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sexta-feira, 16 de abril de 2021

Já é Tempo de Tirar a Camisa Suja, Já é Tempo de Vestir Roupa Limpa.*

Lenin (Abril de 1917)




Como Deve Ser o Nome do Nosso Partido Para Ser Cientificamente Exato e Contribuir Politicamente Para Esclarecer a Consciência do Proletariado?

Passo à questão final, ao nome do nosso partido. Devemos chamar-nos Partido Comunista, como se chamavam Marx e Engels.

Devemos repetir que somos marxistas e que nos baseamos no Manifesto Comunista, deturpado e traído pela social-democracia em dois pontos principais:

1- Os operários não têm pátria: a «defesa da pátria» na guerra imperialista é uma traição ao socialismo;

2- A teoria marxista do Estado foi deturpada pela II Internacional.

O nome «social-democracia» é cientificamente inexato, como, aliás, Marx demonstrou repetidas vezes nomeadamente na Crítica do Programa de Gotha, em 1875, e como Engels repetiu, em linguagem mais popular, em 1894. Do capitalismo a humanidade só pode passar diretamente ao socialismo, isto é, à propriedade social dos meios de produção e à distribuição dos produtos segundo o trabalho de cada um. O nosso partido vê mais longe: o socialismo deverá inevitavelmente transformar-se de modo gradual em comunismo, em cuja bandeira figura este lema: «De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades

Tal é o meu primeiro argumento.

O segundo: a segunda parte da denominação do nosso partido (social-democrata) também é cientificamente inexata. A democracia é uma das formas do Estado. Entretanto nós, marxistas, somos inimigos de qualquer Estado.

Os dirigentes da II Internacional (1889-1914), o Sr. Plekhánov, Kautsky, e quejandos aviltaram e adulteraram o marxismo.

O marxismo distingue-se do anarquismo por reconhecer a necessidade do Estado para a passagem ao socialismo, mas (e isto é o que o distingue de Kautsky e C.a) não de um Estado como a república democrática burguesa parlamentar corrente, mas de um Estado como a Comuna de Paris de 1871, como os Sovietes de deputados operários de 1905 e 1917.

O meu terceiro argumento: A vida criou, a revolução criou já de fato no nosso país, ainda que em forma precária, embrionária, precisamente este novo «Estado», que não é um Estado no sentido próprio da palavra.

Isto já é uma questão da prática das massas, e não apenas uma teoria dos chefes.

O Estado, no sentido próprio da palavra, é o comando sobre as massas, exercido por destacamentos de homens armados separados do povo.

O nosso novo Estado nascente é também um Estado, pois necessitamos de destacamentos de homens armados, necessitamos da ordem mais severa, necessitamos de reprimir impiedosamente pela violência todas as tentativas da contra-revolução, tanto tsarista como burguesa gutchkovista.

Mas o nosso novo Estado nascente não é já um Estado no sentido próprio da palavra, pois numa série de lugares da Rússia estes destacamentos de homens armados são a própria massa, todo o povo, e não alguém colocado acima dele, separado dele, dotado de privilégios e praticamente inamovível.

Não se deve olhar para trás mas para a frente, não para a democracia de tipo burguês corrente, que consolidava a dominação da burguesia por meio dos velhos órgãos de administração monárquicos, da polícia, do exército e do funcionalismo.

É preciso olhar para a frente, para a nova democracia nascente, que deixa já de ser uma democracia, pois democracia significa dominação do povo, e o próprio povo armado não pode exercer uma dominação sobre si próprio.

A palavra democracia, aplicada ao partido comunista, não é só cientificamente inexata. Agora, depois de Março de 1917, significa uns antolhos postos nos olhos do povo revolucionário, e que o impedem de construir livremente, corajosamente e por sua própria iniciativa o novo: os Sovietes de deputados operários, camponeses e outros como único poder dentro do «Estado», como precursor da «extinção» de qualquer Estado.

O meu quarto argumento: é preciso ter em conta a situação objetiva do socialismo no mundo inteiro.

