Mathias Seibel Luce*
Agosto/2017
[...] Forjada no calor da luta de classes na América Latina dos anos 1960 e 1970 pelos brasileiros Ruy Mauro Marini, Vania Banbirra e Theotonio dos Santos, a TMD é a síntese do encontro profícuo entre a teoria do valor de Marx e a teoria marxista do imperialismo, esta última formulada, entre outros, por Lenin. Deste encontro nasceu o veio teórico em que se descobriram categorias originais, para dar conta de explicar processos e tendências específicos no âmbito da totalidade integrada e diferenciada que é o capitalismo mundial. Categorias como superexploração da força de trabalho, transferência de valor, cisão no ciclo do capital, subimperialismo padrão de reprodução do capital e a própria categoria dependência são frutos dessa vigorosa tradição crítica, que além dos fundadores brasileiros tem entre seus expoentes nomes como Jaime Osório, Orlando Caputo, Adrían Sotelo Valencia e toda uma nova geração de pesquisadores que procuram dar continuidade ao programa de investigação da TMD no presente.
A partir das formulações da TDM logrou-se decisivamente, com maior rigor a compreensão crítica de que: desenvolvimento e subdesenvolvimento não eram processos desvinculados, nem um continuum separado pelo tempo ou superável meramente por políticas econômicas; que a industrialização em si, sem a ruptura com as estruturas socioeconômicas dominantes, não seria capaz de levar à superação das enormes mazelas em nossas formações sociais, mas produziria formas renovadas da dependência; que a condição econômico-social da América Latina não se devia à falta de capitalismo, sendo na verdade uma maneira particular em que o capitalismo se reproduz; que não havia burguesias internas com vocação anti-imperialista, mas o desenvolvimento associado e integrado ao imperialismo, em que as classes dominantes locais procuram compensar sua desvantagem na competição intercapitalista superexplorando os trabalhadores; que o imperialismo não era um fenômeno externo, mas apresenta também uma face interna, fincando raízes em nossas sociedades; que o sujeito revolucionário não era a frente pelo desenvolvimnto do "capitalismo nacional", mas a frente de classe a ser integrada pelo proletariado, o campesinato e setores da pequena burguesia; que a crítica da política econômica deveria avançar para o terreno da crítida da Economia Política; em suma, que nem o funcionamento da lei do valor, nem a configuração histórica das formações econômico-sociais se dão uniformemente, mas sob o desenvolvimento desigual¹, não sendo um dualismo estrutural, nem tampouco um todo indiferenciado, mas um coplexo de complexos que é preciso conhecer com o devido rigor, para atuar sobre sua realidade e poder transformá-la.
* Mathias Seibel Luce, docente do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Notas:
1 - Por vezes, a TMD é interpretada como expressão da abordagem do desenvolvimento desigual e combinado, de Leon Trotsky. Na verdade, as fontes principais da TMD são a teoria do valor de Marx e a teoria do imperialismo e o debate sobre a diferenciação das formações econômico-sociais e desenvolvimento desesigual em Lenin. Podem ser encontrados pontos de aproximação e discussão com a tese do desenvolvimento desigual e combinado. Porém, entendemos que esta última está em um nível de abstração mais geral, pensando a desigualdade do ritmo no processo histórico para uma gama variada de acontecimentos. Diferentemente, o desenvolvimento desigual examinado pela TMD estriba especialmente no desdobramento histórico da lei do valor e na diferenciação das formações econômico-sociais, no contexto de formação do mercado mundial e na integração dos sistemas de produção, dando passo a fenômenos históricos específicos. Daí advêm leis tendenciais específicas à economia dependente, descobertas originalmente pela TMD e que são expressão agudizada das leis gerais do capital, sob tendências negativamente determinadas enquanto momento predominante.
Fonte: Teoria Marxista da Dependência, Mathias Seibel Luce, Expressão Popular, p. 9-11, 2018.
Edição: Página 1917
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