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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Não à Guerra Imperialista na Ucrânia!

Declaração Conjunta dos Partidos Comunistas e Operários

25/02/2022 

É necessária uma luta independente contra os monopólios e as classes burguesas, pela derrubada do capitalismo, pelo fortalecimento da luta de classes contra a guerra imperialista, pelo socialismo! 


Ucrânia, restauração capitalista e guerra imperialista.


1. Os partidos comunistas e operários que assinam esta Declaração Conjunta se opõem ao conflito imperialista na Ucrânia, que constitui uma das consequências da trágica situação para os povos formados após a derrubada do socialismo e a dissolução da União Soviética. Tanto a burguesia, como as forças oportunistas, que por anos lutaram contra a URSS e recentemente celebraram o 30º aniversário da sua dissolução, silenciando o fato de que a restauração do capitalismo significou o desmantelamento de conquistas históricas dos povos e da classe trabalhadora, e trouxe a URSS de volta a era da exploração capitalista e guerra imperialista, estão completamente desmascarados.

2. Os acontecimentos na Ucrânia, que ocorrem no marco do capitalismo monopolista, estão ligados aos planos dos EUA, da OTAN, da União Europeia e sua intervenção nesta região no contexto de sua feroz competição com a Rússia capitalista pelo controle dos mercados, matérias-primas e redes de transporte do país. Esses propósitos são ocultadas pelas potências imperialistas envolvidas no conflito sob  pretextos como “defender a democracia”, “autodefesa” e o direito de “escolher suas alianças”, o cumprimento dos princípios da ONU ou da OSCE, ou um suposto “fascismo”, que apresentam deliberadamente desconectado do sistema capitalista que o fomenta e utiliza.

3. Denunciamos a atividade das forças fascistas e nacionalistas na Ucrânia, o anticomunismo e a perseguição aos comunistas, a discriminação contra a população de língua russa e os ataques armados do governo ucraniano contra o povo de Donbas. Condenamos o uso das forças políticas mais reacionárias da Ucrânia, incluindo grupos fascistas, pelas potências Euro-atlânticas para a aplicação dos seus planos. Além disso, a retórica anticomunista contra Lenin, os bolcheviques e a União Soviética, à qual a liderança russa recorre para justificar seus próprios planos estratégicos na região é inaceitável. No entanto, nada pode manchar a enorme contribuição do socialismo na União Soviética, que era uma união multinacional de repúblicas socialistas em igualdade.

4. A decisão da Federação Russa de reconhecer inicialmente a “independência” das chamadas “Repúblicas Populares” em Donbas e depois proceder uma intervenção militar, que acontece sob o pretexto da “autodefesa” da Rússia a “desmilitarização” e “desfascistização” da Ucrânia, não foi feita para proteger o povo da região ou a paz, mas sim para promover os interesses dos monopólios russos no território ucraniano e sua feroz competição com os monopólios ocidentais. Expressamos nossa solidariedade com os comunistas e os povos da Rússia e da Ucrânia, estaremos ao lado deles para fortalecer a luta contra o nacionalismo fomentado por suas respectivas burguesias. Os povos desses dois países, que viveram em paz e prosperaram conjuntamente como parte da URSS, assim como os demais povos do mundo,  não têm nada a ganhar ao aliar-se a um ou outro polo ou aliança imperialista que serve aos interesses dos monopólios.

5. Salientamos que as ilusões propagadas pelas forças burguesas que afirmam que poderia haver uma “melhor arquitetura de segurança” na Europa pela intervenção da UE, a OTAN “sem planos militares e sistemas de armas agressivos em seu território”, uma “UE pró-paz”, ou um “mundo multipolar pacífico”, etc., são altamente perigosas. Todas essas suposições nada têm a ver com a realidade e são enganosas para a luta anticapitalista e anti-imperialista, pois buscam cultivar a percepção de que pode existir um “imperialismo pacífico”. No entanto, a verdade é que a OTAN e a UE, como qualquer aliança capitalista multinacional, são alianças predatórias de natureza profundamente reacionária, que não se colocam a favor dos interesses populares e continuarão a agir contra a classe trabalhadora, contra seus direitos e o dos povos; que o capitalismo anda de mãos dadas com as guerras imperialistas.

6. Chamamos os povos dos países cujos governant estão envolvidos nos acontecimentos, especialmente através da OTAN e da UE, mas também da Rússia, a lutar contra a propaganda das forças burguesas que atraem o povo para a monstruosa máquina de guerra imperialista, usando diversos pretextos espúrios. Os chamamos a exigir o fechamento de bases militares e o retorno para casa das tropas enviadas em missões no exterior, a fortalecer a luta pelo rompimento dos países com os planos e alianças imperialistas como a OTAN e a UE.

7.O interesse da classe trabalhadora e das camadas populares requer dos comunistas o fortalecimento do critério de classe para analisar os acontecimentos, para traçar nosso próprio caminho independente contra os monopólios e as classes burguesas, pela derrubada do capitalismo, pelo fortalecimento da luta de classes e contra a guerra imperialista, pelo socialismo, que permanece tão vigente e necessário como sempre.

Partidos Comunistas e Operários que assinam a declaração conjunta:

1. Partido Argelino para a Democracia e o Socialismo

2. Partido Comunista do Azerbaijão

3. Partido do Trabalho da Áustria

4. Partido Comunista de Bangladesh

5. Partido Comunista da Bélgica

6. Movimento “Che Guevara” (União dos Comunistas da Bulgária)

7. Partido Comunista na Dinamarca

8. Partido Comunista de El Salvador

9. Partido Comunista da Finlândia

10. Partido Comunista Revolucionário da França (PCRF)

11. Partido Comunista da Grécia

12. Partido Comunista do Curdistão-Iraque

13. Partido dos Trabalhadores da Irlanda

14. Frente Comunista (Itália)

15. Movimento Socialista do Cazaquistão

16. Partido Socialista da Letônia

17. Partido Comunista do México

18. Novo Partido Comunista da Holanda

19. Partido Comunista da Noruega

20. Partido Comunista Palestino

21. Partido Comunista do Paquistão

22. Partido Comunista Paraguaio

23. Partido Comunista Peruano

24. Partido Comunista das Filipinas [PKP 1930]

25. Partido Comunista da Polônia

26. Partido Socialista Romeno

27. Partido Comunista Sul-Africano

28. Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha

29. Partido Comunista Sudanês

30. Partido Comunista da Suazilândia

31. Partido Comunista da Suécia

32. Partido Comunista Sírio

33. Partido Comunista da Turquia

34. União dos Comunistas da Ucrânia

 

Organizações da Juventude Comunista que assinam a Declaração Conjunta

1. Seção Juvenil do Partido do Trabalho da Áustria   

2. Jovens Comunistas da Bélgica

3. União da Juventude Comunista, República Tcheca

4. Juventude Comunista da Dinamarca

5. Juventude Comunista do Partido Comunista dos Trabalhadores , Finlândia

6. Juventude Comunista da Grécia

7. Juventude do Partido dos Trabalhadores , Irlanda

8. Frente da Juventude Comunista, Itália

9. Federação de Jovens Comunistas, México

10. Movimento da Juventude Comunista, Holanda

11. Federação Democrática de Estudantes, Paquistão

12. União da Juventude Socialista, Romênia

13.  Liga da Juventude Comunista Revolucionária (bolcheviques), Rússia

14.  Coletivos de Jovens Comunistas, Espanha

15.  União da Juventude Socialista, Sri Lanka

16.  Juventude Comunista da Suécia

17.  União da Juventude Comunista Leninista do Tajiquistão

18.   Juventude Comunista da Turquia

19.   Liga dos Jovens Comunistas EUA

A declaração está aberta para novas assinaturas


Edição: Página 1917

Fonte:https://inter.kke.gr/es/articles/No-a-la-guerra-imperialista-en-Ucrania/

 

Deixou de estar entre nós o camarada Alexandrino Saldanha, editor do site Pelo Socialismo

Site Pelo Socialismo - 26/02/2022


Alexandrino Saldanha


Nascido em 1948 numa aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros, veio para Lisboa ainda criança para estudar e fixou-se nesta cidade. Era advogado e trabalhou no setor bancário.

