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terça-feira, 9 de maio de 2023

Onda Progressista ou Ilusões Requentadas?

Ney Nunes

27/07/2022

Muito se tem publicado a respeito de uma “segunda onda progressista” na América Latina, iniciada a partir da eleição de López Obrador, em 2019, no México e na sequência com as vitórias de Alberto Fernández (Argentina), Luis Arce (Bolívia), Pedro Castillo (Peru), Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia). A grande maioria dessas publicações traz uma visão positiva do processo e indicam que a possível vitória de Lula nas eleições de outubro seria mais um movimento a incrementar essa “segunda onda progressista”.




Mas não podemos avaliar a “segunda”, sem antes fazer um balanço da “primeira”. Esta, inaugurada por Hugo Chávez na Venezuela em 1999 e logo depois reforçada no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Chile e Equador com as respectivas eleições de Lula, Néstor Kirchner, Tabaré Vázquez, Evo Morales, Michelle Bachelet e Rafael Correa. Um processo que, sem a menor dúvida, era reflexo do movimento das massas latino-americanas em luta contra a ofensiva capitalista, apelidada de “neoliberalismo”. Foram líderes que chegaram ao governo envoltos nessa enorme expectativa de mudança, apoiados por organizações operárias e populares que estiveram, durante os anos noventa, à frente das lutas contra os efeitos dessa ofensiva capitalista, como o desemprego, aumento da miséria, privatizações, corte nos serviços públicos e muitos outros. Ou seja, de forma geral, mesmo considerando as especificidades de cada país, eles tinham força política e respaldo social para, pelo menos, dar início a um período de efetivas mudanças pelas quais tanto lutavam seus apoiadores.

No entanto, ao longo dos dez anos em que prevaleceram os governos oriundos da “primeira onda” (1999−2009), as expectativas por eles geradas foram, na maior parte das vezes, frustradas. Beneficiados pela alta nos preços das commodities, entre 2000 e 2014, que permitiu a criação de novos programas sociais e realizar maiores investimentos públicos, esses governos praticamente não avançaram nada em direção ao enfrentamento dos principais problemas que pesam sobre a América Latina: subordinação a economia imperialista e uma enorme desigualdade social. Até mesmo, a experiência considerada mais “radical”, a Venezuela de Hugo Chávez que ousou contrariar mais incisivamente os ditames do imperialismo norte-americano, sendo por isso pesadamente sancionada, não logrou livrar a economia da relação historicamente subordinada: exportadora de petróleo e importadora de bens industrializados.

Os demais governos dessa primeira onda progressista ficaram nos estreitos limites da institucionalidade burguesa, pactuando neodesenvolvimentismo com neoliberalismo, nos marcos de economias capitalistas primário-exportadoras. A resultante dessa quebra de expectativas foi o que podemos chamar de “uma ressaca conservadora”, representada pelo retorno de governos de direita e extrema-direita através da via eleitoral ou por meio de golpes institucionais.

O que, então, se poderia esperar da chamada segunda onda progressista? Pelas atitudes e declarações dos seus protagonistas, nada além de uma gestão bem comportada nos limites da democracia burguesa e do capitalismo. No México, após três anos, o governo de Lopes Obrador é a continuidade da gestão neoliberal do capitalismo no México, mantendo a austeridade fiscal, transferindo gastos públicos para projetos de interesse empresariais, desregulamentando e liberalizando taxas de juros; intensificando a integração econômica, abertura ao investimento estrangeiro e as privatizações. Na Argentina, Alberto Fernández se rendeu ao FMI e a crise social se torna aguda. O presidente peruano, Pedro Castillo, não passa de um fantoche nas mãos dos políticos burgueses. Luis Arce na Bolívia, segue a receita do seu mentor, Evo Morales, mantendo o pacto de governabilidade burguesa. As novas estrelas dessa nova onda, o chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro não perderam tempo em buscar aproximação com o imperialismo, fazendo críticas aos países que sofrem com bloqueios e sanções norte-americanas e indicando ministros de inteira confiança da burguesia.

A conjuntura internacional hoje é bem distinta de 1999. A crise capitalista, inaugurada em 2008, ganha contornos maiores no âmbito de acirradas disputas interimperialistas. Nada indica um novo boom das commodities a curto prazo, pelo contrário, nuvens sombrias pairam sobre o capitalismo mundial, indicando novas incertezas e ameaças sobre os países mais vulneráveis do sistema imperialista. Dessa forma, a badalada segunda onda progressista na América Latina, parece mais um conjunto de ilusões requentadas. Mas essa é a função histórica do reformismo: trair a confiança e continuar fornecendo novos engodos para turvar a visão dos explorados.

Ao que tudo indica, as veias abertas da América Latina, no que depender dessa segunda onda progressista, vão continuar jorrando o sangue dos nossos povos na garganta sedenta do imperialismo.

Fonte: Guerra de Classes; Ney Nunes;  Clube dos Autores; 2022.

Edição: Página 1917


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