Lenin (Abril de 1917)
Como Deve Ser o Nome do Nosso Partido Para Ser Cientificamente Exato e Contribuir Politicamente Para Esclarecer a Consciência do Proletariado?
Passo à questão final, ao
nome do nosso partido. Devemos chamar-nos Partido Comunista, como se chamavam
Marx e Engels.
Devemos repetir que somos
marxistas e que nos baseamos no Manifesto Comunista, deturpado e traído pela
social-democracia em dois pontos principais:
1- Os operários não têm pátria: a «defesa da pátria» na guerra
imperialista é uma traição ao socialismo;
2- A teoria marxista do Estado foi deturpada pela II Internacional.
O nome «social-democracia» é
cientificamente inexato, como, aliás, Marx demonstrou repetidas vezes
nomeadamente na Crítica do Programa de Gotha, em 1875, e como Engels repetiu,
em linguagem mais popular, em 1894. Do capitalismo a humanidade só pode passar
diretamente ao socialismo, isto é, à propriedade social dos meios de produção e
à distribuição dos produtos segundo o trabalho de cada um. O nosso partido vê
mais longe: o socialismo deverá inevitavelmente transformar-se de modo gradual
em comunismo, em cuja bandeira figura este lema: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas
necessidades.»
Tal é o meu primeiro
argumento.
O segundo: a segunda parte
da denominação do nosso partido (social-democrata) também é cientificamente
inexata. A democracia é uma das formas do Estado. Entretanto nós, marxistas,
somos inimigos de qualquer Estado.
Os dirigentes da II
Internacional (1889-1914), o Sr. Plekhánov, Kautsky, e quejandos aviltaram e
adulteraram o marxismo.
O
marxismo distingue-se do anarquismo por reconhecer a necessidade do Estado para
a passagem ao socialismo, mas (e isto é o que o distingue de Kautsky e C.a) não
de um Estado como a república democrática burguesa parlamentar corrente, mas de
um Estado como a Comuna de Paris de 1871, como os Sovietes de deputados
operários de 1905 e 1917.
O meu terceiro argumento: A
vida criou, a revolução criou já de fato no nosso país, ainda que em forma
precária, embrionária, precisamente este novo «Estado», que não é um Estado no
sentido próprio da palavra.
Isto já é uma questão da
prática das massas, e não apenas uma teoria dos chefes.
O Estado, no sentido próprio
da palavra, é o comando sobre as massas, exercido por destacamentos de homens
armados separados do povo.
O nosso novo Estado nascente
é também um Estado, pois necessitamos de destacamentos de homens armados, necessitamos
da ordem mais severa, necessitamos de reprimir impiedosamente pela violência
todas as tentativas da contra-revolução, tanto tsarista como burguesa
gutchkovista.
Mas o nosso novo Estado
nascente não é já um Estado no sentido próprio da palavra, pois numa série de
lugares da Rússia estes destacamentos de homens armados são a própria massa,
todo o povo, e não alguém colocado acima dele, separado dele, dotado de
privilégios e praticamente inamovível.
Não
se deve olhar para trás mas para a frente, não para a democracia de tipo
burguês corrente, que consolidava a dominação da burguesia por meio dos velhos
órgãos de administração monárquicos, da polícia, do exército e do
funcionalismo.
É
preciso olhar para a frente, para a nova democracia nascente, que deixa já de
ser uma democracia, pois democracia significa dominação do povo, e o próprio
povo armado não pode exercer uma dominação sobre si próprio.
A palavra democracia,
aplicada ao partido comunista, não é só cientificamente inexata. Agora, depois
de Março de 1917, significa uns antolhos postos nos olhos do povo
revolucionário, e que o impedem de construir livremente, corajosamente e por
sua própria iniciativa o novo: os Sovietes de deputados operários, camponeses e
outros como único poder dentro do «Estado», como precursor da «extinção» de
qualquer Estado.
O meu quarto argumento: é
preciso ter em conta a situação objetiva do socialismo no mundo inteiro.
Ela não é a que existia de
1871 a 1914, quando Marx e Engels conscientemente se resignaram ao termo inexato
e oportunista: «social-democracia». Porque então, depois de derrotada a Comuna
de Paris, a história tinha colocado na ordem do dia um trabalho lento de
organização e educação. Não havia outro. Os anarquistas não só estavam (e
estão) totalmente errados teoricamente, mas também econômica e politicamente.