Logo após o 25 de abril filiou-se no Partido Comunista Português onde teve várias responsabilidades.

Toda a sua vida foi dedicada à intensa militância sindical e política. 

Foi delegado sindical do SBSI no seu local de trabalho, o Banco Português do Atlântico, entre 1979 e 1981, vindo a  integrar o  secretariado sindical deste banco a tempo inteiro, pelas Listas Unitárias, tendência unitária do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. Foi eleito membro da direção desse sindicato na década de 80, do qual foi também vice-presidente.

Foi um dos impulsionadores da formação do SINTAF, Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Financeira, que se filiou na CGTP-IN, acabando com o monopólio da representação sindical da UGT entre os trabalhadores da banca. Era atualmente presidente da Mesa da Assembleia Geral deste sindicato.

Foi deputado do Partido Comunista Português à Assembleia da República nas VI, VII e VIII legislaturas. Foi também eleito vereador da CDU no município de Odivelas entre 2001 e 2005.

Entre 2006 e 2012 foi assessor da Frente Comum dos  Sindicatos Administração Pública dando o seu contributo à luta dos trabalhadores da administração central e local.

Neste período deu também apoio jurídico pro bono à Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla.  Respondeu sempre a todos os pedidos de ajuda de camaradas e amigos que necessitavam de conselhos jurídicos.

Posteriormente, a sua atividade política foi dedicada à divulgação do socialismo científico e do marxismo-leninismo, sendo editor do site Pelo Socialismo. Foi também um dos fundadores da Iskra, Associação de Estudos Marxistas-Leninistas de que foi presidente até à sua morte.

Até ao fim, manteve a fidelidade aos seus ideais revolucionários e socialistas combatendo por eles

O camarada Alexandrino Saldanha distinguia-se pela sua inteligência, pela sua lealdade aos camaradas e amigos, pela sua firmeza, retidão e coerência na defesa dos ideais do fim da exploração do homem pelo homem e da construção de uma nova sociedade, de uma democracia proletária.

Deve ser tomado como exemplo pelas novas gerações de militantes revolucionários comunistas. O contributo do camarada Alexandrino Saldanha vai fazer-nos muita falta, mas os que ficam prosseguirão com determinação os objetivos por que ele também lutava.

Vai para sempre ficar na nossa memória e no nosso coração porque “nenhum de nós anda sozinho e até os mortos vão ao nosso lado”.

À família e amigos expressamos as nossas condolências e manifestamos a maior solidariedade.

Fonte: https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/deixou-de-estar-entre-nos-o-camarada-186415

Edição: Página 1917

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

A Conjuntura Internacional no Começo de 2022

Agravamento das contradições interimperialistas, guerra,  aumento da exploração e da miséria das massas trabalhadoras.

Nota sobre a conjuntura internacional do Coletivo Cem Flores

25/02/2022  


Imperialismo: guerra, miséria e barbárie.

I. Introdução

Nas duas primeiras décadas do século 21, as sucessivas crises do capital (desdobramentos da longa crise do sistema imperialista, em seu estado depressivo) marcaram a economia mundial – juntamente com um sem número de agressões militares imperialistas (Afeganistão, Iraque, Síria, Palestina, Cazaquistão e, agora, Ucrânia, entre vários outros exemplos). Este ano de 2022 não deverá ser diferente em nenhum dos dois casos.

O ano de 2020 foi marcado por uma grave recessão, registrando queda do PIB mundial maior do que em 2007/09. Essa crise foi detonada pela pandemia de Covid-19, que agiu sobre tendências preexistentes de desaceleração da acumulação capitalista. Em 2021, houve uma “recuperação” parcial, incompleta, que parece ter recuperado as taxas de lucro do capital mediante um enorme agravamento das condições de exploração do proletariado e das demais classes dominadas (detalhamos o caso brasileiro aqui) – característica própria das crises no capitalismo. As tendências para 2022 indicam, por um lado, uma desaceleração do crescimento capitalista, com estagnação em diversos países (como o Brasil) – o que pode ser agravado pelos desdobramentos da invasão da Ucrânia pela Rússia. Por outro, apontam para a continuidade de uma exploração capitalista mais intensa e de maior repressão sobre as massas, tornando cada vez mais necessárias sua resistência, sua organização e sua luta de classes nas difíceis condições que se apresentam neste ano.

É nesse cenário concreto de crise do capital, crise do imperialismo, que se desenvolve a ofensiva burguesa na sua luta de classes contra o proletariado em nível mundial (e também no Brasil). Para os patrões, a forma de superação da crise, de tentativa de retomada das taxas de lucro, é o aumento da exploração das classes dominadas, mediante piora das condições de trabalho (reduções de salários, eliminação de conquistas trabalhistas, aumento das jornadas e de sua intensidade), e das suas condições de vida (maiores desemprego e exército industrial de reserva, deterioração dos serviços públicos e da situação de moradia, agravamento da pobreza, da miséria e da fome, maior exposição a doenças e a desastres ambientais). Vinculada à essa maior exploração, a ofensiva burguesa também se caracteriza pelo aumento da repressão (necessária ao capital para reprimir a resistência das massas à sua ofensiva) e pelo fortalecimento de tendências fascistas em inúmeros países (incluindo o Brasil).

A crise do imperialismo também implica mudanças na própria dinâmica do sistema imperialista mundial – que não deve ser visto como algo sem movimento, sem contradições, ou “agonizante” no sentido de que ruirá sozinho sob seu próprio peso. Essa dinâmica também é afetada pelo acirramento das contradições interimperialistas entre as duas principais potências atuais: os EUA, potência imperialista dominante, porém relativamente declinante, e a China, potência imperialista ascendente. O agravamento das contradições interimperialistas entre essas duas potências reflete (e influencia) o agravamento de todas as contradições do imperialismo na sua crise atual, em todas as áreas, culminando com sua tendência a conflitos militares e guerras imperialistas, intensificada dia após dia, como a mais recente, iniciada em fevereiro deste ano, na Ucrânia.

Diante da crise do imperialismo, da ofensiva burguesa contra as massas exploradas e da deterioração das suas condições de vida, fica cada vez mais claro para a classe operária e para as demais classes dominadas que não há solução para elas no capitalismo – e é papel dos comunistas contribuir para levar as massas a chegarem à essa conclusão, a partir da nossa participação nas suas lutas cotidianas. Quanto mais difícil a conjuntura de trabalho e de vida para as massas, mais imprescindível é sua resistência, sua organização e sua luta. Quanto mais opressor o sistema capitalista, mais deve ficar claro que as massas só podem contar consigo mesmas, com sua solidariedade e sua ação coletiva – nada podem esperar dos pelegos, dos patrões e do seu estado. Na atual ofensiva burguesa, é cada vez mais necessária, portanto, a reação proletária e comunista. A partir das contradições reais, da exploração crescente, das condições concretas de vida e das lutas realmente existentes das massas, e da participação comunista nesse dia a dia, é que será possível construir os órgãos próprios das massas para elevar as suas lutas e, também, reconstruir o instrumento mais avançado do proletariado em sua luta de classes contra a burguesia: o Partido Comunista.

