revolução social.

Compreendamos também nós as tarefas e peculiaridades da nova época. Não imitemos aqueles marxistas de meia-tigela dos quais Marx dizia: «semeei dragões mas a colheita deu-me pulgas.»

A necessidade objetiva do capitalismo, que ao crescer se converteu em imperialismo, gerou a guerra imperialista. A guerra levou toda a humanidade à beira do abismo, da destruição de toda a cultura, do embrutecimento e da destruição de novos milhões de homens, de inúmeros milhões.

Não há outra saída senão a revolução do proletariado.

E em tal momento, em que esta revolução começa, em que dá os seus primeiros passos, tímidos, inseguros, inconscientes, demasiado confiados na burguesia; em tal momento, a maioria (isto é verdade, isto é um fato) dos chefes «sociais-democratas», dos parlamentares «sociais-democratas», dos jornais «sociais-democratas» — e são precisamente tais órgãos que influenciam as massas —, a maioria deles traiu o socialismo, atraiçoou o socialismo e passou para o lado da «sua» burguesia nacional.

As massas estão confundidas, desorientadas e enganadas por estes chefes.

E nós iremos encorajar este engano, iremos facilitá-lo, agarrando-nos a este velho e caduco nome, tão podre já como está podre a II Internacional!

Não importa que «muitos» operários interpretem honestamente a social-democracia. Já é tempo de aprenderem a distinguir o subjetivo do objetivo.

Subjetivamente, estes operários sociais-democratas são chefes fidelíssimos das massas proletárias. Mas a situação internacional objetiva é tal que o velho nome do nosso partido facilita o engano das massas, entrava o movimento para a frente, pois a cada passo, em cada jornal, em cada fração parlamentar, a massa vê chefes, isto é, homens cujas palavras têm mais ressonância e cujos atos se veem de mais longe, e todos eles são «também-sociais-democratas», todos eles são «pela unidade» com os traidores do socialismo, com os sociais-chauvinistas, todos eles apresentam à cobrança as velhas letras assinadas pela «social-democracia»...

E os argumentos contra? «... Confundir-nos-ão com os anarquistas-comunistas ...»

E porque não tememos que nos confundam com os sociais-nacionais e sociais-liberais, com os radicais-socialistas, o partido burguês da república francesa mais avançado e mais hábil no engano burguês das massas? «... As massas habituaram-se, os operários 'apaixonaram-se' pelo seu partido social-democrata...»

Eis o único argumento, mas este é um argumento que põe de lado tanto a ciência marxista como as tarefas de amanhã na revolução, como a situação objetiva do socialismo mundial, como a bancarrota ignominiosa da II Internacional, como o prejuízo que causam ao trabalho prático os bandos de «também-sociais-democratas» que rodeiam os proletários.

Este é um argumento de rotina, de entorpecimento, de inércia.

Mas nós queremos reconstruir o mundo. Queremos pôr fim à guerra imperialista mundial, na qual estão envolvidos centenas de milhões de homens, à qual estão ligados os interesses de centenas e centenas de milhares de milhões de capital e à qual não se poderá pôr fim com uma paz verdadeiramente democrática sem a revolução proletária, a mais grandiosa na história da humanidade.

E temos medo de nós mesmos. Agarramo-nos à camisa suja a que estamos «habituados» e à qual já tomamos «apego»...

Já é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa.

Petrogrado, 10 de Abril de 1917.

*Fonte: V.I.Lenine - Obras Escolhidas; Alfa Omega; 1988; As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução (Teses de Abril); p.43.

Edição: Página 1917.





quinta-feira, 15 de abril de 2021

O Imperialismo e a Cisão do Socialismo

Lenin (outubro-1916)

Existe uma ligação entre o imperialismo e a vitória monstruosa e abominável que o oportunismo (na forma de social-chauvinismo) alcançou sobre o movimento operário na Europa?

 



É esta a questão fundamental do socialismo contemporâneo. E depois de termos estabelecido completamente na nossa literatura partidária o caráter imperialista da nossa época e desta guerra em primeiro lugar, e em segundo lugar a ligação histórica indissolúvel do social-chauvinismo com o oportunismo, e igualmente o seu conteúdo ideológico-político idêntico, pode-se e deve-se passar à elaboração desta questão fundamental.

