Maria-Antonietta Macciocchi*
O marxismo de Gramsci, que
para alguns não parece suficientemente “ortodoxo”, aborda uma direção de
pesquisa fundamental: revelar o que existe de vivo e morto no marxismo, a luz
das experiências de uma época histórica determinada, e dos objetivos e metas a
atingir. Antes de mais nada é preciso refutar as teses acadêmicas que pretendem
ver na tentativa gramscista “uma difícil
abordagem do marxismo, sempre visto através de uma ótica idealista e
espiritualista”. (Cortesi, Alcuni
Problemi della Storia del PCI. Rivista storica del socialismo, 1967.) Sua
relação com o marxismo foi, em primeiro lugar, política: partindo do Capital, ele refuta o economicismo de boutique, a interpretação positivista,
todo pedantismo formalista, a utilização ideológica do marxismo com fins
reformistas.
1891-2021: 130 anos do nascimento de Gramsci. |
A questão reside em ver em que reside o
aporte maior, o mais original, de Gramsci ao marxismo e ao leninismo. Pode-se
dizer que, se ele não conseguiu levar o movimento a sair do impasse, se suas ideias foram limitadas
pela conjuntura histórica da crise política e conceitual que acompanhou a
derrota dos anos vinte, Gramsci foi, entretanto, um teórico que, através da revalorização do conceito de
práxis, demonstrou que o marxismo não deve ser considerado como uma “ciência da
infra-estrutura”, mas como a articulação complexa da teoria e da prática na
relação infra-estrutura-superestrutura. Ele enfrenta assim a relação entre
objetividade e subjetividade num sentido revolucionário: é impossível preparar
a revolução socialista se não se traduz em ideologia revolucionária o
condicionamento que provém da objetividade. Ele retoma assim o hic Rhodus hic salta, que ainda hoje
permanece sendo uma palavra de ordem para todo o movimento revolucionário. É
através da revolução intelectual e moral que somos conquistados para uma linha
política, isto é, para um comportamento prático, “como atividade humana
sensível, como prática” (Marx, Teses
sobre Feuerbach). De fato, em Gramsci, “a negação da negação não é o
resultado da determinação econômica, mas o fato de assumir contradições
estruturais na práxis consciente” (Badaloni, in Prassi Rivoluzionaria e Storicismo in Gramsci. E.R. p. 108). A
interpretação prática da relação infra-estrutura-superestrutura é a pedra
fundamental de onde Gramsci pode fazer partir sua teoria da hegemonia, da
democracia proletária, conceito que sofreu tão grande golpe na experiência
prática das sociedades de transição para o socialismo: o poder das massas se
evaporou atrás dos pesados aparelhos dos burocratas, de governantes, de chefes
de partido; o consenso, de que falava Gramsci, tornou-se uma terna passividade,
ou mesmo uma despolitização das massas, pelo fato de que elas são privadas de
uma fonte real de participação e controle.
Eu ousaria dizer que Gramsci é o “Lenin de
hoje”, no mundo das sociedades industrializadas para as quais caminhamos,
buscando uma saída revolucionária entre as tentações reformistas ou
mencheviques e as do ultra-esquerdismo infantil. Gramsci, e essa é a minha
própria “formulação” do problema, pode, portanto, aparecer como o único
pensador de uma revolução no Ocidente, na medida em que seu ensinamento teórico-político
é estrategicamente o mais avançado, no que concerne à determinação do processo
da revolução socialista, não apenas na Itália, como também no ocidente europeu,
isto é, o do “capitalismo evoluído” tal como o entendemos hoje.
*Maria Antonietta Macciocchi (23 de julho de 1922 - 15 de abril de 2007) foi uma jornalista, escritora, feminista e política italiana. Macciocchi nasceu em Isola del Liri , filho de antifascistas . Ela se juntou ao clandestino Partido Comunista Italiano (PCI) durante a ocupação alemã de Roma. Ela se juntou a l'Unità , o jornal fundado por Antonio Gramsci , tornando-se sua correspondente estrangeira em Argel e Paris. Na década de 1960, ela lecionou na Vincennes University France e seu livro Pour Gramscirecebeu o crédito por apresentar o pensamento de Gramsci aos intelectuais franceses. Retornando à Itália em 1968 para concorrer às eleições gerais como candidata a Nápoles , ela manteve uma correspondência com Louis Althusser sobre as condições da classe trabalhadora e a gestão do partido local. Apesar de eleita, a publicação da correspondência ajudou a garantir que o PCI não a apresentasse à reeleição em 1972. Ela viajou para a China para l'Unità , elogiando a Revolução Cultural no livro resultante, Dalla Cina: dopo la rivoluzione culturale . Em 1977, ela foi expulsa do PCI por apoiar os maoístas em Bolonha. Em 1979 foi eleita Deputada ao Parlamento Europeu (MEP) pelo Partido Radical.
Fonte: A Favor de Gramsci; p.13/14; 1976; Paz e Terra)
Edição: Página 1917.
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