II. O Sistema Imperialista Mundial na Crise Atual

Estado depressivo como redução do ritmo de acumulação de capital

O sistema imperialista vem sendo afetado, de maneira direta, pela evolução da pandemia de Covid-19 desde a virada de 2019 para 2020 e deve continuar assim em 2022. As ondas de contágio e de mortes, o surgimento de variantes, as restrições em diversos setores, as quarentenas, os ritmos de vacinação – todos esses fatores evoluindo de forma bastante desigual ao longo do tempo e entre países (reafirmando a contradição entre países imperialistas e países dominados) – detonaram uma queda sem precedentes do PIB mundial no primeiro semestre de 2020, o início de uma recuperação (que se revelou parcial e incompleta) ainda no final daquele ano, diferentes ritmos de desaceleração ou o retorno a estagnação em 2021, tendência que se reforçou neste começo de 2022 com a rápida e ampla disseminação da variante ômicron.

Ao final de janeiro, o mundo registrou 3,8 milhões de casos diários, mais que o quádruplo do recorde anterior de 900 mil, de abril de 2021. Mesmo com uma rápida redução para menos da metade no contágio ao final de fevereiro, as mortes diárias superaram 10 mil (30% abaixo do recorde de quase 15 mil no final de janeiro de 2021). Com esses números recentes, o coronavírus já matou mais de 5,9 milhões de pessoas no mundo desde o começo da pandemia. As projeções atuais apontam que o pico dessa onda da variante ômicron já teria passado no final de janeiro, tanto nas contaminações quanto nos óbitos, e de forma otimista, indicam o final da pandemia ainda neste primeiro semestre.

Esse repique da pandemia contribuiu para desacelerar fortemente o PIB mundial no começo de 2022, estagnar o crescimento mundial e reduzir as projeções para o ano (principalmente nos EUA e na China – mas também no Brasil), juntamente com as rupturas nos fluxos de produção e comércio mundiais e a elevação da inflação e dos juros. Sobre a pandemia, a produção/exploração capitalista há muito já aprendeu a conviver com o coronavírus, obrigando os/as trabalhadores/as à labuta contínua, pouco importando ao patrão as condições sanitárias e a proteção nos locais de trabalho e a saúde/adoecimento das massas. Que a grande maioria dos mortos por Covid seja das classes trabalhadoras constitui a própria definição de capitalismo.

Os diferentes ritmos, tempos e gravidade da pandemia em cada país, somados à diversidade das medidas sanitárias nacionais e dos graus de vacinação, acentuaram as contradições que já atingiam as cadeias globais de produção e comércio, gerando efeitos disruptivos. O tempo de transporte marítimo entre a China e os EUA, por exemplo, chegou a quase dobrar, sobrecarregando tanto os portos quanto o transporte terrestre, enquanto os custos de frete mais que sextuplicaram. Isso acarretou paralizações de fábricas e linhas de montagem ao redor do mundo, tanto pela falta de matérias-primas e insumos, quanto pelo aumento dos seus preços (inflação). Não parece haver expectativa de normalização desses fluxos globais de produção e distribuição neste ano.

O impacto estrutural mais importante, no entanto, decorre do agravamento das contradições interimperialistas e das pressões por mudanças no funcionamento dessas cadeias de produção. O reforço dos aspectos estratégicos, geopolíticos e de soberania tem levado a pressões por “renacionalização” da produção e redução da dependência da produção global e, principalmente, dos blocos imperialistas adversários, especialmente a China. No emblemático caso dos chips, que afetam de computadores e celulares a automóveis, os patrões dos principais monopólios dos EUA estão exigindo a redução da dependência da produção asiática: “A escassez expôs vulnerabilidades na cadeia de suprimentos de semicondutores e destacou a necessidade de aumento da capacidade de fabricação doméstica”. O governo Biden e o Congresso, a serviço desses monopólios, já correram para propor e aprovar a lei “Chips para a América” – como parte da lei de defesa nacional! Como resumiu a secretária de comércio dos EUA: “simplesmente não fazemos chips suficientes nos Estados Unidos”.  No começo de fevereiro, a Europa aprovou iniciativa similar, de US$ 49 bilhões.

2021 também foi marcado pelo significativo aumento da inflação global (e no Brasil) – acrescentando carestia e redução do poder de compra dos salários à deterioração das condições de vida das massas trabalhadoras. A inflação global foi a maior já registrada neste século. Nos EUA, 7,5% em janeiro, a maior desde fevereiro de 1982, e na Área do Euro, 5%, a maior desde a criação da união monetária europeia, no começo do século. Praticamente a única exceção foi a China, 1,4%, embora o seu nível de preços ao produtor tenha sido o maior do século, chegando a 10,3%. As projeções do FMI apontam para inflação ainda maior neste ano. Como consequência, os bancos centrais dos EUA e europeu já anunciam aumentos de juros e programaram para março o encerramento de seus programas multi-trilionários de compras de títulos públicos e privados (criação de capital fictício para sustentar a acumulação capitalista que alcançou US$32 trilhões nos dois anos de pandemia). Essas medidas alteram parâmetros fundamentais para as decisões de investimento/acumulação por parte dos monopólios transnacionais e demais empresas capitalistas, tendendo a resultar em falências de empresas endividadas (gerando ainda maior centralização de capital) ou, ao menos, redução do seu investimento, e queda nas bolsas de valores no mundo inteiro; além de desvalorização cambial ante o dólar, diminuição dos fluxos internacionais de capitais e redução do crescimento, principalmente nos países dominados.

Essa tendência de desaceleração/estagnação atinge também as commodities, revertendo a trajetória de alta nos preços e nas quantidades desde meados de 2020, que contribuiu para a “recuperação” nos países dominados (incluindo o Brasil). O primeiro impacto da pandemia de Covid foi uma queda brusca nos preços internacionais de commodities até abril de 2020. Desde então, os preços internacionais mais que dobraram, sustentados pela recuperação chinesa e sua demanda por commodities. Em comparação com o nível pré-crise, esse crescimento é de por volta de 50%. Considerando a desaceleração/estagnação que já estamos vendo neste ano, a redução dos fluxos de capitais, o aumento dos juros internacionais e a valorização do dólar, a tendência parece ser que os preços de commodities não sustentem os picos de 2021 e se reduzam – contribuindo para reduzir as receitas e os lucros dos países dominados exportadores de commodities (como o Brasil).

Em suma, o cenário para 2022 – na ausência de novas variantes do coronavírus e de novas catástrofes climáticas globais (embora eventos climáticos certamente ocorrerão ao redor do planeta) – é de retorno à trajetória de desaceleração/estagnação que marcou o cenário pré-crise, com diferenças entre países ainda mais acentuadas. Os acontecimentos recentes entre Rússia e Ucrânia e as demais potências imperialistas (EUA, países da OTAN e China) e seus desdobramentos podem acentuar ainda mais essa trajetória em 2022.