Os anarquistas apreciavam erradamente o momento, não compreendendo a situação
internacional: o operário da Inglaterra corrompido pelos lucros imperialistas,
a Comuna de Paris esmagada, o movimento nacional-burguês que acabava de
triunfar (1871) na Alemanha, a Rússia semifeudal dormindo um sono secular...
Marx e Engels tiveram em
conta corretamente o momento, compreenderam a situação internacional,
compreenderam as tarefas da aproximação lenta do começo da revolução social.
Compreendamos também nós as
tarefas e peculiaridades da nova época. Não imitemos aqueles marxistas de
meia-tigela dos quais Marx dizia: «semeei dragões mas a colheita deu-me
pulgas.»
A necessidade objetiva do
capitalismo, que ao crescer se converteu em imperialismo, gerou a guerra
imperialista. A guerra levou toda a humanidade à beira do abismo, da destruição
de toda a cultura, do embrutecimento e da destruição de novos milhões de
homens, de inúmeros milhões.
Não
há outra saída senão a revolução do proletariado.
E em tal momento, em que
esta revolução começa, em que dá os seus primeiros passos, tímidos, inseguros,
inconscientes, demasiado confiados na burguesia; em tal momento, a maioria
(isto é verdade, isto é um fato) dos chefes «sociais-democratas», dos
parlamentares «sociais-democratas», dos jornais «sociais-democratas» — e são
precisamente tais órgãos que influenciam as massas —, a maioria deles traiu o
socialismo, atraiçoou o socialismo e passou para o lado da «sua» burguesia
nacional.
As massas estão confundidas,
desorientadas e enganadas por estes chefes.
E nós iremos encorajar este
engano, iremos facilitá-lo, agarrando-nos a este velho e caduco nome, tão podre
já como está podre a II Internacional!
Não importa que «muitos»
operários interpretem honestamente a social-democracia. Já é tempo de
aprenderem a distinguir o subjetivo do objetivo.
Subjetivamente, estes
operários sociais-democratas são chefes fidelíssimos das massas proletárias. Mas
a situação internacional objetiva é tal que o velho nome do nosso partido
facilita o engano das massas, entrava o movimento para a frente, pois a cada
passo, em cada jornal, em cada fração parlamentar, a massa vê chefes, isto é,
homens cujas palavras têm mais ressonância e cujos atos se veem de mais longe,
e todos eles são «também-sociais-democratas», todos eles são «pela unidade» com
os traidores do socialismo, com os sociais-chauvinistas, todos eles apresentam
à cobrança as velhas letras assinadas pela «social-democracia»...
E os argumentos contra? «...
Confundir-nos-ão com os anarquistas-comunistas ...»
E porque não tememos que nos
confundam com os sociais-nacionais e sociais-liberais, com os
radicais-socialistas, o partido burguês da república francesa mais avançado e
mais hábil no engano burguês das massas? «... As massas habituaram-se, os
operários 'apaixonaram-se' pelo seu partido social-democrata...»
Eis o único argumento, mas
este é um argumento que põe de lado tanto a ciência marxista como as tarefas de
amanhã na revolução, como a situação objetiva do socialismo mundial, como a
bancarrota ignominiosa da II Internacional, como o prejuízo que causam ao
trabalho prático os bandos de «também-sociais-democratas» que rodeiam os
proletários.
Este é um argumento de rotina, de entorpecimento, de inércia.
Mas nós queremos reconstruir
o mundo. Queremos pôr fim à guerra imperialista mundial, na qual estão envolvidos
centenas de milhões de homens, à qual estão ligados os interesses de centenas e
centenas de milhares de milhões de capital e à qual não se poderá pôr fim com
uma paz verdadeiramente democrática sem a revolução proletária, a mais
grandiosa na história da humanidade.
E temos medo de nós mesmos.
Agarramo-nos à camisa suja a que estamos «habituados» e à qual já tomamos
«apego»...
Já
é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa.
Petrogrado, 10 de Abril de 1917.
*Fonte: V.I.Lenine - Obras Escolhidas; Alfa Omega; 1988; As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução (Teses de Abril); p.43.
Edição: Página 1917.
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