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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Antonio Gramsci, Herói do Proletariado*


Carta escrita por Gramsci para sua mãe, em 10 de maio de 1928.


   "Gostaria, para ficar mesmo tranquilo, que você não se apavorasse nem se perturbasse, independente da pena que me derem. Gostaria que você entendesse bem, também com o sentimento, que eu sou um preso político, e serei um condenado político, que não tenho e nunca terei porque envergonhar-me desta situação. Que, no fundo, fui eu mesmo quem quis de certo modo a detenção e a condenação, pois nunca pensei em mudar as minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida e não só ficar na prisão. E, por isso, eu só posso estar tranquilo e contente comigo mesmo. Querida mamãe, gostaria muito de lhe abraçar bem apertado para que sentisse o quanto eu gosto de você e como gostaria de lhe consolar por esse desgosto que lhe dei, mas não podida agir de outro modo. A vida é assim, muito dura, e os filhos algumas vezes tem de dar grandes desgostos às suas mães, se querem conservar a sua honra e a sua dignidade de homens."


Os momentos finais.**

   "Jantou como de costume, tomou a sopinha com caldo de carne, um pouco de compota e um pedacinho de pão em fatia. Saiu para ir ao banheiro e foi trazido de volta numa cadeira transportada por várias pessoas. No sanitário, perdera o lado esquerdo, falava muito bem, e contou muitas vezes que, sentindo-se desfalecer, assim mesmo não bateu a cabeça no chão e arrastou-se até a porta e pediu socorro. Apareceu um doente que avisou uma enfermeira, e ela então sugeriu a Nino** que se esforçasse para abrir ele mesmo a porta e ele viu que conseguia, apoiando-se na parte esquerda. Infelizmente, fez esforços enormes, enquanto deveria evitar quaisquer emoções e esforços. Posto na cama, chamaram um médico entre os que se encontravam na clínica. Veio primeiro o doutor Marino, não permitiu que se aplicassem nenhuma injeção excitante dizendo que esta não faria senão piorar as condições, enquanto Nino com muito ímpeto pedia a injeção, antes, queria um cordial, pedindo em dose dupla, numa palavra, Nino estava perfeitamente em si, e com toda sorte de particulares contou ao doutor o que tinha lhe acontecido. Quando, depois, colocaram-lhe um saco de água quente nos pés, disse que queimava muito, depois mencionou o fato de que o pé esquerdo não sentia mais o calor. O professor Puccinelli era esperado de um momento para outro, porque estava ocupado com uma operação urgente. Avisei na portaria e na sala de operações para que logo que o professor chegasse  viesse ver Nino. Em torno das nove, ele veio acompanhado pelo assistente e constatou a perfeita imobilidade do lado esquerdo, braço e perna, ordenou que colocassem gelo na testa e nada de saco de água quente nos pés, um clister de sal que Nino desse que não queria, contando também a Pucinelli o que sentira no banheiro. Precisou que não perdera realmente os sentidos, mas apenas a sensibilidade e a mobilidade do lado esquerdo, Pucinelli experimentou fazê-lo mover as articulações inferiores e se contentou em repetir as palavras de Nino: "a perna esquerda está fraca", sim, está "fraca", disse. Ordenou que fizessem uma sangria. Nino ainda falava perfeitamente, apenas com alguns sinais de cansaço que Pucinelli constatou. Disse-me que Nino devia estar perfeitamente tranquilo, enquanto quando ele chegara tinha-o encontrado de boca para cima e ajudado a coloca-lo de bruços. Agora Nino procurava encontrar uma posição para repousar melhor, firmava com uma das mãos nas barras da cama, a única livre, e tive que adverti-lo para não se virar muito para o lado esquerdo imóvel porque estava para cair da cama. Diante desta observação minha ele respondeu com perfeita compreensão e se esforçou para se estender do lado oposto. Desgraçadamente, só vieram para lhe aplicar a sangria depois de mais de uma hora, e neste tempo ele vomitou diversas vezes, eu estava só, mas consegui igualmente lhe ser útil; pediu depois para urinar, e o fez, depois recomeçava ainda com os esforços para vomitar, em seguida assoava o nariz que por força das circunstâncias enchera-se de alimento; a esta altura ainda falava, depois começou a procurar o lenço sem pronunciar nada, a procurar as cegas, em seguida permaneceu com os olhos fechados e só a respiração ofegava muito. A sangria não deu o resultado desejado e o dr. Belock deu a entender à freira que as condições do doente eram desesperadoras. Veio o padre, outras irmãs, tive que protestar do modo mais veemente para que deixassem Antonio tranquilo, enquanto estes quiseram continuar a revolver Nino para saber se ele desejava isto, aquilo, aquilo outro, etc. Na manhã seguinte, em torno das 10 horas, chegou Frugone. Toda a noite passou-se sem que as condições em nada absolutamente se modificassem.

   A uma pergunta minha, dirigida a Frugone, para saber quais eram as verdadeiras condições do doente, respondeu que eram gravíssimas e que não podia me dizer nada, tal qual um arquiteto que não pode dar nenhum parecer uma vez que uma casa desaba. Ordenou, porém, que lhe colocassem saguessugas nas mastóides e certas injeções. Parecia que à tarde Nino respirava um pouco melhor. Mas 24 horas depois do ataque voltaram-lhe os esforços de vômito e uma respiração excessivamente penosa. Velei sempre por ele, fazendo o que sabia, banhando-lhe os lábios, procurando fazer com que recuperasse artificialmente a respiração enquanto esta parecia querer se firmar, mas, depois veio um último respiro rumoroso e sobreveio o silêncio irremediável.
    Chamei o doutor que confirmou o que eu temia. Eram 4:10 do dia 27 de abril."

*Fundador do Partido Comunista Italiano, seu principal dirigente e teórico. Foi preso pelo governo fascista de Mussolini em 08 de novembro de 1926, adoeceu devido as péssimas condições do cárcere, onde permaneceu por dez anos. Tuberculoso e com outros problemas de saúde, faleceu dois dias depois de receber o comunicado oficial da sua libertação.
Nascimento: 22 de janeiro de 1891, Ales, Itália
Falecimento: 27 de abril de 1937, Roma, Itália

**Trecho da carta de Tatiana Shucht (cunhada de Gramsci), datada de 12/05/1937, enviada a Piero Sraffa, amigo de Gramsci.

*** Como Gramsci era chamado por familiares desde criança.




    



  

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