Dentre os países imperialistas, apenas China e EUA conseguiram superar, ao final de 2021, o nível de renda per capita pré-crise. Nos dois casos, a tendência é de desaceleração de 2022 em diante, possivelmente rumo a uma nova recessão (nos EUA). Nos demais países imperialistas como Japão, Alemanha e França, ainda não houve a retomada do nível anterior à pandemia (previsto para este ano) e, não obstante, também deverá haver desaceleração. Dentre os dominados, a situação parece pior na América Latina, com a previsão do FMI sendo de “recuperação” ainda mais lenta que nos demais países. Nas palavras de Michael Roberts: “E no final deste ano, a maior parte das grandes economias terá começado a recuar para o baixo crescimento, tendências de fraca produtividade da longa depressão [dos anos] 2010, com perspectivas de um crescimento ainda mais lento durante o resto da década”.

Centralização de capital

A crise de 2020 e a desigual e incompleta “recuperação” em 2021 possibilitaram que no ano passado as chamadas operações de “fusões e aquisições” batessem recordes históricos. Essas operações representam uma crescente centralização de capital, na qual um capitalista expropria outro, adquirindo o controle sobre seus negócios e potencializando sua própria acumulação de capital e seus lucros. O crescimento da centralização do capital, dos monopólios capitalistas, é uma tendência inexorável do capitalismo em crise.

Além do cenário de crise/“recuperação”, a avalanche de capital fictício criado pelos estados e seus bancos centrais também foi fundamental para financiar essas operações de centralização de capital. Por um lado, ao fornecer amplas condições de liquidez e juros zero ou mesmo negativos. Por outro, ao estimular o boom das bolsas de valores, acelerando a valorização fictícia do capital centralizado e a recuperação do capital investido, aumentando as taxas de lucros.

Em 2021, as “fusões e aquisições” no mundo superaram US$ 5 trilhões (mais do que o triplo do PIB do Brasil naquele ano, em dólares), bastante acima do recorde anterior, de US$ 4,5 trilhões em 2007 – ainda antes da crise de 2007/08 (recorde também no Brasil). Esse valor foi o resultado de mais de 62 mil operações de “fusões e aquisições”. Desse total, 130 operações movimentaram valores acima de US$ 5 bilhões cada. As empresas dos EUA responderam por metade do valor global e por 60% das megaoperações – mostrando a importância e o poder do capital financeiro dos EUA e explicitando que seu declínio é em termos relativos. No ano se destacaram os setores de tecnologia (com participação das Big Techs), financeiro, industrial e energia.

Em 2022, a centralização de capital já começou a todo o vapor, com a compra da empresa de jogos Activision Blizzard pela Microsoft, por quase US$70 bilhões. As expectativas do capital financeiro para este ano é que as “fusões e aquisições” se mantenham no patamar recorde do ano passado. No entanto, a redução das injeções de capital fictício pelos bancos centrais, o aumento dos juros e a consequente redução de liquidez e de fluxos de capitais podem reduzir esse ritmo de centralização.

Capital fictício

Desde a crise de 2007/8, os países imperialistas, por meio de seus bancos centrais (emissões monetárias com compra de títulos públicos e privados) e tesouros nacionais (emissões de dívida pública), juntamente com os aparelhos internacionais do capital, como o FMI, têm inundado os mercados financeiros com dezenas de trilhões de dólares em capital fictício, na tentativa de retomar as taxas de lucro de seus capitais. Esses muitos trilhões de dólares levaram as taxas de juros dos títulos públicos a valores nominais negativos e se espalharam pelo mundo todo, causando níveis recordes nas bolsas de valores, aumentando os fluxos internacionais de capitais, financiando fusões e aquisições, valorizando bolhas especulativas nas chamadas “criptomoedas” e estimulando instrumentos derivativos nos mercados financeiros, multiplicando essas “emissões iniciais” de capital fictício. Essas bolhas de capital fictício – quando mais infladas, mais próximas do seu estouro – são antecedentes de novas crises financeiras.

De acordo com o já citado texto de Michael Roberts, esse capital fictício alavancou recordes nos mercados financeiros (títulos de dívida e ações) e imobiliário. Os mercados acionários globais cresceram em US$ 60 trilhões e atingiram níveis recordes. Só que também aqui o poder do capital cada vez mais centralizado dos monopólios transnacionais mais uma vez se revela: mais da metade do crescimento recorde da bolsa de Nova York se deveu a apenas cinco Big Techs (Apple, Microsoft, Nvidia, Tesla e Google). Considerando as chamadas FAANGMs (Facebook-Meta, Amazon, Apple, Netflix, Google-Alphabet e Microsoft) seu “valor de mercado” conjunto já supera US$ 9 trilhões – quase seis vezes o PIB brasileiro. Com esse “desempenho”, o grande capital tem divulgado, trimestre após trimestre, desde o final de 2020, lucros crescentes e constantemente acima das previsões do próprio mercado financeiro. No começo de 2022, os anúncios de aumentos de juros e redução das injeções de capital fictício no mundo todo, além das tensões militares que levaram à invasão da Ucrânia, já levaram a uma queda de 10% na bolsa de Nova York.

No capital fictício sob a forma de dívida pública, houve recorde histórico em 2020: US$ 226 trilhões, equivalendo a duas vezes e meia o PIB mundial. A dívida dos governos e das empresas atingiu o mesmo montante, por volta de US$ 87 trilhões, quase 100% do PIB mundial cada uma, com o restante constituindo o endividamento das pessoas físicas. Em 2021, essa dívida total global já se aproximava de US$ 300 trilhões. Não há nenhuma indicação de que essa modalidade de capital fictício vá parar de crescer. O que deve acontecer em 2022, com os aumentos dos juros e a redução das compras de títulos dos bancos centrais, é um aumento da falência de empresas endividadas, levando tanto a novas rodadas de centralização como a mais acentuadas desaceleração/estagnação.

Contradição interimperialista principal: EUA e China

Como já afirmamos, as contradições entre os capitais e as potências imperialistas, contradições interimperialistas, expressam bem as alterações na dinâmica do sistema imperialista mundial. Na presente conjuntura, a principal dessas contradições é a que opõe as duas principais potências imperialistas da atualidade: EUA (potência imperialista dominante, porém em declínio relativo) e China (potência imperialista ascendente). A crise do capital e o estado depressivo da economia mundial agravam ainda mais essas contradições.

Essa contradição interimperialista principal – que, contraditoriamente, também inclui forte interpenetração de capitais das duas nacionalidades, portanto, complementaridades e algum nível de interesses comuns – se espalha por todas as áreas a partir da ascensão (econômica, produtiva, comercial, financeira, tecnológica, diplomática e militar) chinesa e da reação em todas as frentes do imperialismo dos EUA. A percepção é de crescente e significativo agravamento dessas contradições EUA/China, como podemos observar nos campos:

a) produtivo e comercial: o inegável dinamismo da economia chinesa pode ser traduzido no fato de sua economia, que representava 12,6% da economia dos EUA no começo deste século, dever chegar a quase 75% do PIB dos EUA ao final deste ano. O próprio capital financeiro dos EUA já projeta que a economia chinesa será a maior do mundo ainda nesta década. A produção industrial chinesa já é quase o dobro da realizada nos EUA, sendo que a produção chinesa de automóveis é maior que EUA, Japão e Alemanha somados. A China também é a maior exportadora mundial, produzindo mercadorias para o consumo nos mercados externos no valor de US$ 2,65 trilhões, quase 50% mais que as exportações dos EUA. Desse total, mais de meio trilhão de dólares vai para os EUA, seu principal parceiro comercial, com quem a China tem um superávit acima de US$ 350 bilhões. A quantidade de monopólios chineses na lista dos 500 maiores do mundo (124) já supera a dos EUA (121).

