Renildo Souza**
O "Socialismo de Mercado". |
Como surgiu o mercado na China? O povo
reivindicou a volta do mercado? Quando começou o processo de reformas, o povo
não estava reclamando a implantação de mercado, não havia manifestação popular
nesse sentido, mas a liderança do PCC inclinou-se em favor da via mercantil.
(Hart-Landsberg; BURKETT, 2004,P.31) Foi a vontade e determinação da cúpula
dirigente do PCC. Assim, promoveu-se um deslocamento significativo: mercado em
vez de um tipo específico de plano socializante. Negava-se a forma de plano a
serviço da tentativa de construção do socialismo real. O que se chama “plano
quinquenal” hoje na China é uma regulação forte do Estado na assim chamada
“economia mista”, já conhecida no mundo depois da Segunda Guerra Mundial.
É claro que a criação dos mercados e do
setor privado na China tem que estar articulada, em um plano mais geral, com
relações de classes sociais. (Yiching, 2005, p.49) Há alguma base em termos de
desigualdades, interesses, privilégios e ideologia para o reaparecimento do
mercado. As determinações históricas gerais vigentes na China impõem, de modo
complexo, as condições de adaptação ao mercado. A opção pela reintrodução dos mecanismos de mercado e do
setor privado foi clara. Já na própria 3ª Sessão Plenária, em dezembro de 1978,
declarou-se que as forças de mercado eram a chave da modernização socialista.
Isso poderia ser interpretado como, simplesmente, uma retomada de realismo na
economia. Poderia ser um reconhecimento da necessidade da regulação mercantil
na economia chinesa, em paralelo à planificação estatal. Poderia ser uma tomada
de consciência das dificuldades advindas da burocratização do plano ou da
estatização completa e absoluta da atividade econômica. Poderia ser resultado
de um amadurecimento sobre as dificuldades, os ritmos e os prazos da construção
econômica do socialismo, sob os bloqueios capitalistas mundiais. Mas não era
nada disso! Passava-se para uma visão nova, distinta, específica. O mercado,
agora, aparecia como um regulador chave da economia. Os preços de mercado
seriam a ferramenta do cálculo econômico. E, ainda mais, lançou-se,
posteriormente, uma confusão entre os conceitos de mercado e de socialismo,
conforme as formulações do PCC, no início nos anos 1990, acerca do assim
chamado socialismo de mercado, lembrando vagamente ideias de transição
socialista como as formulações de Oscar Lange.
A regulação do mercado estaria assentada
na compreensão da vigência objetiva, inarredável, da lei do valor no período de
construção econômica do socialismo. O mercado espontaneamente orientaria a
alocação de recursos, segundo a lei do valor. No período de transição
socialista, não caberia, simplesmente, trocar o funcionamento do sistema de
preços, conforme as forças de oferta e procura no mercado, pela fixação de
preços, administrativamente, por representantes do Estado. Assim, a liderança
chinesa pós 1978 teria aceitado a operação do mercado como essencial ao
funcionamento da economia, segundo as condições concretas vividas pela China.
Parece ser essa a fundamentação do caminho escolhido pela China pós 1978:
aceitar a lei do valor como algo natural, incontrolável, necessária
praticamente pela eternidade. Nesses termos, seria viável impulsionar para a
finalidade da valorização do capital, o que requer propriedade privada e
mercado. Assim, quaisquer formas e meios seriam legítimos e poderiam ser
empregados, a fim de desenvolver completamente as forças produtivas, estruturar
e modernizar a economia. Pela retórica das autoridades chinesas, isso seria a
própria construção do socialismo, em um processo evolucionário, a longuíssimo
prazo.
*Estado e Capital na China; Renildo Souza; EDUFBA; 2018; p.68.
**Renildo Souza, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFBA.
Edição: Página 1917
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