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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Rafael Gómez Nieto e Manolis Glezos, dois dos nossos!


 Higinio Polo
 08.Abr.20
   
   No mesmo dia 30 de Março faleceram duas figuras da luta contra o nazi-fascismo: o espanhol Rafael Gomez Nieto e o grego Manolis Glezos. A trajetória pessoal de Glezos foi mais visível, e é a de um símbolo de resistência: desde o arrancar da bandeira nazi da Acrópole de Atenas até ao corajoso pedido de desculpas ao povo grego por ter confiado em Tsipras. Ambos ilustram o largo leque da unidade antifascista. Ambos são exemplos para um presente não menos difícil do que aquele que enfrentaram.
Rafael Gomez Nieto
  Enquanto o mundo se mirava na vertigem e no temor da pandemia, chegava-nos a notícia da morte de Manolis Glezos, o rosto da resistência grega a quem, em 30 de Março, o coração falhou. Além disso, como se a fatalidade não tivesse descanso, atingia-nos o falecimento, no mesmo dia, de Rafael Gómez Nieto, o último sobrevivente la nueve, a IX companhia do general Leclerc, repleta de republicanos espanhóis, que libertou Paris dos nazis, morto pelo coronavírus como se, levando ambos, a concha de um tempo desolado nos enviasse a advertência e a memória de uma geração que soube resistir ao fascismo e preservar entre as suas ruínas a frágil estirpe da fraternidade.

   Quando não passava de um garoto, Glezos começou a descobrir a vida sob a ditadura fascista de Metaxas, e depois combatendo contra a ocupação nazi da Grécia, que causou centenas de milhares de mortes, deportações para os campos de extermínio, fuzilamentos em massa (entre eles, o de um irmão de Manolis); suportando a fome do inverno de 1941 que semeou a desolação e acabou com a vida de dezenas de milhares de gregos. Teve que sofrer, como tantos dos seus compatriotas, a deprimida solidão do 1º de Maio de 1944, quando duzentos militantes do Partido Comunista Grego foram fuzilados em Kesariani pelas tropas de ocupação alemãs e, depois, a tristeza da derrota na guerra civil grega. Manolis Glezos participou também na campanha para evitar o fuzilamento de Nikos Beloyannis (o homem do cravo que Picasso pintou) e outros onze dirigentes comunistas gregos, que embora tenham sido a alma da resistência contra os nazis seriam condenados à morte em 1952 por um tribunal militares que tinham entre os seus membros o futuro ditador Papadopoulos, nos anos da feroz perseguição contra os comunistas amparada pela guerra fria sustentada pelos Estados Unidos. Beloyannis e seus camaradas foram fuzilados em Goudi, assassinato que durante décadas marcou Glezos e toda a esquerda grega.
Manolis Glezos
   Manolis Glezos esteve nas fileiras da resistência contra os nazis e nos grupos guerrilheiros que lutaram durante a guerra civil de 1946-1949 para acabar com a velha monarquia corrupta apoiada por seu exército e pelas armas de Londres e Washington. Esteve também entre os militantes que combateram a ditadura dos coronéis, que os Estados Unidos também apoiaram, e entre os que denunciaram ao mundo o massacre protagonizado pelo exército grego quando esmagaram com seus tanques o protesto dos estudantes da Universidade Politécnica de Atenas em Novembro de 1973, assassinando oitenta pessoas: muitas com balas e algumas sob a lagarta dos veículos blindados. Aquele sinistro regime de Papadopoulos, que ainda tinha o sangue de Beloyannis nas mãos, manteve Manolis Glezos nas suas prisões por quatro longos anos.


   Ao longo de sua vida, Manolis Glezos suportou dezasseis anos de prisão, foi torturado pelos esbirros da ditadura militar, acumulou três condenações à morte, foi condenado à prisão perpétua, foi acusado de espionagem a favor da União Soviética e tentaram assassiná-lo em várias ocasiões; resistiu ao exílio, combateu o imperialismo e a exploração. Foi prefeito da sua povoação, trabalhou incansavelmente para evitar a degradação da terra e preservar a água e as colheitas; publicou artigos durante anos, escreveu seis livros, sempre habitando o território dos pobres, superando o abatimento e a derrota. Foi deputado comunista no Parlamento grego, participou ativamente do movimento pela paz que mobilizou milhões de pessoas em todo o mundo para denunciar o perigo atômico, recebeu o Prêmio Lenin da Paz e chegou a ser deputado europeu durante uns meses.

   Manolis Glezos, com o boné bolchevique que cobria os seus cabelos brancos de velho resistente, olhava sempre o futuro, desafiando a lepra e a gangrena de um capitalismo miserável que se encarniçou contra a Grécia nos anos da guerra civil e nos mais recentes da crise de 2008 que levou o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, perseguidor implacável dos comunistas da RDA após 1989, a impor na União Europeia o impiedoso corte das pensões gregas num plano de austeridade que era na realidade uma feroz espoliação dos trabalhadores. Manolis Glezos ia às manifestações de protesto acompanhado de Mikis Theodorakis, acompanhava os grevistas e, com quase noventa anos, foi gravemente ferido pela polícia grega numa manifestação e foi capaz de denunciar o grave erro de Tsipras, a capitulação da esquerda que se tinha rendido às imposições de Bruxelas.

   Rafael Gomez dirigindo o seu carro blindado em Paris em Agosto de 1944, envolto na bandeira tricolor da dignidade espanhola, e Manolis Glezos arrancando a suja bandeira suástica da Acrópole de Atenas em 1941, combatendo durante toda a sua vida o amargo entulho da exploração e da injustiça, deixam-nos a herança de um tempo em que a resistência fez os seres humanos melhores e nos, e apontam-nos o horizonte do trabalho honesto e das rajadas de liberdade nas ruas. Sempre nos acompanharão, porque eram dois dos nossos.

Fonte: https://www.odiario.info/rafael-gomez-nieto-e-manolis-glezos/





               

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