Esse enorme déficit no comércio exterior dos EUA com a China, chamado de “guerra comercial”, já foi uma das maiores fontes de conflito entre os dois países. Há até um acordo formal, que entrou em vigor no começo de 2020, buscando reduzir o déficit prevendo cotas para limitar o acesso de produtos chineses ao mercado dos EUA e para ampliar o acesso das exportações do EUA para a China (US$ 200 bilhões a mais). A conclusão dos EUA é que “a China não comprou nada desses US$ 200 bilhões extras de exportações dos EUA do acordo comercial de Trump”.

Essa vantagem dos monopólios chineses sobre os dos EUA reflete, por um lado, o crescente antagonismo e conflito aberto nas relações econômicas entre as duas potências imperialistas. Mas, por outro lado, também implica complementariedades e interpenetrações entre os capitais dos dois países no sistema imperialista mundial. Um exemplo são os investimentos diretos, monopólios transnacionais dos EUA que atuam no território chinês. Dados do FMI mostram US$ 124 bilhões investidos diretamente na China e outros US$ 92 bilhões em Hong Kong. O número real, no entanto, é muitas vezes maior que esse por causa dos paraísos fiscais. Numa conta conservadora usando a mesma base de dados, os EUA reportam investimentos de quase US$ 2,5 trilhões (mais de 40% do total) em locais como Luxemburgo, Irlanda, Ilhas Cayman e Bermudas. Na verdade, os monopólios transnacionais instalam empresas fictícias nesses paraísos fiscais e de lá investem nos verdadeiros destinos. Boa parte do capital dos EUA investido na China aproveita melhores condições de produção e lucros para exportar de volta mercadorias para os próprios EUA – ajudando a explicar a ineficácia dos “acordos comerciais”, que não poderiam prejudicar a própria atuação transnacional do capital monopolista dos EUA.

b) financeiro: definidos de forma ampla, os “mercados financeiros” dos EUA permanecem de longe os dominantes do sistema imperialista mundial, com a China representando apenas uma fração do poder dos EUA nesses mercados – e, não obstante, aqui também se observam notáveis crescimentos chineses. O predomínio mundial do dólar (amplamente dominante mundialmente enquanto moeda de reserva internacional, meio de pagamento e de transações financeiras e comerciais), a “capitalização” de suas bolsas de valores puxadas pelas Big Techs, o montante de sua dívida pública, o papel do seu banco central na definição das taxas de juros e da liquidez mundial e o capital fictício gerado nos seus “mercados financeiros” garantem aos EUA o amplo domínio mundial do capital financeiro (e fictício).

Mas também no aspecto financeiro o capital chinês vem tendo uma rápida expansão. O total da exportação de capital pelos monopólios e pelo estado chinês já atinge US$ 5,3 trilhões (dados de 2020), sendo US$ 2,4 trilhões em investimentos diretos e US$ 2,3 trilhões em diferentes formas de empréstimos externos. Essa exportação de capitais pavimenta a iniciativa da nova rota da seda e amplia a esfera de influência do imperialismo chinês ao redor do mundo, especialmente Ásia e África, mas também chegando à América Latina – constituindo mais uma fonte de contradições interimperialistas com os EUA e as demais potências imperialistas.


Estivadores gregos em greve contra a multinacional chinesa Cosco.


Por fim, a China também detém as maiores reservas internacionais do mundo, US$ 3,4 trilhões – consequência de seus superávits em conta corrente (e dos déficits comerciais dos EUA). Ao mesmo tempo em que fortalecem a posição financeira internacional do estado chinês, essas reservas também são mecanismos de estabilização do sistema financeiro mundial do imperialismo e, dessa maneira, outra forma concreta de complementariedade e de interpenetração entre os capitais dos EUA e da China. Embora a China não divulgue a composição das suas reservas internacionais, os EUA divulgam a lista de detentores de títulos públicos do governo dos EUA. Nessa lista, a China aparece como detentora de US$ 1,1 trilhão de dólares de dívida pública dos EUA, vinculando parcela considerável da “riqueza financeira” chinesa ao mercado financeiro do imperialismo dos EUA.

c) tecnológico: os EUA permanecem na fronteira tecnológica mundial, seja em termos dos seus monopólios transnacionais de tecnologia, seus centros de pesquisa (empresariais/acadêmicos), ou nos gastos totais em pesquisa e desenvolvimento. Também aqui, a contestação da China à supremacia dos EUA é crescente, reduzindo a distância chinesa em relação à essa fronteira tecnológica. Enquanto os gastos dos EUA com pesquisa e desenvolvimento permaneceram ao redor de 2,8% do PIB na última década, os gastos chineses crescem continuadamente e passaram de menos de 1% do PIB no começo do século para 2,1% do PIB em 2018. Isso significa que esses gastos cresceram, nesse período, ao dobro da velocidade do PIB chinês.

Um dos casos mais evidentes de disputa tecnológica entre essas duas potências imperialistas é o caso das redes e equipamentos 5G, com liderança chinesa. A partir dessa disputa tecnológica, um intenso conflito político e diplomático está em curso, sobre a capacidade de os EUA vetarem a participação dos monopólios chineses (como a ZTE e a Huawei, inclusive com uma alta representante de sua burguesia tendo sido presa no Canadá como parte desse conflito) nas ofertas desse serviço aos mais diversos países (inclusive o Brasil). Quanto maior a participação chinesa nas redes de 5G ao redor do mundo, maior sua expansão tecnológica e ampliação de sua esfera de influência. O poder do imperialismo dos EUA tem sido capaz de bloquear a participação dos monopólios chineses em diversos países mais alinhados com os EUA.

Casos significativos de uma equiparação ou mesmo superação tecnológica da China em relação aos EUA são as missões coincidentes a Marte, o predomínio chinês em quantidade de publicações científicas em 2020 (engenharias, ciência da computação, astronomia, agricultura, biologia molecular e farmacologia) e o teste, em meados do ano passado, de mísseis hipersônicos, emparelhando com a Rússia e superando os EUA. De acordo com o chefe do estado maior das forças armadas dos EUA, Mark Milley, essa constatação “é muito preocupante” para a defesa e segurança nacionais dos EUA.

d) (geo)político, diplomático e militar: a supremacia militar é um aspecto central da primazia dos EUA dentre as potências imperialistas (junto com sua economia e as finanças) baseada na presença militar ao redor do mundo e na capacidade de, em tese, intervir militarmente em qualquer zona de conflito em todo o planeta. Os EUA têm, de longe, o maior orçamento militar do mundo, US$ 778 bilhões em 2020, enquanto o orçamento militar chinês, mesmo em crescimento, não alcança um terço desse valor (US$ 252 bilhões).

O caráter de potência imperialista ascendente da China se reflete na estratégia de segurança nacional dos EUA que, desde 2017, passou a identificar a China (e a Rússia) como desafiantes ao “poder, influência e interesses dos EUA, buscando erodir a segurança e a prosperidade dos EUA”. A China passou então a ser vista como um “competidor estratégico de longo prazo”. A definição da China como a principal prioridade da segurança nacional dos EUA, seu principal competidor e adversário, sobre o qual se deve adotar uma estratégia de contenção, articulando os países aliados dos EUA, não só não se alterou com a troca de guarda de Trump para Biden, como deve se acentuar. A orientação estratégica preliminar de Biden define como tarefa “vencer a competição estratégica com a China”.

