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terça-feira, 21 de março de 2023

Como Organizar a Emulação?

Lenin (dezembro/1918)


Os escritores burgueses escreveram e escrevem montanhas de papel, elogiando a concorrência, a iniciativa privada e outros magníficos valores e encantos dos capitalistas e da ordem capitalista. Acusavam-se os socialistas de não quererem compreender o significado destes valores e de não terem em conta a “natureza humana”. Mas, na realidade, o capitalismo substituiu há muito a pequena produção mercantil independente, em que a concorrência podia, em proporções mais ou menos amplas, desenvolver o espírito empreendedor, a energia, a iniciativa ousada, pela grande e muito grande produção fabril, pelas empresas por ações, pelos consórcios e outros monopólios. A concorrência significa, sob tal capitalismo, o esmagamento inauditamente feroz do espírito empreendedor, da energia, da iniciativa ousada da massa da população, da sua gigantesca maioria, de noventa e nove por cento dos trabalhadores, significa também a substituição da emulação pela fraude financeira, pelo nepotismo, pelo servilismo nos degraus mais elevados da escala social.

O socialismo não só não extingue a emulação como, pelo contrário, cria pela primeira vez a possibilidade de a aplicar em escala verdadeiramente ampla, verdadeiramente de massas, de arrastar verdadeiramente a maioria dos trabalhadores para o campo de um trabalho onde podem revelar-se, desenvolver as suas capacidades, mostrar os talentos que no povo são uma fonte inesgotável e que o capitalismo esmagava, sufocava e estrangulava aos milhares e aos milhões.

A nossa tarefa agora, quando um governo socialista está no poder, é organizar a emulação.

[…] Naturalmente, esta substituição do trabalho forçado pelo trabalho para si próprio, a maior na história da humanidade, não pode realizar-se sem atritos, dificuldades, conflitos, sem violência em relação aos parasitas inveterados e seus lacaios. A este respeito, nenhum operário tem ilusões: temperados por longos e longos anos de trabalhos forçados para os exploradores, de inúmeros vexames e ultrajes da parte deles, temperados pelas duras necessidades, os operários e os camponeses pobres sabem que é preciso tempo para quebrar a resistência dos exploradores. Os operários e camponeses não estão de modo algum contaminados pelas ilusões sentimentais dos senhores intelectuaizinhos, de toda essa porcaria dos novojiznistas e outros, que “gritaram” contra os capitalistas até enrouquecer, que “gesticularam” contra eles, que os fulminaram, para logo começarem a chorar e a portar-se como cãezinhos espancados quando se chega aos fatos, à realização das ameaças, à execução na prática do afastamento dos capitalistas.

[...] A grande substituição do trabalho forçado pelo trabalho para si próprio, pelo trabalho organizado planificadamente numa escala gigantesca, nacional (e, em certa medida, também internacional, mundial) exige também — além das medidas “militares” de repressão da resistência dos exploradores — imensos esforços organizativos, organizadores, por parte do proletariado e dos camponeses pobres. A tarefa organizativa entrelaça-se num todo indissolúvel com as tarefas da implacável repressão militar dos escravistas (capitalistas) de ontem e a matilha dos seus lacaios - os senhores intelectuais burgueses. Nós sempre fomos os organizadores e os chefes, nós comandávamos — assim falam e pensam os escravistas de ontem e os seus agentes entre a intelectualidade — queremos continuar assim, não nos poremos a escutar o “povinho”, os operários e camponeses, não nos submeteremos a eles, converteremos os conhecimentos em armas para defender os privilégios do saco de dinheiro e o domínio do capital sobre o povo.

[…] Agora uma das mais importantes tarefas, senão a mais importante, é desenvolver tão amplamente quanto possível esta iniciativa independente dos operários e de todos os trabalhadores e explorados em geral na obra criadora do trabalho organizativo. Custe o que custar é preciso destruir o velho preconceito absurdo, selvagem, infame e odioso, de que só as chamadas “classes superiores”, só os ricos ou os que passaram pela escola das classes ricas, podem administrar o Estado, dirigir a construção organizativa da sociedade socialista.

Isto é um preconceito. É mantido por uma rotina podre e fossilizada, por um hábito servil e, ainda mais, pela imunda cupidez dos capitalistas, interessados em administrar saqueando e saquear administrando. Não. Os operários não esquecerão nem por um minuto sequer que necessitam da força do saber. O zelo invulgar que os operários manifestam em se instruir, que manifestam exactamente agora, demonstra que nesse sentido não há nem pode haver erro no seio do proletariado. Mas o trabalho de organização está também ao alcance do operário e do camponês comum, que sabe ler e escrever, que conhece os homens e tem experiência prática. Entre o “povinho”, de que falam com desdém e arrogância os intelectuais burgueses, há uma massa de pessoas destas. Na classe operária e no campesinato há uma fonte ainda intacta e uma fonte riquíssima desses talentos.

[…] O registro e o controle, que são necessários à transição para o socialismo, só podem ser obra das massas. Só uma colaboração voluntária e conscienciosa das massas de operários e camponeses, realizada com entusiasmo revolucionário, no registo e no controle dos ricos, dos vigaristas, dos parasitas, dos arruaceiros, pode vencer estas sobrevivências da maldita sociedade capitalista, esses detritos da humanidade, esses membros irremissivelmente podres e mortos, esse contágio, essa peste, essa chaga que o capitalismo deixou em herança ao socialismo.

[…] Os ricos e os vigaristas são as duas faces de uma mesma medalha, são as duas categorias principais de parasitas alimentados pelo capitalismo, são os principais inimigos do socialismo, estes inimigos devem ser submetidos à particular vigilância de toda a população, é preciso dar cabo deles implacavelmente à menor infração às regras e às leis da sociedade socialista. Toda a fraqueza, toda a vacilação, todo o sentimentalismo constituiriam neste aspecto o maior crime contra o socialismo.

[…] A Comuna de Paris mostrou um grande modelo de combinação da iniciativa, da independência, da liberdade de movimento, da energia do impulso vindo de baixo — com um centralismo voluntário alheio aos estereótipos. Os nossos Sovietes seguem o mesmo caminho. Mas ainda são "tímidos", ainda não se desenvolveram, ainda não “entraram” no seu trabalho novo, grande e criador de construção de uma ordem socialista. É preciso que os Sovietes lancem mãos à obra com mais audácia e iniciativa. É preciso que cada "comuna" — cada fábrica, cada aldeia, cada sociedade de consumo, cada comité de abastecimento - actue em emulação uns com os outros, como organizadores práticos do registro e do controle do trabalho e da distribuição dos produtos. O programa deste registro e controle é simples, claro e compreensível para todos: que cada um tenha pão, que todos usem calçado sólido e boa roupa, tenham uma casa quente, trabalhem conscienciosamente e que nem um só vigarista (incluindo os que fogem do trabalho) passeie em liberdade, mas esteja na prisão ou cumpra uma pena de trabalhos forçados do tipo mais duro, que nenhum rico, que infrinja as regras e leis do socialismo, possa escapar à sorte dos vigaristas, que por justiça deve ser a do rico. “Quem não trabalha não come” — eis o mandamento prático do socialismo.

Fonte: V.I. Lenine; Obras Escolhidas; Vol II; p.442; Alfa-Omega.

Edição: Página 1917







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