Por Editorial Ande
Há pouco mais de dois anos, em 15 de novembro de 2020, as lutas interburguesas fechavam um ciclo. Com a destituição do governo de Manuel Merino, que acabava de substituir Martín Vizcarra, os representantes políticos da burguesia no Estado restabeleceram a ordem da capital. Os mártires deste processo, assassinados pela polícia, foram Inti Sotelo (24 anos) e Jack Pintado (22 anos). Francisco Sagasti tomou o poder e trouxe tranquilidade à burguesia peruana. Instantaneamente, as lutas do proletariado do setor agroexportador estouraram nas regiões de Ica e La Libertad. A CONFIEP emitiu um comunicado em 30 de novembro que dizia: "o protesto deve ser pacífico e não afetar o estado de direito". Sagasti cumpriu sua função como representante da grande burguesia: implantou a repressão policial. Reynaldo Reyes Ulloa (28 anos) foi assassinado em Virú pelo suboficial Víctor Bueno, com um tiro na cabeça. Jorge Yener Muñoz Jiménez (20 anos) foi assassinado pelo suboficial superior José Hoyos Agip. Kauner Niller Rodríguez De la Cruz (16 anos) também foi vítima do ataque policial. O papel de Sagasti foi claro: proteger os interesses do grande capital agroexportador. As estradas foram liberadas para que a mercadoria circulasse, os trabalhadores voltaram a ser explorados nas fazendas de produção. A ordem do capital impôs-se a sangue e fogo, a liberdade de compra e venda e a acumulação de capital prevaleceram sobre a vida dos trabalhadores e, com isso, continuaram as disputas interburguesas.
O
presente é análogo, mas se reconfigura de maneira muito distinta. A mudança
fundamental é a radicalização da luta dos trabalhadores contra os
representantes da grande burguesia peruana: o Estado. Agora os trabalhadores
não reconhecem este governo e declaram, com razão, em insurgência. Como uma
chama num campo, a luta incendiou todos os cantos do Peru. As rodovias
Panamericana Sur em La Joya e em Ica foram fechadas quase permanentemente
nestes dias de combate, isso ocorreu de forma mais intermitente em Majes.
Na
quinta-feira, dia 8, a cidade de Canchis, em Cusco, não reconheceu o governo e
declarou uma insurreição popular. Em Cajamarca e Cusco, as praças de armas
foram ocupadas por milhares de trabalhadores, situação que se repetiu em várias
regiões do país nos dias seguintes. A CURROCAP (Central Única Regional de
Rondas Campesinas de Puno) e a CUNARC (Central Única Nacional de Rondas
Campesinas) se declararam em mobilização. Na sexta-feira, 9, Espinar pediu a
dissolução do Congresso e a renúncia do governo, que não reconheceram; Nesse
mesmo dia houve protestos em Chumbivilcas, Arequipa, Alto Siguas, Huaraz,
Huánuco e Huancavelica e outras cidades. No sábado, dia 10, Apurímac declarou
insurgência e convocou greve para segunda-feira, dia 12. A Convenção, em Cusco
e Ilave, em Puno, também anunciou greve por tempo indeterminado para o mesmo
dia. Hoje, domingo 11, a rodovia nacional que liga as regiões de Ayacucho e
Andahuaylas acordou bloqueada. A rodovia do distrito de Chicmo, setor Moyabamba
Baja, também está bloqueada.
Por
sua vez, o Centro Populacional Secocha se
dirigiu para o distrito de Ocoña, em Arequipa, para bloquear estradas. A FENATE
(Federação Nacional de Trabalhadores em Educação do Peru) anunciou uma greve
nacional para 15 de dezembro. Em Chanchamayo, comunidade localizada na Selva
Central, foi anunciado o bloqueio da ponte Pichanaki e a convocação de 5.000 moradores
para marchar até Lima. Em Azangaro, Puno, reservistas das Forças Armadas se
juntaram aos protestos dos moradores. Em Yuramayo, Arequipa, trabalhadores
fecharam o túnel Vitor.
Além
disso, nestes quatro dias (de 8 a 11) um número considerável de comitês de
luta, organizações de base, sindicatos, etc. aderiram à luta. Por que está
ocorrendo a radicalização do protesto popular? Uma explicação fundamental
encontra-se no agravamento da crise do capital, suas expressões na escalada
militar mundial e sua manifestação mais clara na guerra russo-ucraniana, que
levou ao aumento dos preços globalmente, tornando mais precária a vida de
milhões de trabalhadores no mundo. O Estado pouco fez para neutralizar os
impactos desses choques externos sobre as famílias trabalhadoras, seu papel
tendeu a ser o de salvaguardar os interesses burgueses, enquanto a crise foi
lançada diretamente sobre os ombros dos trabalhadores, que sofrem diariamente
com o aumento dos preços, a escassez de materiais para a produção agrícola
(como fertilizantes), o alto preço do combustível, etc. Problemas que, somados
às secas violentas (SENAMHI) e ao surto de Covid-19, agravam a condição do
campesinato e encarecem os alimentos.