O discurso ideológico do estado imperialista chinês e do seu gestor, o partido comunista (sic!), é bastante diferente do belicoso discurso dos EUA – que permanece refletindo a ideologia do seu “destino manifesto” de principal potência hegemônica. A base do discurso ideológico do imperialismo chinês combina nacionalismo crescente com a retomada do papel da China no mundo – o que guarda semelhanças com o nacionalismo dos EUA e é antagônico ao internacionalismo proletário. A base material desse discurso ideológico é, claramente, o estrondoso crescimento econômico capitalista chinês e a consequente maior importância da China no sistema imperialista mundial. Seu objetivo é justificar ideologicamente a necessidade de um maior poder para o imperialismo chinês, como que adequado à sua importância econômica. Na realidade concreta, esse discurso ideológico é a justificativa para a potência imperialista ascendente acirrar as contradições interimperialistas com a potência dominante, porém relativamente declinante, os EUA.

Economicamente, o discurso chinês defende o livre mercado e a abertura econômica global, ou seja, defende a globalização capitalista e os aparelhos internacionais do capital responsáveis por ela (ONU, OMC entre outras). Ou seja, como é óbvio, o reforço das regras que tem favorecido o crescimento da China neste século: “tentativas de ‘construir muros’ ou ‘desacoplar’ vão contra as leis da economia e os princípios de mercado”. Unindo os fatores econômicos, políticos e diplomáticos (além do soft power da influência chinesa), esse discurso justifica a criação de inúmeros fóruns de países dirigidos pela China, como o Fórum Boao, entre muitos outros, no qual foi proferido esse discurso e que também é chamado de “Davos asiático”. No evento de 2021, Xi Jinping fez seu discurso, entre outros, para os principais dirigentes de monopólios transnacionais dos EUA como a Apple e a Tesla.

Em termos políticos e diplomáticos, o discurso ideológico do imperialismo chinês critica o “unilateralismo” e a “hegemonia” (dos EUA), como forma de defender a necessidade do novo status da China no cenário internacional: “a governança global deve refletir a evolução do cenário político e econômico do mundo”. Sob o discurso da defesa da “cooperação mutualmente benéfica” e da “colaboração na governança global”, o que há de fato é a defesa de que o mundo não pode prescindir “da voz da China sendo ouvida, das propostas de soluções da China sendo compartilhadas, do envolvimento da China sendo necessário”.

O dedo apontado aos EUA é às vezes implícito, às vezes explícito, embora sempre procurando mostrar-se na posição reativa. Em relação à guerra comercial deslanchada pelos EUA de Trump, o discurso passou a ser que a China não queria essa guerra, mas não a temeria e a disputaria, se necessário. Sobre os recentes conflitos diplomáticos a partir das iniciativas dos EUA para a vizinhança chinesa, a China emitiu nota conjunta com a Rússia neste mês mostrando sua oposição explícita ao “impacto negativo da estratégica Indo-Pacífica dos EUA” e à iniciativa AUKUS (EUA, Inglaterra e Austrália) em função de sua estratégia militar.

Embora faça parte do discurso ideológico imperialista chinês afirmações do tipo “não importa quão forte venha a ficar, a China nunca buscará hegemonia, expansão ou uma esfera de influência. Nem a China nunca se engajará em uma corrida armamentista”, todas essas negativas são peremptoriamente negadas pelos fatos. Sobre a expansão imperialista e a busca de esferas de influência, pode-se mencionar a iniciativa “Belt and Road” (nova rota da seda) que inclui mais de 200 acordos com 172 países e organizações internacionais e remeter os camaradas e leitores a outros textos publicados pelo Cem Flores: aqui e aqui.

Especificamente sobre a questão militar, a China está decuplicando sua capacidade de lançamento de mísseis balísticos, o que se combina com a perspectiva de mais que dobrar seu arsenal atômico (que, ainda assim, será um sexto dos da Rússia e dos EUA), além de fortalecer suas forças armadas em todos os níveis. Do ponto de vista de uma potência imperialista, esse é o caminho necessário, imprescindível, para proteger seus interesses estratégicos (Mar da China, Taiwan), ampliar sua ação global e se colocar crescentemente à altura de seu oponente imperialista, os EUA. Dependendo da evolução dos acontecimentos no futuro próximo, o aspecto militar pode passar a ter importância crescente nas contradições interimperialistas que opõem EUA e China e seus respectivos aliados.

III. Mercado de Trabalho e as Condições de Vida das Massas Exploradas

Os impactos da última crise do capital no mercado de trabalho e na vida das massas exploradas, em nível global, foram intensos, diversos e prolongados. Elevação permanente do desemprego, piora nas condições de trabalho, redução de salários, maior carestia de vida, pioras na saúde e na educação, crescimento das desigualdades, da insegurança alimentar, da pobreza, da miséria, da fome e da violência… Uma deterioração generalizada e contínua, que se soma às crises anteriores e à ofensiva de classe desencadeada pela burguesia contra o proletariado e demais classes trabalhadoras.

Em meados de janeiro, a OIT revisou para baixo suas estimativas já modestas de “recuperação” do mercado de trabalho para 2022, acompanhando as projeções de crescimento econômico. Para esse ano, estima-se que o mundo continuará com 52 milhões de empregos a menos do que no final de 2019, antes da pandemia. O número de desempregados no mundo (número que é bem maior se considerarmos desalentados e subocupados), segundo a OIT, continua acima de 200 milhões de trabalhadores, patamar alcançado em 2020, após contínua subida desde os anos 1990.

Esse novo patamar de desemprego é uma das bases para a nova onda global de pobreza, fome e miséria. Segundo o Banco Mundial, houve “um aumento sem precedentes” de trabalhadores/as a sobreviverem em situações de pobreza extrema. Apenas em 2020, mais 77 milhões caíram na extrema pobreza – renda inferior a US$1,90 por dia. Não há perspectivas de retorno ao patamar e à tendência anteriores à pandemia. O número de pessoas famintas no mundo atingiu um novo pico: foram 45 milhões no final de 2021, contra 27 milhões em 2019.

Outro fator que representou uma piora nas condições de vida das massas foi a inflação de 2021, comentada acima. Dentre os preços que mais subiram em todo mundo foram os de alimentos que se destacaram. Óleos, cereais, carne, derivados de leite, açúcar… itens fundamentais na mesa de bilhões de trabalhadores/as. Essa carestia de vida impõe um efeito prolongado na capacidade de consumo das classes trabalhadoras, já afetadas pelo desemprego crônico e os salários de fome.

Do outro lado, o capital, os grandes capitalistas, os bilionários  ampliam sua fortuna, reforçando ainda mais a abissal desigualdade. Durante a pandemia, “os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão – a uma taxa de US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia”.

IV. Conclusão

Frente ao estado depressivo do imperialismo e à contínua e violenta ofensiva de classe burguesa, o proletariado e as massas exploradas de todo o planeta resistem coletivamente para sobreviver e manter minimamente suas condições de vida. Mas suas lutas, protestos e greves se encontram fragilizadas diante de seu baixo nível organizacional e político. O que impõe aos/às comunistas o reforço de seus esforços em prol da reconstrução da posição independente do proletariado na luta de classes e de seus instrumentos de combate. Pois a solução ao acirramento das contradições imperialistas é a revolução. Sem ela, a escravidão assalariada continuará e a vida das massas exploradas continuará a mercê da acumulação de capital.

