Francisco Martins Rodrigues*
É sem dúvida louvável este desejo de ver
todas as forças antifascistas e anti-imperialistas unidas numa frente comum.
Mas os bons desejos em política não são nada. Que objetivos fixar, que relações
estabelecer entre as classes populares, para tornar possível uma luta eficaz,
vitoriosa, contra a reação e o imperialismo? Esta é a única forma séria de pôr
a questão em termos de marxismo.
Francisco Martins Rodrigues |
Raspemos a casca do bom-senso unitário,
para lhe procurar o miolo de classe. «Unidade a todo o preço em torno dos objetivos
comuns», «valorizar aquilo que une, pôr de lado tudo o que divide»,
«democracia, paz, independência, primeiro, a revolução virá depois»,
«democracia popular, um degrau para o socialismo» o que significa? Significa procurar, em cada situação, o
máximo divisor comum das forças populares. Ou seja, alinhar o povo pelo nível
mais moderado, comum a todos. Ou seja, pôr de lado os objetivos revolucionários
da classe operária, que, obviamente, não são comuns.
Pode objetar-se que a perspectiva unitária
de Cunhal, em 1975, com a «batalha da produção pelo socialismo», era de
qualquer modo muito mais avançada, do que a «Unidade dos portugueses honrados»
de 1949. É certo. O unitarismo democrático e popular não é rígido. Pelo
contrário, é extremamente flexível, elástico, criador, o que lhe permite
acompanhar as grandes convulsões de massas. É esse outro segredo da sua
vitalidade. Mas, por mais elástico que seja, há um limite ideal para que ele
parece tender, mas que nunca atingiu e que, pelo contrário, bloqueia: a
revolução proletária.
O apelo para a «unidade a todo o preço
contra a reação, a guerra e o imperialismo» veicula, pois, a exigência, não da
Unidade, mas de uma certa unidade: unidade
em torno das reivindicações limitadas da pequena burguesia, comuns a todo o
povo, sacrificando para tal as reivindicações revolucionárias da classe
operária. É este o sumo de classe do pensamento dimitroviano. É esta a
fonte da sua fácil popularidade, que lhe assegura uma reprodução espontânea e
diária em larga escala.
Assim, a lógica unitária que funciona hoje
automaticamente em todos os campos da luta de classes, política, econômica ou
ideológica, é fácil de resumir: «Os operários que sacrifiquem (só por agora,
claro!) uma parte das suas exigências, se não querem ficar isolados». É um
ultimato. Que está presente, sem precisar de ser mencionado, nas manifestações
pela liberdade como na negociação de um contrato coletivo, nas marchas da paz
como na abstenção tácita de toda a crítica à religião, à família, à nação, à
propriedade privada.
Unidade pelo fim dos monopólios, do
fascismo, da guerra, pela independência da nação, por uma democracia popular.
Unidade até mesmo pelo socialismo, desde que seja «popular». A revolução
proletária é que não tem aí lugar. Como poderia tê-lo, se não é uma questão
comum ao povo?
No tempo de Lenin, é sabido, a revolução
russa fez-se com uma outra lógica. O
povo, enquanto coletivo, não tem solução para os flagelos do capitalismo, do
imperialismo, da guerra, porque é um aglomerado de classes com interesses
diversos. O povo precisa do socialismo, mas só pode encontrá-lo se for
arrastado pela dinâmica revolucionária da classe operária. E a classe operária
só pode encontrar a via do socialismo e arrastar consigo o povo se for
arrastada pela dinâmica revolucionária da sua vanguarda, capaz de assimilar o
marxismo. A minoria, avançando para o seu alvo consciente, ganhará a maioria. Os objetivos gerais da luta não têm que ser
fixados pelo máximo denominador comum, mas pelo conhecimento das tarefas objetivas
que se colocam à sociedade. Cada luta particular, imediata, comum a todo o
povo, em si mesma nada vale se não servir para acelerar o alinhamento das
forças antagônicas dispostas a bater-se pela direção da sociedade. Por isso, o
proletariado tem que se demarcar da pequena burguesia, a revolução tem que
crescer à custa do reformismo, etc., etc.
Porque deixou esta lógica, aparentemente,
de servir? Porque «o mundo mudou», ou porque a classe operária foi submergida
pela ideologia pequeno-burguesa? A ideia leninista de hegemonia do proletariado
foi de fato ultrapassada pela História, ou está soterrada sob uma avalanche de
democratismo reformista? Vivemos hoje uma etapa superior, de luta mais vasta
contra o imperialismo, ou recuamos para uma plataforma mais estreita, cega,
impotente? Há alguma esperança para o combate democrático unitário, ou ele é só
um alçapão por onde se escoam continuamente as potencialidades revolucionárias
do movimento operário?
Para todos aqueles que já se libertaram
dos «dogmas» marxistas (e que servem alegremente a ditadura «democrática» da
burguesia), estas perguntas não passam de extravagâncias doutrinárias, que nem
merecem refutação. Mas é instrutivo observar como os ditos
«marxistas-leninistas» (revisionistas e anti-revisionistas) resolvem a
dificuldade de associar Dimitrov com Lenin.
Por estranho que pareça, a divisão do
movimento comunista em campos antagônicos desde os anos 60 não beliscou o
dimitrovismo. Revisionistas da escola
soviética e «ortodoxos» da linha chinesa-albanesa, embora travando uma batalha
furiosa em torno de Stalin e do «stalinismo», renegado por uns, exaltado pelos
outros, mantiveram-se de acordo quanto às ideias políticas de Dimitrov.
Uns e outros coincidem na opinião de que o
7.º congresso da Internacional Comunista fez uma aplicação criadora do
leninismo nas novas condições históricas, deu nova vitalidade ao movimento
comunista e proporcionou grandes êxitos aos povos. Uns e outros defendem a política das Frentes Populares, divergindo,
quando muito, no que toca à sua aplicação. Uns e outros atacam como
«dogmáticas», «sectárias» e «trotskistas» as objecções que eventualmente se
manifestam a essa política.
Existe de fato uma guerra entre
revisionistas e anti-revisionistas acerca de Dimitrov, mas apenas para saber a
quem pertence de direito a sua herança.
*Francisco Martins Rodrigues (1927 — 2008)
Fonte: Anti-Dimitrov: 1935-1985 Meio Século de Derrotas da Revolução, Editora Ulmeiro, Portugal, 1985.
Edição: Página 1917
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