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sábado, 16 de abril de 2022

O Papel Histórico da Ditadura do Proletariado

Charles Bettelheim (1913 – 2006)


"A existência da ditadura do proletariado e de formas estatais ou coletivas de propriedade não determinam necessariamente a “abolição” das relações de produção capitalistas nem o “desaparecimento” das classes antagônicas"

 


     A primeira tese com a qual é preciso romper é a que estabelece uma identificação “mecanicista” entre formas jurídicas de propriedade e as relações de classes, particularmente no decorrer da transição socialista.

     Essa tese foi explicitamente desenvolvida por Stalin em seu relatório – apresentado a 25 de novembro de 1936 ao VII Congresso dos Sovietes da URSS (1) – sobre o projeto de constituição da União Soviética.

     [...] “Não há mais capitalistas na indústria, nem Kulaks na agricultura, ou comerciantes e especuladores no comércio. De modo que todas as classes exploradoras estão liquidadas (2).

     [...] A aceitação dessa tese impedia a análise das contradições que continuavam de fato a se manifestar na União Soviética. Ela torna incompreensível a ideia de que o proletariado possa perder o poder para a burguesia, pois esta parece não ter mais condições de existir, salvo se for “restaurada” a propriedade privada capitalista. Semelhante tese desarma o proletariado, persuadindo-o de que a luta de classes terminou.

      [...]A existência da ditadura do proletariado e de formas estatais ou coletivas de propriedade não determinam necessariamente a “abolição” das relações de produção capitalistas nem o “desaparecimento” das classes antagônicas: o proletariado e a burguesia. Esta pode apresentar formas de existência modificadas e assumir o aspecto de uma burguesia de Estado.

     O papel histórico da ditadura do proletariado não consiste apenas em transformar as modalidades de propriedade, mas também – e essa é uma tarefa complexa e demoradaem transformar o processo social de apropriação, e, dessa maneira destruir as antigas relações de produção e organizar novas relações de produção, afim de assegurar a passagem do modo de produção capitalista ao modo de produção comunista, sendo a transição socialista a etapa que permite a destruição das relações sociais burguesas e da burguesia enquanto classe. Tal formulação não constitui nenhuma novidade, pois trata-se, literalmente, de um “retorno” a Marx e Lenin.

     Marx concebia a ditadura do proletariado como ponto de transição necessário para alcançar a supressão das diferenças de classe em geral (3), enquanto Lenin costumava lembrar que “as classes subsistem e subsistirão na etapa da ditadura do proletariado”, acrescentando que “cada uma delas se modifica...”, de modo que suas relações também se modificam e que a luta de classes prossegue revestindo-se “de outras formas(4).

     O Fato de que a tarefa da revolução socialista não se limita à transformação das relações jurídicas de propriedade e de que o fundamental é a transformação do conjunto das relações sociais e, inclusive, as relações de produção, levou Lenin a insistir com frequência na ideia essencial de que é relativamente “fácil começar a revolução socialista”, mas particularmente difícil “continuá-la e levá-la a bom termo(5).

     Assim, a transição socialista abrange necessariamente um longo período histórico e não pode ser “concluída” em alguns anos (6).

 

Notas:

(1)   Cf. Stalin, Les questions du léninisme, Editions Norman Béthune, Paris, 1969, tomo 2, pág. 748 e segs.

(2)   Ibid., pág. 755.

(3) Ver a primeira formulação dessa ideia na carta de Marx a Weidemeyer de 5 de março de 1852, in Correspondence Marx-Engels, tomo 3, Éditions Sociales, Paris, 1972, pag.79.

(4) Cf. Lenin, L’Économic et la politique à l’époque de la dictadure du proletariat, 7 de novembro de 1919, in O.C., tomo 30, pág. 111.

(5) Lenin, O.C., tomo 31, pág. 59.

(6) A pressão que a ideologia burguesa exerce sobre o marxismo (e que se manifesta pela luta entre duas vias, burguesa e proletária, no seio do próprio marxismo) determinou mais de uma vez a tendência a reduzir as relações de produção a simples relações jurídicas. Tal ocorreu na Rússia soviética durante a guerra civil, com a ilusão de que a extensão das nacionalizações e a interdição do comércio privado (substituído por medidas de requisição e de distribuição sem passar pelo mercado) equivalia à “instauração” de relações comunistas, donde a denominação “comunismo de guerra” dada a esse período. Como Lenin reconheceu, as ilusões surgidas então conduziram a “uma derrota mais grave que qualquer uma das que nos foram infligidas por Koltchak, Denikine ou Pilsudski...”. (Lenin, O.C. , tomo 33, pág. 57). 

Fonte: A Luta de Classes na União Soviética, Vol.1, pág. 30, Paz e Terra, 1976. 

Edição: Página 1917.

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