Edição: Página 1917

Fonte: https://cemflores.org/2022/02/25/a-conjuntura-internacional-no-comeco-de-2022/



quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Sobre o Reconhecimento da "Independência" das Chamadas "Repúblicas Populares" do Donbass

Declaração do CC do Partido Comunista da Grécia (KKE)

Em 22/02/2022

O Partido Comunista da Grécia (KKE) e a Juventude Comunista da Grécia (KNE) juntamente com as organizações pró-paz e anti-imperialistas estão a reforçar a luta contra o envolvimento do país nos planos militares do trio EUA-OTAN-UE para que o território grego não seja utilizado para operações na Ucrânia, para que não se ratifique o acordo grego-norte-americano sobre a extensão das bases militares dos EUA na Grécia e que se fechem todas as bases e infraestruturas militares da OTAN.


Manifestação em Atenas pelo fechamento das bases da OTAN


Neste contexto, ontem, 21 de Fevereiro, o Comitê de Luta contra o Acordo de Bases Militares Grécia-EUA organizou uma manifestação diante do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Atenas com a participação de delegações do Comitê Grego de Distensão Internacional e Paz (EEDYE), sindicatos, associações estudantis, associações de Mulheres (OGE), associações de trabalhadores autônomos e outras. Da mesma forma, houve uma manifestação em Salônica, na sequência de um apelo do EEDYE às organizações de massas da cidade.

Ao mesmo tempo, o serviço de imprensa do CC do KKE emitiu uma declaração sobre o reconhecimento da "independência" das "repúblicas populares" do Donbass:

"A decisão da Federação Russa de proceder ao reconhecimento das "repúblicas populares" de Donetsk e Lugansk na região do Donbass, que se separou da Ucrânia em 2014, é um novo passo que complica ainda mais a situação nesta região e conduz à escalada da competição imperialista, no contexto do confronto entre o trio EUA-OTAN-UE e a Rússia. Está sem dúvida ligada à intervenção do trio EUA-OTAN-UE na Ucrânia, bem como ao ataque armado desencadeado nos últimos dias pelo governo ucraniano (armado pelos EUA e OTAN) contra a população de Donbass. Estes perigosos acontecimentos são uma das consequências da situação trágica para os povos surgida após a derrubada do socialismo e a dissolução da União Soviética.

Em seu discurso, Putin tratou de justificar a sua atual posição com uma escalada anticomunista, um ataque contra os bolcheviques, a Lenin e a União Soviética. No entanto, nada pode manchar a contribuição do socialismo e da União Soviética, que era uma união multinacional de Estados iguais, nem pode ocultar os malefícios da   restauração capitalista, na qual Putin desempenhou seu papel. Na prática, este ataque utiliza como pretexto os perigosos planos estratégicos da liderança russa na região.

O "reconhecimento" pela Rússia das "repúblicas populares" de Donetsk e Lugansk não resolve os problemas existentes, mas reproduz os impasses do modo de produção capitalista que conduzem às guerras imperialistas e à exploração de classe. Além disso, dificultará ainda mais a luta comum dos povos contra o ódio nacionalista fomentado pela burguesia e pelos estados imperialistas para defender seus interesses na região.

O KKE opõe-se à guerra imperialista e exige que se detenha a participação da Grécia nos planos EUA-OTAN-UE na Ucrânia. Exige o fechamento das bases militares da OTAN e dos EUA.  Que nenhuma força militar grega deve ser enviada à Ucrânia ou para outras missões imperialistas. Convoca também ao povo para fortalecer a luta pela retirada das alianças imperialistas, com o povo tendo soberania na sua própria terra.

Ao mesmo tempo, o KKE expressa sua solidariedade com os comunistas e os povos da Rússia e da Ucrânia. Chama a intensificar a luta contra o nacionalismo e o chauvinismo, que lutem para evitar que milhões de trabalhadores fiquem presos num conflito de base étnica que oculta as verdadeiras causas do conflito.  Reforçar sua luta pela única alternativa que existe para os trabalhadores e que está em outro caminho de desenvolvimento, o socialismo".

Edição: Página 1917

Fonte:https://inter.kke.gr/es/articles/Sobre-el-reconocimiento-de-la-independencia-de-las-llamadas-Republicas-Populares-de-Donbas/

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Derrrota da Revolução Cultural e Via Capitalista na China

Charles Bettelheim* (1979) 

     Depois que este livro foi escrito**, acontecimentos de enorme alcance histórico ocorreram na China. Estes acontecimentos colocaram radicalmente em causa os avanços da Revolução Cultural


Revolução Cultural mobilizou a juventude proletária.


     Assim, no fim de 1976, um “novo curso” abre-se pouco depois da morte de Mao Zedong (9/09/1976). Nos dias que se seguem imediatamente ao desaparecimento do Presidente Mao, a direção do PCC dá a impressão de estar ainda unida em torno de uma linha inalterada. A 18 de setembro, o Primeiro Ministro Hua Guofeng (que não é então presidente do partido) pronuncia um discurso no qual cita a fórmula pela qual caracterizava Deng Xiaoping e seus partidários:

“Dirige-se a revolução socialista, e não se sabe mesmo onde está a burguesia; ora ela existe no Partido Comunista, são os responsáveis pela via capitalista. Eles não cessaram de seguir esta via.”²

     Entretanto, dezoito dias mais tarde, a 6 de outubro, Hua opera um golpe de estado. Com apoio das forças de segurança, faz prender os quatro dirigentes do partido que desempenharam papel decisivo durante a Revolução Cultural.³ No dia 8 de outubro faz-se nomear Presidente do Comitê Central, em condições duvidosas, porque o CC não se reuniu (no máximo, uma parte do bureau político pôde se reunir). A partir de 10 de outubro desencadeia-se uma campanha violenta contra os quatro (doravante cortados do resto do mundo) e contra seus partidários, acusados de “revisionismo”.

     Nos meses que se seguem ao golpe de Estado, uma espécie de culto de Hua Guofeng se organiza. Seu retrato aparece em toda a parte ao lado de Mao, do qual é proclamado o continuador “clarividente”. Entretanto enquanto se estabelece a primazia formal de Hua, assiste-se a “ascenção” de uma outra personalidade: a de Deng Xiaoping.

     Este último fora afastado da direção do Partido desde os primeiros meses da Revolução Cultural (no momento em que esta eclode, ele dirigia o secretariado do CC e era Vice-Primeiro Ministro). É então criticado como revisionista, tão severamente quanto Liu Shaoqi. No entanto, em 1968, as críticas dirigidas a Deng cessam. Ele próprio reaparece na cena política em abril de 1973. Esta “reabilitação” informal realiza-se simultaneamente ao retorno à atividade de numerosos quadros criticados durante os primeiros anos da Revolução Cultural. Durante algum tempo, Deng torna-se o suplente do Primeiro Ministro Chu En Lai: é um dos principais defensores das “quatro modernizações”. Mas esta primeira ascensão é interrompida em abril de 1976, porque seu nome está associado aos incidentes que tiveram lugar na praça Tien-An-Men, onde manifestações em memória de Zhou Enlai dão lugar a atos de violência. Deng é então submetido a críticas severas, inclusive por parte de Hua. Ora, nos primeiros meses de 1977, Deng – que goza de numerosos apoios no Partido, notadamente entre antigos quadros e no exército, retorna uma vez mais ao primeiro plano. Em julho de 1977, sua presença é oficializada e, em fevereiro de 1978, ele se torna Vice-Primeiro Ministro e “número dois” do PCC. Esta ascensão de Deng é acompanhada pelo retorno a postos importantes de quadros e dirigentes de antes da Revolução Cultural, das ideias em nome das quais esta foi feita. Vê-se, então, cada vez mais claramente, que a primazia é dada à economia e ao desenvolvimento das forças produtivas frente à transformação das relações de produção.