Ela não é a que existia de 1871 a 1914, quando Marx e Engels conscientemente se resignaram ao termo inexato e oportunista: «social-democracia». Porque então, depois de derrotada a Comuna de Paris, a história tinha colocado na ordem do dia um trabalho lento de organização e educação. Não havia outro. Os anarquistas não só estavam (e estão) totalmente errados teoricamente, mas também econômica e politicamente. Os anarquistas apreciavam erradamente o momento, não compreendendo a situação internacional: o operário da Inglaterra corrompido pelos lucros imperialistas, a Comuna de Paris esmagada, o movimento nacional-burguês que acabava de triunfar (1871) na Alemanha, a Rússia semifeudal dormindo um sono secular...

Marx e Engels tiveram em conta corretamente o momento, compreenderam a situação internacional, compreenderam as tarefas da aproximação lenta do começo da revolução social.

Compreendamos também nós as tarefas e peculiaridades da nova época. Não imitemos aqueles marxistas de meia-tigela dos quais Marx dizia: «semeei dragões mas a colheita deu-me pulgas.»

A necessidade objetiva do capitalismo, que ao crescer se converteu em imperialismo, gerou a guerra imperialista. A guerra levou toda a humanidade à beira do abismo, da destruição de toda a cultura, do embrutecimento e da destruição de novos milhões de homens, de inúmeros milhões.

Não há outra saída senão a revolução do proletariado.

E em tal momento, em que esta revolução começa, em que dá os seus primeiros passos, tímidos, inseguros, inconscientes, demasiado confiados na burguesia; em tal momento, a maioria (isto é verdade, isto é um fato) dos chefes «sociais-democratas», dos parlamentares «sociais-democratas», dos jornais «sociais-democratas» — e são precisamente tais órgãos que influenciam as massas —, a maioria deles traiu o socialismo, atraiçoou o socialismo e passou para o lado da «sua» burguesia nacional.

As massas estão confundidas, desorientadas e enganadas por estes chefes.

E nós iremos encorajar este engano, iremos facilitá-lo, agarrando-nos a este velho e caduco nome, tão podre já como está podre a II Internacional!

Não importa que «muitos» operários interpretem honestamente a social-democracia. Já é tempo de aprenderem a distinguir o subjetivo do objetivo.

Subjetivamente, estes operários sociais-democratas são chefes fidelíssimos das massas proletárias. Mas a situação internacional objetiva é tal que o velho nome do nosso partido facilita o engano das massas, entrava o movimento para a frente, pois a cada passo, em cada jornal, em cada fração parlamentar, a massa vê chefes, isto é, homens cujas palavras têm mais ressonância e cujos atos se veem de mais longe, e todos eles são «também-sociais-democratas», todos eles são «pela unidade» com os traidores do socialismo, com os sociais-chauvinistas, todos eles apresentam à cobrança as velhas letras assinadas pela «social-democracia»...

E os argumentos contra? «... Confundir-nos-ão com os anarquistas-comunistas ...»

E porque não tememos que nos confundam com os sociais-nacionais e sociais-liberais, com os radicais-socialistas, o partido burguês da república francesa mais avançado e mais hábil no engano burguês das massas? «... As massas habituaram-se, os operários 'apaixonaram-se' pelo seu partido social-democrata...»

Eis o único argumento, mas este é um argumento que põe de lado tanto a ciência marxista como as tarefas de amanhã na revolução, como a situação objetiva do socialismo mundial, como a bancarrota ignominiosa da II Internacional, como o prejuízo que causam ao trabalho prático os bandos de «também-sociais-democratas» que rodeiam os proletários.

Este é um argumento de rotina, de entorpecimento, de inércia.

Mas nós queremos reconstruir o mundo. Queremos pôr fim à guerra imperialista mundial, na qual estão envolvidos centenas de milhões de homens, à qual estão ligados os interesses de centenas e centenas de milhares de milhões de capital e à qual não se poderá pôr fim com uma paz verdadeiramente democrática sem a revolução proletária, a mais grandiosa na história da humanidade.

E temos medo de nós mesmos. Agarramo-nos à camisa suja a que estamos «habituados» e à qual já tomamos «apego»...

Já é tempo de tirar a camisa suja, já é tempo de vestir roupa limpa.

Petrogrado, 10 de Abril de 1917.

*Fonte: V.I.Lenine - Obras Escolhidas; Alfa Omega; 1988; As Tarefas do Proletariado na Nossa Revolução (Teses de Abril); p.43.

Edição: Página 1917.





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