Piquetes,
bloqueios de estradas e marchas são as respostas legítimas e espontâneas da
classe trabalhadora ao reposicionamento dos partidos burgueses que dirigem o
Estado. As lutas, até agora, podem ser divididas de acordo com sua composição e
objetivos principais: enquanto em Lima é formada por grupos de esquerda,
organizações tradicionais, coordenadores, etc., e pouquíssima base operária,
nas demais regiões a composição é majoritariamente trabalhadores autoconvocados.
Enquanto em Lima prevalece como palavra de ordem a libertação de Pedro
Castillo, nas províncias prevalece o fechamento do Congresso; ambos concordam
com a renúncia do Executivo, as novas eleições e o pedido de mudança da
Constituição.
Nas
regiões radicalizadas da serra sul, se evidencia uma crítica mais além do mero
ato de reivindicação do governo anterior, o qual é acusado de traidor. As
razões são claras, Castillo não representava a classe trabalhadora, mas sim a uma
burguesia nacional emergente. Nesse sentido, o grosso das lutas lideradas pelos
trabalhadores autoconvocados se mobiliza contra o decadente pacto
intercapitalista que mantém a oportunista Dina Boluarte na presidência. Tal
luta marca uma mudança no cenário político peruano: passamos das disputas
interburguesas para a luta de classes. Embora ainda apareça como uma
manifestação concreta incipiente da contradição capital-trabalho, os
trabalhadores começam a tomar medidas para lutar contra os representantes da
classe capitalista no Estado. Também, é verdade que ainda é uma mobilização contra
uma fração dos representantes dos capitalistas, e que as principais palavras de
ordem se restringem a mudanças democratizantes. Conscientes disso, não
subestimamos o poder dessas ações, pois podem levar a um processo de
radicalização que permita à classe intervir defendendo seus interesses
históricos contra a ordem do capital. Já está mencionado nas palavras de ordem
que o Congresso representa apenas a CONFIEP, órgão máximo de organização da
grande burguesia peruana.
Eles
também ameaçam tomar os corredores de mineração do sul, que são atualmente os
maiores e mais importantes do Peru. Além disso, eles chamaram a parar a
produção em Las Bambas, Compañía Minera Antapaccay, etc., além disso, eles
começam a direcionar suas ações contra corporações peruanas como CORPAC no Aeroporto de Andahuaylas.
É
provável que amanhã, segunda-feira, 12 de dezembro, as lutas se tornem muito
mais radicais. Um grande número de trabalhadores se autoconvocou em todas as
regiões do Peru, aumentando as expectativas. Os trabalhadores de Andahuaylas
não puderam esperar mais e se tornaram o centro e o exemplo da luta nacional.
Desde o dia 10, pelo menos 5.000 trabalhadores fizeram sentir sua força e sua
insatisfação com a ordem dominante; a tarde, os trabalhadores de Huancabamba
ocuparam o aeroporto de Andahuaylas. Um avião das Forças Armadas chegou de Lima
com mais contingentes militares. Hoje, 11 de dezembro, descem helicópteros
cheios de contingentes policiais para continuar reprimindo e salvaguardando os
interesses capitalistas. Em consequência, a morte de David Arequipa Quispe (15
anos) com uma bala alojada na cabeça e de Atoche Bekam Romário Quispe Garfias
(18 anos) como resultado do impacto de uma bomba de gás lacrimogêneo na cabeça.
A forma como o capital faz prevalecer sua ordem demonstra o desprezo vil que
seus representantes têm pela classe trabalhadora.
A
radicalização do protesto nesta província pode ser explicada por sua forte
tradição de luta pela terra no século XX e por representar a situação geral de
crise e empobrecimento da população camponesa. Enquanto, do lado político,
temos a rejeição das instituições corruptas, a centralização de Lima e o
racismo generalizado, aspectos mais midiáticos. Do lado econômico, fator
essencial, encontramos uma província que é o grande centro de abastecimento
agrícola e uma importante área comercial da região de Apurima. Os trabalhadores
camponeses e comerciantes sofrem os estragos da alta geral de preços causada
pela crise capitalista e pela guerra; a produção agrícola tornou-se insustentável
devido ao aumento de fertilizantes, enquanto a dinâmica comercial desacelerou
pela própria precariedade dos trabalhadores, que sofreram demissões e nenhum
reajuste salarial. Por seu lado, a grande exploração mineira na região de
Apurímac em nada contribui para o seu desenvolvimento, pois não representa um
fator determinante de emprego, pelo contrário, com a tão elogiada mineração em
grande escala, os níveis de pobreza aumentaram. A maior parte da população
trabalhadora de Apurima (70%) continua trabalhando como autônomo ou dentro da
pequena atividade agrícola, são eles que mantêm uma renda de 816 e 714 soles,
respectivamente, salários que não chegam para cobrir o mínimo para sua
sobrevivência. Esta é uma figura que se repete em outras regiões baluartes da
penetração imperialista saqueando nossos recursos. Mais miséria para o povo a custa
da exploração dos trabalhadores e da devastação da natureza.