É preciso começar por uma definição o mais precisa e completa possível do imperialismo. O imperialismo é um estágio histórico particular do capitalismo. Esta particularidade é tripla: o imperialismo é: (1) — capitalismo monopolista; (2) — capitalismo parasitário ou em decomposição; (3) — capitalismo moribundo. A substituição da livre concorrência pelo monopólio é o traço econômico fundamental, a essência do imperialismo. O monopolismo manifesta-se em 5 tipos principais: 1) os cartéis, consórcios e trustes; a concentração da produção alcançou o nível que gerou estas associações monopolistas de capitalistas; 2) a situação monopolista dos grandes bancos: 3-5 bancos gigantescos comandam toda a vida econômica da América, da França, da Alemanha; 3) a apropriação das fontes de matérias-primas pelos trustes e pela oligarquia financeira (o capital financeiro é o capital industrial monopolista que se fundiu com o capital bancário); 4) a partilha (econômica) do mundo pelos cartéis internacionais começou. Contam-se já para cima de cem desses cartéis internacionais, que dominam todo o mercado mundial e o dividem «amistosamente» — enquanto a guerra não o redividir. A exportação do capital, como fenômeno particularmente característico, diferentemente da exportação de mercadorias no capitalismo pré-monopolista, está em estreita ligação com a partilha econômica e político-geográfica do mundo; 5) a partilha territorial do mundo (colônias) terminou.

O imperialismo, como estágio superior do capitalismo da América e da Europa, e depois também da Ásia, formou-se completamente em 1898-1914. As guerras hispano-americana (1898)(N22), anglo-bóer (1899-1902)(N23) e russo-japonesa (1904-1905)(N24) e a crise econômica na Europa em 1900 — tais são os principais marcos históricos da nova época da história mundial.

Que o imperialismo é capitalismo parasitário ou em decomposição, isso manifesta-se, em primeiro lugar, na tendência para a decomposição que distingue todo o monopólio sob a propriedade privada dos meios de produção. A diferença entre a burguesia imperialista republicano-democrática e monárquico-reacionária apaga-se precisamente porque uma e outra apodrecem vivas (o que de modo nenhum elimina o desenvolvimento espantosamente rápido do capitalismo em alguns ramos da indústria, em alguns países, em alguns períodos). Em segundo lugar, a decomposição do capitalismo manifesta-se na criação de uma enorme camada de rentistas, de capitalistas que vivem de «cortar cupões». Nos quatro países capitalistas avançados, a Inglaterra, a América do Norte, a França e a Alemanha, o capital em títulos ascende em cada um a 100-150 milhares de milhões de francos, o que significa um rendimento anual de pelo menos 5-8 milhares de milhões por país. Em terceiro lugar, a exportação do capital é o parasitismo ao quadrado. Em quarto lugar, «o capital financeiro aspira à dominação e não à liberdade». A reação política em toda a linha é uma característica do imperialismo. Venalidade, suborno em proporções gigantescas, um panamá de todos os tipos(N25). Em quinto lugar, a exploração das nações oprimidas, indissoluvelmente ligada às anexações e particularmente a exploração das colônias por um punhado de «grandes» potências, transforma cada vez mais o mundo «civilizado» num parasita no corpo de centenas de milhões de pessoas dos povos não civilizados. O proletariado romano vivia à custa da sociedade. A sociedade atual vive à custa do proletariado moderno. Marx sublinhou particularmente esta profunda observação de Sismondi(N26). O imperialismo modifica um pouco a situação. Uma camada privilegiada do proletariado das potências imperialistas vive parcialmente à custa de centenas de milhões de pessoas dos povos não civilizados.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Gramsci é o “Lenin de hoje”

Maria-Antonietta Macciocchi*

O marxismo de Gramsci, que para alguns não parece suficientemente “ortodoxo”, aborda uma direção de pesquisa fundamental: revelar o que existe de vivo e morto no marxismo, a luz das experiências de uma época histórica determinada, e dos objetivos e metas a atingir. Antes de mais nada é preciso refutar as teses acadêmicas que pretendem ver na tentativa gramscista “uma difícil abordagem do marxismo, sempre visto através de uma ótica idealista e espiritualista”. (Cortesi, Alcuni Problemi della Storia del PCI. Rivista storica del socialismo, 1967.) Sua relação com o marxismo foi, em primeiro lugar, política: partindo do Capital, ele refuta o economicismo de boutique, a interpretação positivista, todo pedantismo formalista, a utilização ideológica do marxismo com fins reformistas.



