Marta Harnecker e Gabriela Uribe
1 - A
necessidade de construir um Estado proletário
No primeiro caderno desta série dissemos
que os donos dos meios de produção, ao mesmo tempo que detêm o poder econômico,
controlam graças a ele, outros aspectos da sociedade.
O Estado, por exemplo, não é um aparelho
neutro, a serviço de toda a sociedade, como pretendem fazer-nos crer os
capitalistas. O Estado tem defendido sempre os interesses de quem detém o poder
econômico. Os governos capitalistas no nosso país utilizaram e continuam a
utilizar frequentemente as forças policiais para reprimir os trabalhadores
quando as suas lutas põem em perigo o sistema dominante. Disto são testemunhos
gritantes as lutas em que a classe operária viu morrer os seus filhos. Por
outro lado, todos os trabalhadores sabem que não existe uma justiça igual para
todos os brasileiros. Existe a lei do pobre e a lei do rico. Se um pobre mata
outro, mesmo por razões de fome e miséria é condenado a longos anos de prisão;
se um rico mata outro consegue com dinheiro calar o processo, e se é julgado, o
castigo é muito pequeno e geralmente é posto em liberdade sob fiança.
Se o latifundiário rouba a terra ao
lavrador, passam-se anos sem que a justiça faça alguma coisa para devolvê-la.
Se o lavrador recupera a terra que lhe foi roubada, intervém a polícia para
colocar ordem, isto é, para impedir que os interesses dos latifundiários sejam
prejudicados.
O
Estado capitalista, que diz ser o Estado mais democrático do mundo, é de fato
uma democracia para uma minoria. Democracia para que poucos tenham casas
luxuosas em vários pontos do pais, carros luxuosos, viagens ao estrangeiro,
enquanto a maior parte do povo vive em povoações afastadas dos seus locais de
trabalho, em "vilas", em bairros da lata e têm de andar quilômetros
para chegar ao trabalho, muitas vezes sem terem dinheiro sequer para o
transporte. Democracia para que uma minoria possa mandar estudar os filhos nas
universidades, enquanto a maior parte das crianças do país não passa das
primeiras letras. Democracia para que poucos possam exprimir publicamente
opiniões e ideias, porque têm bastante dinheiro para comprar programas de rádio
e de televisão, jornais e revistas, enquanto a voz da maioria, que não tem nem
influência, isto é poder político, nem dinheiro, não se pode fazer ouvir.
Democracia para que uma minoria se dê ao luxo de escolher o trabalho que quer
realizar, enquanto a maioria tem de aceitar todo e qualquer trabalho para não
morrer de fome.
Trata-se de uma democracia muito limitada,
porque o povo tem que submeter-se às decisões tomadas por uma pequena minoria:
os capitalistas. Trata-se de uma democracia para esta classe social, mas uma
ditadura para o povo, já que tudo o que põe em perigo aquela minoria é reprimido,
usando-se todos os meios disponíveis incluindo a força física, a tortura e
muitas vezes a morte.
Por isso, é porque o Estado capitalista
defende os interesses da classe capitalista, (a minoria), contra os interesses
do povo a maioria), este se quer pôr fim à exploração, se quer conseguir uma
verdadeira liberdade e democracia, se quer pôr os meios de produção a seu
serviço deve destruir o Estado capitalista e construir um novo: um Estado
proletário.
2. Como está constituído e como funciona o
Estado proletário.
Este Estado deve ser dirigido pela
vanguarda do proletariado, e ser formado por todo o povo que toma nas suas mãos
o poder do Estado, passando a constituir ele mesmo as instituições desse poder.
“Necessitamos de um Estado, mas não como o
que a burguesia necessita, com os órgãos do poder - tomando a forma de polícia,
exército, burocracia - separados do povo e virados contra ele".(17)
A máquina do Estado que está constituída,
e que serve a burguesia para os seus próprios fins, é substituída totalmente
por outra, que serve o proletariado e cujas instituições estão fundidas com o
próprio povo. É ele que passa agora a exercer estas funções duma forma direta e
em condições de impô-las pela força à burguesia, se necessário, por não existir
separação entre o exército permanente e o povo armado. O poder generalizado do
povo em todos os aspectos da vida social é o único que pode impedir a minoria,
ainda poderosa, de tomar novamente o poder durante este período em que o
proletariado vai criando as condições que farão desaparecer a burguesia como
classe.
A este novo tipo de Estado, que se
estabelece desde a tomada do poder pelo proletariado é o que se chama a
ditadura do proletariado.
3.
A ditadura do proletariado não é a negação da democracia.
Se perguntarmos o que se entende por
ditadura a maior parte das pessoas nos dirá que se trata dum regime político em
que desapareceu a democracia e a liberdade, quer dizer, que se trata de uma
tirania.