     O golpe de Estado de Hua anuncia assim, de maneira praticamente aberta, uma mudança nas relações de força entre as classes. Abre amplamente a porta do poder e das responsabilidades para uma burguesia de Estado.

     Nestas condições, os avanços socialistas da Revolução Cultural são destruídos. Os comitês revolucionários de fábrica são suprimidos. A disciplina de novo imposta do alto pela direção das empresas e pelos engenheiros e técnicos. Os regulamentos autoritários são restabelecidos nas fábricas. O mesmo ocorre quanto aos prêmios e os “estímulos materiais”. No ensino, os concursos desempenham de novo o papel de antes da Revolução Cultural. Estabelecimentos de ensino especializados são criados para os alunos mais “dotados”. O modo de vida urbano afasta-se cada vez mais daquele dos camponeses. Para desenvolver as forças produtivas, insiste-se antes de tudo na acumulação, no recurso à técnica “mais moderna” e na centralização das decisões. O papel do comércio exterior e mesmo do endividamento em relação ao estrangeiro cresce, enquanto a palavra de ordem “desenvolver-se por suas próprias forças”, cai no esquecimento.

     Esta mudança total de curso levanta numerosas questões. É impossível examiná-las neste posfácio. Limitar-me-ei, portanto, a algumas observações.

     Primeiramente, é necessário dizer que era inevitável que a burguesia desencadeasse, um dia ou outro, uma contra-ofensiva, como escrevia eu no posfácio de 1973: “É inevitável que a linha proletária tenha ainda que enfrentar a linha burguesa. Este enfrentamento é, ele próprio, o efeito inelutável da luta de classes, luta que se enraíza na existência, durante o período de transição, de relações burguesas que não podem ser substituídas por relações novas senão graças às lutas revolucionárias

     Entretanto, a contra-ofensiva se revestiu de uma enorme amplitude. Ela quebrou o essencial das relações das relações sociais novas surgidas no curso da Revolução Cultural. Conduziu à eliminação da maioria dos quadros saídos das massas no curso dessa Revolução e à eliminação física de muitos deles. Além do mais, a resistência oposta pelos trabalhadores a esta contra-ofensiva foi fraca. O que deve ser examinado são as razões que explicam a amplitude da contra-ofensiva da burguesia e das vitórias que ela alcançou e, portanto, porque as massas no conjunto ficaram passivas, ou mesmo acolheram de maneira favorável o que se passava.

     Para compreender as razões do curso tomado pelos acontecimentos, é necessário, em primeiro lugar, analisar concretamente como a Revolução Cultural se desenvolveu, as etapas que percorreu, os compromissos que, em diferentes momentos, foram feitos entre as diferentes tendências existentes, de fato, no interior do PCC, e os erros cometidos pelos partidários da Revolução Cultural. Foi o que tentei fazer, muito imperfeitamente, nas Questions sur la Chine après la mort de Mao Zedong. Aqui eu desejaria, sobretudo, ressaltar que a amplitude da derrota me parece devida, entre outros, ao fato de que a Revolução Cultural não foi acompanhada de uma expansão suficientemente ampla e poderosa das práticas democráticas, e que esta insuficiência se explica pelas relações políticas e ideológicas que continuaram a prevalecer no interior do PCC mesmo durante a Revolução Cultural.

     A existência destas relações progressivamente freiou o movimento próprio das massas. Condenou-as à passividade. Tornou-as, assim, indiferentes, pouco a pouco, a apelos revolucionários que não desembocavam mais em uma prática real de transformações sociais.

     Tais apelos acabaram por se tornar cansativos e preparam o terreno para que fosse acolhida de maneira mais ou menos favorável uma linha que acentuava a “ordem”, a “estabilidade” e a “modernização”. Assim, as massas se encontravam preparadas, ao menos em sua maioria, para acreditar nas declarações da direção instalada após a morte do Presidente Mao e para se deixar influenciar pelo quadro falsamente pessimista traçado da situação econômica “legada” pela Revolução Cultural. Elas puderam acreditar nas promessas associadas as palavras de ordem “modernização” e nela ver a garantia de uma melhoria rápida, possível, de seu nível de vida.

     Uma análise séria mostra que o “balanço” econômico pessimista traçado dos anos 1966-1976 é um balanço falsificado. Tal análise mostra também, que as promessas de melhoria rápida do nível de vida são em grande parte falaciosas, porque, o programa econômico da nova direção é irrealista e comporta mesmo aspectos aventureiros, que podem comprometer a independência econômica futura da China. O futuro se encarregará de fazer aparecer isso.

     A derrota da Revolução Cultural não significa, certamente, que ela não tenha deixado uma profunda marca nas massas chinesas. A despeito dos limites da Revolução Cultural, esta transformou o estado de espírito do povo chinês. Assim, quando as massas virem que as promessas feitas pelos dirigentes atuais são falaciosas, e que os discursos atuais sobre uma “maior democracia” mascaram a consolidação do poder de uma burguesia instalada no aparelho de Estado, o povo chinês só poderá se lançar contra a exploração e retomar sua marcha para a frente. Os ensinamentos tirados da Revolução Cultural o ajudarão a avançar vitoriosamente.

     De fato, as lições da Revolução Cultural são imensas, mesmo se estão ainda em parte para serem decifradas. Trata-se de lições positivas como as descritas no presente livro, ou como aquelas, mais teóricas, que estão inscritas nos textos de Mao Zedong e dos dirigentes da Revolução Cultural. Mas trata-se, também, de lições negativas: estas últimas só poderão ser extraídas analisando as razões profundas das derrotas sofridas pela Revolução Cultural Chinesa e pela Revolução Soviética. Esta análise é hoje urgente.

Paris, 05 de março de 1979.


* Charles Bettelheim (20 de novembro de 1913 - 20 de julho de 2006) Economista e historiador marxista francês. Fundador do Centro para o Estudo de Modos de Industrialização na Sorbonne.

** Fonte: Revolução Cultural e Organização Industrial na China; Graal; 1979; p. 171.

Notas:

1 – Apresentei os elementos de uma análise destes acontecimentos em “Questions sur la Chine après la mort de Mao Zedong”, Paris, Maspero, 1978. Neste livro tentei também esclarecer o que tornou tais acontecimentos possíveis.

2 – Pekin Information, nº 38, 1976, p. 15.

3 – Estes dirigentes pertenciam às mais altas instâncias do Partido. A imprensa chinesa fala doravante deles como constituindo “o bando dos quatro”. Trata-se de Wang Hongwen (Vice-Presidente do Partido desde agosto de 1973; Zhang Chunquiao, membro do comitê permanente do bureau político; Yao Wenyuan e Jiang Qing, viúva do Presidente Mao. Estes dois últimos eram membros do bureau político desde 1969. Em julho de 1977, “os quatro” são excluídos por “toda a vida” do Partido.

4 – Lembremos que Hua entrara no bureau em 1973, tornara-se Ministro da Segurança em 1975 e Primeiro-Ministro em 1976, numa época em que ele parecia se opor ativamente a Deng Xiaoping e a seus partidários.

5 – C.F. Sobre este ponto, Questions sur la Chine…, op. Cit., p. 105.

Edição: Página 1917

 

 

 

 

    

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