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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O Golpe

Avelino Biden Capitani* 

Avelino, liderança dos marinheiros na epóca do golpe.

     [...] Ninguém estava preparado para lutar porque ninguém pensava seriamente em lutar. As forças que apoiavam o governo eram legalistas e imaginavam que as Forças Armadas também fossem. Todos acreditavam que o esquema militar montado pelo Presidente e comandado pelo General Assis Brasil garantiria a legalidade. A possibilidade de conflitos era admitida, mas acreditavam resolver tudo com negociações.

     Chegada a hora, João Goulart não quis derramar sangue, não queria lutar. Nem sequer tentou. Foi embora. Os velhos políticos também não queriam lutar. Na verdade, as classes dominantes brasileiras - inclusive os setores nacionalistas - não queriam disputar o poder entre si pela via das armas. Os sindicalistas tradicionais não mobilizaram suas categorias e convocaram uma greve geral que acabou atrapalhando mais que ajudando. Os sargentos ficaram esperando ordens que nunca chegaram e acabaram sem saber o que fazer, diluindo-se nos acontecimentos.

     Na noite do dia 1º de abril, as embaixadas já estavam cheias dos que deveriam comandar a resistência ao golpe. Entretanto, para muitas categorias de trabalhadores mais esclarecidos a luta tinha sentido. No Rio, consideráveis grupos de trabalhadores se concentraram nos bairros, esperando orientações de suas lideranças que nunca chegaram. Outros, embora a greve tivesse paralisado todo o transporte, foram à Cinelândia e enfrentaram espontaneamente os golpistas a pedradas.

     Para os marinheiros, a luta tinha sentido. Filhos de camponeses pobres ou sem terra e de operários desprovidos, queriam uma vida melhor para a família e para o Brasil. Além das soluções dos problemas internos da Marinha - fazer uma carreira com mais dignidade e justiça - queriam ver realizadass as prometidas reformas de base. Os marinheiros nunca pensaram que sozinhos poderiam responder ao golpe. Tínhamos o compromisso de neutralizar a Marinha mas nenhuma pretensão de comandar as forças populares. Também ficamos esperando ordens, quer seja do Ministro, do Presidente, ou do comando político da resistência. Estas ordens nunca chegaram. [...]



*Avelino Biden Capitani (18/08/1940 - 17/09/2022), teve uma longa trajetória de lutas contra a ditadura empresarial-militar instaurada com o golpe de 1964. Iniciou sua militância em 1962 na Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) recém-fundada e no ano seguinte foi eleito para sua diretoria. Após o golpe participou da guerrilha de Caparaó e militou em divesas organizações, entre elas, MNR, PCBR, MR8 e PCB. Nos anos oitenta se filia ao PT, foi diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SMIC) na gestão do ex-prefeito Olívio Dutra (PT).

Fonte: Avelino Capitani, A Rebelião dos Marinheiros, p.69-70, Artes. e Ofícios Editora, 1ª edição, 1997.

Edição: Página 1917


      

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