Mas, para o marxismo a ditadura tem um
significado diferente do que se lhe dá geralmente. Sabemos que a sociedade é
constituída por diferentes classes sociais, e que umas exploram as outras,
exercendo sobre elas o seu domínio econômico, político e ideológico. O que
interessa ao marxismo, em relação ao problema da ditadura, é saber qual a
classe que se pretende dominar, qual a classe que, como classe, deve finalmente
desaparecer?
A ditadura do proletariado é a
“organização centralizada da força”(18)
contra a escassa minoria, que enquanto está no poder utiliza todos os
mecanismos que tem a seu alcance para explorar e oprimir o povo. É a ditadura
exercida pelos trabalhadores e exploradores para esmagar a resistência dos
exploradores.
A ditadura do proletariado, segundo Lenin,(19) une a ditadura com a
democracia. A ditadura contra a burguesia, quer dizer, contra a minoria da
população, e a democracia, quer dizer, a participação geral e em igualdade de
direitos da esmagadora maioria da população em todos os assuntos do Estado e em
todos os complexos problemas que a destruição do capitalismo implica.
A democracia proletária é, portanto, uma
democracia muito mais ampla e mais perfeita do que a democracia burguesa. Mas,
para sê-lo deve submeter as classes até então dominantes. Sem destruir o poder
econômico e político destas classes, não pode existir bem-estar e democracia
para o povo.
O marxismo afirma isto, porque reconhece a
existência de interesses antagônicos, entre os grupos da sociedade, e por isso
não cai na ilusão de acreditar que estes grupos podem dar as mãos para
caminharem juntos para a nova sociedade. Só se a classe dominante estivesse
disposta a abandonar os seus privilégios o que é impossível, a ditadura do
proletariado não seria necessária.
Ora, ainda que os Estados burgueses se
revistam das mais diversas fachadas (desde o regime democrático parlamentar,
até à ditadura militar fascista), a essencial é sempre a mesma: uma ditadura da
burguesia. Também a transição do capitalismo para o comunismo se pode fazer de diversas
maneiras, conforme as características próprias de cada formação social, de cada
país, mas mantendo sempre a sua característica fundamental: a ditadura do
proletariado.
Por exemplo, em determinadas formas de
ditadura do proletariado pode manter-se a participação eleitoral da burguesia.
4.
O que torna necessária a ditadura do proletariado durante o socialismo?
Se o proletariado toma o poder na
violência e consegue expropriar em pouco tempo os grandes capitalistas, porque
é que se torna necessário estabelecer um regime de ditadura do proletariado?
Porque a burguesia usa as vantagens que
ainda conserva sobre o proletariado para se opor violentamente ao novo poder.
Estas vantagens criam-lhes esperanças de voltar ao capitalismo, esperanças
estas que se transformam em tentativas concretas de o impor novamente.
Historicamente os exploradores opuseram sempre uma resistência prolongada e
desesperada para impor de novo um regime que defenda os seus interesses.
Perderam as fábricas e as propriedades
latifúndios mas ficou-lhes muito dinheiro (a maior parte guardados em bancos
estrangeiros). Ficam em seu poder durante algum tempo numerosos bens
mobiliários.(20) Têm
muitos amigos, que passam a fazer parte do novo regime no seu começo.
Os hábitos de organização e direção, o
conhecimento dos segredos da administração, a preparação intelectual, dão-lhes
uma grande força. Mantêm laços estreitos com o pessoal técnico da hierarquia,
que leva uma vida burguesa e tem ideias burguesas. Têm uma experiência
infinitamente superior da arte militar. Não são menos importantes as suas
relações internacionais. O internacionalismo da burguesia, todos os dias se
fortalece mais. Por outro lado, através de todo este poder que continuam a ter
nas mãos, podem conquistar as massas exploradas menos politizadas.
Por todos estes motivos, os exploradores
conservam durante longos anos vantagens reais sobre os explorados. Se aquela
classe e os seus aliados aceitassem não ter já nenhum papel histórico a jogar,
se abandonassem voluntariamente os privilégios que possuíam, a repressão e o
controle sobre eles seriam desnecessários. (21)
5.
A ditadura do proletariado não consiste só, nem principalmente na violência.
As tarefas da ditadura do proletariado não
são só tarefas destrutivas, repressivas. A característica principal não é a
violência. O aspecto principal é a organização e a disciplina da classe
operária, como grupo da sociedade que dirige o resto dos trabalhadores na
construção da nova sociedade.
O objetivo do proletariado é destruir as
bases em que assenta a exploração do homem pelo homem, transformar todos os
elementos da sociedade em trabalhadores, suprimir a divisão da sociedade em
classes e estabelecer novas relações de colaboração e solidariedade entre os
homens.
Por isso é necessário empreender a tarefa
de reorganizar toda a economia, coisa que não é fácil, que não se consegue dum
dia para o outro. Além disso não é só a nível econômico que se devem produzir
mudanças fundamentais: estas devem atingir todos os aspectos da vida. Uma
tarefa constante é combater a enorme força dos costumes herdados da sociedade
capitalista.
