Antonio Gramsci
(...) Creem os proletários que a sua ação se pode esgotar na luta de cada dia, pela defesa dos salários e do horário?
Se creem nisso, é melhor não ir votar, ou então votem só para mandar ao Parlamento gente que contrate com o governo quando não se pode contratar com os industriais, gente que se sirva da sua autoridade parlamentar para colocar nos contratos sindicais uma assinatura de garantia dos governantes do Estado burguês.
Creem os proletários que, no memento atual, lhes seja possível continuar na via seguida nos primeiros decênios da luta de classes, de recolher lentamente, grão a grão, energias para construir instituições de defesa do proletariado, para erguer ao mesmo tempo organismos de adestramento das capacidades administrativas e técnicas dos trabalhadores: cooperativas, bancos, repartições de emprego e por aí adiante? Se creem que isto baste, mandem deputados ao Parlamento só para defender estas instituições, para lhes criar, na Orbita do Estado burguês, uma possibilidade de existência.
Creem os proletários que a conquista de cada vez maior número de lugares nos organismos do Estado burguês constitui um acréscimo efetivo das forças e das capacidades da classe trabalhadora, uma conquista real e concreta de poder por parte dela? Creem que a vitória dos proletários possa ser concebida como resultante de uma conquista, por parte dos proletários, de uma maioria de lugares no Parlamento burguês ou do maior número possível de administrações locais?
Se creem nisto, mandem deputados ao Parlamento para conseguirem, com um aumento do seu número, a revolução e a libertação.
Creem os proletários que os organismos da classe burguesa podem servir como órgãos de governo mesmo para a classe proletária, que podem servir para dar liberdade e justiça aos trabalhadores, enquanto até hoje só serviram para lhes dar escravidão e tormentos?
Se creem nisto, convidem os socialistas a falar claro, a declarar o fundo do seu pensamento, a dizer que vão para o Parlamento para preparar a colaboração com os burgueses e com o governo... proletário em Estado burguês; convidem expressamente os socialistas a colaborar e votem no Partido Socialista.
Mas pensem os proletários quais são as condições do momento presente. Pensem que a guerra abriu a maior crise que a história recorda, crise que não é de um governo ou de um Estado, mas dum regime e dum mundo, do regime e do mundo dos patrões.
Observem os proletários como desde que esta crise se abriu e quanto mais ela se torna aguda, tanto mais revela que a tática seguida nos anos de paz e da tranquilidade não serve para nada no momenta atual.
Tudo o que outrora podia significar um passo em frente, cada ação que antigamente servia para garantir um pouco de liberdade, para dar um pouco de justiça aos trabalhadores, hoje só serve para tornar a crise mais aguda, para fazer enfurecer os inimigos, para suscitar reações mais fortes, para tornar mais dura a vida e mais áspera a batalha.
Cada aumento de salários aumenta dez vezes mais o custo de vida, cada tentativa para conquistar um pouco de liberdade suscita as iras brutais e as represálias ferozes dos patrões. O aumento do número de deputados, o acréscimo do poder das organizações e a conquista de dois mil municípios levaram os burgueses a armarem-se, a perseguir com as armas os operários e os camponeses, a incendiar as suas casas, a destruir as suas instituições, a reduzir inteiras regiões a um regime que é pior do que o da escravidão, porque já não há lei, já não há direito fora da lei do punho e do bastão e o direito da pistola apontada à cara dos trabalhadores e contra o peito das suas mulheres e dos seus filhos.
Que significa isto? O que pretende a burguesia com este exercício de violência? Para demonstrar aos proletários que enquanto ela tiver o poder nas mãos, não nos serve criar ilusões acerca da possibilidade de conquistar gradualmente justiça e liberdade.
É preciso que o poder passe para os trabalhadores, mas estes nunca o poderão ter enquanto estiverem iludidos em podê-lo conquistar e exercer através dos órgãos do Estado burguês.
A ação sindical de defesa, a constituição de órgãos, de experiências socialistas em regime burguês, a conquista de cada vez mais novos lugares nos organismos com os quais os burgueses governam a sociedade, tudo isto não basta hoje, deixou de servir. Precisa outra ação se não queremos ser dominados e perder tudo. Precisa que os dominadores de toda a sociedade passem a ser os operários, os camponeses, os trabalhadores de todas as categorias, que estes tenham o poder e o exerçam através de instituições novas, as quais deem a sociedade uma nova forma e uma férrea disciplina de ordem e de trabalho para todos. Precisa que qualquer outra luta seja subordinada a esta para a conquista do poder, para a criação do novo Estado, do Estado dos operários e dos camponeses.
Esta é a tática seguida pelos trabalhadores russos, que lhes permite hoje olhar com segurança para o futuro, enquanto em todos os outros países os trabalhadores o olham com apreensão, com medo, com ânsia.
É esta a tática que o Partido Comunista propõe aos operários e aos camponeses de Itália, o programa sobre o qual os chama a afirmarem-se.
Ser comunista, votar no Partido Comunista, quer dizer afirmar-se convencido da verdade deste programa, declarar-se pronto a lutar pela sua realização, mandar ao Parlamento homens que só se proponham afirmar estes princípios, dar força ao organismo que guia a melhor parte da classe operaria para atuar em todo o mundo.
* Artigo publicado em L'Ordine Nuovo, 13/05/1921; Fonte: Escritos Políticos; p. 298-300; Seara Nova; 1977; Portugal.
Edição: Página 1917
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