1891-2021: 130 anos do nascimento de Gramsci.


   A questão reside em ver em que reside o aporte maior, o mais original, de Gramsci ao marxismo e ao leninismo. Pode-se dizer que, se ele não conseguiu levar o movimento a sair do impasse, se suas ideias foram limitadas pela conjuntura histórica da crise política e conceitual que acompanhou a derrota dos anos vinte, Gramsci foi, entretanto, um teórico que, através da revalorização do conceito de práxis, demonstrou que o marxismo não deve ser considerado como uma “ciência da infra-estrutura”, mas como a articulação complexa da teoria e da prática na relação infra-estrutura-superestrutura. Ele enfrenta assim a relação entre objetividade e subjetividade num sentido revolucionário: é impossível preparar a revolução socialista se não se traduz em ideologia revolucionária o condicionamento que provém da objetividade. Ele retoma assim o hic Rhodus hic salta, que ainda hoje permanece sendo uma palavra de ordem para todo o movimento revolucionário. É através da revolução intelectual e moral que somos conquistados para uma linha política, isto é, para um comportamento prático, “como atividade humana sensível, como prática” (Marx, Teses sobre Feuerbach). De fato, em Gramsci, “a negação da negação não é o resultado da determinação econômica, mas o fato de assumir contradições estruturais na práxis consciente” (Badaloni, in Prassi Rivoluzionaria e Storicismo in Gramsci. E.R. p. 108). A interpretação prática da relação infra-estrutura-superestrutura é a pedra fundamental de onde Gramsci pode fazer partir sua teoria da hegemonia, da democracia proletária, conceito que sofreu tão grande golpe na experiência prática das sociedades de transição para o socialismo: o poder das massas se evaporou atrás dos pesados aparelhos dos burocratas, de governantes, de chefes de partido; o consenso, de que falava Gramsci, tornou-se uma terna passividade, ou mesmo uma despolitização das massas, pelo fato de que elas são privadas de uma fonte real de participação e controle.

   Eu ousaria dizer que Gramsci é o “Lenin de hoje”, no mundo das sociedades industrializadas para as quais caminhamos, buscando uma saída revolucionária entre as tentações reformistas ou mencheviques e as do ultra-esquerdismo infantil. Gramsci, e essa é a minha própria “formulação” do problema, pode, portanto, aparecer como o único pensador de uma revolução no Ocidente, na medida em que seu ensinamento teórico-político é estrategicamente o mais avançado, no que concerne à determinação do processo da revolução socialista, não apenas na Itália, como também no ocidente europeu, isto é, o do “capitalismo evoluído” tal como o entendemos hoje.


*Maria Antonietta Macciocchi (23 de julho de 1922 - 15 de abril de 2007) foi uma jornalista, escritora, feminista e política italiana.  Macciocchi nasceu em Isola del Liri , filho de antifascistas . Ela se juntou ao clandestino Partido Comunista Italiano (PCI) durante a ocupação alemã de Roma. Ela se juntou a l'Unità , o jornal fundado por Antonio Gramsci , tornando-se sua correspondente estrangeira em Argel e Paris. Na década de 1960, ela lecionou na Vincennes University France e seu livro Pour Gramscirecebeu o crédito por apresentar o pensamento de Gramsci aos intelectuais franceses. Retornando à Itália em 1968 para concorrer às eleições gerais como candidata a Nápoles , ela manteve uma correspondência com Louis Althusser sobre as condições da classe trabalhadora e a gestão do partido local. Apesar de eleita, a publicação da correspondência ajudou a garantir que o PCI não a apresentasse à reeleição em 1972. Ela viajou para a China para l'Unità , elogiando a Revolução Cultural no livro resultante, Dalla Cina: dopo la rivoluzione culturale . Em 1977, ela foi expulsa do PCI por apoiar os maoístas em Bolonha. Em 1979 foi eleita Deputada ao Parlamento Europeu (MEP) pelo Partido Radical.

Fonte: A Favor de Gramsci; p.13/14; 1976; Paz e Terra)

Edição: Página 1917.

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.