Para realizar estas tarefas, o
proletariado deve esforçar-se por puxar para o seu lado a maior parte das
pessoas. Dirigindo corretamente este processo, evitando cair em métodos
burocráticos, tendo sempre em conta o interesse imediato das massas, o
proletariado conseguirá cada vez mais o apoio da maioria dos trabalhadores para
avançar.
6.
Algumas características da Comuna de Paris: uma forma de ditadura do
proletariado.
A Comuna de Paris é o primeiro caso de
governo operário na História. Surge com a tomada do poder político por esta
classe social em Paris, e noutros centros industriais da França durante a
Primavera de 1871.
A forma como se organizou a Comuna, as
medidas que se tomaram, as instituições que o povo criou, foram e continuam a
ser uma grande contribuição para a luta do proletariado.
Na Comuna, os vereadores eram eleitos por
sufrágio universal nas diferentes divisões administrativas da cidade (como por
exemplo as juntas de distrito). Não é isto que é novo nos nossos dias, mas sim
o fato dos funcionários serem responsáveis perante os eleitores e revogáveis
por estes em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram operários ou
representantes da classe operária.
A polícia foi retirado o poder político e
convertida num instrumento a serviço da Comuna, também revogável a qualquer
momento, tal como se fez com os funcionários dos outros ramos da administração.
Os juízes eram também eleitos pelo povo e
responsáveis perante ele, que podia destitui-los no caso de achar conveniente.
Todos os que desempenhavam cargos públicos
ganhavam salários de operários. Eliminou-se a separação entre os poderes
executivo e legislativo. A Comuna passou a ser ao mesmo tempo um organismo de
trabalho executivo e legislativo.
A Comuna eliminou a separação entre 0
exército permanente e o povo armado. Nestas breves referências vemos na prática
como a ditadura do proletariado é uma democracia muito mais ampla e efetiva do
que a ditadura da burguesia. Trata-se apenas de um exemplo que não pode ser
seguido da mesma forma em qualquer pais. De fato, na Rússia que foi o primeiro
Estado socialista, na China e outros países socialistas deram-se diferentes
formas de ditadura do proletariado.
7.
A ditadura do proletariado: um dos princípios fundamentais do marxismo.
Depois desta exposição podemos entender
melhor porque é que um dos princípios centrais do marxismo, é que para suprimir
as classes sociais, para chegar à sociedade comunista é necessário passar por
um período de transição política caracterizado pela ditadura do proletariado.
O mais importante na doutrina de Marx não
é a luta de classes, a qual, segundo o próprio autor, já tinha sido descoberta antes
por pensadores burgueses.(22)
É
por isso que Lenin afirmava que quem reconhece apenas a luta de classes não é
nenhum marxista, pode manter-se na linha do pensamento burguês e da política
burguesa. Supor que o marxismo é apenas a doutrina da luta de classes é limitar
o marxismo, deturpá-lo, reduzi-lo a algo que a própria burguesia aceita. Só é
um marxista aquele que partindo da luta de classes, aceita a necessidade da
ditadura do proletariado.
E esta distância profunda que separa um
marxista de um vulgar pequeno e também do grande burguês. É isto que prova quem
tem e quem não tem uma compreensão e um reconhecimento real do marxismo.(23)
*Socialismo
e Comunismo; Cadernos de Educação Popular; Global Editora
Notas:
(17) Lenin, 0 Estado e a
Revolução. - Hucitec - S. Paulo – Brasil
(18) Lenin: O Estado e a
Revolução. - Hucitec - S. Paulo › Brasil.
(19) Lenin: “Resposta a P.
Kievsky", Obras Completas, t. 23, pág. 12 citado em Marx, Engels, Lenin: O
Socialismo Científico, Ed. Progresso Moscou, 1967.
(20) Chama-se "bens
mobiliários" às ações, obrigações e outros títulos de crédito, que são
valores de rápida circulação que se compram e vendem na Bolsa, e são a forma em
que se expressa o capital financeiro.
(21) Lenin, A Revolução
Proletária e o Renegado Kautsky.
(22) "No que me diz
respeito, não é a mim que cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das
classes na sociedade moderna, nem a luta entre elas. Muito antes de mim, os
historiadores burgueses descobriram o desenvolvimento histórico dessa luta de
classes, e os economistas burgueses fizeram-lhe a antomia econômica. O que eu
fiz de novo foi: 1) demonstrar que a existência de classes está ligada a fases
do desenvolvimento histórico da produção; 2) que a luta de classes conduz
necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta ditadura constitui a
transição para a abolição de todas as classes e por uma sociedade sem classes”.
Citação de Marx contida em O Estado e a Revolução, Lenin.
(23) O Estado e a Revolução,
Lenin. - Hucitec - S. Paulo - Brasil.
Edição: Página 1917
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