Enquanto
a luta se radicalizava, os parlamentares se reuniram em seus confortáveis
assentos hoje às 18h. Longe de dar atenção às lutas, os representantes do
capital manifestam seu desprezo pela classe trabalhadora convocando a imposição
violenta da ordem democrática burguesa. Esdras Medina Minaya, congressista de
Somos Perú, destaca que: "A culpa é de Castillo, ele cometeu o crime de
rebelião que foi flagrante". Gladys Echaiz, deputada da Renovação Popular,
é mais intransigente: “[...] Eles nos chamam de golpistas como se tivéssemos
feito isso. […] Há terroristas lá fora”. Juan Bartolome Burgos Oliveros, sem
partido, disse: "manifestações violentas típicas de bandas de militantes
de Pedro Castillo." A laia desses políticos só enfurece mais o clamor das
lutas. Enquanto isso, uma das mídias mais reacionárias, conclama a polícia para
disparar na cabeça dos manifestantes.
Por
outro lado, no sábado, dia 10, a não reconhecida presidente Dina Boluarte
evidenciou o pacto interburguês na posse de seu ministério; chama a atenção a
eleição de Pedro Angulo Arana como primeiro-ministro, personagem ligado à máfia
do Colarinho Branco e ex-candidato à presidência pelo partido liberal Contigo,
além de ser denunciado por assédio sexual.
Se
o verdadeiro gatilho da mobilização proletária é o descontentamento com a
decadência burguesa e o agravamento da crise (em suas dimensões políticas e
econômicas), a solução não pode passar por mudanças dentro do sistema. As
palavras de ordem que pedem o fechamento do Congresso e a convocação de novas
eleições só podem dar uma pausa em um processo corrosivo que só pode tender a
mais miséria. O mesmo vale para outras medidas aparentemente radicais. Nem os partidários
da Assembleia Constituinte, nem o pseudo-radicalismo etnocacerista se propõem a
questionar as relações sociais de produção e de dominação do capital, que estão
na origem da miséria que nos aflige. E mais, limitando as lutas às
reivindicações institucionalistas, servem de freio a alguma proposta mais
radical da classe trabalhadora.
Diante
de um problema que finca suas raízes no sistema, só restam opções radicais: a própria
emancipação dos trabalhadores. Apostamos na continuidade da mobilização dos
proletários do campo e da cidade, bem como sua proposta de radicalizar seus
métodos de luta. Já conhecemos os procedimentos repressivos do braço armado do
Estado. Querer dialogar com eles só enfraquecerá as lutas empreendidas. Somente
essas ações podem garantir e fazer frente a crise. O governo dos capitalistas
(com Castillo ou sem ele) mostrou-se incapaz de resolver os problemas básicos
dos trabalhadores: o aumento do custo de vida, a falta de fertilizantes ou o
aumento dos preços dos combustíveis. Estes problemas cotidianos não se podem solucionar
sem uma luta ferrenha contra os capitalistas que se servem da riqueza produzida
pelos trabalhadores através do controle do Estado.
Nesse
sentido, é urgente unificar as lutas de todos os setores explorados com uma
agenda que vá além das disputas políticas interburguesas e das mudanças no
pessoal que dirige o Estado. Organizar comitês que articulam locais de trabalho
e bairros é fundamental, assim como reorientar as organizações já existentes
nesse sentido. Frentes de defesa, associações e sindicatos de transportadores
devem pautar seus interesses comuns acima das mudanças institucionais. Os
proletariados com sua unidade e sua força podem organizar os destacamentos
necessários para enfrentar a atual miséria institucional com novas formas de
organizar a economia, a política e a cultura. Somente superando as limitações
das consignas atuais a partir de uma prática radicalmente nova é que poderemos
por um fim as constantes crises que afligem os trabalhadores desde que a
república burguesa se constituiu.
Pela
unidade da classe trabalhadora do campo e da cidade!
Viva
a luta do proletariado em todo o país!
Abaixo
as saídas burguesas para a crise política e econômica!
Edição: Página 1917
Fonte: https://www.editorialande.com/post/de-las-disputas-interburguesas-a-la-lucha-de-clases
Nenhum comentário:
Postar um comentário