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quinta-feira, 10 de março de 2022

Planificação Estatal e Mercado*

Renildo Souza**

O "Socialismo de Mercado".


     Como surgiu o mercado na China? O povo reivindicou a volta do mercado? Quando começou o processo de reformas, o povo não estava reclamando a implantação de mercado, não havia manifestação popular nesse sentido, mas a liderança do PCC inclinou-se em favor da via mercantil. (Hart-Landsberg; BURKETT, 2004,P.31) Foi a vontade e determinação da cúpula dirigente do PCC. Assim, promoveu-se um deslocamento significativo: mercado em vez de um tipo específico de plano socializante. Negava-se a forma de plano a serviço da tentativa de construção do socialismo real. O que se chama “plano quinquenal” hoje na China é uma regulação forte do Estado na assim chamada “economia mista”, já conhecida no mundo depois da Segunda Guerra Mundial.

     É claro que a criação dos mercados e do setor privado na China tem que estar articulada, em um plano mais geral, com relações de classes sociais. (Yiching, 2005, p.49) Há alguma base em termos de desigualdades, interesses, privilégios e ideologia para o reaparecimento do mercado. As determinações históricas gerais vigentes na China impõem, de modo complexo, as condições de adaptação ao mercado. A opção pela reintrodução dos mecanismos de mercado e do setor privado foi clara. Já na própria 3ª Sessão Plenária, em dezembro de 1978, declarou-se que as forças de mercado eram a chave da modernização socialista. Isso poderia ser interpretado como, simplesmente, uma retomada de realismo na economia. Poderia ser um reconhecimento da necessidade da regulação mercantil na economia chinesa, em paralelo à planificação estatal. Poderia ser uma tomada de consciência das dificuldades advindas da burocratização do plano ou da estatização completa e absoluta da atividade econômica. Poderia ser resultado de um amadurecimento sobre as dificuldades, os ritmos e os prazos da construção econômica do socialismo, sob os bloqueios capitalistas mundiais. Mas não era nada disso! Passava-se para uma visão nova, distinta, específica. O mercado, agora, aparecia como um regulador chave da economia. Os preços de mercado seriam a ferramenta do cálculo econômico. E, ainda mais, lançou-se, posteriormente, uma confusão entre os conceitos de mercado e de socialismo, conforme as formulações do PCC, no início nos anos 1990, acerca do assim chamado socialismo de mercado, lembrando vagamente ideias de transição socialista como as formulações de Oscar Lange.

     A regulação do mercado estaria assentada na compreensão da vigência objetiva, inarredável, da lei do valor no período de construção econômica do socialismo. O mercado espontaneamente orientaria a alocação de recursos, segundo a lei do valor. No período de transição socialista, não caberia, simplesmente, trocar o funcionamento do sistema de preços, conforme as forças de oferta e procura no mercado, pela fixação de preços, administrativamente, por representantes do Estado. Assim, a liderança chinesa pós 1978 teria aceitado a operação do mercado como essencial ao funcionamento da economia, segundo as condições concretas vividas pela China. Parece ser essa a fundamentação do caminho escolhido pela China pós 1978: aceitar a lei do valor como algo natural, incontrolável, necessária praticamente pela eternidade. Nesses termos, seria viável impulsionar para a finalidade da valorização do capital, o que requer propriedade privada e mercado. Assim, quaisquer formas e meios seriam legítimos e poderiam ser empregados, a fim de desenvolver completamente as forças produtivas, estruturar e modernizar a economia. Pela retórica das autoridades chinesas, isso seria a própria construção do socialismo, em um processo evolucionário, a longuíssimo prazo.

*Estado e Capital na China; Renildo Souza; EDUFBA; 2018; p.68. 

**Renildo Souza, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFBA. 

Edição: Página 1917



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